quarta-feira, 25 de novembro de 2015

HISTORINHAS VERD-ADEIR-AS



 
Ludwing van Beethoven - Maestro Leonard Bernstein
- "Pastoral "
- Symphony in Fa Major  Opus 68 - 46min.

 
Pachelbel Canon in D Major - Perfect Version - 5min                       

HISTORINHAS VERD-ADEIR-AS    
                    

Filho,
Sei que é difícil de acreditar mas quando você tinha 10 anos,exatamente na terça-feira de carnaval de 1981 eu,euzinha,sua mãe,fui passar o carnaval na Missão Ramacrisna ,não me lembro se vocês também tinham ido comigo,só sei que fui à Missão para  fugir da barulheira da cidade e principalmente para cuidar dos meninos.    
   
        Lembro-me que no primeiro dia,sábado,passou um filme sobre um gatinho que caiu de uma nave espacial e ele trazia numa coleira, no pescoço, nada mais que o seu planeta inteirinho dentro de uma gota de cristal.

              O filme começou alegre e muito interessante e já no meio dele,alguns cientistas malvados começaram uma caça ao gatinho que trazia o tesouro de outra civilização.....e por causa das maldades repetitivas,comuns nesse tipo de  mentalidade perversa,preferi voltar para o quarto e dormir mais cedo,pois eu pretendia acordar bem cedinho,pra ir pra cozinha fazer o café das crianças     


          Chegando ao quarto , retirei da casa da minha blusa um raminho de hortênsia murcho que eu peguei de um grande vaso de barro que estava no templo durante a reunião que assisti antes de ir ver o filme do Gatinho - Não me lembro o nome do filme se você esta lá comigo,talvez se lembre. 


     Pois é, automaticamente,sem pensar, enchi um copo com água e ali coloquei meu prisma e o galinho cinzento,em cima de um móvel grande e distante uns três metros da minha cama.   Apaguei a luz e pensei dormir rápido como sempre me acontece.  Engraçado é que pelejando pra dormir fiquei até lá pelas duas da manhã e já sentia dor no pescoço de tanto esticá-lo para olhar  o galhinho cinzento de tão murcho.  Foi quando tive a brilhante ideia de colocá-lo perto de mim , no tamborete junto a cama.


Aí, notei algo extraordinário: o raminho murcho se transformara num galinho todo florido,com flores azuis,  novinhas como se tivesse sido colhido naquela hora.Como eu tinha levado um caderno para anotações, emocionada escrevi um versinho registrando minha alegria por aquela transformação . Escrevi, dei  um beijinho nela e neste momento vi a florzinha envolta numa massa redonda de luz e  dentro da luz um enorme sorriso , telepaticamente dizendo: - Obrigada !


Senti um baque e  me virando para a parede eu disse depressa:  
  
- Ah, agradece a água !!!
E foi com a cara pra parede que senti uma batidinha  no meu ombro direito.

           Automaticamente me virei  ,quando o galhinho de hortência azul bem forte e firme falou::

Mas foi você quem me botou na água .!..
Aí mesmo foi que vi que não dormiria  mais.


               Este foi o primeiro dia de mais  três -          -

          Resumindo, foram 04 noites e dias sem dormir .

Nunca em toda minha vida eu perdera uma só noite de sono,ao contrário,apago antes de um minuto,penso que durmo mais do que a maioria. 

Quando amanheceu e consegui exausta  sair da cama,ao passar perto do latão de lixo,vi  ali amontoadas todas as outras hortênsias que enfeitavam o templo. Confesso que tive um certo medo de cada galho se escancarar pra mim e falar coisas....    Sai depressa  pra não correr o risco de me envolver em outra historinha fantástica  .

       E tentando dormir passei todo o carnaval, envergonhada por não trabalhar conforme planejara e foi neste clima que na terça-feira, com o rabo entre as pernas fui me desculpar com o Sr.Arlindo.(o dono do orfanato onde  desenvolvia ali o culto de Ramacrisna) e ele disse poucas coisas, mas afirmou bem devagarinho:ela  ainda  está dormindo..........Com as palavras dele na cabeça,desci as escadas e lentamente me encaminhei para o antigo pomar, cheio de tocos das árvores frutíferas que ele mandara cortar, porque as crianças viviam fugindo pra roubar as frutas....


       Deitei numa grama rala e ali fiquei longo tempo olhando pro Sol do fim da tarde e me perguntando: por que?...por  quê?.. (por que não cumprira meu desejo de cuidar das crianças,conforme planejei?)

