quinta-feira, 17 de março de 2011

BERGSON E ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES SOBRE O TEMPO - Zairo Carlos da Silva Pinheiro

Bergson 
 e algumas contribuições sobre o tempo


- Centro de Estudos do Imaginário - UNIR (1)

CONSELHO EDITORIAL
Arneide Cemin
Ednaldo Bezerra Freitas
Zairo Carlos da Silva Pinheiro

Faremos adiante uma abordagem sobre as dimensões temporais (passado, presente e futuro) tendo como eixo o livro Matéria e Memória, de Henri Bergson ( 1990 ). Pois sua concepção de que existe um passado e que este forma nossas percepções do presente não é só contrária a uma idéia presentista (valorização de um presente em detrimento de categorias como passado e futuro) mas necessário como referência para compreensão de uma nova categoria que ele nomeia como presente imediato. O referencial de nossa discussão terá por eixo a idéia de "experiência passada", não obstante a sua tão criticada hipótese de que o passado se conserva em sua totalidade.

Bergson
sempre foi sinônimo de polêmica e seus conceitos sobre memória, existência, matéria e outros se entrelaçam numa cadeia de significados e conclusões que intrigaram vários pensadores. Certamente dentre suas polêmicas o que mais provoca seus críticos é a possibilidade do passado de uma pessoa se "conservar na memória", influenciar o presente e criar possibilidades de futuro. Para ele tais dimensões temporais são fundamentais. Uma pessoa só se reconhece no mundo, se tiver um experiência anterior. Dentre as concepções teóricas que começaram a pensar a memória dentro de outro enfoque, não mais como "mesma imagem", mas esta já modificada, foi Ernst Cassirer (1997: 88): "No homem", comenta,

não podemos descrever a lembrança como um simples retorno de um evento, como uma vaga imagem ou cópia de impressões anteriores. Não é simplesmente uma repetição, mas antes um renascimento do passado; implica um processo criativo e construtivo. Não basta recolher dados isolados da nossa experiência passada; devemos realmente re-colhê-las, organizá-las e sintetizá-las em um foco de pensamento. É esse tipo de lembrança que proporciona a forma característica da memória, e a distingue de todos os demais fenômenos na vida animal ou orgânica.

Nesse trecho, fica claro a postura tomada sobre o conceito de lembrança. Esta não seria uma "cópia", "repetição", mas processo "criativo", dinâmico que tem como princípio a construção de algo. E essa característica é o que diferenciaria o homem de qualquer outro animal. Mesmo neste modo de encarar a questão da memória, o filósofo apesar de não estar inclinado para o campo introspectivo que enveredou Bergson, não procurou negar a existência desse passado, e chega mesmo a apontar como fundamental a possibilidade do homem "re-colhê-lo" para daí tirar todos os frutos que possa ser alimentado o pensamento. O que importa para nós é essa crença que o passado é real, que ele não se extingue com o presente, este sendo muitas vezes não só influenciado, mas às vezes totalmente tomado por "distúrbios" psicológicos ocasionando as neuroses.

Sempre que Bergson explica qualquer conceito estes são identificados dentro de uma categoria temporal. Percebemos isso quando diferencia Lembrança de Percepção: "minha percepção presente não seria mais que um elo: este elo então comunica sua atualidade ao restante da cadeia." (p. 119-120). Com esta definição, o presente é reduzido a quase nada, sendo o fio que liga o mundo exterior ao mundo da experiência. A diferença feita serviu para Bergson perceber que a tentativa de desvendar o mundo externo não passa de "ilusão", este sendo inapreensível pois só se mostra em parcialidade; pelo contrário, nossa vida psicológica interior é maior, onde se encontra toda a nossa totalidade, sendo por isso inapreensiva para nós. Mas se o passado existe, por que não aparece ? Por que não toma o lugar do presente? " É verdade", diz,

que a possuímos apenas como um resumo, e que nossas antigas percepções, consideradas como individualidades distintas, nos dão a impressão, ou de terem desaparecido totalmente, ou de só reaparecerem ao sabor de seu capricho. Mas essa aparência de destruição completa ou de ressurreição caprichosa deve-se simplesmente ao fato de a consciência atual aceitar a cada instante o útil e rejeitar momentaneamente o supérfluo (p. 120).

Ele se utiliza de uma analogia simples para defender a idéia de que o passado se encontra em nós sem que precisemos conhecê-lo: quando nos encontramos em um cômodo de uma casa, não percebemos os outros cômodos que existem ao redor, nem a esquina que está a alguns metros de nós, no entanto, estão lá sem precisar que eu as veja com os olhos para que existam. Dentro desse contexto do que vejo (existe) e do que não vejo (não existe) é que se encaixa sua idéia de Consciente e Inconsciente. O primeiro está para a percepção assim como o segundo está para a lembrança. As coisas do passado não ficam isoladas dessa percepção, pelo contrário, se comunicam a todo instante com o momento presente, ou melhor, só existe Percepção Presente porque a mesma serve de ponte as Experiências Passadas.

É nesse ponto que a teoria de Bergson se "aproxima" com a teoria de Jung (1990). Este sempre alertou que só com uma investigação do seu inconsciente o homem pode reaver seu conteúdo de totalidade. E o que seria esse inconsciente se não nossa "experiência passada"? E acreditar num inconsciente, em imagens, sonhos, visões que vêm a todo instante do fundo de nossa "alma" é, de uma maneira ou de outra, acreditar que temos um "experiência interior", pouco conhecida. 

