sábado, 2 de agosto de 2014

POEMAS DA LÍRICA DE GOETHE



Goethe - Fausto - Filme 1926 - 116min
Programa Chespirito - Fausto - 40min

Goethe - Os Sofrimentos do Jovem Werther -8min.

O que o mundo vai fazer dos meus desejos -
Inspirado em Werther - Fragmentos - 4min.

Dois Poemas:
Goethe: O Albatróz
Baudelaire: Vincent


 
Vítimas do Passado - Inspirado em J .W. VonGoethe

“König in Thule”, musicado por Franz Schubert - 3min.



Nova publicação em escamandro


Alguns poemas da lírica de Goethe (1749 – 1832)

Goethe_(Stieler_1828)


Johann Wolfgang von Goethe é um daqueles nomes tão portentosos que eu não sei nem por onde começar a falar dele. Nascido em 1749 na Cidade Livre de Frankfurt e morto em 1832, podemos enxergá-lo como um dos últimos dos polímatas, tendo se envolvido não só com literatura (tanto em verso quanto em prosa e crítica), como ficou mais conhecido, mas também com biologia (especialmente botânica e anatomia), geologia (era fascinado por rochas) e física (teoria das cores), e chegou até a ser político.

No entanto, para nós como brasileiros é difícil entender o peso que Goethe tem sobre a cultura alemã – tem ou então teve, em parte por conta da Segunda Guerra, quando a grande tradição germânica começa a ser mais questionada (em especial no tocante a uma certa visão comum sobre a literatura que a relacionava ao “cultivo de valores morais”… uma noção cujos problemas, desnecessário dizer, se tornaram então bastante evidentes), em parte porque, para bem ou para mal, nenhum país do ocidente está livre da influência da indústria cultural. Walter Benjamin, por exemplo, conhecia a obra do poeta de trás para frente e o comenta em ensaios e em várias de suas correspondências.

Para o historiador da arte Erich Gombrich, a tradição alemã da Bildung é nada menos que “o legado que chega até nós vindo de Goethe”, e mesmo para as comunidades judaicas em geral da Alemanha e da Áustria (entre os que não haviam sido batizados), Goethe era um nome importante, porque simbolizava a adesão dos judeus de classe média-alta à Kultur alemã. Ele chegava, inclusive, a ser citado pelos rabinos em seus sermões.

Os nossos românticos por aqui o leram com atenção, sobretudo Gonçalves Dias (as pessoas nem sempre lembram, mas a famosa “Canção do Exílio” tem uma epígrafe em alemão tirada da canção de Mignon em Wilhelm Meister) e Álvares de Azevedo (o que talvez não agradaria o próprio Goethe, que, apesar de ser considerado um romântico, era no fundo um classicista, e já condenou o tipo de poesia tal como seria feita pelos ultrarromânticos como “poesia de hospital”).

Fora isso e uma ou outra alusão esporádica (como em “Paisagem nº 3″ de Mário de Andrade, que alude ao poema do Rei de Tule, que é uma canção que faz parte do Fausto, mas também funciona como um poema à parte), a lírica de Goethe me parece algo distante do nosso universo de referências – tanto que encontrar volumes de traduções de poemas curtos é por si já algo raro. Fora a Trilogia da Paixão, traduzida por Leonardo Fróes (L&PM), eu achei um livro da editora Átomo, chamado Poesias escolhidas, organizado por Samuel Pfromm Netto. É dele que retiro então as traduções que estou compartilhando neste post. No caso, a edição não é um livro organizado por um autor que selecionou e traduziu pessoalmente todos os poemas, mas uma coletânea de traduções de diversos outros tradutores, com alguns poucos sendo recorrentes, incluindo o próprio Pfromm Netto.

De um ponto de vista de projeto de tradução, essa composição é meio problemática, porque assim não há uma unidade nos métodos aplicados – usar rima x não usar rima (ou quais tipos de rima usar), qual metro em português equivale a qual metro alemão, etc – mas, bem, acho que isso é sintomático do problema maior da falta de traduções de Goethe. No mais, para quem não está familiarizado com o poeta, essa ediçãozinha (algo difícil de encontrar… tem só cinco edições na Estante Virtual agora, por exemplo) é bastante útil. Ele conta com um ensaio introdutório, uma breve biografia, uma nota sobre cada poema selecionado e até uma musicografia, listando obras musicais inspiradas pelo poeta (que se estende por mais de 30 páginas, a maioria de compositores alemães, o que dá alguma ideia do tamanho de sua influência no mundo germânico).