         .E foi aí que algo maravilhoso aconteceu: 


                De olhos fixos no Sol vi brotar do seu centro  algo leitoso um foco  a  encorpar-se,crescer movente e se desenrolando em espiral em minha direção até mergulhar dentro dos meus olhos que viam e analisavam a beleza da composição da espiral ,toda ela formada de filetes do tamanho de um dedo indicador e os filetes eram compostos de mini quadradinhos ( ou pares de triângulos) semelhantes a  cristal... e os filetes transparentes  eram também mini  espirais.......Maravilhoso !!!


A IMENSA ESPIRAL (em diagonal,apontada para mim) ERA COMPOSTA DE MILHARES DE ESPIRAlZINHAS  verticalizadas.Cada ponto que a formava gerava outra  mini espiral.


O mais fantástico desta história ainda estava por acontecer:


Á medida que a grande espiral que brotara do Sol se aproximava ,toda a paisagem se comprimia  como que revelando ser a Terra inteira uma única célula -  eu ia diminuindo,diminuindo até que chegou o instante que de tão pequena eu já nem mais me via, só sabia que existia porque sentia aquela incrível felicidade .


Não sentia mais este corpo pesado cheio de  órgãos , células, moléculas..e concomitantemente na mesma proporção, minha tristeza e dúvida ia se transformando numa felicidade como eu nunca pensara que pudesse existir.


Nesta hora eu não estava feliz, EU ERA  A PRÓPRIA FELICIDADE..

- Eu me via  uma ENZIMA,que navegava, deslizava plena, incrivelmente integrada numa corrente coesa com outras enzimas plenas, extremamente eficiente em penetrar,deslizando ao  ritmo da harmonia  nos labirintos....de uma MITOCÔNDRIA.

         Eu era naquela hora uma ENZIMA,COMPLETA, ATIVA, EFICIENTE ou mesmo um fragmento de enzima  a   deslizar feliz, absurdamente feliz !!!       


             Esta historinha não imaginei e pelo que há de mais sagrado,sinto ter sido  premiada - a PRESENÇA REAL DA ORIGEM DA VIDA (se é que a vida começa com uma enzima já  formada, pronta e atuante)    


             Mas há nesta experiência algo inacreditável a qualquer mente científica sensata e que eu me arrisco a dizer,pela nitidez  e clareza como tudo se deu, arrisco a dizer, que os filetes transparentes como cristal em quadradinhos empilhados e do tamanho de um dedo indicador ,era nada mais nada menos que a imagem trilhões de trilhões de vezes ampliadas das super cordas, hoje objeto de estudo dos mais sérios e geniais cientistas............


Tenho outra história de 'ampliação de molécula (?) da cor, mas esta eu lhe conto outro dia e me aconteceu exatamente na noite de 01/09/1998 

É também extraordinária,absurdamente Real.    


              Então..."nosso Compasso" quero fazê-lo reproduzindo a espiral 
que brotou do núcleo do Sol , qual um  presente, quem sabe para ser usado e revelado justamente no GRANDE ARQUETO DO UNIVERSO ???!!!


E O  QUE VOCÊ JA SABE SOBRE AS SUPER CORDAS ? ?

HISTORINHAS DE VERDADE   

FELICIDADE E SOFRIMENTO


FELICIDADE



O carnaval de 1981 resolvi passá-lo em um orfanato, na Missão Ramacrisna , cuidando das crianças e meditando.No sábado,após a meditação no templo peguei um raminho murcho,cinzento, do grande vaso de hortênsias,coloquei na casa da minha blusa e desci para meu quarto,antes de todos, pois eu queria acordar bem cedinho pra fazer o café das crianças.

Instintivamente coloquei o raminho de hortênsia num copo d'água e fui dormir.Geralmente apago nos primeiros minutos e naquele dia toda hora eu me virava e olhava na direção do copo onde eu colocara o galinho da flor.Já eram duas da madrugada e meu pescoço doía de tanto torcê-lo para olhar o galinho sobre a cômoda a uns três metros da cama.

Decidida a dormir,levantei-me,peguei o copo com o galinho para colocá-lo num tamborete junto a minha cama,quando me dei conta de que o galinho de hortênsia estava naquela hora todo florido,como se tivesse acabado de ser colhido.Fiquei emocionada com aquilo,peguei meu caderno e escrevi um versinho,para segurar o encanto daquele momento.

Já ia virar-me pra parede quando quis dar a última olhada de boa noite e vi em toda a flor uma enorme sorriso iluminado e dentro do sorriso entendi algo como: "Obrigado"

E porque tudo que eu queria era dormir para levantar cedo, enquanto me virava de novo para a parede eu disse: Ah,agradece a água! 
Falei depressa e cobri minha cabeça.Nisto,algo me bateu no ombro e de novo instintivamente me virei e juro, ela respondeu: 
"mas foi você quem me colocou na água!"