Isto não significa que o presente seja apagado, pelo contrário, reconhecer que existe o passado não é negar o presente, mas é colocá-lo no seu devido lugar (dimensão necessária para que nossa experiência anterior sobreviva). Bergson tem disso profunda clareza: é do presente, ou melhor, da Percepção Presente que parte o chamado para que a lembrança apareça. Questionado-se nesse ponto, comenta: " Mas como o passado, que, por hipótese, cessou de ser, poderia por si mesmo conserva-se? Não existe aí uma contradição real? - Respondemos que a questão é precisamente saber se o passado deixou de existir, ou se ele simplesmente deixou de ser útil" (p. 123). Jung (1990) alerta para o fato que ao esquecer uma palavra que antes íamos dizer, esquecer as chaves da casa, não é esquecimento no sentido literal do termo, mas desatenção ou tomada parcial do consciente pelo inconsciente. Tais palavras "esquecidas" apenas perderam momentaneamente sua utilidade (mas não desapareceram completamente da experiência que passou).

Mas por que a tendência atual de se conceber que o presente existe e o passado não? Nos estudos realizados sobre mitologias não ocidentais (Eliade, 1998; Guénon, 1957; Campbell, 1990) encontramos uma segunda via de compreensão do tempo, principalmente quando se refere ao tempo presente. Não mais aquela onde passado, presente e futuro fossem perspectivas supremas, mas sim o "grande presente", o presente que engloba tudo, que abarca todas as categorias tradicionais do tempo.

Guénon
, encontra essa idéia do Grande Tempo ao procurar correspondências entre a Grande Tríade extremo oriental (Céu, Terra e Homem) e o Tríplice Tempo (passado, presente e futuro), o Homem sendo identificado com o Presente. Este não passa nunca, pois o homem olha para si nesse momento indivisível. Acrescenta ainda, que o Passado é "necessidade", e o Futuro algo "livre", mas não deixando de existirem. Para explicar essa contradição onde o Presente nunca passa mesmo existindo Passado e futuro, comenta:

"É verdade que isso é ainda, na realidade, apenas uma questão de "perspectiva", e que, para um ser que está fora da condição temporal, não há mais passado, nem futuro, nem, por conseguinte, diferença alguma entre eles, aparecendo tudo em perfeita simultaneidade. Mas, é claro, falamos aqui do ponto de vista do ser que, estando dentro do tempo, acha-se necessariamente colocado, por isso mesmo, entre o passado e o futuro" (p. 134).

Campbell, contribui no mesmo sentido, quando analisando a yoga, aponta para o Tempo e o Espaço como fundamentais para se permanecer "lúcido" no mundo. Mas a yoga seria esta busca da eliminação de tal "conhecimento", onde a pessoa libertada de tal concepção veria todo o seu ser em totalidade, daí ele faz uma indagação: "Surge então o problema de trazer-nos de volta para que possamos agir segundo os dois conhecimentos" (p. 127). Ora, mesmo nessa perspectiva apontada por esse mitólogo, as dimensões temporais como passado e futuro são não só necessárias, mas úteis para a convivência no mundo.

Mas o que podemos tirar como conclusão dessas concepções acima com a teoria de Bergson de que o passado existe? Primeiro, observemos que nas mitologias apresentadas acima, o Presente sempre é o eixo do Tempo; ele é quem existe de fato. Passado e Futuro são conseqüências dele. Ou melhor, para o "transcendente" realmente é inconcebível existir passado, futuro ou qualquer tipo de espacialidade, pelo contrário, só pode existir o Eterno e Grande Presente. Mas surge uma indagação: como estando inseridos no Tempo podemos eliminar tais conhecimentos (tempo-espacial) que é uma conquista da consciência? Como podemos afirmar que passado e futuro não existe se é neles que estamos inseridos totalmente? Não! Mil vezes não! Só podemos entrar no "Grande Presente" quando nos aliarmos ao "salvos", segundo Campbell e para isso temos que nos tornamos iogues, e mesmo assim teremos "necessidade" de retornar ao Tempo.

Com Eliade percebemos a função que isso representa, ou seja, só é possível ter passado, presente e futuro o que é humano, que está inserido num Tempo Profano. Ao contrário, o Grade Tempo Mítico não é mais que um Eterno Presente, mas um presente inconcebível ao homem que não se libertou da situação profana. Num livro intitulado Mito e Realidade, discorre perfeitamente sobre a importância do "tempo passado" e da "memória" para as tradições "primitivas" e indochinesas. Tanto aquelas quanto estas usaram técnicas que possibilitam "abolir" o tempo. Mas por que o homem quer abolir o tempo? Para não mais do que se "curar" ou "libertar", segundo ele. "Rememorizar" seria, então, o mesmo que "reviver" as coisas que se passou conosco ou com a "humanidade", diria Bergson.

Ainda nesse último livro citado, Eliade (1998: 82) diz que "o importante é rememorar mesmo os detalhes mais insignificantes da existência (atual ou anterior), pois é somente graças a essa recordação que se chega a "queimar" o passado, a dominá-lo, a impedir que ele intervenha no presente."

Não queremos dar a entender que estamos comparando tais teorias com as de Bergson, mas somente reter a importância dada por esses autores às concepções de passado, presente e futuro.

Não pretendemos também, substituir concepções "presentistas" por outras que apresentem passado e futuro em substituição, mas enfatizar que acreditar que vivemos num "eterno presente" e que categorias como passado e futuro não existem é simplesmente patético. Viver nesse "eterno presente", ou num "presente largo", só seria possível se nos libertássemos do Tempo, ou melhor, se conseguíssemos realizar as técnicas indochinesas da destruição do nosso microcosmo temporal. E mesmo que isso seja possível terão que, mesmo contra a vontade, "regressar" no tempo místico, pois "chegando-se ao princípio do Tempos", comenta Eliade, atinge-se o Não-Tempo, o eterno presente que precedeu a experiência temporal, inaugurada pela primeira queda na existência humana.