Dito isso, escolhi aqui alguns dos poemas selecionados por Pfromm Netto, muitos deles bastante famosos, de modo a poder fazer algo como uma pequena apresentação para quem, como eu (confesso), não conhece muito dessa faceta goethiana. Eu gostaria de ter incluído também “O aprendiz de feiticeiro” (sim, o que inspirou o compositor Paul Dukas a escrever uma peça sinfônica de mesmo nome, que foi popularizada pelo filme Fantasia, da Disney), bem como o poema “Prometeu”, que provavelmente serviu de inspiração para poetas como Byron e Shelley explorarem o mesmo tema, mas são ambos poemas mais longos e que merecem sozinhos uma discussão à parte e assim eu achei melhor aqui me concentrar na lírica curta.
Adriano Scandolara
 
(“König in Thule”, musicado por Franz Schubert)

Canção do rei de Thule
Houve um rei de Thule, que era
mais fiel do que nenhum rei.
A amante, ao morrer, lhe dera
um copo de oiro de lei.
Era o bem que mais prezava
e mais gostava de usar:
e quanto mais o esvaziava
mais enchia de água o olhar.
Quando sentiu que morria,
o seu reino inventariou,
e tudo quanto possuía,
menos o copo, doou.
Depois, sentando-se à mesa,
fez os vassalos chamar
à sala de mais nobreza
do castelo, sobre o mar.
E ele ergue-se acabrunhado,
bebe o último gole então
e atira o copo sagrado
às ondas que em baixo estão.
Viu-o flutuar e afundar-se,
que o mar o encheu de seus ais.
Sentiu a vista enevoar-se:
E não bebeu nunca mais!
(trad. de Guilherme de Almeida)

Der König in Thule
Es war ein König in Thule,
Gar treu bis an das Grab,
Dem sterbend seine Buhle
einen goldnen Becher gab.
Es ging ihm nichts darüber,
Er leert’ ihn jeden Schmaus;
Die Augen gingen ihm über,
So oft er trank daraus.
Und als er kam zu sterben,
Zählt’ er seine Städt’ im Reich,
Gönnt’ alles seinen Erben,
Den Becher nicht zugleich.
Er saß beim Königsmahle,
Die Ritter um ihn her,
Auf hohem Vätersaale,
Dort auf dem Schloß am Meer.
Dort stand der alte Zecher,
Trank letzte Lebensglut,
Und warf den heiligen Becher
Hinunter in die Flut.
Er sah ihn stürzen, trinken
Und sinken tief ins Meer,
die Augen täten ihm sinken,
Trank nie einen Tropfen mehr

 


Livro de leitura
O livro mais primoroso
É o livro do amor;
Eu o li com atenção:
Poucas folhas de alegrias,
Cadernos inteiros de dores;
Para a ausência, um parágrafo.
Reencontro! um curto capítulo,
Fragmentário. De mágoas, tomos inteiros
Repletos de explicações,
Sem término e sem medida.
Oh, Nisami! – Mas, no fim,
Achaste o caminho justo;
O insolúvel, quem o resolve?
Os que se amam e voltam a encontrar-se.
(trad. de Samuel Pfromm Netto)

Lesebuch
Wunderlichstes Buch der Bücher
Ist das Buch der Liebe;
Aufmerksam hab ich’s gelesen:
Wenig Blätter Freuden,
Ganze Hefte Leiden;
Einen Abschnitt macht die Trennung.
Wiedersehn! ein klein Kapitel,
Fragmentarisch. Bände Kummers
Mit Erklärungen verlängert,
Endlos, ohne Maß.
O Nisami! – doch am Ende
Hast den rechten Weg gefunden;
Unauflösliches, wer löst es?
Liebende, sich wieder findend.

 


Mar calmo
Tranqüilo, o mar não canta nem ondeia.
O nauta, imerso noutro mar de mágoas,
Os olhos tristes e úmidos passeia
Pela tranqüila quietação das águas.
A onda, que dorme quieta, não espuma;
O astro, que sonha plácido, não canta,
E em todo o vasto mar, em parte alguma
A mais pequena vaga se levanta.
(trad. de Francisca Júlia)

Meeresstille
Tiefe Stille herrscht im Wasser,
Ohne Regung ruht das Meer,
Und bekümmert sieht der Schiffer
Glatte Fläche ringsumher.
Keine Luft von keiner Seite!
Todesstille fürchterlich!
In der ungeheuern Weite
Reget keine Welle sich.

