sábado, 28 de maio de 2011

ÉTICA E ESPÍRITO - SOBRE DEUS E RELIGIÃO EM LEVINAS


NONO ENSAIO - Ética e Espírito - Sobre Deus e religião no pensamento de Levinas 

Introdução – o ponto de partida da reflexão

“Qu’est-ce que l’Europe? C’est la Bible et
les Grecs. La Bible - renversement ontologique?”

Emmanuel LEVINAS354
Em um belo livro panorâmico sobre a história da filosofia contemporânea, recentemente traduzido ao português, Christian Delacampagne refere-se a certa altura à “filosofia religiosa de Emmanuel Levinas”355. Trata-se de uma afirmação muito difundida e altamente problemática - principalmente ao se levar em conta as maneiras “normais” pelas quais a tradição tende a entender o termo “religião” - e que tem levado a má-compreensões das mais diversas ordens. 

O que está por trás da incompreensão do sentido deste discurso é a mesma dificuldade que faz com que não se compreenda exatamente o núcleo da viragem epistemológica que se está produzindo na contemporaneidade, e da qual este pensamento indica uma das grandes dimensões: a dificuldade extrema de se conceber uma construção filosófica que se postula exatamente na ambigüidade das próprias fronteiras da linguagem filosófica contemporânea em suas variadas dimensões356 e que pretende assumir esta grave ambigüidade - utilizar a linguagem tradicional do ser para evidenciar seus limites, deixar que se interpenetrem cosmovisões originais fundamentalmente diferentes -, onde esta ambigüidade é dimensão necessária na nova abordagem do trato da realidade, aquilo a que temos chamado “metafenomenologia”357.

Nosso objetivo, neste texto, não é senão abordar introdutoriamente a dupla questão de Deus e da religião no pensamento de Levinas desde a perspectiva que consideramos decisiva, e desde uma breve síntese própria deste vastíssimo tema. 

Isto se fará a partir de uma via de entrada que coloca em questão - como aliás o pensamento de Levinas como um todo (e, obviamente, não apenas dele) - a solidez das referências do pensamento ocidental dos pré-socráticos à contemporaneidade e ainda além (e desde antes), no trato de conceitos como “ser” e “infinito”358, procurando ocupar e explorar exatamente este espaço de ambigüidade sem o qual a eloqüência da linguagem da novidade não passa de discurso vazio e o pulsar contemporâneo da “exorbitância de significantes” (Ernildo Stein) permanece em um vácuo estéril de sentido.

Ser e Infinito na História

“O empenho filosófico de nosso tempo se diferencia
da clássica tradição da filosofia pelo fato de não

representar nenhuma continuação imediata e ininterrupta

dessa última. Isso caracteriza-se sobretudo na sua relação,

alterada, com o conceito”

H. G. GADAMER359


O pensamento de Levinas 
se caracteriza pelo diálogo crítico 
com a tradição filosófica do passado 
e do presente. 

É porque o passado da humanidade foi o que foi, é porque o presente está sendo exatamente assim e não de outra forma - inclusive, na experiência que foi tão próxima do pensador, das guerras e câmaras de gás (nas quais morreram todos os seus parentes com exceção de mulher e filho, abrigados por freiras na França), mas também na miséria e na multidão de perigos que espreitam o ser humano buscando aniquilá-lo, buscando reduzi-lo, reduzir o Diferente a nada, ao Não-ser - que sua visão da contemporaneidade assume o aspecto que assume: local privilegiado para que possamos, retrospectivamente, compreender a lógica real do desdobramento do ser do Ocidente, não enquanto especulação, mas enquanto realização.
Ora, esta lógica - sugerida aqui de forma extremadamente simplificada -, pretendendo sempre apresentar-se com o Logos, intende trazer consigo, de alguma forma, com seu desenvolvimento, todo o sentido de sua auto-legitimação, em um processo constante e crescente de auto-referência. 