Em outros termos, a partir de um momento qualquer da existência temporal, pode-se chegar a exaurir essa duração ao percorrê-la em sentido contrário, e desembocar finalmente no Não-Tempo, na eternidade. Isso, porém, significa transcender a condição humana e recuperar o estado não-condicionado que precedeu a queda no Tempo e na roda das existências".

Se os Presentistas realizarem isto acima, renegaremos Passado e Futuro. Mas renegá-los não nos torna melhor ou pior, pois como diz Miranda (1994: 40),

"A divisão presente, passado e futuro é meramente didática, destinada a reduzir a termos compreensíveis uma realidade que, sob muitos aspectos, ainda nos escapa, mas que parece contínua e simultânea. O presente é apenas uma linha móvel que arbitrariamente imaginamos para separar em duas – passado e futuro – uma realidade indivisível e global".

Portanto,
 viver no Paraíso Bíblico,
onde não existe passado e futuro, 
somente um "eterno presente", 
não é nada ruim, 
pena que não estamos vivendo nesse paraíso...
menos ainda fora do Tempo.

integrante do Centro de Estudos do Imaginário.
Copyright© 2000
CEI - UNIR
LABIRINTO
Universidade Federal de Rondônia
Revista Eletrônica do
Centro de Estudos do Imaginári
o
http://www.cei.unir.br/artigo12.html
Sejam felizes todos os seres. 
Vivam em paz todos os seres. 
Sejam abençoados todos os seres.

A POESIA DAS IMAGENS E O IMAGINÁRIO DA CRIAÇÃO :A Ronda Noturna de Bachelard


Entre a Poesia das Imagens e o Imaginário da Criação:
A Ronda Noturna de Bachelard


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CONSELHO EDITORIAL
Arneide Cemin
Edinaldo Bezerra Freitas
Zairo Carlos da Silva Pinheiro
  
É encontrar uma espécie de elo perdido. A obra de Bachelard parece nos conduzir até aquele espaço onde acontecem encontros: ciência e poesia, razão e sentimento, matéria e espírito. É desconcertante, ao mesmo tempo tão obvio, complexo e tão elementar. Não restam dúvidas, estamos diante de um dos maiores e mais seminais pensadores do ocidente. Produtor e produto da demanda de conhecimentos de um nosso mundo contemporâneo, um mundo tão cheio de soluções e contradições, tão longe e tão perto da vontade potencial de achar a fórmula da alquimia elementar, e ao mesmo tempo tão fora de possibilidades, senão, de um mundo de exclusão e inclusão de consumos vazios. A paradoxal filosofia de Bachelard parece mesmo com a vida, essa imensa e tão simples força de querer ser que se institui e se extingue a cada momento se revelando tão apenas criação...

E quando se fala de fim de ideologias, fim das utopias, até fim da história, mister se faz conduzir o olhar para a imaginação, porque carecemos de criar novas direções, dar novos sentidos, repensar pensamentos, sobretudo sonhar. Que o eco de Bachelard nos dê alento para elegermos a profundidade das imagens como método para conhecer. Sobretudo, conhecer Bachelard.
Ave Bachelard !

A Complexidade Essencial
Ou, O Novo Espírito Científico


Demandando o que chama “A Complexidade Essencial”, Bachelard nos apresenta a sua filosofia do Novo Espírito Científico. Para constituir a complexidade, lembra de início, existem duas metafísicas básicas na cultura científica moderna: o Racionalismo e o Realismo. Tais categorias, lembra o autor, além de naturais e convincentes, implícitas e obstinadas, são também contraditórias. É nessa conjuntura que aparecem, a questão maniqueísta do chamado conhecimento objetivo e sua contraparte de conhecimento chamado subjetivo. O primeiro dilema estaria em opor estas duas faces do conhecimento enquanto categorias de tendência universalista ou total. Bachelard nos conduz a dialetizar.

Polarizando estas duas faces da ciência, temos quase sempre o engendramento de cada uma em ter que lançar mão de sua contrária. O primeiro deslize seria a própria substituição das metafísicas intuitivas e imediatas em tão somente metafísica “discursiva”. Nessa direção, parece ser no mínimo ambíguo, o duplo sentido da prova científica, que se afirma na experiência e no raciocínio, como realidade e como razão. A ciência contemporânea resumidamente, teria como principal alvo, atingir “a síntese das contradições metafísicas”. Lembrando a trajetória racional prevalecente no pensamento científico desde a antiguidade até o início do mundo moderno (de Aristóteles até Bacon), Bachelard nos convida a refletir sobre o vetor racionalista, apondo a questão, o porque da ausência do percurso contrário, ou seja, do porque um pensamento que migra do real para o racional e nunca, no sentido inverso, do racional para o real. Desta forma, ao mesmo tempo que questiona, a filosofia bachelardiana mora justamente no racionalismo, na realização racional, reafirma - com sua própria feição de contradição e limites - o próprio sentido de apreender o ensinamento da realidade.

Bachelard
Apresenta assim o tempo contemporâneo como o período do realismo técnico, quando “cada hipótese é síntese”, e onde a questão da razão é transferida do “porquê” para o “porque não”, a parologia ao lado da analogia. Usando um sutra nietzscheano, lembra o autor que na história “tudo o que é decisivo só nasce apesar de”.

