sábado, 1 de janeiro de 2011

HOMILIA DO SANTO PADRE BENTO XVI


SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR (2010)



 Madona -Rafael

HOMILIA DO SANTO PADRE BENTO XVI

Basílica Vaticana
24 de Dezembro de 2010

Amados irmãos e irmãs!

«Tu és meu filho, Eu hoje te gerei» – com estas palavras do Salmo segundo, a Igreja dá início à liturgia da Noite Santa. Ela sabe que esta frase pertencia, originariamente, ao rito da coroação do rei de Israel. 
O rei, que por si só é um ser humano como os outros homens, torna-se «filho de Deus» por meio do chamamento e entronização na sua função: trata-se de uma espécie de adopção por parte de Deus, uma acta da decisão, pela qual Ele concede a este homem uma nova existência, atraindo-o para o seu próprio ser. De modo ainda mais claro, a leitura tirada do profeta Isaías, que acabámos de ouvir, apresenta o mesmo processo numa situação de tribulação e ameaça para Israel: «Um menino nasceu para nós, um filho nos foi concedido. Tem o poder sobre os ombros» (9, 5). 
 A entronização na função régia é como um novo nascimento. E, precisamente como recém-nascido por decisão pessoal de Deus, como menino proveniente de Deus, o rei constitui uma esperança.
O futuro assenta sobre os seus ombros. É o detentor da promessa de paz. Na noite de Belém, esta palavra profética realizou-se de um modo que, no tempo de Isaías, teria ainda sido inimaginável. Sim, agora Aquele sobre cujos ombros está o poder é verdadeiramente um menino. N’Ele aparece a nova realeza que Deus institui no mundo.
 Detalhe
Quem sabe o autor?

Este menino nasceu verdadeiramente de Deus. É a Palavra eterna de Deus, que une mutuamente humanidade e divindade. Para este menino, são válidos os títulos de dignidade que lhe atribui o cântico de coroação de Isaías: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai para sempre, Príncipe da paz (9, 5). Sim, este rei não precisa de conselheiros pertencentes aos sábios do mundo. Em Si mesmo traz a sapiência e o conselho de Deus. Precisamente na fragilidade de menino que é, Ele é o Deus forte e assim nos mostra, face aos pretensiosos poderes do mundo, a fortaleza própria de Deus.


Na verdade, as palavras do rito da coroação em Israel não passavam de palavras rituais de esperança, que de longe previam um futuro que haveria de ser dado por Deus. Nenhum dos reis, assim homenageados, correspondia à sublimidade de tais palavras. Neles, todas as expressões sobre a filiação de Deus, sobre a entronização na herança dos povos, sobre o domínio das terras distantes (Sal 2, 8) permaneciam apenas presságio de um futuro – como se fossem painéis sinalizadores da esperança, indicações apontando para um futuro que então era ainda inconcebível.
Assim o cumprimento da palavra, que tem início na noite de Belém, é ao mesmo tempo imensamente maior e – do ponto de vista do mundo – mais humilde do que a palavra profética deixava intuir. É maior, porque este menino é verdadeiramente Filho de Deus, é verdadeiramente «Deus de Deus, Luz da Luz, gerado, não criado, consubstancial ao Pai». Fica superada a distância infinita entre Deus e o homem. Deus não Se limitou a inclinar o olhar para baixo, como dizem os Salmos; Ele «desceu» verdadeiramente, entrou no mundo, tornou-Se um de nós para nos atrair a todos para Si.
Este menino é verdadeiramente o Emanuel, o Deus-connosco. 
O seu reino estende-se verdadeiramente até aos confins da terra. Na imensidão universal da Sagrada Eucaristia, Ele verdadeiramente instituiu ilhas de paz. Em todo o lado onde ela é celebrada, temos uma ilha de paz, daquela paz que é própria de Deus. Este menino acendeu, nos homens, a luz da bondade e deu-lhes a força para resistir à tirania do poder. Em cada geração, Ele constrói o seu reino a partir de dentro, a partir do coração. Mas é verdade também que «o bastão do opressor» não foi quebrado. Também hoje marcha o calçado ruidoso dos soldados e temos ainda incessantemente a «veste manchada de sangue» (Is 9, 3-4).
Assim faz parte desta noite o júbilo pela proximidade de Deus. Damos graças porque Deus, como menino, Se confia às nossas mãos, por assim dizer mendiga o nosso amor, infunde a sua paz no nosso coração. Mas este júbilo é também uma prece: Senhor, realizai totalmente a vossa promessa. Quebrai o bastão dos opressores. Queimai o calçado ruidoso. Fazei com que o tempo das vestes manchadas de sangue acabe. Realizai a promessa de «uma paz sem fim» (Is 9, 6). Nós Vos agradecemos pela vossa bondade, mas pedimos-Vos também: mostrai a vossa força. Instituí no mundo o domínio da vossa verdade, do vosso amor – o «reino da justiça, do amor e da paz».
Madona-Albrecht Dürer

«Maria deu à luz o seu filho primogénito» (Lc 2, 7). Com esta frase, São Lucas narra, de modo absolutamente sóbrio, o grande acontecimento que as palavras proféticas, na história de Israel, tinham com antecedência vislumbrado. Lucas designa o menino como «primogénito». Na linguagem que se foi formando na Sagrada Escritura da Antiga Aliança, «primogénito» não significa o primeiro de uma série de outros filhos. A palavra «primogénito» é um título de honra, independentemente do facto se depois se seguem outros irmãs e irmãs ou não. Assim, no Livro do Êxodo, Israel é chamado por Deus «o meu filho primogénito» (Ex 4, 22), exprimindo-se deste modo a sua eleição, a sua dignidade única, o particular amor de Deus Pai.
A Igreja nascente sabia que esta palavra ganhara uma nova profundidade em Jesus; que n’Ele estão compendiadas as promessas feitas a Israel. Assim a Carta aos Hebreus chama Jesus «o primogénito» simplesmente para O qualificar, depois das preparações no Antigo Testamento, como o Filho que Deus manda ao mundo (cf. Heb 1, 5-7). 
O primogénito pertence de maneira especial a Deus, e por isso – como sucede em muitas religiões – devia ser entregue de modo particular a Deus e resgatado com um sacrifício de substituição, como São Lucas narra no episódio da apresentação de Jesus no templo.