Pode-se dizer, de outra parte, que a referência das referências é o verbo “Ser”: é ele que conecta os termos dispersos da realidade percebida e dá origem àquilo que temos chamado “fórmula original do Ocidente”: [x=y] - onde a igualdade corresponde ao conetivo-explicativo “é”, sempre no presente do indicativo, conjugado que esteja em qualquer forma verbal; pois no mundo dos conceitos puros, no reino das “essências” ou da profundidade abismal do sentido do ser para além de qualquer compreensão do ente, não existe propriamente o tempo ou a temporalidade; a verdade do ser consiste justamente em presentificar a realidade identificada como verdade - o ser que é em oposição ao não-ser que não é - em uma espécie de presente eterno. 

E, neste sentido, tanto a Ontoteologia criticada por Heidegger como o próprio Heidegger (aqui identificado, segundo a inspiração de Levinas, como autor da mais inteligente e refinada reconstrução “restauradora” - restauradora da busca pelo ser - da história do ocidente filosófico) nadam em um mesmo mar: o mar da “espessura ontológica”. Ser é solidez, e máxima solidez, na qual se devem espelhar - pela via da analogia, por exemplo -, todos os outros seres (entes). 

A identificação do ser com o bem
antiga como o próprio pensar ocidental, 
só é sistematizada na época clássica,
e passa à história do pensamento teológico
como uma espécie de “porto seguro” 
de toda especulação. 

Lembremo-nos, porém, que já Platão - com o seu bem epekeina tes ousias, o bem além do ser, da substância - questionará esta intocabilidade da referência ontológica enquanto limite extremo para se pensar a realidade. Mas não é o que passa à tradição filosófica e teológica; para essa(s), o mal é, sempre, carência de ser, e o bem, o ser coincidindo consigo mesmo. Se esta coincidência é absoluta, temos o Ser absoluto, ou seja, Deus. 

Em outros termos, a tradição grega, veio interpretativo que referenciará a quase totalidade da construção consagrada deste conceito, assume, pelo menos a partir da “cristianização” aristotélica de São Tomás de Aquino, uma estrutura definitivamente ontológica, no sentido de que é a proximidade ou distância ao conceito de “ser” que dará ao conceito de “Deus” maior ou menor credibilidade (pensemos nas sutis circunvoluções existenciais do argumento ontológico de Santo Anselmo, e teremos um paradigma que confirma, de forma absolutamente magistral, esta precedência ontológica; e tal está presente num Descartes ou Leibniz, e mesmo nos “imanentistas” Espinosa e Hegel: sempre, recorrentemente, “Deus” se aproximará da máxima “consistência” ontológica possível, ainda que coincidente com ou sublimado no Espírito Absoluto).
Onde entra, agora, a questão do “infinito”? Na realidade, este conceito ou esta noção - façamos dele a imagem e o uso que quisermos - é, antes de mais nada, uma conquista do intelecto.

A visão original dos gregos, de um modo geral, expressava sua predileção pelo cosmos, a limitação ordenada, o retorno ao mesmo, a determinação, a ordem, a beleza, antes que pelo ápeiron, a indeterminação e a i-limitação: aborrecia o infinito e se vertia à eternidade360

A sua possibilidade racional, admitida e até colocada na difícil posição de arché da realidade por Anaximandro361, não permanece senão como expressão de uma determinada negatividade da qual se deveria manter, a bem da tranqüilidade espiritual e da clareza metafísica, tanta distância quanto possível. Ao longo de toda a história da racionalidade helênica clássica, a noção de “in-determinado”, “in-finito”, repugna ao pensamento que intenta fixar suas próprias bases de inteligibilidade e concebe os fundamentos de sua “meta-física”362

À época da Idade Média, o infinito, de um modo geral, aproxima-se maximamente e se confunde com Deus - o infinito pensado sempre cosmologicamente interpenetra-se afinal com o Deus onto-cosmológico da religião intelectualizada. E, nesta medida, pensar o infinito corresponderia a um ato intelectual estulto, a saber, pensar a realidade de Deus não analogamente. 

O conceito de “Deus” 
é, então, uma limitação clara à racionalidade 
que pretende alcançar o infinito.