Depois dessa,aí mesmo que não dormi mais e por mais incrível que pareça,passei todo o carnaval sem dormir, sem aguentar levantar e envergonhada ,pois eu não conseguia me arredar do quarto e ir cuidar das crianças.

Terminado o carnaval eu não tinha cara para olhar as pessoas, então fui para um antigo pomar,deitei-me na grama e só me perguntava, por quê, por quê não fui capaz de fazer o que planejara.

Era tardinha,depois das quatro e olhando para o sol eu repetia,por quê,por quê...

E foi aí que aconteceu a coisa mais fantástica.

Fitando o Sol, eu vi uma imensa espiral de agulhas de luz ,vinda na minha direção e quanto mais se aproximava dos meus olhos menor eu me sentia e uma paz extraordinária foi se apoderando de mim e,ali no pomar onde eu estava deitada,tinha uma geografia interessante - um platô arredondado   limitado na frente pela rodovia  e lá em baixo à direita corria um riachinho.

medida que a paz me dominava e eu diminuía, senti,magicamente vi que todo o planeta se aconchegava ali,e diminuía até se tornar uma única célula.

Eu,naquela hora já não via mais o meu corpo,eu só sabia que existia porque a paz se transformou num estado de felicidade e a felicidade me revelava ser uma enzima feliz,integrada,acorrentada a uma multidão de outras enzimas ativas, operantes,deslizando no labirinto de uma mitocôndria.

 O Sol naquela hora era apenas  o ponto de ligação da célula a outras células do Universo.


Nunca em toda a minha vida senti tanta felicidade como naquela hora.

SOFRIMENTO


Terminado o carnaval voltei pra cidade e aos meus afazeres normais.
Ao varrer a casa cheia de brinquedos espalhados,peguei uma bolinha de gude que estava debaixo da cama.Ainda ajoelhada,deixei a bolinha rolar na minha mão e de repente aproximei-a dos olhos e  algo extraordinário aconteceu.

Ao mirar bem a bolinha de gude azul claro,observei dentro dela dezenas de pontinhos luminosos dispersos faiscando e a medida que eu encantada olhava, sentia que cada pontinho de luz dentro da bolinha era uma estrela que crescia e se tornava uma galáxia .

Quanto mais olhava a multidão de estrelas crescendo, mais eu crescia e mais triste eu ficava.

- O universo estava e rolava na minha mão.
Cresci tanto que me senti deus.
Um deus terrivelmente infeliz.

Eu deus, não estava dentro do mundo! 

O mundo rolava alheio a mim em minha mão. 
E eu  deus, que varria a casa ia jogar o universo numa caixa de brinquedos...


 
Nunca fui tão infeliz como naquele dia que fui deus;


Se você puder encontrar algo nestas historinhas
,eu adoraria saber o que elas escondem. 
Um grande abraço .
Adeir



A História do Pé de Café

Terminado o carnaval (de 1981),volto para meu apto. e ali recomeço na lida.
Talvez porque ainda estava sob  'efeito' das quatro noites sem dormir, com a sensibilidade à flor da pele,diante da gritaria dos meus dois filhos,de 12 e 10 anos,fui para o Parque Municipal,próximo de onde morava,pra encontrar algum silêncio.

Sentei-me no chão,numa das quinas de um retângulo cimentado,onde antes havia um belo carro de boi, tendo em cada ângulo um pezinho de café.
Escolhi sentar-me entre o pezinho de café junto a um frondoso eucalipto.
Poucos minutos depois de banhar-me no silêncio,peguei na grama uma frutinha amarelada.

Rolei-a na mão e  pensei: parece veludo.
Vi que ela estava picada de passarinho e ali na cicatriz,abri-a,quando outro pensamento me veio: parece uma flor.

Olhei a frutinha aberta como uma flor de quatro pétalas ,aproximei-a dos olhos e vi que ela estava cheiinha de sementinhas,e de novo outro pensamento chegou: parece figo.

De repente,pra minha surpresa ouvi: Eu não quero ser figo de passarinho,queria ser doce!

E porque sou determinada e estava ali no Parque para encontrar silêncio,atirei longe a frutinha que me fazia pensar,quando escutei  um choro forte e nítido.Virei-me instintivamente para a esquerda onde eu quase roçava no pezinho de café, de menos de um metro de altura.
Engraçado é dentro do choro havia uma pergunta:

-"O que é melhor,frutificar muito no tempo certo,ou um só antes da hora?"