Nessas circunstâncias, o projeto de Bachelard é a de compor e opor uma epistemologia não-cartesiana, indo assim na direção desse novo espírito científico contemporâneo. Dialogando com as grandes descobertas cientificas do seu tempo, lembra o filósofo, ele próprio não trás necessariamente as novidades das descobertas, mas a novidade de um método. É portanto nesse campo metodológico que o texto procura se conduzir. Um método posto exatamente na encruzilhada dos conhecimentos, um método onde o realismo e o racionalismo trocam entre si infinitos conselhos e onde demande atingir uma meta: a renovação em si dos seus objetos.

Nesse endereço, lembra o autor, está a única psicologia possível para o cientista, simplificando o real e complicando a razão, explicando a realidade e aplicando pensamentos. Nem entregues a nós próprios (o mundo como nossa representação), nem apenas sociedade (o mundo como convenção nossa), mas o mundo como verificação nossa, acima do sujeito, acima do objeto imediato. Um conhecimento “projeto”. Como dedução: O real não se mostra - o real demonstra-se. Ou ainda mais sintético, diante de dinâmicas contraditórias e indefinições. Perceber o paradoxo de ser o pensamento científico, aquele que melhor permite estudar o problema psicológico da subjetivação...

O caráter inovador do espírito científico teria pois que aferir um lugar para o conhecimento onde a ontologia do complemento se realize de maneira “menos asperamente dialética que a metafísica do contraditório”.

A partir destas aceptivas Bachelard vai de encontro ao conjunto dos conhecimentos científicos modernos, analisando a geometria, a mecânica,a física e a matemática como espaços de construção da dicotomia do conhecimento dialético. Daí, vai finalmente deparar-se com a dicotomia do conhecimento determinista e o indeterminismo. Da astrologia até a astronomia newtoniana, passando até às categorias kantianas, onde o “a priori” reflexivo está posto como contra face de certezas. Determinismo como simplicidade, como restrição experimental.

Nesse sentido, voltando ao dilema real e racional, aparece assim a permanente crise do realismo, a revolução frutuosa da reclassificação do real e o profundo movimento de transformação advindo do reino do abstrato.

O desafio portanto é metodológico, o caminho da superação permanente dos métodos do passado e o perpétuo progresso na procura de novos métodos. Nessa condução, lembra o autor, as relações de incertezas devem ser interpretadas como obstáculos à análise absoluta, “numa condenação da doutrina da natureza simples e absoluta”, ao contrário do exercício enriquecedor do paradoxo. Por fim, lembra Bachelard, o espírito científico é essencialmente uma retificação do saber, um alargamento do quadro do conhecimento, onde pela didática da super- ação a ciência aceita o desafio de instituir novos percursos.

As Aparências dialéticas do Conhecimento
Ou, A Psicanálise do Fogo.


Ao propor uma Psicanálise do Fogo o filósofo Bachelard procura empreender o desvendamento das aparências do saber. Romper com o objeto imediato, a primeira observação. Como num processo de recusa sistemática, propõe-nos a tudo criticar: a sensação, o senso comum, a prática constante e a etimologia, até porque, lembra, o verbo raramente coincide com o pensamento. Para tal caminho, longe do maravilhamento, aponta o lugar da ironia.

Apondo Ciência e Poesia, a trilha sugerida é da complementaridade, numa performance de união equilibrada. Para refletir sobre tais dilemas, o autor aponta para o problema psicológico de nossas convicções sobre o fogo. Pois que a pergunta se revela: O Que é o fogo?

Posto num universo de objetivação impuro, o fogo parece ser esse lugar bom para pensar. Nele estão inclusas a intuição pessoal e as experiências científicas, a subjetivação e a objetivação. Aporta aqui o Devaneio. Segundo Bachelard esse sentimento complexo não cessa de retomar os temas mais primitivos e se infiltra sem embargo no próprio espaço do pensamento e de chofre, também nas experiências científicas. Na História, tal fato registra-se permanentemente, daí, uma espécie de fuga, diz o autor, para curar o espírito da felicidade. A meta pois, é realizar uma psicanálise das convicções subjetivas.

O fogo, essencialmente duplo, realiza pois a síntese da conexão objetivo/subjetivo e em contrapartida comporta a marca do falso peso dos valores não discutidos. Como pois ir de encontro à barreira da intuição primeira? O zombar de si mesmo?

O fogo e o calor respeitam inicialmente às essencialidades. O bem e o mal aí se localizam. Contraditório, facilmente se presta a princípios de explicação universal. Aqui se insere o mito de Prometeu. No entanto, pouco se percebe ser o fogo muito mais um ser social do que natural. Desta forma, ensina o mito, as interdições sociais são primeiras à própria experiência natural. Em Prometeu sabemos, estamos diante da questão da desobediência engenhosa. Afinal é preciso dominar o fogo, mesmo com o rico da queimadura, como os deuses, como o pai, como o patrão....

Assim, Prometeu é um outro Édipo. O complexo de Prometeu é o da vida intelectual. Do ter que escolher entre saber e fabricar, sem ser necessário correlacionar tais aspectos com a vontade de poder. Portanto, Vontade de Intelectualidade, além de pragmatismos e intuições.

É necessário, lembra Bachelard, substituir o estudo dos sonhos pelo mais instrutivo estudo do devaneio (fogo), substituindo valores, trabalho e repouso, alimento e gastronomia, penúria e alegria. A conquista do supérfluo produzindo excitação espiritual além da conquista do necessário. 

O HOMEM COMO CRIAÇÃO DO DESEJO,
NÃO CRIAÇÃO DA NECESSIDADE.

O sonho sugere o desejo da mudança, da transformação, mutação, do pequeno em grande, a lareira e o vulcão, a fogueira como renovação. Deste ápice de contrários, entre vida e morte, aparece o Complexo de Empédocles.O homem, o conhecimento, a abismo.