A superação desta limitação corresponde à demarcação clara de irrupção do mundo moderno em relação à desagregação do mundo medieval. Sua expressão talvez mais explícita provém de Giordano Bruno em sua promulgação da infinitude do universo, à qual se segue a não menos expressa, embora subreptícia, promulgação da infinitude do intelecto que é capaz de acompanhar esta infinitude do universo, superando qualquer barreira imposta por conceitos sagrados. Com isso, estabelece-se definitivamente a crença na correlação óbvia e excludente “infinito=conceito onto-cosmológico” - excludente porque não se concebe a possibilidade de se pensar a questão do infinito desde algum outro viés que não o onto-matemático.

Assim, a positividade do conceito de infinito, enquanto dado intelectual, é conquistada a duras penas, e tem também seus mártires: significa, propriamente, a divisão de águas entre a maioria dos modelos de universo antigo e medieval e o pensamento moderno363.

E este conceito em sua feição moderna é fruto também, exatamente, de uma cosmovisão original que, consubstanciada no logos, define a realidade enquanto propriamente ontológica, no sentido acima descrito. Ser, Infinito, Realidade, Essência, Mundo (e, decorrentemente, “Deus” e “Religião”): todos conceitos irmãos, expressões de um mesmo processo de trofismo intelectual que pretende dar imanentemente à “fórmula original do Ocidente” a sua solução final.

A “Essência não-ontológica da realidade – a questão de Deus e a essência da religião

Mas Levinas parte de outro princípio. Para ele, desde a tomada de consciência original da existência em que se constitui o impulso original do filosofar, coloca-se o ser como repleto, a existência assume a feição de uma “completude” sem interstícios.

A percepção da impessoalidade 
do verbo “haver” no sentido de “existir” 
- (il y a) a realidade, uma das dimensões 
da realidade é o “haver” - acaba por indicar 
uma realidade sem brechas, sem respiros. 

A experiência de ser - primariamente “existencial”, mas também, depois, indiscutivelmente “especulativa” - é de alguma forma a experiência da repleção - como a experiência de ser de Sartre é de certa forma, em sua origem, a náusea - embora a náusea indique, também, o desconforto do ser em desencontro consigo mesmo364.

Esta experiência de repleção toma, 
na aproximação ainda fenomenológica de Levinas,
o aspecto da insônia, da vigília perpétua 
e da vigilância omniabrangente da qual não 
se pode fugir, da qual o “eu” não se pode refugiar: 
“há”, “il y a”365
 
Assim, a percepção da sufocação, do excesso de ser, dá margem à compreensão clara, absoluta e faticamente inequívoca, da impossibilidade de, nesta atmosfera ontologicamente saturada, o diferente aparecer como tal; o Outro enquanto Outro não tem espaço na Totalidade: apenas enquanto função do Mesmo. 

A ontologia está fechada ao outro, como o sabiam bem tanto Heráclito - para quem a luta ou a guerra diferenciavam definitivamente (ontológica e portanto realmente) - o ser do não-ser, como para Parmênides, para quem o ser, coincidindo consigo mesmo, coincide com a possibilidade de pensar a realidade (o famoso “o ser é, o não-ser não é”). No reino do ser, da espessura ontológica, tudo é função e expressão do ser - inclusive o conceito eminente de “Deus”. 

Qual é, agora, o grande problema que este conceito propõe ao pensamento pelo menos desde o advento do cristianismo?366 

É exatamente a ambigüidade que se cria entre as impessoais concepções gregas clássico-racionais - ordem máxima, idéia de idéia, primeiro motor imóvel, de matriz perfeitamente “ontológica” - e a concepção de índole hebraica, baseada em uma “pessoalidade” divina, um Deus dotado de vontade e que exige, perdoa e dialoga, um Deus ético - talvez uma sempre nova reproposição da querela fé versus razão que habita congenitamente a própria idéia de pensar uma teologia fundamental367

Neste conceito, como em todos os outros fundamentais da filosofia desde então, espelha-se o choque e a tensão entre duas cosmovisões visceralmente diferentes, dois mundos humanos368 profundamente diversos e de certa forma irreconciliáveis em seus princípios.