Eu olhava meio pasma para a arvorezinha e ela repetia a pergunta dentro do choro.
Enquanto ela repetia chorando,vi que se tratava de um fruto nela e eu olhava-a de cima em baixo,sem nada ver além de algumas folhas nas pontas das galhas faltando pedaços.Como se soubesse que eu notara suas folhas machucadas ela afirmou: São os homens,eles passam, arrancam pedaços,espremem e depois jogam no chão,mas já estou acostumada, quero é saber: 

"O que é melhor,frutificar muito no tempo certo,ou um só antes da hora"!

Aí então a coisa ficou brava naquele meu silêncio interrompido.
Primeiro pensei que era a minha imaginação me armando um desafio,depois ,se o choro vinha realmente da arvorezinha, era brincadeira,mas continuava olhando todos os galhinhos pra ver se encontrava algum grãozinho de café,que justificasse aquilo que mais parecia lorota - nenhum grãozinho se via na arvorezinha . E ela parecia que lia meu pensamento e  insistente, ainda chorando dizia:   " tem sim...tem sim..."

Longo tempo fiquei ali olhando,à procura de um grão, até que tive a ideia de olhar debaixo de unas folhas secas no seu tronquinho a uns 30 cm do chão.

 Eureka!
 Encontrei um frutinho!
 Um frutinho vermelho,quase gritei de alegria e  ela continuava a chorar.
Agora a coisa mudava de figura,não era imaginação minha,havia de fato um frutinho e era apenas um,único!

Olhei pra ela meio decepcionada por não compartilhar da minha alegria,e ela mais  chorona ainda disse: "Olha aquela ali"

De novo ,instintivamente olhei na direção que apontava, na frente dela,exatamente nas minhas costas,na outra quina do retângulo,outro pe de café ,este robusto,cheio de galhas pesadas de frutos juntinhos,mas todos verdinhos.

Foi quando tomei um choque e por causa do choque, saí da dimensão da arvorezinha chorona,infeliz,porque queria saber e ser tão produtiva como a sua companheira de Parque.

Depois dessa,muitas e muitas vezes fui visitá-la.
Puxava conversa com ela e nada...

Engraçado ,que por uns sete anos eu matutava, pensava e não encontrava uma resposta que fosse coerente,satisfatória para mim e também para ela.

Aí,vendo-me incapaz de respondê-la,deu na telha escrever um livrinho infanto juvenil contando minhas historias maluquinhas e nele eu ia deixar esta questão para os leitores me ajudarem encontrar a melhor resposta.

Por coincidência, num dia que fui de novo buscar silêncio,ela já  estava crescidinha e naquela hora cheia de frutinhas vermelhas.Peguei algumas, chupei-as, porque adoro café,e sem pensar joguei as sementinhas num vaso com terra, que ficava bem debaixo da minha pinguenta  pia do banheiro.

Distraída da vida eu escrevia o tal livrinho,cujo título era "O Menino Sonhador", lascava nele minhas aventuras,apropriadas para uma criança destemida, quando,vi debaixo da minha pia, uma mudinha do pezinho de café.

Já não precisava gritar Eureka.
Eu tinha encontrado a resposta ,sete anos depois e esta era a mais perfeita.

Vejamos:
- se eu fosse  um jardineiro naquela época, e estivesse procurando um grão maduro,era só eu colher aquele único grãozinho , plantá-lo.E até podia consolá-la dizendo, que seu filhinho,digo frutinho ia se tornar um lindo cafezal, enquanto a outra que invejara,no máxima daria uma porção de bons cafezinhos.

Alguns anos depois,os administradores ' levaram o carro de boi para conserto' e nunca mais foi devolvido ,depois cortaram o eucalipto gigantesco que fora testemunha desta historinha maravilhosa e mais poucos anos se passaram e ao visitar meu cantinho mágico do Parque Municipal de BH, quase chorei por não encontrar o meu querido pezinho de café chorão.

O retângulo do carro de boi foi coberto com terra e grama e só resta ali a rodela enorme do Eucalipto,rodeado de umas cinco azaleias cor de rosa, aonde subo,como num altar-mor e olhando pro céu, silencio e me abasteço de novíssima energia.

O Altar-mor , a rodela que sobrou do grande eucalipto ,que também foi cortado pelos jardineiros do Parque, foi a única testemunha desta historinha e está lá pra quem quiser entrar ,como Alice no país das maravilhas, noutra dimensão,ou na incrível dimensão do Reino Vegetal.Duvida?

Só quem duvida pode aprender .
Ade.


György Sandor Ligeti - " Lontano" 
Lígeti : Compositor húngaro judeu - vivia na Áustria
  
Outra historinha do arco-da-velha aconteceu por causa de  "Lontano" de Ligeti.