Propõe-se assim Bachelard realizar a psicanálise indireta e segunda, buscando o subconsciente sob o consciente, o valor subjetivo com a evidência objetiva, o devaneio sob a aparência. Estudando o sonho, escondido na experiência que lhe apagou. Além da explicação racionalista, imediata e prática, do fogo pela fricção, da sexualidade aí contida, dos componentes da libido localizados em todas atividades primitivas. Afinal, lembra o autor, o ensinamento de Jung: não só na arte, mas em todo trabalho humano está a sublimação da libido. O Homo Faber como uma mão e uma linguagem. Porém, alerta nosso autor, o gesto útil não deve ocultar o gesto agradável. Além da utilidade, o sonho mais íntimo, o sonho da fecundidade sob a forma mais sexual. Assim numa empreitada, unindo Frazer e seu Ramo de Ouro em paralelo a Libido de Jung.

O fogo associado à brincadeira, a festa, ao roubo. Os vários fogos: suave, sorrateiro, rebelde, violento. Um caminhar entre desejos e paixões. O fogo primitivo, medieval - alquímico e moderno e romântico. Tudo como num devaneio entre o estar junto à lareira e a inscrição do amor humano no coração das coisas. O fogo como primeiro fenômeno no qual o espírito humano é refletido. Poesia e ciência tendo início na meditação do fogo.

Fenômeno, por que o conhecer a aparência se dá com a constatação da mudança da própria aparência e primitivamente, diz o filósofo, apenas as mudanças pelo fogo são profundas. Achega-se aqui a um apelo à sublimação. Uma sublimação dialética diferente da sublimação contínua da psicanálise clássica. O fogo portanto como um problema de estrutura psicológica, pondo-se entre o sujeito e o objeto, criando intermediários entre contemplações com pretextos objetivos sobre a vida do espírito. Dialética da pureza e da impureza do fogo. Na busca do contato entre a metáfora com sua realidade, ou da raiz objetiva da imagem poética e moral.

Indo da matéria ao espírito moral, buscando certa desodorização, virtude substancial, até a idealização do fogo na luz. Física ou química do devaneio, crítica literária objetiva, metáfora mais que idealização. Dialética como estrondo que despertam ressonâncias adormecidas. Psicanalizando imagens familiares, certo de que a imaginação é a força mesma da produção psíquica. O fogo onde todo animismo vira calorismo. Na consciência do arder e esfriar e ser sem sabê-lo. Na dialética triste do homem ativo. Complexos de dor, neuróticos e poéticos, reversíveis entre chamas e cinzas.

O Complexo arcaico profundo de Jung, onde se endereçam destruir as dolorosas ambigüidades por dialéticas alertas, dando ao devaneio sua verdadeira liberdade e sua função de psiquismo criador.

A Totalidade: Forma, Dinâmica e Matéria
Ou, A Água e Os Sonhos.

Bachelard nos convida a compreender as categorias contrastantes das forças imaginantes da nossa mente - o impulso da novidade e o impulso ao primitivo e eterno. Duas imaginações: a imaginação formal e a imaginação material. Nesse entrelace diz ele, está o estudo filosófico completo da criação poética. Apostando em uma iconoclastia, propõe-se assim à tarefa de tentar encontrar por trás das imagens que se mostram, as imagens que se ocultam. As raízes das forças imaginantes. Em um projeto de pensamento dialético lança luzes nessa dialogia: uma meditação da matéria educando uma imaginação aberta ; a substância e a forma ; o estudo das relações da causalidade material com a causalidade formal. Em um mundo de estéticas, do poeta e do escultor aponta para o valor essencial da matéria.

Toda forma procura sua matéria. Assim, como em um jogo de filosofia com os elementos fundamentais, re-visitando a própria filosofia primitiva e restituindo aos pensamentos sua avenida de sonhos. Cria Bachelard um sistema de fidelidade poética, apondo os sentimentos primitivos e o onírico fundamental. Apresenta-nos então o elemento Água. Feminino e mais uniforme que o fogo, elemento constante que simboliza as forças humanas mais escondidas, simples, simplificantes. Lembrando desta sorte, um certo descaso inconsciente para com o elemento, lembra o filósofo, a água aparece como elemento transitório, como uma metamorfose ontológica e essencial entre o fogo e a terra, participando de uma espécie de destino de queda, de morte cotidiana,de sofrimento infinito. As imagens da água vividas como em uma adesão irracional.

Diz Bachelard que pretende sobretudo, realizar um ensaio de estética literária, já que seu caminho é o da determinação das imagens poéticas e das adequações das formas às matérias fundamentais. A água como linguagem fluida. Apela para a materialização nata do devaneio da criança, lembrando aliás que os sonhos infantis são os sonhos das substâncias propriamente orgânicas. E que o homem que conhecemos e amamos é o homem do que se pode escrever. Fazendo um percurso de constituição da arte, afere: A arte é natureza enxertada.

Inicialmente apresenta-nos a água como espelho - Narciso, apelando para a naturalização da nossa imagem. Uma lenda do humano, do cosmo e das flores (o pancalismo) revela-nos o mundo como representações e como vontade - vontade de contemplar. A água como olho do mundo, água que vê e sonha.