Hodegetria - Idria
Primeiro íconi cristão
Autor: São Lucas, o Evangelista
O primogénito pertence a Deus de modo particular, é por assim dizer destinado ao sacrifício. No sacrifício de Jesus na cruz, realiza-se de uma forma única o destino do primogénito. Em Si mesmo, Jesus oferece a humanidade a Deus, unindo o homem e Deus de uma maneira tal que Deus seja tudo em todos. São Paulo, nas Cartas aos Colossenses e aos Efésios, ampliou e aprofundou a ideia de Jesus como primogénito: Jesus – dizem-nos as referidas Cartas – é o primogénito da criação, o verdadeiro arquétipo segundo o qual Deus formou a criatura-homem. 
O homem pode ser imagem de Deus, porque Jesus é Deus e Homem, a verdadeira imagem de Deus e do homem. Ele é o primogénito dos mortos: dizem-nos ainda aquelas Cartas. Na Ressurreição, atravessou o muro da morte por todos nós. Abriu ao homem a dimensão da vida eterna na comunhão com Deus. Por fim, é-nos dito: Ele é o primogénito de muitos irmãos. Sim, agora Ele também é o primeiro duma série de irmãos, isto é, o primeiro que inaugura para nós a vida em comunhão com Deus.
Cria a verdadeira fraternidade: não a fraternidade, deturpada pelo pecado, de Caim e Abel, de Rómulo e Remo, mas a fraternidade nova na qual somos a própria família de Deus. Esta nova família de Deus começa no momento em que Maria envolve o «primogénito» em faixas e O reclina na manjedoura. 
Supliquemos-Lhe: Senhor Jesus, Vós que quisestes nascer como o primeiro de muitos irmãos, dai-nos a verdadeira fraternidade. Ajudai-nos a tornarmo-nos semelhantes a Vós. Ajudai-nos a reconhecer no outro que tem necessidade de mim, naqueles que sofrem ou estão abandonados, em todos os homens, o vosso rosto, e a viver, juntamente convosco, como irmãos e irmãs para nos tornarmos uma família, a vossa família.

Fonte:
VATICANO
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/homilies/2010/documents/hf_ben-xvi_hom_20101224_christmas_po.html

Sejam felizes todos os seres.
Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

Fotos do Hubble


Há coisa mais bela
para celebrar o Ano Novo?
- eis o Milagre da Vida

HIPÁTIA ( HIPÁCIA )



Hipátia(Hipácia)

"Há cerca de 2000 anos, emergiu uma civilização científica esplêndida na nossa história, e sua base era em Alexandria. Apesar das grandes chances de florescer, ela decaiu. Sua última cientista foi uma mulher, considerada pagã. Seu nome era Hipácia. Com uma sociedade conservadora à respeito do trabalho da mulher e do seu papel, com o aumento progressivo do poder da Igreja, formadora de opiniões e conservadora quanto à ciência, e devido à Alexandria estar sob domínio romano, após o assassinato de Hipácia, em 415, essa biblioteca foi destruída.

Milhares dos preciosos documentos dessa biblioteca foram em grande parte queimados e perdidos para sempre, e com ela todo o progresso científico e filosófico da época."
"Hipátia (370-415 DC), filha de Theron, era uma cientista, matemática, astrônoma, líder da escola de filosofia neo-platônica e diretora da Biblioteca de Alexandria. Cirilo, o arcebispo de Alexandria, a odiava por ela ser um símbolo da ciência e da cultura que, para a igreja, representavam o paganismo. 


Ela continuou seu trabalho apesar das ameaças até que, no ano de 415, foi cercada pelos monges e paroquianos de Cirilo, despida e esfolada até a morte com cacos de cerâmica. Seus restos foram queimados, suas obras destruídas e Cirilo foi canonizado.
 
Carl Sagan
A morte trágica de Hipátia foi determinante para o fim da gloriosa fase da matemática alexandrina, de toda matemática grega e da matemática na Europa Ocidental.
Após seu desaparecimento, nada mais seria produzido por um período mil anos e, por cerca de doze séculos, nenhum nome de mulher matemática foi registrado.

O Mensageiro das Estrelas
Astronomia Blog - (31°S 52°W)
http://mensageirodasestrelas.blogspot.com/2009/12/carl-sagan.html

Sejam felizes todos os seres.
Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

HUSSERL - INVESTIGAÇÕES LÓGICAS



Paulo Abe

Capítulo 4 – Item 1/6 –
O conteúdo fenomenológico e ideal das vivências de significação.

O conteúdo da vivência expressiva no sentido psicológico e seu conteúdo no sentido da significação unitária.

A essência da significação não a vemos, pois na vivencia que da significação, sem o conteúdo desta, conteúdo que representa uma unidade intencional idêntica, frente à dispersa multiplicidade das vivencias reais ou possíveis do que fala e do que pensa. “Conteúdo” da vivencia de significação, neste sentido ideal, não tem nada que ver com o que a psicologia entende por conteúdo, isto é, alguma parte real ou algum aspecto de uma vivência.

Quando compreendemos um nome – não importa que dito nome nomeie algo individual ou algo geral, algo físico ou algo psíquico, algo que é ou algo que não é, algo possível ou algo impossível – ou quando compreendemos um enunciado – não importa que este enunciado seja por seu conteúdo verdadeiro ou falso, congruente ou contra-sentido, julgado ou fingido -, o que uma ou outra expressão disse (em uma palavra: a significação que constitui o conteúdo lógico e que em conexões puramente lógicas é designada diretamente como representação ou conceito, como juízo ou proposição, etc.), não é nada que no sentido real posa valer como parte do ato correspondente de compreensão. 
Esta vivência tem, naturalmente, também seus componentes psicológicos; é um conteúdo e consta de conteúdos, no sentido psicológico corrente. A estes pertencem, sobre todo, os elementos sensíveis da vivência, os fenômenos verbais em seus conteúdos puramente visuais, acústicos, motores e assim mesmo os atos da interpretação objetiva, que ordena as palavras no espaço e tempo.

O conteúdo psicológico é neste respeito conhecidamente variável e notavelmente cambiante de individuo em individuo: também troca para o mesmo individuo em diferentes tempos e ele com respeito a “uma e a mesma palavra”. Que nas representações verbais, que acompanham meu pensar silencioso, fantasio eu palavras faladas pela minha voz? Que as vezes me aparecem os signos gráficos de minha estrutura taquigráfica ou normal, etc? Todas estas são propriedades individuais minhas, que pertencem ao conteúdo psicológico de uma vivência de representação. 
Ao conteúdo no sentido psicológico  múltiplas diferenças – não sempre fáceis de apreender descritivamente – referentes ao caráter de ato que constitui a menção e representativamente a compreensão da palavra, no significado unitário, completamente indiferente o que eu me representei na fantasia ao homem insigne com chapéu mole e capa ou com uniforme de “coracero”, segundo a pauta de uma ou outra imagem conhecida. É mais: a circunstância mesma de que existam ou não imagens intuitivas da fantasia ou imagens que indiretamente vivifiquem a consciência da significação, não ´pe de nenhuma importância