Conheci o Frederico de Lery  na Discoteka ,quando lá entrei para comprar de novo o LP  "Titã" de Mahler, a Sinfonia N* 1, pois eu queria conferir o  andamento da sinfonia com o meu  enredo  da Suite O Titã ,  escrito pra mais de três anos. Não havia lá o tal disco , mas outro freguês escutou-me pedindo ao vendedor e disse conhecer a obra e que inclusive possuia um livro sobre  o Titã e nele uma curiosa atitude de Mahler , exatamente no dia da estreia. 

Reza no volume que Mahler fez uma descrição da obra e foi entregue  a todos antes da audição um libreto para facilitar a compreensão da sinfonia,mas minutos antes ele mandou recolher dizendo algo assim:
 "A Sinfonia é completa por si mesma."

Fechou a loja e fomos para a casa dele ali pertinho - eu feliz da vida por saber que de fato havia um Texto anexo ao Titã de  Mahler , pois quando a conheci me apaixonei e a ouvia repetidamente enquanto pintava. E foi assim que um dia, sem mais nem menos eu comecei "a ver" cenas inteiras,coloridas, repleta de personagens -  como se eu estivesse diante do palco . Vários anos depois resolvi descrever o que vira durante toda a sinfonia , era um modo de segurar a beleza que vira e ao mesmo tempo limpá-la da minha cabeça. Escrevi a suite O Titã  por volta de  1988. Vou postá-la em seguida, agora é a historinha de Lontano.

 Então, por causa de Mahler ficamos amigos e um dia lá ele disse que eu precisava ampliar meu gosto musical ,mandou-me sentar e prestar atenção em cada movimento - sentei-me no carpete, fechei os olhos e já nos primeiros acordes  me senti dentro de uma nave em deslocamento certeiro à  uma região completamente diferente das que conheço. A nave e eu dentro dela, movia-se em ondas contornando montes pontiagudos, coloridos na base de marrom claro , num degradê de alaranjado até ao amarelo na ponta dos picos.

Um estado de liberdade super novo conheci e vivi naquela minha primeira audição de Lontano - que por sinal significa , "Ao longe"
Maravilhoso - Inesquecível!

Aqui o esboço do  que "assisti" ouvindo Titã de Malher



SUITE " O TITÃ "
( ESBOÇO )

SINFONIA No 1 - Em ré maior 
Compositor:
: GUSTAV MAHLER

Parece loucura, mas foi numa tarde comum, 
enquanto eu pintava ouvindo repetidas vezes a Sinfonia No 1 - Titã, de Mahler,
quando sem mais nem menos , me vi diante dum palco ,amando ver cada movimento,absurdamente real, num colorido espetacular, 
esta representação que agora descrevo.

PERSONAGENS:
- Nove dançarinos :
dois homens , sete mulheres
- Três Titãs:
- o Vermelho
- o Azul
- o Amarelo
- Velho Zeus

CENÁRIO.
Paisagem de deserto
- Pedras de vários tamanhos, empilhadas e espalhadas
- Alguns galhos modestamente floridos entre flores faíscantes
- Os dançarinos vestem algo como tangas ocres em longos panos
enrolados do joelho até a cabeça, prendendo-lhes os
braços,imitando múmias ou fetos,quase encobrindo os olhos.

- Os Titãs vestem faixas brilhantes, cada qual de uma cor, em tons
pastéis, contornando o peito e com as pontas descendo até aos tornozelos.

- Do Velho Zeus só se vê a enorme barba branca, entre tufos de nuvens
ao alto, no último plano do palco.

PRIMEIRO ATO.
1' movimento - Langsam; Schleppend
& 2' movimento - Kräftig bewegt
http://www.youtube.com/watch?v=lFFgzziZrpk
http://www.youtube.com/watch?v=GIweGXA-zF0
-9:45

CENA.
- Um silvo profundo e longínquo inicia e anuncia o nascer de um novo dia.
Muito do que parecia ser pedra espalhada no deserto,lentamente se mexe,
espreguiça forçando o levantar cambaleante.
- Desajeitados os nativos ensaiam em mímica os primeiros passos, apalpam-se,
descobrindo o corpo, as pernas, depois os braços tentando sincronizá-los
em movimentos rudes de marionetes curiosas.
- Contorcem-se para livrarem-se das faixas que os prendem ,
trombando -se, caem, rolam uns sobre os outros recomeçando novos e
mais ousados toques. Agora mais ágeis experimentam passos e gestos
firmes,cadenciados,repetidos e imitados pelo grupo ora unido,ora .
disperso no entusiasmo de encontros , trombadas irritantes e enlaces .
amorosos até que amigáveis se guiam,caminham e se ajudam.