A partir deste ponto, e se apoiando em vasta leitura de psicologia e filosofia, percorrendo poesias, mitologia, literaturas e sobretudo de imagens, suas e de tantos, o autor nos destina a compreender o universo imaginário das águas. Do límpido, da pureza (a moral da água) e do frescor, desde o imediato, ao complexo e profundo, da calma e do silêncio e da imaginação dinâmica da violência (complexo de Xerxes). Ora uma Água elementar da metapoética de Edgar Poe, como um movimento singular e estranho da vida das águas mortas e do sangue. Complexos - de Caronte, de Ofélia. Outra hora uma água das misturas e das combinações, sobretudo da água com a terra, em um esquema fundamental da materialidade: as massas e as ligas.A combinação dos poderes, o homo faber e a mão geométrica do homo fabricante. Nascimentos, casamentos, maternidades, mortes. Um ser total: tem corpo, alma, voz, a água como realidade poética completa. Numa demanda, como alerta o autor, de uma faculdade que ultrapasse a realidade em busca da sobre-humanidade.

Propondo uma classificação correta dos valores sensuais e os sensíveis, onde os sensuais aparecem como correspondências e os sensíveis apenas como traduções, afirma Bachelard que as formas se complementam, mas a matéria nunca. A matéria é o esquema dos sonhos indefinidos.O dilema é a verticalização, a consciência, o saber. Indo além do complexo de cultura (complexo de Nausícaa) o desafio é a imaginação da matéria, pois a verdadeira poesia é uma função de despertar.

AR: Sonho, Movimento, Vontade e Potência
Ou, O Ar e os Sonhos.
 
Neste ensaio Bachelard convida ao estudo do Ar como condutor da forma e da matéria: a Imaginação do Movimento. Dá início a sua viagem, apontando para a necessária superação do estado de estigmatização dos símbolos, em um apelo para a valorização da imaginação e mesmo do ato de produção das próprias e adequadas imagens. Para constituirmos interpretações múltiplas: interpretações passionais, estetizantes, racionais e objetivas.

O primeiro objeto em estudo é o Sonho de Vôo. Lembra o autor que é necessário uma forma menos estática para uma psicologia da imaginação - neste caso que contenha também ao princípio dinâmico da deformação. Para o elemento aéreo propõe-se a uma condução menos “atômica” e mais vetorial. Para o sonho de voar, lembra, trabalhamos com a dialética entre leveza e peso. Mais que isso, o sonho de voar não implicaria em fim a alcançar, mais de uma viagem em si, constituindo uma realização profunda da psique humana.Um lugar para ver como a razão trabalha o sonho, ou de como sonha a razão...

Um projeto filosófico proposto: ligar o sonho íntimo à experiência objetiva. O sonho libertando a imaginação formal, um repouso ótico e verbal. Constatação: no sonho do vôo a asa já é uma racionalização - criadora da imagem de Ícaro. O vôo onírico seria o sonho da vida instintiva - o instinto profundo da leveza, e do devaneio que une o desejo de crescer ao desejo de voar.

Entre metáforas de ascensão e de queda, diz então Bachelard, prevalece em um realismo psicológico inegável, o maior número de imagens de queda. Daí a necessidade de uma psicologia da verticalidade. Para analisar ao mesmo tempo, o impulso para o alto e a queda para o baixo. O alto prima sobre o baixo, o irreal comanda o realismo. A queda portanto em paradoxo pertence à ordem da substância e não do acidente. A imaginação da queda como uma espécie de doença da imaginação da subida (como o inferno que se reergue...).

O poder da imaginação impõe visões, a imagem antes do pensamento e da narrativa, antes da emoção. Só a imaginação material e a dinâmica podem criar verdadeiros poemas. Compreender assim o tema da queda para o alto. Luz e peso comandando a vida psíquica, a imaginação unindo pólos.

Bachelard
comenta o trabalho propedêutico de Robert Desoille. Procura assim a dinâmica da imaginação e da vontade: sabe querer quem sabe imaginar. É desse patamar que insere a filosofia de Nietzsche para o psiquismo ascensional. Dos valores morais, o poeta vertical, o poeta das alturas. Desta forma, apresenta-nos o filósofo alemão pelas negativas do seu envolvimento com os elementos: da terra por que esta não possui os devaneios da intimidade, e pela sua opção de filosofar, não pela porta da matéria, mas da ação, e mais ainda pela imaginação dinâmica que material; da água por que esta não determina devaneios materiais; e nem mesmo então do fogo, já que tal elemento nele aparece apenas como fator de transmutação, mais com características dinâmicas, que riqueza substancial. Para Nietzsche, o ar seria a substancia mesma da nossa liberdade. A alegria aérea é liberdade. O Ar como dinâmica ofensiva e triunfante: o frio, o vazio, o silêncio, a altura...

A filosofia e a poesia de Nietzsche como um estudo da aurora ativa, do despertar tonificado, da vida vertical apreendida por uma longa aprendizagem.Assim, com o filósofo alemão, Bachelard diz ser possível separar em dois tipos a imaginação da vontade: a vontade-substância (shopenhaueriana) e a vontade-potência nietzschiana. A imaginação dinâmica dando imagens adequadas do querer, em um trabalho de mundo ascensional. A imaginação de forma mais que a razão, como unidade da alma humana do ser e da moral solidários. Para um despertar universal - O Zaratustra.

A Introversão da Matéria
Ou, A Terra e os Devaneios do Repouso

Todo conhecimento da intimidade das coisas, diz Bachelard, é imediatamente um poema. Como a contradição é fundante, depois de ter analisado no elemento terra os devaneios da vontade, com suas solicitações dinâmicas, onde a imaginação ativista que pela vontade sonha e dá futuro à sua ação, o filosofo pensa o repouso Após apontar para o homo faber ajustador, modelador, fundidor, ferreiro, que procura a matéria que sustenta a duração da forma e que portanto se manifesta na conjunção do signo contra, nesta obra o filósofo propões analisar a preposição dentro. A terra como o interior, a terra como o conteúdo básico, a terra subjetiva.

