domingo, 19 de abril de 2009

O ANEL DE CLARICE


Autor: Aldemir Martins
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“Como faço pra desistir de procurar de verdade?”,
Clarice se pergunta.
Na verdade, não é Clarice que se pergunta. É seu personagem.

Começo a ler o texto. Clarice Lispector está procurando um anel. Na verdade, não é Clarice que está procurando. É seu personagem. Ela revista as gavetas, os armários, tudo, até que desiste. Assim que desiste, vai até a cozinha tomar chá e encontra o anel dentro de uma xícara.

Não é exatamente assim, mas imagine assim mesmo. É o suficiente.

Depois do chá, Clarice resolve sair e começa a procurar a carteira de documentos.
Na verdade, não é Clarice que resolve sair e procurar a carteira. É seu personagem.

Ela revista a bolsa, as gavetas, os armários, tudo, até lembrar que o anel só apareceu quando ela desistiu de procurá-lo. Então, Clarice desiste de procurar a carteira também.

Volta até a cozinha para tomar outro chá, porém, desta vez, não encontra a carteira dentro de nenhuma xícara.

Não é exatamente assim, mas imagine assim mesmo. É o suficiente.

Por fim, Clarice percebe que o truque de encontrar o que está procurando só funciona de verdade quando ela desiste de procurar de verdade.

E, na sua busca pela carteira de documentos, ela não está desistindo de procurar. Está apenas fingindo desistir como forma de continuar procurando.
E assim não funciona.

“Como faço pra desistir de procurar de verdade?”, Clarice se pergunta.

Na verdade, não é Clarice que se pergunta. É seu personagem. Ou melhor, na verdade, não é Clarice nem seu personagem que se pergunta. Pois não é Clarice nem seu personagem que está lendo o texto.

Fonte:
Este texto delicioso pincei do
" Xixi com Tinta" de Marcelo Ferrari
http://xixicomtinta.blogspot.com/2007/07/o-anel-de-clarice.html