- A música distante colore com melodia de amanhecer num crescendo e a dança intensifica em ligeira agitação

- Sombras nublam cenário adormecendo-os .a imitar embalo de dias e
noites de sonhos e ao toque da luz recomeçarem dinâmicos e confiantes.

- Predominavam até agora os gestos instintivos que evoluem, ganham leveza;
vai-e-vens que delineiam o aguçar da sensibilidade nascente.

- Repetem o ensaio, lentos,até que surge entre raios festivos,os três Titãs, de .passos largos,certeiros e dominantes. O Titã de faixa amarela empunha uma tocha acesa.

- Á entrada dos Titãs, alvoroço, medo e correria para se esconderem atrás .
dos arbustos e das pedras que os Titãs vão retirando , deixando os nativos .
apavorados.

- Numa dança super nova, os Titãs aos poucos vão conquistando os
nativos,presos em suas faixas apertadas.

- Amigáveis, os Titãs dançam em volta da fogueira feita com a tocha e .
aos poucos os nativos vão perdendo o medo do fogo. Dançando mais .
íntimos, os Titãs desenrolam suavemente as faixas amarradas nos corpos .
dos efêmeros, libertando os braços presos nas faixas.

- Devagar,meio tímidos se contorcem,giram,se miram, num crescendo rodopiam alegres,se abraçam festivos.

(Debaixo das faixas, tangas e saiotes ao joelho, quase transparentes )
- Por longos minutos se olham, se apalpam e se enamoram.

- Os Titãs ensinam-lhes novos passos e todos se entregam febrilmente ao .
comando da música. Dos gestos saem trabalhos e em conjunto constroem a .
cidade em módulos ou blocos de pedras,abrindoespaço, desenrolando enormes faixas estampadas de bosque, prédios, fábricas , imponente metrópole, entre danças frenéticas, delírios, correria e novíssimos prazeres embriagadores,apaixonados,quase insanos.

" O Primeiro Ato" é composto dos dois primeiros movimentos :

* Lamgsam; Schleppend
( devagar,vagaroso,lento,compassado;moroso -
lentamente,aos poucos, pé ante pé - arrastado;lânguido)

* Kräftig bewegt
(robusto,forte,substancioso, brioso,reforçado -
agitado,movimentado,encapelado,comovido,emocionado)

O andamento lânguido desenvolve-se para o brioso e emocionado,
longo o bastante para plasmar o mistério da origem e o alçar da
vontade de continuar descobrindo, desenvolvendo a força humana
e a coragem de se jogar à beleza do ritmo da alegria terrestre.
Escolados pelos Titãs, os homens vão modificando o cenário, agora
mais claro,enquanto dançam construindo moderna metrópole.
Unidos,montam uma forte escada,degrau por degrau,símbolo e caminho
de acesso aos céus. ( O cenário é montado rápido no gestual dançante )

Agora os homens já sabem construir organizados,obras de artes que
intensificam seus prazeres super novos. Sentem-se poderosos e audazes
tentam subir e rolam na escada que os levará às estrelas.

- Do alto, o velho Zeus que a princípio se divertia com a "dança" dos
pequenos, começa a se inquietar, sentir-se ameaçado e enfurecido
com os acertos da criatura. Irado, descontrola-se produzindo inúmeros
relâmpagos saídos das suas ventas que se transformam em tempestade.
Num lapso de cólera, conclui ser melhor eliminar as ameaças freqüentes
capazes de invadir seus poderosos sítios, seus segredos, sua majestade.

Com a vaidade ferida,o soberano deus dos céus, decide eliminar
os homens e suas obras.
Ameaçador, Zeus pisa na escada.

FECHA O PANO.


SEGUNDO ATO.

3o movimento - Feierlich und gemessen
http://www.youtube.com/watch?v=lFFgzziZrpk
O Titã - Radeir (Esboço-ost.180x140) 2010

CENÁRIO.
Estão no palco grandes faixas azuladas reproduzindo moderna cidade
.Bem ao centro destaca-se a forte escada montada no ato
anterior, a esbarrar nas nuvens, onde Zeus se escondia e agora
irado, pisa resoluto.
Relâmpagos anunciam a ira divina.

CENA.
- Os homens assustados se armam e se empilham, unidos para
lutar e um dos Titãs, o que veste a faixa amarela, o mais corajoso e
sábio, toma para si o encargo de representar e defender a todos.

- Comovido, melódico o Titã começa a "cantar" agradecendo a Vida,
a união das criaturas, as conquistas diárias ao longo dos séculos. Relata poético, diante de Zeus, uma série de momentos árduos que lhes valeram os promissores avanços e conquistas.