Em luta contra uma concepção muito difundida temos demonstrado que a essência do expressar reside na intenção significativa e não nas imaginações mais ou menos perfeitas, mais próximas ou mais remotas, que podem adicionar-se para cumprimento da dita intenção. 
Porém, se tais imaginações existem, estão intimamente fundidas com a intenção significativa. E por isso se concebe que a vivencia unitária da expressão – expressão que funcione conforme o sentido p , considerada de caso em caso, mostre também pelo lado da significação notáveis diferenciações psicológicas, permanecendo, “empero”, sua significação inalteradamente a mesma. Também temos mostrado que a essa identidade da significação no atos pertinentes, corresponde realmente algo determinado; que, por tanto, o que chamamos intenção significativa não é um caráter indistinto que se diferencia só pela conexão com as intuições “impletivas”, isto é, exteriormente. 
Mais bem diremos que às diferentes significações, e respectivamente às expressões que funcionam com diferente significação, pertencem também no conteúdo intenções significativas caracterizadas de diferente modo; enquanto isso que todas as expressões compreendidas em igual sentido estão previstas da mesma intenção significativa, como caráter psíquico igualmente determinado. E por isto é pelo que as vivências de expressão, que se diferenciam tão notavelmente em seu conteúdo psicológico, se convertem em vivencias da mesma significação. É notório que a hesitação do significar condiciona aqui certas limitações, que não cambiam em nada a essência da coisa.

Capítulo 4 – Item 2/6
O caráter do ato que tem o significar. A significação é ideal e uma.

Assinalar este elemento psicológico comum, frente ao elemento psicológico varável, não é, “empero”, dar a conhecera diferença que queríamos mostrar nas expressões e respectivamente nos atos de expressão, isto é, a diferença entre seu conteúdo psicológico e seu conteúdo lógico. Porque ao conteúdo psicológico pertence, claro está, o que permanece igual de caso em caso, no menos que o que cambia. E em efeito, a doutrina nossa não quer dizer que o caráter do ato – caráter que permanece sempre igual – seja já a significação. Por exemplo, o que disse a proposição enunciativa: (letra ilegível) é um número transcendente, o que ao ler entendemos por isto ou ao falar recordamos, não é um rasgo individual, bem que sempre repetido, de nossa vivencia mental. 
Em cada caso é este rasgo, sem dúvida, individualmente distinto, enquanto que o sentido da preposição enunciativa é idêntico. Se nós, ou qualquer outra pessoa, repita a mesma proposição com igual intenção, cada uma tem seus fenômenos, suas palavras e seus momentos de compreensão. Porém, frente a esta ilimitada multiplicidade de vivências individuais, o que nelas é expresso pe em todo caso algo idêntico: é o mesmo, no sentido mais estrito da palavra. Com o número das pessoas e dos atos não se há multiplicado a significação da proposição; o juízo, no sentido lógico ideal, é uno.

Se defendemos aqui a estrita idealidade da significação e a distinguimos de esse caráter psíquico constante do dignificar, ele obedece não a uma predileção subjetiva pelas distinções sutis, sem a convicção teorética segura de que só dessa maneira respondemos a situação real, que é fundamental para a compreensão da lógica. Tão pouco se trata de uma mera hipótese que se justifique por sua eficácia explicativa, sem que a consideramos como uma verdade imediatamente apreensível, seguindo nele a suprema autoridade em todas as questões do conhecimento: a evidência.
Vejo com intelecção que, em repetidos atos de representar e julgar, menciono – ou posso mencionar – identicamente o mesmo, o mesmo conceito, a mesma proposição. Vejo intelectivamente que, se se trata da proposição ou da verdade: (mesma letra ilegível) é um número transcendente, não me refiro para nada à vivência individual ou ao momento da vivência de uma pessoa. Vejo intelectivamente que este discurso reflexivo tem realmente como objeto o que no discurso direto constitui a significação.
Por último, vejo intelectivamente que o que na citada proposição menciono ou – se a ouço – apreendo como sua significação, é identicamente o que é, penso eu e exista e existem em geral pessoas e atos pensantes, ou não. E o mesmo pode se dizer de qualquer significação de sujeito, significações de predicado, significações de referencia e de enlace, etc. Pode se dizer sobre todo das determinações ideais, que primeiramente só convém a significações. Entre elas – para recordar algumas especialmente importantes -, os predicados verdadeiro e falso, possível e impossível, geral e singular, determinado e indeterminado, etc.

Esta verdadeira identidade que aqui afirmamos, não é outra que a identidade da espécie. Assim e só assim pode abraçar como unidade ideal a multiplicidade das singularidades  individuais. As múltiplas singularidades com respeito a significação ideal e uma são naturalmente o correspondentes momentos do ato de significar, das intenções significativas. A significação mantém, pois, com os atos de significar (e a representação lógica com os atos de representar e o juízo lógico com os atos de julgar e o raciocínio  lógico com os atos de raciocinar) a mesma relação que, por exemplo, a espécie vermelha com as linhas (rayas) que vejo neste papel, linhas que tem todas esse mesmo vermelho.
Cada linha tem, ademais, de outros momentos constitutivos (extensão, forma, etc), seu vermelho individual, é dizer, seu caso singular dessa espécie cromática, a qual, pór sua parte, não existe realmente nem nem linha nem em parte alguma desse mundo; nem tão pouco “em nosso pensamento” enquanto que este pertence igualmente a esfera de ser real, à esfera da temporalidade.

As significações constituem – podemos dizer também – uma classe de conceitos no sentido de “objetos universais”. Não por isso são objetos que existem, já que não em uma parte do “mundo”, ao menos num lugar celeste ou no espírito divino: pois semelhante hipotasis metafísica foi absurda. Quem se tem acostumado a entender por ser somente o ser “real” e por objetos objetos reais, haverá (habrá) de considerar radicalmente errôneo o falar de objetos universais e seu ser.
Em troca, não verá nada de estranho nele que tome essas expressões, por de pronto, simplesmente como signos da validez de certos juízos, a saber: juízos onde se julga sobre números, proposições, figuras geométricas, etc.; e se pergunte se neste, como em todo, não haverá de conceder-se evidentemente o título de “objeto que verdadeiramente é” ao correlato da validez do juízo, a aquilo de que se julga. Em efeito: considerado logicamente, os sete corpos regulares são sete objetos, o mesmo que os sete sábios e o teorema do paralelogramo das forças é um objeto, o mesmo que a cidade de Paris.

– Capítulo 4 – Item 3/6
A idealidade das significações não é uma idealidade no sentido normativo.