Dialeticamente, Bachelard, busca uma síntese ambivalente que unifique o contra e o dentro. Processos de extroversão e introversão. O método, lembra o autor, é o da imaginação como o percurso do sujeito transportando às coisas. Assim toda matéria meditada torna-se imediatamente a imagem de uma intimidade, de uma substância transformada em valor. Como uma afetividade enraizada no inconsciente e substanciada de interesses. Temos uma obra sobre as imagens do repouso, do refúgio, do enraizamento: Onde estão os lugares fundantes da casa, do ventre a caverna, os endereços correspondentes das potências noturnas e subterrâneas.

Na busca pelo oculto, lembra o filósofo, aparecem os diversos tipos de perspectivas de ocultamentos: a projeção anulada, ou do objetivo do não-receber, a perspectiva dialética ou invertida em projeções do pequeno, a perspectiva maravilhada e aquela da intensidade substancial infinita.

Diz Bachelard que as imagens como forças psíquicas primárias são mais fortes que as idéias, mais fortes que as experiências reais. As perspectivas dialéticas do interno e do externo seriam por vezes como aquelas de por e tirar uma máscara. A perspectiva do maravilhoso é o descobrir o interior esculpido, a prodigalidade da intimidade do interior revelando as faces exteriores da natureza e da cultura. As perspectivas de intensidade infinitas nas imagens, apontam para a diferença entre cor e tintura, sendo a cor uma sedução das superfícies, a tintura uma verdade das profundezas.

Mas há também a intimidade em conflito. A agitação como multiplicidade no combate das substâncias e as imagens da discórdia íntima. Nessa direção, atingimos a imaginação da qualidade: Ritmanálise e tonalização. Os degraus do movimento. Lembra assim o filósofo que a maior luta não é travada contra forças reais, é travada contra as forças imaginadas. O homem como um drama de símbolos.

Interior e repouso são pensados no “Complexo de Jonas”. Propondo recolocar as imagens na dupla perspectiva dos sonhos e dos pensamentos. Realidade e sonho na busca de saber o que cada um tem no ventre. Jonas como lugar para pensar a profundidade da imagem, ativando imagens superpostas e apontando para o alimento, o ventre, a morte.

Aproximando as palavras e as coisas, Bachelard apela para a profundidade, já que diz ele, os seres escondidos e fugidios esquecem da fuga quando o poeta os chama pelo verdadeiro nome. A obra deste filósofo é o de reviver as formas sonhadoras no interior das coisas, abrindo o “último broto do porvir” (Eluard.)

A Carne dos Símbolos.
Ou, A Terra e os Devaneios da Vontade.

Diz Bachelard que a imaginação concreta da matéria terrestre possui dificuldades e paradoxos sem fim. Lembrando as palavras de Baudelaire, aparece aí mais um paradoxo: “quanto mais a matéria é, em aparência, positiva e sólida, mas sutil e laborioso é o trabalho da imaginação”. O dilema é o bem ver, mais ainda, o bem sonhar. A pista é o de localizar o caráter primitivo da psique fundamental, a imaginação criadora, e o ir além da imaginação reprodutora. O encontrar da imagem imaginada.

Novamente aqui Bachelard aponta para o caminho da imaginação literária. Lugar de reanimação de uma linguagem, lugar de criação de novas imagens. Tempo das imagens, no século das imagens, o filósofo lembra a dependência crescente a que estamos submetidos à ação de todas as imagens. A terra como devaneio da vontade é a eleição da extroversão, do ativo, do convite a agir sobre a matéria. É hora de dicotomizar o trabalho contra o repouso. A dialética do duro e do mole, e o papel fundamental da resistência. Mas, lembra o autor, o sim e o não se dizem mole e duro. Sobretudo a consciência do trabalho, da matéria modificada pela mão: matérias duras, imagens da massa e as matérias da moleza. Os minerais, as substâncias cristalinas, as imagens da pérola. A temporalidade do contra recebendo as inscrições da consciência deste trabalho. Uma síntese possível: a matéria forjada. O devaneio da vontade de poder: o complexo de Medusa.

A vontade incisiva leva a compressão do caráter agressivo das ferramentas. Complemento da destruição, coeficiente de agressão contra a matéria. A cultura material e a arqueologia dão parâmetros classificatórios para os sólidos: os sólidos estáveis, os semiplásticos, os plásticos e os sólidos maleáveis (Leroi-Gourhan). Reinos da forma administrada. Aparece assim a metáfora da dureza, reino de poucas experiências efetivas e no entanto, fonte de um número incalculável de mil imagens.

No jogo dinâmico entre o céu e a terra, sugere Bachelard, precisamos desenvolver uma psicologia da gravidade - dessa queda contínua, das imagens do esmagamento, o complexo de Atlas, fomentando o apego às forças espetaculares, forças enormes, forças inofensivas, forças que não podem se não ajudar o próximo. Imagens da gravidade e imagens da altura até o imaginário da resistência. Uma seqüência e um círculo infinito e fundamental: as imagens místicas infernais, as imagens mitológicas infernais, as imagens do inconsciente pessoal, as imagens mitológicas superiores, as imagens místicas celestes.

A Alma: Indo além da Metáfora, A Imaginação da Matéria.
Ou, A Poética do Espaço
Nesta obra, Bachelard enfrenta o desafio infinito de compreender a própria imaginação poética. Para isso propõe pontilhar o tecido do êxtase:a novidade da imagem. A imagem no tempo presente da própria imagem, em sua própria ontologia. Para tanto, lança mão de um método: se distanciar da causalidade para procurar a repercussão. Uma fenomenologia da Imaginação. A imagem vista como produto direto do coração, da alma, da atualidade do homem.