Canta na dança a alegria de vencer as tempestades do meio e de si mesmos.
Recria solene cada frase poética captada na beleza deste mundo inculto.
Exalta as maravilhas descobertas nesta natureza.
Canta a mansidão dos rios, a imensidão dos mares, a serenidade
e a silenciosa quietude do carvalho altivo, oferecendo cor, frescor e .
segurança.
Dança cantante a delicadeza das milhares de flores dos caminhos, as belas formas seus distintos perfumes e da maravilha dos frutos coloridos e doces.

Fala da magia das cores, da música - canta a poesia que os nativos
conseguiram a duras penas, colher e recolher nos paradoxos dos
incontáveis enigmas.

Numa cena de extrema beleza o Titã , solene, sobe os degraus e descreve
em dança tântrica a batalha para organizarem-se na busca da razão de existir - Ser

No quarto degrau, ao meio da escada, quase junto de Zeus, o Titã repete
a magnífica cena , (e imitada na união e desdobramento dos corpos nas
laterais ) insistindo, tentando convencê-lo a cantar também, a se
unir neste coro sagrado para eternizá-lo com sua majestosa aprovação.

Insensível e irado Zeus estica o braço na direção ao peito do Titã e
dali pega um fio brilhante, cor de rosa , que ele, Zeus, vai puxando irado, em gestos largos e bruscos, contrastando com leveza dos passos e gestos do Titã, insistente para lhe comover.

Tomado de suprema inveja, fulgura dentro da súbita noite um vendaval
zoando entre raios e trovões estrondosos, enquanto o furor de Zeus
retumba e arranca de vez o fio brilhante da vida do Titã que finalmente
cai fulminado .

O caos impera derrubando a cidade ,transformando-a em escombros sobre
os corpos que repetiram incessantes a dança tântrica .

FECHA CORTINA.

TERCEIRO ATO.

4o movimento - Stürmisch bewegt
(Tempestuoso, fogoso agitado,movimentado.emocionado)
http://www.youtube.com/watch?v=lFFgzziZrpk

CENÁRIO.
A destruição do ato anterior,destacando a escada de sete degraus ao fundo, entre as nuvens.

Zeus, no alto da escada lança um olhar fulminantemente vazio para baixo.
Olha para suas mãos, observa o brilho faiscante retirado do peito do Titã
e num largo gesto comovido empurra forte contra seu próprio peito, como querendo guardar ali a espiral de luz ,o motor da vida, poder e beleza do Titã.

E num lampejo de soberana consciência, constata o terrível silêncio, ao ver o
Titã vencido, inerte, incapaz de produzir o menor ruído , o mais leve movimento melódico...
Desesperado , Zeus gira, mostra-se inteiro, arranca sua enorme túnica branca e dourada, joga-a para cima espalhando uns turbilhãozinhos de estrelas que caem a cobrir o Titã desfalecido aos pés da escada.

Num gigantesco desesperado furor, Zeus vê seu estado real, estupidamente grave e a impiedosa arrogância. Dá-se conta do grande erro . Alucinado esbraveja ao mesmo tempo que uma explosão bombardeia o palco.
Ás últimas faíscas Zeus está de braços caídos - medita, se contorce
de arrependimento - destruíra sua mais bela obra.

Reflete angustiado: ( um côro distante canta seus pensamentos)
- Quem agora iria temê-lo, alegrá-lo ou adorá-lo?
- Quem reacenderia sua sede de poder no reinar?
- Um rei todo poderoso...sem vassalos!

Zeus vê o quanto fugiu dos seus propósitos embasados na razão e nas artes...
Atormenta-o ver endurecida sua sensibilidade e lucidez ao invejar pequenos
conquistadores de raras alegrias. Detém-se em lembrar a superioridade e a
nobreza das criaturas e conclui que só há uma maneira dele se perdoar,
só um modo e meio dele não mais merecer o próprio descomunal desprezo:

- Ele, Zeus, silenciosamente.... nascerá !

E virá nas mesmas condições que impôs às criaturas
Andará pelos mesmos caminhos escuros e pedregosos.
Buscará vencer os mesmos obstáculos das diversas naturezas.

E vai tentar recolher desta caminhada,sem sua "coroa de poder",
a mesmíssima beleza que viu brotar das criaturas indefesas e valentes,
desbravadores de si mesmo .

Num gesto de grande realeza, retira de sua cabeça a brilhante coroa,
arranca as enormes e pomposas barbas e solenemente começa a descer a
escada. Ao pisar o terceiro degrau, perde o equilíbrio e continua a descida
rolando entre raios e trovoadas.