A idealidade das significações é um caso particular da idealidade do específico no geral. Não tem, pois, em maneira alguma o sentido de idealidade normativa, como se se tratasse de um ideal de percepção, de um valor limite ideal, que estivesse contraposto aos casos singulares de sua realização mais ou menos aproximada. Sem dúvida, o conceito lógico, é dizer, o término, no sentido da lógica normativa, é um ideal com respeito a seu significar.
Pois a exigência da arte do conhecimento diz: “emprega as palavras em significação absolutamente idêntica: exclui toda hesitação das significações; diferencia as significações e cuida de conservar sua diferenciação no pensar enunciativo mediante signos sensivelmente diferenciados com rigor”. Pois este preceito se refere ao único que pode submetesse a um  preceito; se refere à informação de términos significativos, ao cuidado na distinção subjetiva e na expressão dos pensamentos. As significações “em si”, hesite ou não hesite o significar, são, como já temos explicado, unidades específicas; porém, não são elas mesmas uns ideais.
A idealidade, no sentido corrente, normativo,
não exclui a realidade. 
O ideal é um modelo concreto que incluso pode existir como coisa real e estar ante nossos olhos; como quando um artista incipiente toma por ideais as obras de um grande maestro, obras que ele revive e atrás as quais vão vontade em seu trabalho de criação. E mesmo quando o ideal não é realizável, segue sendo um indivíduo, pelo menos na intenção representativa. A idealidade do específico é, em troca, o oposto exclusivo à realidade ou individualidade; não é um fim de possível aspiração, sua idealidade é a de a “unidade da multiplicidade”. Não a mesma espécie, sem o singular que cai de baixo dela é eventualmente um ideal prático.

– Capítulo 4 – Item 5/6 –
No Ato de significar, a significação não é consciente objetivamente.

À significação unitária cprresponde – dizíamos – na vivência atual de significação um rasgo individual, como caso singular dessa espécie; do mesmo modo que à diferença específica vermelho corresponde o momento de vermelho no objeto vermelho. Se levarmos a cabo o ato e vivemos, por dizer-lo assim, nele, mencionamos naturalmente seu sujeito e não sua significação. Quando, por exemplo, fazemos um enunciado, julgamos sobre a coisa em questão e não sobre a significação da proposição enunciativa, não sobre o juízo no sentido lógico. Este não se nos faz objetivo até que verificamos um ato mental reflexivo, no qual não só reportamos à vista sobre o enunciado levado a cabo, sem que executamos a necessária abstração (ou melhor dito idealização). Esta reflexão não é um ato que tenha lugar de baixas condições artificais, isto é, por modo excepcional; sem que é um elemento normal de pensar lógico. 
O que caracteriza este é a conexão teorética e a consideração teorética, a ela endereçada, que se verifica em reflexões escalonadas sobre os conteúdos dos atos mentais executados. Pode servir-nos de exemplo uma forma muito vulgar de consideração mental: “É S P? Poderia ser. Porém desta proposição se seguiria que M é. Isto, “empero”, não pode ser. Logo tem que ser falso que o que ao principio considerei possível, a saber: que S foi P… etc., etc.” Atenta o leitor às palavras subtraídas e às idealizações nelas expressadas. 
Essa proposição – que S é P -, que como tema atravessa toda a consideração, não é notoriamente só o efêmero momento significativo no primeiro ato mental, quando por vez primeira se nos ocorreu o pensamento, sem que a reflexão lógica é levada a cabo em ulteriores passos e sem cessar segue sendo mencionada a significação da proposição, significação que no conexo mental unitário concebemos em idealização e identificação como sendo a mesma e constituindo uma unidade. E o mesmo acontece quando se desenvolve uma fundamentação unitária teorética.
Não podemos pronunciar nunca a palavra logo, sem reportar a olhada sobre o conteúdo de significação que tem as premissas. Ao julgar as premissas, não só vivemos no juízos, sem que reflitamos sobre os conteúdos deles; só com referência a estes conteúdos aparece motivada a conclusão. Assim e só assim pode a mesma forma lógica das premissas (que desde logo não chega a receber essa acentuação geral conceitual que acha sua expressão nas fórmulas dos raciocínio) chegar a determinar intelectivamente a dedução da conclusão.

Capítulo 4 – Item 5/6 –
No Ato de significar, a significação não é consciente objetivamente.

À significação unitária cprresponde – dizíamos – na vivência atual de significação um rasgo individual, como caso singular dessa espécie; do mesmo modo que à diferença específica vermelho corresponde o momento de vermelho no objeto vermelho. Se levarmos a cabo o ato e vivemos, por dizer-lo assim, nele, mencionamos naturalmente seu sujeito e não sua significação. Quando, por exemplo, fazemos um enunciado, julgamos sobre a coisa em questão e não sobre a significação da proposição enunciativa, não sobre o juízo no sentido lógico. Este não se nos faz objetivo até que verificamos um ato mental reflexivo, no qual não só reportamos à vista sobre o enunciado levado a cabo, sem que executamos a necessária abstração (ou melhor dito idealização). Esta reflexão não é um ato que tenha lugar de baixas condições artificais, isto é, por modo excepcional; sem que é um elemento normal de pensar lógico. 
O que caracteriza este é a conexão teorética e a consideração teorética, a ela endereçada, que se verifica em reflexões escalonadas sobre os conteúdos dos atos mentais executados. Pode servir-nos de exemplo uma forma muito vulgar de consideração mental: “É S P? Poderia ser. Porém desta proposição se seguiria que M é. Isto, “empero”, não pode ser. Logo tem que ser falso que o que ao principio considerei possível, a saber: que S foi P… etc., etc.” Atenta o leitor às palavras subtraídas e às idealizações nelas expressadas.
Essa proposição – que S é P -, que como tema atravessa toda a consideração, não é notoriamente só o efêmero momento significativo no primeiro ato mental, quando por vez primeira se nos ocorreu o pensamento, sem que a reflexão lógica é levada a cabo em ulteriores passos e sem cessar segue sendo mencionada a significação da proposição, significação que no conexo mental unitário concebemos em idealização e identificação como sendo a mesma e constituindo uma unidade. E o mesmo acontece quando se desenvolve uma fundamentação unitária teorética. 
Não podemos pronunciar nunca a palavra logo, sem reportar a olhada sobre o conteúdo de significação que tem as premissas. Ao julgar as premissas, não só vivemos no juízos, sem que reflitamos sobre os conteúdos deles; só com referência a estes conteúdos aparece motivada a conclusão. Assim e só assim pode a mesma forma lógica das premissas (que desde logo não chega a receber essa acentuação geral conceitual que acha sua expressão nas fórmulas dos raciocínio) chegar a determinar intelectivamente a dedução da conclusão.