Fenomenologia. Conhecimento que parte de uma consciência individual, encarna o sentido da trans-subjetividade e alcança o efeito variacional. Como meta, propõe o filósofo, é mister acumular documentos sobre a consciência sonhadora.

Instituindo matizes seminais da compreensão, o filósofo afere para a diferença entre os sentidos contidos em palavras como alma e espírito, procurando editar um sentido mais pleno para a palavra alma, alçada assim enquanto identidade total, como Logus. A alma como o lugar da sublimação pura. Estudar o espaço torna-se então sobretudo uma topofilia.

Assim, Bachelard nos remete a investigar as imagens da casa, das partes da casa como compreensões de mundos e de sentidos, e da casa em si como universo. E vai entrando nos interiores das gavetas, cofres, armários. Entre portas e chaves. O ninho para os vertebrados e a concha para os invertebrados. Os cantos, a miniatura, a imensidão íntima e a dialética entre interior e exterior, até chegar até uma proposta ontológica - a fenomenologia do redondo.

Sobretudo, o autor nos conduz a superar o imediato da metáfora. Em um diálogo e em contradição com a filosofia de Bérgson, procura ir além, propondo o conduto da imagem como obra da imaginação absoluta. Para Bachelard é necessário extrair todo o ser da imaginação. Alimenta assim um conceito de metáfora como construção de corpos concretos, da dificuldade de expressão, daí a metáfora estar assim colocada em relação a um ser diferente dela.

Ao contrario da metáfora, propõe Bachelard, a uma imagem podemos dar o nosso ser de leitor, sendo portanto ela mesma doadora de ser. A imagem como obra pura da imaginação absoluta torna-se um fenômeno do ser, nesse caso específico do ser falante. Imaginação, matéria e poesis, a relação da alma do mundo.
Anima
O Devaneio como Caminho da Consciência.
Ou, A Poética do Devaneio.
O Método fenomenológico, segundo Bachelard tem a capacidade de iluminar a consciência do sujeito maravilhado pelas imagens poéticas. Mas imagens poéticas se fundamentam sobremaneira em devaneios, em origens absolutas. O próprio ser assim percebido sendo um porvir da linguagem.

O devaneio, como fenômeno comum é concebido apenas como distensão psíquica. Como elemento da consciência no entanto é reforço da coerência. Elege-se assim o devaneio poético, transmissível, escrito com a emoção, com gosto.

O autor nos convidar a debater as complexas e móveis relações entre uma psicologia do devaneio, onde se observa o sonhador, e uma fenomenologia das imagens criadas da linguagem poética: a Fenomenologia do Imaginário. A proposta se transpõe através do devaneio, numa confiança no universo, onde “o homem pode tornar-se tudo” e onde se mesclam vidas diurnas e noturnas.

O devaneio acentuando o nosso repouso, contribui com a felicidade, porquanto esta construída na relação do amor sobretudo das quimeras. Para o filósofo, tal caminho está circunscrito na própria coerência do sonho, na loucura das palavras, no sonho das palavras. Distingue-se assim o devaneio do sonho noturno. Enquanto este tradicionalmente mais masculino, aquele assim tomado como característico da essência feminina-ãnima.

Correlacionando as distinções entre memória e imaginação, diz Bachelard que a memória sonha e o devaneio lembra. O poético cria um complexo de memória e imaginação densa. É esse o lugar da criança que sempre somos. O devaneio voltado para essa criança institui o tempo elegíaco.

Revendo Descartes, o autor procura questionar “o cogito do sonhador”, duvidando de seu enunciado clássico e contrapondo a ele o cogito do devaneio, o eu poetizador.

O devaneio assim ajuda-nos a habitar o mundo, a habitar a felicidade do mundo. Imagens cósmicas são filosoficamente obtidas como pensamentos. Para o imaginário, são distensões de devaneio, comunhões de devaneios, cosmo-análise. Devaneio sem responsabilidade, sem carência de provas. Afinal, lembra o filósofo francês, imaginar um cosmos é o destino natural do devaneio.

Enfim, diz Bachelard, toda nossa vida é leitura e estão nos livros os nossos documentos. Apelando para a fome nossa de cada dia, demandando o paraíso da imensa biblioteca. E a poesia - ápice da alegria estética, nos ajuda a respirar livremente, mostrando a factícia de toda angústia.

Pensando assim, Bachelard lança luzes no reconhecimento do mundo, o dia iluminando a noite e a noite dando sentido ao dia. Como se o perceber das diferenças nos conduzisse para constituir unidades e como se cada realidade se mostrasse complexa em suas contradições. Sobretudo, na alusão de uma dimensão onde imagens e sentidos dialogam. Uma nova alquimia, uma nova dialética, uma poesis. Ler Bachelard parece nos por em contato com nosso próprio ser e nesse ínterim e íntimo, nos sussurra a vontade de consciência: a olhar nosso próprio olhar, ou melhor ainda para o poder conscientemente construir esse olhar.
e integrante do Centro de Estudos do Imaginário.  
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Sejam felizes todos os seres. 
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HAICAI-L -SOLIDÁRIO - NOAA Animation of Tsunami Propagation from Earthquake in Japan

Ciência

Veja propagação do tsunami japonês no Pacífico

Segunda-feira, 14 de março de 2011 - 11h22

Veja propagação do tsunami japonês no Pacífico 
NOAA
O Belo....se manifesta
até na maxima tragédia
- impossível não ver.
A propagação das ondas no oceano Pacífico após terremoto e tsunami no Japão

incrível imagem