 


Mignon
Conheces a região do laranjal florido?
Ardem, na escura fronde, em brasa os pomos de ouro,
No céu azul perpassa a brisa num gemido,
A murta ne se move e nem palpita o louro…
Não a conheces tu? Pois lá… bem, longe, além,
Quisera ir-me contigo, ó meu querido bem!
A casa, sabes tu? Em luzes brilha toda,
E a sala e o quarto. O teto em colunas descansa.
Olham, como a dizer-me, as estátuas em roda:
– Que fizeram de ti, ó mísera criança!
Não a conheces tu? Pois lá… bem, longe, além,
Quisera ir-me contigo, ó meu senhor, meu bem!
Conheces a montanha ao longe enevoada?
A alimária procura entre névoas a estrada…
Lá, a caverna escura onde o dragão habita,
E a rocha donde a prumo a água se precipita…
Não a conheces tu? Pois lá… bem, longe, além,
Vamos, ó tu, meu pai e meu senhor, meu bem!
(trad. de João Ribeiro)

Mignon
Kennst du das Land, wo die Zitronen blühn,
Im dunkeln Laub die Goldorangen glühn,
Ein sanfter Wind vom blauen Himmel weht,
Die Myrte still und hoch der Lorbeer steht?
Kennst du es wohl? Dahin!
Dahin möcht’ ich mit dir,
O mein Geliebter, ziehn.
Kennst du das Haus? Auf Säulen ruht sein Dach,
Es glänzt der Saal, es schimmert das Gemach,
Und Marmorbilder stehn und sehn mich an:
Was hat man dir, du armes Kind, getan?
Kennst du es wohl? Dahin!
Dahin möcht’ ich mit dir,
O mein Beschützer, ziehn.
Kennst du den Berg und seinen Wolkensteg?
Das Maultier such im Nebel seinen Weg,
In Höhlen wohnt der Drachen alte Brut;
Es stürzt der Fels und über ihn die Flut.
Kennst du ihn wohl? Dahin!
Dahin geht unser Weg!
O Vater, laß uns ziehn!

 


Noturno do viandante
Tu que lá dos céus promanas,
E aplacas todas as dores,
Que ao duplamente inditoso
Dobradamente consolas,
Cansadou estou desta lida!
Que sentido, acaso, tem
Nossa alegria e pesar?
Doce espírito da paz, vem,
Vem minha alma sossegar!
(trad. de Pedro de Almeida Moura)

Wandrers Nachtlied
Der du von dem Himmel bist,
Alles Leid und Schmerzen stillest,
Den, der doppelt elend ist,
Doppelt mit Erquickung füllest;
Ach, ich bin des Treibens müde!
Was soll all der Schmerz und Lust?
Süßer Friede,
Komm, ach komm in meine Brust!

 


Noturno do viandante [outro]
Sobre todos os cimos da montanha há paz,
Mal percebes uma aura pelas frondes;
Emudeceram, na mata, os passarinhos –
Espera, que, dentro em breve, também descansarás.
(trad. de Pedro de Almeida Moura)

Ein Gleiches
Über allen Gipfeln
Ist Ruh,
In allen Wipfeln
Spürest du
Kaum einen Hauch;
Die Vögelein schweigen im Walde.
Warte nur, balde
Ruhest du auch.
 

(poemas de Goethe,
 traduções retiradas do volume organizado 
por Samuel Pfromm Netto)

Fausto, de António Feliciano de Castilho para a primeira parte (1800 – 1875, em domínio público, pode ser lida clicando aquiDeus e o Diabo no Fausto de Goethe (1981). 
 Fontes:
Licença padrão do YouTube
http://escamandro.wordpress.com/2014/08/01/goethe-1749-1832/#comments
 
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
 Sejam abençoados todos os seres.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

SÃO JOÃO DA CRUZ - DUBLADO







http://youtu.be/UPhZFQh1NGk


SÃO JOÃO DA CRUZ DUBLADO


João da Cruz nasceu na Espanha, em 1542, de família pobre, ficando órfão
ainda criança. 

Revelou-se um jovem criativo e inteligente. Por sua
capacidade, foi admitido no Colégio dos Jesuítas para completar sua
formação. Aos 21 anos, ingressou na Ordem dos Frades Carmelitas. 