Significações “em si” e significações expressas.

Até agora temos preferentemente de significações que, como já disse o sentido normalmente relativo da palavra significação, são significações de expressões. Porém, não existe em si uma conexão necessária entre as unidades ideais, que de fato funcionam como significantes, e os signos a que estão unidas, isto é, mediante os quais se realizam na vida da alma humana. Não podemos, pois, afirmar tão pouco que todas as unidades ideais dessa espécie sejam significações expressas. Cada caso de nova formação que nunca antes fora realizada. 
Assim como os números – no sentido ideal pressuposto pela aritmética – não ascem e perecem com o ato de enumerar; assim como, por tanto, a série infinita dos números representa um conjunto de objetos gerais objetivamente fixo, rigorosamente delimitado por uma lei ideal, assim também sucede com as unidades ideais, puramente lógicas, os conceitos, as proposições, as verdades, em suma, as significações lógicas. Estas formam um conjunto – ideal e cerrado – de objetos genéricos, a dos quais lhes é acidental o ser pensados e expressados. Há, pois,  incontáveis significações que no sentido corrente relativo da palavra são significações meramente possíveis, não chegando nunca à expressão e incluso não podendo chegar nunca à expressão, a causa das limitações das forças cognitivas no homem.
Tradução: Paulo Abe


Fonte:
HUSSERL, Edmund.
Investigaciones lógicas. Alianza Editorial. pp. 285-6
Tradução: Paulo Abe
http://projetophronesis.wordpress.com/category/
fenomenologia/husserl-fenomenologia/
Sejam felizes todos os seres.
Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

A FENOMENOLOGIA DE HUSSERL



 – o caminho até sua ciência.

Introdução:
Neste trabalho me proponho a mostrar ao leitor um percurso diferente de demonstração da fenomenologia. Primeiramente, mostro um aspecto geral da fenomenologia de Husserl, a ciência das essências. E, como ponto de reflexão principal, exponho o “desenvolver histórico”, como Descartes, os empiristas, em especial Hume, e até Kant deram, de várias formas, motivos para se aproximar ou manter a devida distância para, então, se construir a fenomenologia husserliana que conhecemos.

Aspectos gerais da fenomenologia de Husserl.
O movimento de pensamento conhecido como fenomenológico está ligado estreitamente a seu principal representante Edmund Husserl (1859-1938). Este pensamento é posto no interior da rediscussão das concepções filosóficas positivistas, e atentos ao desenvolvimento do positivismo, da matéria e das ciências histórico-sociais, eles, os fenomenólogos, os submetem à crítica sua epistemologia e sua confiança pela ciência[1].

A fenomenologia tem por palavra-de-ordem o retorno às próprias coisas, se propõe a ir além dos sistemas construídos no ar.
A expressão ´fenomenológica´ significa antes de mais nada um conceito de método (…). O termo expressa um lema que poderia ser assim formulado: voltemos às próprias coisas! E isso em contraposição às construções desfeitas no ar e às descobertas casuais, em contraposição à aceitação de conceitos só aparentemente justificados e aos problemas aparentes que se impõem de uma geração à outra como verdadeiros problemas.[2]

Esta filosofia se sustenta partindo da base de dados indubitáveis para neles construir o edifício filosófico. “Sem evidência, não há ciência” diria Husserl nas Investigações lógicas, então na fenomenologia se procura evidências estáveis. Os limites da evidência apodítica representam os limites do nosso saber. Assim, é preciso buscar coisas manifestas, fenômenos tão evidentes que não possam ser negados”[3].
Portanto, a fenomenologia ainda procura tais coisas manifestas ou evidentes através da descrição dos “fenômenos” que se anunciam e apresentam à consciência depois da epoché. E este ponto de aproximação da epoché dos fenomenólogos, o resíduo fenomenológico, é encontrado na consciência: “a existência da consciência é imediatamente evidente”[4] .
A fenomenologia, a partir dessa evidência, já que é uma ciência de essências e não de fatos, pretende descrever os modos típicos como as coisas e os fatos se apresentam à consciência, ou seja, as essências eidéticas. Naturalmente, esta fenomenologia é a ciência das essências.

Eis, portanto, o que a fenomenologia pretende ser: ciência, fundamentada estavelmente, voltada à análise e à descrição das essências. Com base nisso, podemos compreender como a fenomenologia se distingue da análise sicológica ou da análise científica. Diferentemente do psicólogo, o fenomenólogo não manipula dados de fato, mas essências; não estuda fatos particulares, senão idéias universais.[5]

A fenomenologia não se importa pelos casos particulares como atitudes morais desta ou daquela pessoa, mas sobre a essência da moral. A consciência é sempre consciência de alguma coisa – ou seja, é “intencional”[6] – que se apresenta de modo típico – a essência eidética.

Neste ponto, esta ciência das essências poderia tomar dois rumos: o idealismo ou o realismo. Husserl, sobretudo o último Husserl, tomará o caminho do idealismo. “Assim, o pensador que estabeleceu como programa da fenomenologia o do retorno às próprias coisas, no fim se encontrará com a realidade única que é a consciência”[7].
Mas, quais foram as influências que sofreu Husserl?
Isto desenvolveremos a partir de agora.

A origem;odesenvolver histórico;e a construção da fenomenologia:

Em suas Meditações cartesianas, Husserl diz aos ouvintes de sua conferência em homenagem à filosofia francesa que “a fenomenologia quase poderia ser chamada de um neocartesianismo”. Quase a não ser o fato de que a fenomenologia “se viu obrigada a rejeitar quase todo o conteúdo doutrinal conhecido do cartesianismo, pela razão mesma de que deu um desenvolvimento radical a certos temas cartesianos”[8]. Husserl tem para com Descartes uma admiração, julgando ser o francês, pai fundador do “subjetivismo transcendental” inaugurado nas Meditações. 

 Descartes descobre o ego cogito e se ele se interroga acerca da natureza desse ego, é para responder se: “sou uma mente ou inteligência ou intelecto”, quer dizer, para interpreta-lo como um “fragmento do mundo”. As Meditações são uma reconquista do “fora” a partir do “dentro. Mas Descartes com pressa demais em pôr o “mundo objetivo” ao abrigo do ceticismo, não pressentiu isso e de sua filosofia só resta a convicção de que é preciso “voltar aos fundamentos originários de todo conhecimento na subjetividade transcendental”[9].

Husserl não poupa elogios aos racionalistas modernos, que herdaram a idéia de Wissenchaft, herdada dos platonismo. Mas pouca coisa ajuda com aquilo que lhe falta: uma teoria do conhecimento digna desse nome. O que faz Husserl se perguntar: “como falar, com efeito, em teoria do conhecimento, quando os produtos do saber. 