O cristianismo medieval e moderno 
é fruto das tentativas de conciliação
entre estes dois mundos,

em um trabalho árduo estabelecido por grandes doutores da igreja como Agostinho e Tomás de Aquino e pela criação coletiva de um consenso compreensivo, onde o fulcro ontológico, de proveniência “grega”, é definitivamente central (a vasta doutrina da “analogia” talvez seja a mais relevante construção no sentido de estender à realidade como um todo a preeminência do ser).

A obviedade se impõe:
o conceito de “Deus” medieval e moderno está,
a priori, condicionado pela sua pertinência
ou não ao ontologicamente determinável

O processo moderno de imanentização de Deus, que tem suas grandes estações em Espinosa e Hegel e culmina com sua aniquilação em Nietzsche369 (na medida em que, apesar de tudo, ainda permanecia como obstáculo à coincidência absoluta do Mesmo consigo mesmo), contra o qual tanto se debatem os teólogos, não tem provavelmente outra raiz do que esta, aqui simplesmente sugerida: a inclusão deste conceito em um processo maior e mais original de totalização e anulação do diferente e sua conseqüente neutralização frente às razões do Ser: a procura sempre recorrente da solução à “fórmula original do ocidente”. 
 
A filosofia de Levinas é primariamente um processo de pensamento que pretende respeitar a Alteridade que se traduz como anterioridade ética do Outro (em oposição à espécie entre gêneros ou à diferença a priori anulada pelo impulso de totalização do Ser), e que pretende, a certa altura de seu itinerário, a reconstituição da possibilidade da reconsideração radical da questão mesma da subjetividade a partir do sustentáculo ético em que esta Alteridade mais verdadeira se constitui.

Mas a Alteridade mais verdadeira traz consigo seu espaço de validade, seu sentido, e este não pode ter lugar nos domínios do Ser370 - pois o ser, como sabemos, não admite outro que ele sem se “entificar” (para o ser, é provável que “nada” e “não-ser”, não obstante o fato de até mesmo se positivarem através de um nome “próprio”, não sejam mais do que sua negatividade).

A Alteridade mais verdadeira significa o rompimento da solidão original das concepções “normais” de verdade ocidentais: introduz a pluralidade na origem do sentido371 apesar da Totalidade e do Mesmo verdadeiros; não nega estas verdades mas, por levá-las extremamente a sério, opõe-se já a suas determinações absolutas. 

Cria-se, portanto, um espaço de tensão entre o ontológico e o ético - e o paradoxo do assassinato “ontologicamente possível e eticamente impossível” (ao tentar anular a alteridade de alguém assassinando-o, acabo por conquistar apenas um corpo morto, enquanto sua “alteridade” propriamente dita se refugia no “nada”372), este paradoxo determina já dois campos de validade perfeitamente distintos, e isto significa aqui: irreconciliáveis enquanto proveniência e imiscíveis enquanto determinação discursiva. 

Ora, este espaço apresenta, ao discurso respeitador da Alteridade, uma definitiva irredutibilidade.

A leitura unificada do mundo, concebida desde sempre no Ocidente como desvelamento ontológico da realidade, esta tarefa solitária à procura de verdades solitárias (leitura esta da qual a ética é um apêndice disciplinar), ganha uma alternativa: a construção de encontros éticos entre “mais de um” e a conseqüente possibilidade de construção de uma “verdade não-solitária”, compartilhada ex origine: uma relativização da fórmula original do Ocidente através da introdução da temporalidade diacrônica no universo da eternidade sincrônica-conceptual. 

Percebe-se aqui a conhecida dualidade:
Totalidade e Infinito  

- porém não infinito finalmente absorvido pela totalidade mas sim que, por sua realidade ética, permanece infinitamente distante de toda demiurgia racional, ao mesmo tempo que infinitamente próximo na relação cara-a-cara.