Depois
de ordenado sacerdote, encontrou-se com Madre Teresa de Ávila que o
introduziu no projeto de reforma dos Frades Carmelitas. Este plano e o
ideal de perfeição causaram-lhe grande e intenso sofrimento. Expulso da
Ordem e condenado a 8 meses de prisão. Durante este período escreveu os
mais belos poemas místicos de sua vida, descobriu a riqueza do mistério
da cruz e o caminho da mais alta perfeição. Morreu em 1591, canonizado
em 1726 pelo Papa Bento XIII e declarado doutor da Igreja em 1926, pelo
Papa Pio XI.


"Nada te turbe, nada te espante.
 Tudo se pasa. Dios no se muda. 
La paciencia todo lo alcanza. 
Quien a Dios tiene nada le falta. Sólo Dios basta!"
 (Santa Teresa de Jesus)


S. João da Cruz – Poemas Selecionados

Postado por Bernardo Lins Brandão em crítica, poesia, tradução e marcado com bernardo lins brandão, espanhol, Hugo Langone, poesia cristã, poesia mística, renascença, s. joão da cruz    16/07/2013

(Saiu recentemente pela 7Letras uma coletânea de poemas de S. João da Cruz, com tradução de Hugo Langone e um prefácio meu. Gostaria de aproveitar a oportunidade para postar  o início do prefácio e dois dos poemas traduzidos)

Juan de Yepes Álvarez nasceu em 24 de junho de 1542, em Frontiveros, uma pequena cidade situada ao noroeste da província de Ávila, e morreu em 14 de dezembro em 1591, quando o sino chamava os monges do convento carmelita de Úbeda para a oração. Tornou-se carmelita em 1564 e, em 1567, mesmo ano em que foi ordenado padre, associou-se a Tereza de Jesus em sua reforma da ordem carmelita.

A Espanha vivia o seu século de ouro.
 Carlos V (1519-1556) e seu filho, Filipe II (1556-1598) 
 governavam não apenas os territórios espanhóis 
e suas colônias ultra-marinas, mas também regiões da Alemanha, 
Hungria, Países Baixos e Itália. 
Grandes nomes despontavam nas artes, na filosofia e na religião.

O século XVI é o século de El Greco (1541-1614),
Francisco Suarez (1548-1617),
Tomás Luiz de Victoria (1548-1611) e
Miguel de Cervantes (1547-1616).

Na poesia, é a época de Garcilaso de la Vega (1501-1536),
Fernando de Herrera (1534-1597),
Frei Luís de Leon (1527-1591) e
 Tereza de Jesus (1515-1582),
além do próprio Juan, que tomou o nome de João da Cruz quando aderiu à reforma da promovida por Tereza.

Os espanhóis tinham seus olhos voltados para o Novo Mundo, 
seus mistérios e promessas de riqueza. 
Muitos apostavam os bens e a vida em uma viagem de sucesso duvidoso, no qual os ganhos podiam ser grandes e as perdas, ainda maiores. Esse não era o caso de João, que desde pequeno, sentia-se chamado para uma outra jornada, ainda mais dura e sedutora, cuja meta era Deus, que, assim diziam os viajantes mais antigos, habita o centro da alma. Uma jornada que não é feita com os pés, cavalos ou naus, mas com a própria alma que, no final, é capaz de transcender-se e mergulhar no divino.

Tendo se tornado um profundo conhecedor do caminho, João da Cruz tornou-se um guia para aqueles que nele desejavam se aventurar. Foi diretor espiritual de inúmeras monjas carmelitas, entre elas a própria Tereza de Jesus que, sendo quase 30 anos mais velha que ele, era também uma antiga conhecedora das vias espirituais, e escritor de importantes textos místicos, que lhe valeram, em 1926, o título de Doutor da Igreja. No entanto, antes de tudo, foi poeta.

Não somente por seus poemas, que o colocaram no concorrido cânone do século XVI espanhol, mas porque

a poesia era seu modo primordial
 de exprimir a admiração diante daquilo 
que havia visto e experimentado.

 Longe de serem ilustrações didáticas de uma doutrina, seus poemas são o fundamento dos tratados, que foram estruturados como explicações e desenvolvimentos do que já havia sido escrito poeticamente. Desse modo, no prólogo da Subida do Monte Carmelo, por exemplo, João afirma que

“encerra nas canções
 seguintes toda a doutrina que de desejo expor (…),
 assim como o segredo de alcançar o mais alto cume desta montanha”.