Qualquer que seja o estágio em que se situem (juízos empíricos, ciências, proposições a priori etc.), são considerados simplesmente como dados – de tal modo que o sentido deles não requer nenhuma elucidação sistemática?”[10] Se prevalecia  a ideia de que todas essas formações já estavam disponíveis, não se atentavam a levar em conta que esses fenômenos deveriam ser estudados como fenômenos.[11] Kant tão pouco mostrou luz sobre os prodigiosos recursos metodológicos do ego cogito, pois está demasiado ocupado com as ciências positivistas em seu direito, para só dedicar seu tempo a seu respeito enquanto são configurações de conhecimento.

Os problemas transcendentais dele , em sua forma historicamente condicionada, não se assentam, como a claridade última do problema aqui o exige, sobre a base primitiva de toda investigação transcendental: sobre a base da subjetividade fenomenológica.[12]
Aí se mostra a distância entre o pensamento de Husserl e o de Kant. O tutor de Kant ainda diria que o pensamento do discípulo nada tem a ver com a inspiração fenomenológica e que o ele inicia é um “subjetivismo transcendental de uma nova espécie”[13].

Esta cegueira à “esfera egológica” impede cada vez mais a fundação sistemática do saber. De Descartes a Kant a despeito de sua exigência de rigor, continua-se aquém da tarefa que Platão atribuiu à dialética: “não admitir nenhum saber do qual não seja possível  prestar contas (Rechenschaft geben) em virtude de princípios originários primeiros e perfeitamente evidentes”.[14] Mas não seria exato dizer que o racionalismo não alcançou tal tarefa: a verdade é que não se interessou por ele seriamente (à exceção, talvez, de Leibniz). Porém, o racionalismo apenas pôde ser aparente ao fato de fundar uma ciência, tendo como “fundar” justificar integralmente suas pretensões. 

De Descartes a Kant não se vê o ensinamento de que maneira as idealidades e seus encadeamentos se oferecem e impõe a nós. Este é o efeito do segundo bloqueio que atinge o racionalismo moderno.
Em primeiro lugar, esse racionalismo desconhece o ego cogito como única fonte possível de toda validação. Em segundo lugar, ele não sente necessidade de validar a objetividade como tal e por todos os seus tipos.[15]

O Ser-objeto é algo evidentemente “bem conhecido” e, por isso, não é alvo de maiores investigações. Assim, impede-se toda fundação no sentido da clarificação última e integral, que Husserl chama de objetivismo e traça a divisão da filosofia moderna.
No seu sentido original, toda a filosofia moderna, como ciência universal de fundação última, é, ao menos depois de Kant e Hume, um único combate entre duas idéias da ciência: a ideia de uma filosofia objetivista no solo do mundo dado de antemão (vorgegebene Welt) e a de uma filosofia no solo de uma subjetividade absoluta, transcendental [...].[16]

Mas de onde está a causa de toda esta falta de curiosidade? Husserl responde: da inatenção à objetividade dos elementos ideais. O mesmo ocorre com Kant quanto à exposição que traça da lógica formal, que o faz escapar do problema de como as objetividades ideais obtêm o sentido-de-ser de objetos (den Seinssinn von “Objekten” gewinnen), diante da contingência dos atos e dos sujeitos. Daí outras questões se fará Husserl com a necessidade de tematizar o objeto como cogitatum para decifrar o sentido-de-ser que lhe é próprio. Mas para chegar lá “é preciso ainda, decerto, ter reconhecido que há objetos idéias: eis a preliminar indispensável”[17], e eis porque as suas Investigações lógicas não alçaram vôo “de maneira contingente” e, ainda, em razão da forte corrente “antiplatônica”[18].

O preço deste preconceito foi o Seinssinn “Objekt”, a presença de algo como “mundo objetivo” não ser nenhum enigma. Nem Descartes abalou tal concepção, tendo, segundo Husserl, depois de milhares de anos, só Berkeley e Hume, o empirista e o cético, sendo os pioneiros da fundação radical. Aqui Husserl reconhece sua dívida para com seus antecessores.

Porém, a ideia de fenomenologia, para Husserl, estará sempre ligada a Descartes e Platão. Os empiristas nunca receberiam o título que Descartes recebe, o de que suas Meditações são “o primeiro esboço de uma fenomenologia puta, embora sob a forma de uma fenomenologia puramente sensualista e empírica”.[19] Só com Locke que a filosofia começa a se tornar tecnicamente fenomenologia; só então que ela tenta “interpretar concretamente, numa universalidade sistemática, aquilo que tinha vindo à luz, embora fugidiamente, nas Meditações”.[20] Vê-se, assim, “a tendência em direção a um método imanente” do empirismo inglês.
[Locke] é o primeiro a procurar, partindo do cogito cartesiano, o caminho que leva a uma ciência do cogito [...] ele é o primeiro a compreender que é preciso reconduzir todo conhecimento às fontes intuitivas originárias na consciência, na experiência interna, e que é preciso elucida-lo a partir destas.[21]

A egologia de Locke se apresenta com uma história da “alma” (entendida como região mundana). Ele admite a transcendência de um mundo  substancial, pondo de antemão a validade objetiva,, validade que ele deveria deixar se constituir unicamente na esfera do ego cogitans.[22]Esse parti-pris metafísico rapidamente aparece como incompatível com o método delineado pelo Ensaio – e cabe a Berkeley limitar expressamente a investigação acerca das transcendências ao campo dos dados imediatos: aos fenômenos”[23]. Desta forma, “legitima permanentemente o empirismo” (das bleibende Recht dês Empirismus):[24] o esforço de ajuste à evidência, a vontade de descrever a coisa percebida como ela se dá”[25][26]. Neste momento, se pode perdoar, ao menos um pouco, a “incurável miopia do empirismo”[27].

Husserl defende o empirismo surpreendentemente, mas não se contradiz. Sua critica nas Investigações lógicas é do empirismo que trai o sentido específico dos conteúdos de conhecimento. Não é o método que desencaminha o empirismo, mas a infidelidade com ele, por isso Husserl procura defendê-lo dele mesmo[28]. O empirismo se mostra aparência dele mesmo, pois “é somente em aparência que ele respeita seu princípio de não enunciar nada que não tenha tirado da intuição”;[29] é somente em aparência que ele diz o sentido daquilo que vê, porque decidiu restringir o sentido a uma região do ente, e sua fenomenologia é filtrada por uma ontologia mutiladora”.[30]
 
No entanto, trata-se de fenomenologia. O cogito enfim está aberto como campo de imanência e nada impede mais a interrogação sobre o sentido-de-ser das diferentes objetividades graças ao preconceito sensualista de Berkeley: confundir a “coisa” visada como sendo “idêntica” aos perfis sensoriais por meio das quais se anuncia.