Relâmpagos e cores desgovernados inundam o palco festejando a descida de
mais um ser que se dispõe a nascer.

- As luzes apagam num breve intervalo, depois , bem tênues a mostrar um corpo encolhido qual feto rente às pedras na escuridão.

Aos poucos é iluminado por uma e outra faísca, gerando nele pequenos movimentos.
Esforça-se, tenta livrar-se das amarras ,contorcendo com dificuldade.
O crescimento dele pode ser visto pelo alongamento gestual sempre mais amplo.
Com dificuldade Zeus espreguiça medindo seus limites e rompendo por fim a
imaginária envoltura, ensaia o primeiro sentar cambaleante, enquanto um surdo silvo vindo da escuridão mais densa ao fundo do palco o focaliza, iluminando-o e estimulando-o a levantar-se e seguir na direção do fio de luz azul. que o acordou.

Rápidos clarões.
Abrindo os olhos, assusta-se com a claridade forte avermelhada que lhe bate no rosto.
Tem medo e para vencê-lo contorna com os braços o novo corpo, se protegendo e neste toque vibra de prazer.

Por longo tempo olha cada membro do seu novo corpo, se apalpa carinhoso.
Demonstra o prazer do toque e se repete mais enérgico e confiante.

Devagar levanta, mira ao redor e avista um fio d'água ,toca-a saltitante e brincando se banha.
Todo molhado, dominando seus movimentos, gesticula meio dançante, meio brusco como quem trabalha e luta.

Luta contra o medo da noite, o calor do dia, o cansaço e o sono.
Recomeça arduo trabalho e interminavelmente e sofre.

Sofre abandono, perdas, lutas vãs e descobre quão difícil é sobreviver na natureza sob variações climáticas, nas tempestades que o obrigam a refugiar-se as pressas . Sofre por querer avançar,vencer-se e o buscar a paz inexistente.

Longos momentos de exaustão.
De vez em quando luzes fortes entrecortam o silêncio da impotência reconhecida.

Vai e vem, pula e dança , descansa e luta.
Desperta, levanta a cabeça a procura de ajuda e extático medita olhando o céu.
Volta à fonte, banha-se sereno e vai-se impregnando da música deliciosa que o chama para nova realidade.

Caminha meditativo, acaricia as pedras e empolgado colhe entre a folhagem uma pequenina flor nascida perto do fio d'água, que lhe inspira grande ternura.
Ama-a intensamente e afinal sorri rodopiando feliz
A custo contém-se segurando a florzinha, girando e abraçando a minúscula prenda e num gesto de máxima alegria, ajoelha, adora-a , beija-a e a levanta ao céu.

É agora um homem integrado, reconciliado com a vida e dança a alegria de viver.
Sua felicidade chega aos céus que se abalam movidos pela força da alegria.
Delira dançando sua felicidade de estar aqui,nesta terra tão rústica
.
Relâmpagos insistentes jorram numa profusão de raios e uma chuva de flores
coloridas descem por todo o palco.

Reconciliado consigo mesmo, caminha-se confiante para a escada, sobe meio dançante e ao chegar no quarto degrau , contempla o mundo.

As luzes seguem agora a seqüência do arco-íris e quando chega ao violeta,
vê-se Zeus sentado em posição de lótus , em meditação, formando com a união dos dedos um triângulo junto ao peito.

O quarto degrau da escada é mais largo - um patamar no meio dos sete
degraus, e , em recolhimento, lentamente sobem do chão contornando-o ,
enormes pétalas de lótus rosada , tranparentes , leitosas delicadas.
Zeus sentado , ergue os braços e em dança tântrica suave dentro da flor
que lentamente se fecha até formar um gigante botão de lótus iluminado

A enorme flor recebendo foco de luz rosada, volta à cor branca original
radiando luzes ondulantes , e uma intensa luz azul formando um oceano em sua base
( Faixas azuis de plástico transparente, respingadas de tons prateados,
ondulam como mar na base da flor)

Do chão junto da enorme flor de lótus, aos poucos vão subindo raios de luz como se dela saíssem, formando um radiante Sol.
Ao chegar o último feixe de luz a sinfonia solta os últimos acordes.
Encerra a música e por vinte segundos, só fica o Homem-Sol no mais belo silêncio! ( dentro do Lótus branco iluminado.)

Fecha a Cortina.

O Universo é uma máquina de fazer deuses.
                                                               
Bergson e Eu
                            

Li-Sol-30
Fonte:
Pachelbel Canon in D Major Perfect Version 
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Sejam felizes todos os seres.
Vivam em paz todos os seres.Sejam abençoados todos os seres.