0 Funeral japonês alegre - 8* dreams
SONHOS
de
Akira Kurosawa
A UTOPIA DA ALDEIA SEM NOME
"Sonhos" (de 1990) é uma das obras mais otimistas e mais famosas de Kurosawa e um filme que faz pensar. Trata-se de uma coleção de contos, ou poemas orientais em forma visual. Todos os episódios de “Sonhos” são excelentes. Vale a pena olhar um ou dois e fazer uma pausa, para que a visão de um episódio não apague demasiado rapidamente a impressão causada pelo anterior. E é recomendável olhar mais de uma vez o filme.
Os contos de "Sonhos"
têm uma dimensão iniciática,
Um personagem do final do século vinte, caminhando com uma mochila às costas, chega a uma aldeia ideal, um pequeno paraíso ecológico situado fora da geografia conhecida.
O visitante senta para conversar com um velho habitante da vila, já com 103 anos de idade. O ancião faz uma crítica extremamente lúcida da sociedade industrial. Ele mostra a ausência de significado no 'progresso' materialista e sem alma. Ele formula uma proposta tão simples como clara e profunda para a civilização do futuro. Ele faz uma exaltação sem igual do amor à vida como algo que transcende a forma, mas que, por isso mesmo, sabe respeitar a forma.
O velho fala com poucas palavras de um amor universal e sem limites que é maior que a vida física, mas que ao mesmo tempo tira o melhor proveito da vida e conhece bem o seu imenso valor.
Os habitantes da Aldeia vivem todos com saúde, até uma idade avançada. E quando morrem, os funerais são felizes celebrações da vida que se completou. Em meio ao paraíso ecológico, o visitante conversa com o velho sábio:
“Qual é o nome desta vila?”
“Não tem nome”, é a resposta. “Nós a chamamos apenas de ‘A Vila’. Algumas pessoas a chamam de ‘Vila dos Moinhos’.”
Aqui Kurosawa faz uma dupla alusão. Uma vila sem nome é uma utopia, um não-lugar, o lugar ideal. Mas esta vila sem nome também pode ser chamada de Vila dos Moinhos, ou Vila das Rodas D’Água. Esta é a imagem simbólica da Roda da Vida, o Samsara budista, que, sendo um moinho, mói incessantemente a ignorância humana e a transforma o tempo todo em lições de sabedoria, em alimento espiritual.
O visitante pergunta: “Não há eletricidade aqui?”
“Não é necessário”, responde o velho. “As pessoas ficam muito habituadas à comodidade. Elas pensam que a comodidade é melhor. Elas jogam fora o que verdadeiramente bom.”
“Mas e a iluminação?”
“Nós temos velas e óleo de linhaça”.
“Mas a noite é muito escura”.
“Sim. É isso é natural. Por que haveria a noite de ser tão clara quanto o dia? Eu não gostaria de noites claras, pois não conseguiria ver as estrelas.”
“Vocês têm arrozais. Não usam tratores cultivá-los?”
“Não precisamos disso. Temos cavalos e vacas.”
“O que usam como combustível?”
“Lenha, principalmente. Nós não nos sentimos bem derrubando árvores. Bastam aquelas que caem por si mesmas. Nós as cortamos e as usamos como lenha. E se você fizer carvão a partir da lenha, algumas poucas árvores lhe darão tanto calor quanto uma floresta inteira. Sim, e esterco de vaca dá também um bom combustível. Tentamos viver da maneira como o homem vivia antes. Esse é o caminho natural da vida.
As pessoas hoje esqueceram; mas elas são na verdade apenas uma parte da natureza. No entanto, elas destroem o meio ambiente, do qual a nossa vida depende. Elas sempre pensam que conseguem fazer algo melhor. Especialmente os cientistas. Eles podem ser espertos, mas a maior parte deles não compreende o coração da natureza. Só inventam coisas que no final tornam as pessoas mais infelizes. No entanto, ficam muito orgulhosos de suas invenções.
O pior é que as pessoas também se orgulham. Elas as vêem como se fossem milagres. Idolatram-nas.
O pior é que as pessoas também se orgulham. Elas as vêem como se fossem milagres. Idolatram-nas.
As pessoas não sabem, mas estão perdendo a natureza. Elas não vêem que caminham para a destruição. As coisas mais importantes para os seres humanos são ar limpo, água limpa, as árvores e vegetação. Tudo isso está sendo sujado e poluído para sempre. Ar sujo, água suja. Estão sujando os corações dos homens.”
Viajante – Vindo para cá, vi algumas crianças colocando flores em uma pedra ao lado da ponte. Por quê?
Ancião – Ah, isso. Meu pai me contou uma vez. Há muito tempo, acharam um viajante morto, perto da ponte. Os aldeões ficaram com pena e o enterraram lá. Colocaram uma pedra na tumba dele e puseram flores. Tornou-se um costume colocar flores lá. Não só as crianças. Todos os aldeões colocam flores quando passam, embora a maioria não saiba por quê.
Viajante – Há um festival hoje? (ouvindo uma festividade aproximando-se).
Ancião – Não, é um funeral. Acha estranho? Um funeral é sempre agradável. Viver bem, trabalhar bem e morrer com agradecimentos é louvável. Não temos templos nem sacerdotes aqui. Assim, os próprios aldeões levam os mortos até o cemitério da colina. Mas não gostamos quando jovens e crianças morrem. É difícil comemorar tal perda. Mas, felizmente, as pessoas deste povoado levam uma vida natural. Então, morrem de acordo com a idade. A anciã que vai ser enterrada viveu gloriosamente os 99 anos. Agora, vou unir-me ao cortejo. Com licença. Na verdade, ela foi o meu primeiro amor. Mas ela partiu meu coração e me trocou por outro. Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!
Viajante – A propósito, quantos anos tem?
Ancião – Eu? Cem... mais três. Boa idade para parar de viver. Uns dizem que a vida é sofrimento. Isso é bobagem. Sinceramente, é bom estar vivo. É emocionante.
(O ancião dirige-se à estrada, seguido pelo viajante, para juntar-se ao cortejo festivo. Cumprimenta cordialmente o viajante e une-se aos outros aldeões em festa.
O viajante assiste admirado o cortejo passar e, antes de retirar-se da aldeia, deposita flores na pedra do túmulo do viajante morto. A paisagem é indescritivelmente bela...
E os moinhos,
girando no ritmo da correnteza do rio,
expressam o ritmo da vida)
Li-Sol-30
Fonte:
Enviado em 27/04/2008
0 Trecho do filme Sonhos de Akira Kurosawa
http://www.filosofiaesoterica.com/ler.php?id=839#.UTvpemdi2U0
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Sejam felizes todos os seres.Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.