Em Kant seria em vão buscar uma subjetividade absoluta. Mas, se for preciso escolher entre o “naturalismo imanente” (Hume) e o “objetivismo” (Kant), que impede a filosofia transcendental de se tornar fenomenologia, antes o primeiro.  “Hume dissolve o “eu idêntico” que Berkeley ainda conservava: no lugar de um ego mudanizado”.[31] A Segunda Meditação mostra o desligamento de seu substrato metafísico.
[Hume] foi o primeiro a levar a sério a atitude de Descartes, de se voltar para a interioridade pura desembaraçando radicalmente a alma, desde o início, de tudo o que dá a ela uma significação real mundana e pressupondo-a puramente como campo de percepções, impressões e idéias [...].[32]
e continua…
Ele foi o primeiro a compreender o problema concreto universal da filosofia transcendental [...]; foi o primeiro a ver a necessidade de estudar precisamente essas afirmações objetivas como formações de sua gênese, a fim de tornar compreensível, pelas suas origens últimas, o exato sentido-de-ser de tudo aquilo que existe para nós [...].
O Tratado foi visto como uma investigação empírica, ninguém observou até o nascimento da fenomenologia os eventos que ocorriam nas esferas das percepções.

No fim do Primeiro Livro, Hume, de certa forma, confessa seu fracasso como fenomenólogo.  Mas Husserl diz que era necessário que o projeto de Descartes fosse pervertido em solipsismo e que também o era que Hume fosse conduzido a essa “conseqüência monstruosa (ungehewerliche Konsequenz)”.[33] Mas por que Hume não pôde ser um fenomenólogo?

Na Segunda Lição de A idéia de Fenomenologia (1907), talvez indique a resposta. Husserl quer provar que quando se descobre um enigma, o novo saber se encarregará de evitar os obstáculos de Hume, no caso, isto é, o “objetivismo” e o uso do transcendente como “já dado”.

Sem dúvida, eu sei desde sempre que possuo um saber do transcendente – e “nenhum homem sensato duvidará da existência do mundo”. Mas esse factum (Daß) deve permanecer, no caso presente, inteiramente fora do jogo, pois ele não poderia instruir-me acerca da possibilidade, acerca do como (Wie) desse conhecimento[34](…) mas é precisamente essa possibilidade que é e sempre será enigmática, a menos que se torne patente, na clareza da evidência, que faz parte do conhecimento “alcançar um ser transcendente”.[35]

Tal é a solução de Hume, com consciência dos seus riscos. Mas, uma vez que Hume constata sua falência, lhe resta apenas voltar à ingenuidade pré-filosófica? Não.
Se alguém [diz Hume] se acostumou a fazer considerações críticas sobre a incerteza e os estreitos limites da razão, ele não as esquecerá inteiramente quando voltar sua reflexão para outros assuntos: em todos os seus princípios e seus raciocínios filosóficos (não ouso dizer em sua conduta corrente) ele se mostrará diferente [...].[36]
Tradução de Husserl: aquele que deixou o Daß (factum) de lado para buscar sem nenhum proveito o Wie (como)

Deveria, se é conseqüente, renunciar também ao seu ponto de partida: ele deveria reconhecer que, nessa situação, o conhecimento do transcendente é impossível, que seu pretenso saber a esse respeito é um preconceito. O problema então já não será: como o conhecimento transcendente é possível? – mas como se pode explicar o preconceito que atribui ao conhecimento uma operação transcendente (transzendente Leistung): este é precisamente o caminho de Hume.[37]

Mas, sobre isso, que é este cético? O cético é aquele que coloca as transcendências fora de circuito e as converte em niilismo, por incapacidade de fundar seu saber. Manter a devida distância será de extrema importância para o fenomenólogo.   Uma vez que só encontra no cético um precursor técnico, invoca uma linhagem espiritual

O pensamento que rompe com o “objetivismo”, o empirismo, não pode se manter à altura do projeto transcendental. “O “objetivismo” sanciona a indiferença perante o problema seguinte: de que maneita algo que é o produto de uma constituição de sentido pode no entanto valer como “objeto”?  E esse problema só pode ser motivado pelo reconhecimento da objetividade ideal: foi por falta de atenção a esta, e de reflexão sobre seu estatuto, que os filósofos permaneceram insensíveis ao enigma que é a transcendência em geral”.[38]

Nenhum filosofia nega mais ferozmente os objetos ideais que o empirismo. De nenhuma experiência a “idéia abstrata” nos seria dada, segundo tipo de filósofo. Jamais teríamos consciência de uma idéia geral das coisas; de uma consciência-do-geral. Desconhece o fato de que o geral pode ser objeto de uma intuição evidente imediata. Para isto, sustenta que “a exigência de evidência só é satisfeita pelo recurso a um dado sensível. Ele vai, portanto, reclamar o indubitável de um evento ou encontro. E toda verificação de uma idéia seguirá o passo de reduzir-se à impressão, seu “ens certum”.

Mas como tal impressão é vivida? O que nos ensina ela sobre si mesma? Como se faz para que seja nela que encontramos o dado-em-pessoa? O empirista, para isto, tem um silêncio ou um absurdo: a impressão é mais forte que a idéia, mais vívida. Daí não sabemos o que faz da impressão, uma “impressão”.
De que lhe serve então, então, considerar os fenômenos, se não consegue sequer se interrogar sobre o sentido que especifica cada representação? Se já transformou esses fenômenos em coisas “que são, mas nada significam, nada visam, nada trazem em si de sentido (tragen nichts in sich non Sinn)”. [39]Assim, a investigação fenomenológica que não chega a acontecer é substituída por uma descrição fenomenista.[40]

É perdoável a naturalização da vida da consciência, mas não o erro de tematizar os fenômenos e, em contra partida, julgar ter acertado tratá-los como eventos. Um momento que Husserl acusa  Hume de inconseqüência é quando: “levado por seu ardor nominalista, Hume, para se fechar melhor em seu sensualismo, teria decidido passar em silêncio a problemática do sentido e descrever os fenômenos sem se interessar por aquilo que eles apresentam e pela maneira como a apresentam”.[41] Indo contra a noção de phaínesthai (fenomenologia). O operador, para o empirista, é desprovido de valor. O que há são conexões entre conteúdos indiferentes, ou seja,