E no Cântico Espiritual, ele resume o tratado como uma

 “explicação das canções 
que tratam do exercício de amor 
entre a alma e Cristo, seu Esposo”.

É que o caminho místico não se presta tanto a ser descrito através dos conceitos de uma exposição teórica quanto a partir dos símbolos da poesia. Nas palavras de João, também do prólogo do Cântico Espiritual, “como estas canções, Revma. Madre, parecem ter sido escritas com algum fervor de amor de Deus, cuja sabedoria amorosa é tão imensa que atinge de um fim até outro, e a alma se exprime, de certo modo, com a mesma abundância e impetuosidade do amor que a move e inspira, não penso agora em descrever toda a plenitude e profusão nelas infundida pelo fecundo espírito de amor. Seria, ao contrário, ignorância supor que as expressões amorosas de inteligência mística, como são as das presentes Canções, possam ser explicadas com clareza por meio de palavras”.


Romance sobre o salmo “Super Flumina Babylonis”

Sobre todas as correntes
que em Babilônia encontrava,
ali me sentei chorando,

ali a terra regava,
recordando-me de ti,
oh, Sião!, a quem amava.
Era doce a tua memória,
e com ela mais chorava.

Deixei os trajes de festa,
e os de trabalho tomava;
colguei nos verdes salgueiros
a música que levava,
colocando-a na esperança
do que em ti eu esperava.

Ali me feriu o amor,
e o coração me arrancava.
Disse-lhe que me matasse,
pois de tal sorte chagava.

Eu me atirava ao seu fogo,
sabendo que me abrasava,
perdoando a avezinha
que no fogo se acabava.
Eu em mim ia morrendo,
e só em ti respirava.

Eu por ti em mim morria,
e por ti ressuscitava,
pois a memória de ti
dava vida e a tirava.

Deleitavam-se os estranhos
entre os quais cativo estava,
e pediam-me cantares
dos que em Sião eu cantava;
canta de Sião um hino,
vejamos como soava.

Dizei: como em terra alheia,
onde por Sião chorava,
cantarei eu a alegria
que em Sião outrora achava?
Eu no olvido a lançaria
se em terra alheia gozava.

Ao meu paladar se apegue
a língua com que falava
se de ti eu me olvidar
nessa terra onde morava.
Sião, pelos verdes ramos

que Babilônia me dava,
de mim se olvide mi’a destra,
o que em ti mais eu amava,
se eu de ti não recordar
naquilo em que mais gozava,
e se então tivesse eu festa
sendo sem ti festejada.

Oh, filha de Babilônia,
mísera e desventurada!
Bem-aventurado era
aquele em quem confiava,
que há de te dar o castigo

que da mão tua levava.
E juntará seus pequenos
e a mim, pois que em ti chorava,
à pedra que Cristo era,
pelo qual eu te deixava.

Debetur soli gloria vera Deo.


Noite escura

Em que canta a alma a ditosa ventura que teve em passar pela ESCURA NOITE DA FÉ,
 em desnudez e purgação sua, à união com o Amado.

Em uma Noite escura,
com ânsias, em amores inflamada,
oh, ditosa ventura!,
saí sem ser notada,
estando já mi’a casa sossegada;

às escuras, segura,
pela secreta escada e disfarçada,
oh, ditosa ventura!,
no escuro, emboscada,
estando já mi’a casa sossegada;

pela Noite ditosa,
em segredo, de todos escondida
e co’a vista trevosa,
sem outra luz ou guia
que aquela que em meu coração ardia.

Ela é que me guiava,
mais firme do que a luz do meio-dia,
até onde esperava
quem eu já bem sabia,
ali onde ninguém aparecia.

Oh, Noite que guiaste!
oh, Noite mais amável que a alvorada!
oh, Noite que juntaste
Amado com amada,
amada neste Amado transformada!

Em meu peito florido,
que todo só p’ra ele se guardava,
pousou adormecido;
afagos eu lhe dava
e de cedros o leque refrescava.

Da amei-a o ar soprado,
quando eu os seus cabelos rafiava,
com seu toque aplacado
meu colo molestava
e todos meus sentidos enlevava.

Quedei-me, olvidei-me,
minha face reclinei sobre o Amado;
cessou tudo, deixei-me,
deixando meu cuidado
por entre as açucenas olvidado.

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Sou todo teu Maria tues toda minha
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Publicado em 20/02/2014-Licença padrão do YouTube
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