O empirista não aceita a distinção inaugural das Logische Untersuchungen (Investigações Lógicos) entre os dois modos do ser-signo: o índice (Anzeige) e a expressão ou signo significante (Ausdruck, bedeutsame Zeichen), pela qual “exponho algo de maneira expressiva” a um receptor que não precisa senão ouvir e não interpretar (deuten).[42]No universo empirista, nada há além de índices (mesmo o retrato que vejo é índice de meu amigo ausente, da mesma maneira que “o estigma é o signo do escravo; a bandeira, o signo da nação”), e não se faz outra coisa senão interpretar. Jamais existe o momento em que o dado “já não vale por si mesmo”, mas não faz outra coisa que “tornar representável (vorstelling machen) um objeto diferente”.[43]

E a melhor prova de que a absorção do signo no índice pertence à essência do empirismo é esta:
Onde dizemos que um estado-de-coisas A é um indicação de um estado-de-coisas B, que o ser de um indica que o outro também existe, nós podemos, em nossa expectativa de encontrar realmente também esse último, ter uma certeza inteira. Mas, falando dessa maneira, não queremos dizer que haja uma relação de conexão evidente (einsichtig), objetivamente necessária, entre A e B; aqui, os conteúdos de juízo não se encontram para nós numa relação de premissas a conclusões.[44]

Estas linhas determinam admiravelmente a relação de ‘causação’ em Hume, isto é, determinam o único sentido que o empirismo pode admitir para a idéia de ‘conexão necessária”.[45] Assim, por não reconhecer que um significado pertença por essência a um signo, jamais há de se encontrar, para estabelecer sua conexão com outro conteúdo, algo que por natureza se anteciparia ou projetaria na impressão.[46] Dadas tais condições Hume reconheceria que a “subjetividade” de Husserl faz falta ao “sujeito” do qual ele fala: esta é a condição de seu empirismo. “A experiência é, portanto, bem exatamente o meio que substitui a subjetividade constituinte – o horizonte sob o qual os signos são por princípio liberados de toda função representativa. Em compensação, a ilusão representativa pretende nos dispensar da experiência, criando ligações-de-essência das quais a subjetividade constituinte pretende dar uma leitura sistemática”.[47]
 
Por ter a noção de sujeito pouco característica do idealismo fenomenológico, Husserl critica Hume por ter reconstruído o ego como ficção, mas não por tê-lo feito desaparecer como substância. Este foi, na realidade, seu lance de gênio: “ter reduzido o ego a um fluxo de vivências, a transições de percepções (…) Foi graças a isso que restituiu o verdadeiro sentido à “interioridade” cartesiana e tornou possível uma fundação radical”.[48]
Ainda diz-nos Husserl sobre Hume:
Havia preenchido a condição indispensável para que fosse empreendida um investigação, sem preconceitos, dos fenômenos. Esta requer, porém, uma outra coisa: é preciso ainda saber que o ego cogito é o único espaço no qual se pode desenvolver uma ciência eidética pura.[49] A convicção de que o ego não seja nem uma alma, nem qualquer figura do sujeito insular, representa um progresso essencial – mas com a condição de que se determine essa não-coisa como um código de legalidades e de constrangimentos essenciais que governe todas as figuras da objetividade.[50]

A fundação absoluta do conhecimento só se é possível com os caracteres essenciais gerais (Wesenseigenheiten), as legalidades essenciais (Wesensgesetzlichkeiten) como princípios de todas as elucidações ulteriores.[51] Este phaínesthai não é de longe um efeito de superfície, “ele é expressivo de ponta a ponta e desde sempre – que ele é, por definição, um conjunto de signos significantes -, o “abecedário”, como gosta de dizer Husserl, de tudo aquilo que jamais poderemos saber”.[52]

Assim, apesar das desavenças, Hume permaneceu para Husserl um ancestral excêntrico, no qual jamais entreviu o inimigo mortal da “ratio”. Os limites de Hume e seus absurdos foram uma aula para onde Husserl deveria se distanciar para fundar sua filosofia da essência. Mas “sem dúvida, como saber radicalmente novo, anti-objetivista, como recomeço integral, a fenomenologia pode aceitar esse “aliado objetivo”, que lhe iguala em arrojo. Mas, como fenômeno-logia, em que extravagante companhia ela se acha colocada”.[53]

Fonte:
http://projetophronesis.wordpress.com/category/fenomenologia/husserl-fenomenologia/
Sejam felizes todos os seres.
Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

CBN - A rádio que toca notícia - No Divã do Gikovate


Como lidar com pessoas que se fazem de vítima
Duração: 58:57

Sejam felizes todos os seres.
Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.
 Fonte:
http://cbn.globoradio.globo.com/programas/no-diva-do-gikovate/2010/11/28/
COMO-LIDAR-COM-PESSOAS-QUE-GOSTAM-DE-SE-FAZER-DE-VITIMAS.htm

Robert Happé (4/4) - Consciência é a Resposta

streetmarcio | 10 de janeiro de 2010 | 13 pessoa gosta, 0 pessoas não gostam

Robert Happé nasceu em Amsterdã, Holanda. Estudou religiões e filosofias na Europa e dedicou-se desde então a descobrir o significado da vida. Estudou também Vedanta, Budismo e Taoísmo no Oriente durante 14 anos, tendo vivido e trabalhado com nativos de diferentes culturas de cada região onde esteve - Índia, Tibet, Camboja e Taiwan. Em seu retorno à Europa, sentiu necessidade de compartilhar o conhecimento adquirido e suas experiências de consciência. A partir daí, trabalhou em várias universidades, e tem trabalhado continuamente com grupos de pessoas interessadas em autoconhecimento e desenvolvimento de seus próprios potenciais como seres criadores. Desde 1987 vem compartilhando informações em forma de seminários e workshops em países da Europa, na África do Sul, nos EUA, na Austrália, e no Brasil. Seu trabalho é independente, estando desvinculado, sob todo e qualquer aspecto, de organizações religiosas, seitas, cultos e outros grupos.


Parabéns,Raquel e Equipe pela jóia maravilhosa que me deram chance de conhecer,este Homem absolutamente amoroso,Robert Happé.

O mundo precisa ouví-lo,urgente, para aprendendo na simplicidade e delicadeza,produzir a beleza e harmonia em tempo real,Agora!

Mozart Sonata in F major K. 332; Miguel Angel Messulam plays, 3rd. mov. ...


Nada a ver cavalaria
com o ritmo delicado
- só se for em trégua.
.

Mozart Fantasia in C minor K 475; Miguel Angel Messulam plays, Adagio,An...

ZemArte (há 1 segundo)
Oh, que delicadeza de Mozart nesta Fantasia em dó Menor! Eu não conhecia o K 475 - diferente de tudo que fez entusiasticamente,agitado nas coloraturas estonteantes,ao contrário a "Fantasia" sugere um caminhar tranquilo,doce...sereno.

Site:
http://www.celtrus.com/miguelangelmes..