Isto significa, mais propriamente, a conhecida “substituição” da ontologia pela ética enquanto filosofia primeira no pensamento levinasiano; pretende resguardar a Alteridade da violência unificante da Totalidade, através do reconhecimento do sentido da Alteridade de certo modo sempre infinita, que consiste, para um ser pensante, exatamente na impossibilidade de redução deste sentido a um “sentido maior”. 

Em termos concretos, esta substituição significa, como dissemos em outro local: “...o fato de que a terra e por extensão o Universo devem ser compreendidos como um imenso palco, onde um drama ético se deve desenrolar... Esta é a racionalidade final da existência, e não a exploração de quarks ou de quasars e galáxias distantes, a cata ao ‘infinito’ e a violentação do futuro”373

Neste contexto, quem “é” Deus no conjunto da reordenação das disciplinas filosóficas, em cujo concerto todas são subsidiárias à Ética? 

Em um importante sentido, “é” provavelmente - e esta é uma interpretação que leva em conta a variedade de aproximações levinasianas ao tema - a salvaguarda última e irredutível do espaço próprio da Alteridade, ou seja, o fundamento ético de toda ética, o infinito que, distorcendo o tempo e o espaço, apresenta-se simultaneamente infinitamente antigo e infinitamente futuro, infinitamente próximo e infinitamente distante: paradoxo e subversão de toda lógica ontológica, dado à racionalidade apenas como extremo vestígio - mas vestígio do absolutamente Novo e absolutamente Outro. Rastro e Vestígio, antigüidade presente na medula do real, Êxodo do Logos: para-doxo.

Para Levinas, “religião é ética”. Mas o que significa isto? Significa que em nenhuma hipótese se poderia conceber a religião desde um ponto de vista meramente especulativo: pois religião é, entre outras coisas, cultivo da espiritualidade, e lembremos que, para Levinas, “espiritual, para nós, é a fome do Outro”, entre outras dimensões. Religião é ética, e ética é a negação de toda possibilidade de solipsismo. 

Religião é, primordialmente,
a efetivação prática da postulação da ética 
como filosofia primeira em sua dimensão 
de máxima abertura.

Conclusão



“A recepção filosófica de Levinas
acaba de começar. Quase tudo está ainda em aberto.”

Bernhard TAURECK374
Os passos que até aqui acompanhamos podem se constituir em uma chave interpretativa (e não mais que uma!) para a compreensão de uma série de questões no pensamento do autor, questões que costumam ser compreendidas como mutuamente excludentes ao longo da tradição mas que, aqui, compõem uma síntese onde várias perspectivas se iluminam mutuamente; e se solidifica, ao que parece, uma visão do essencial da conduta ética tanto de pessoas religiosamente orientadas (para quem a questão do substrato ético das ações é uma obviedade) como daquelas que colocam a questão da religião, conforme tradicionalmente entendida, “entre parênteses”, mas que não abdicam dos fundamentos éticos da vida. Assim, 

A) É possível compreender a concepção de religião no pensamento de Levinas como o processo de circunscrição do núcleo mais complexo e precioso da essência mais profunda das religiões monoteístas ocidentais, o mais indizível, na medida em que se constitui no que, por sua própria natureza, se subtrai ao poder sintético-sincronizante do Logos grego e de suas infinitamente complexas derivações histórico-imanentistas. Esta é, sem dúvida, uma inspiração remota e próxima de toda a construção filosófica do pensador lituano-francês. 

B) E também é possível compreender esta concepção de religião - de forma completamente não-religiosa, no sentido que o termo “religião” possa tomar tradicionalmente - como o ato ousado de habitar um fulcro de sentido que se coloca exatamente por fora de qualquer ímpeto solitário definitivamente congênito ao âmago de conceitos “ocidentais” mais tradicionais de verdade - veritas e aletheia

C) No primeiro sentido, a inteligibilidade do conceito de religião em Levinas passa pela aceitação tácita da existência de uma realidade meta-racional, à qual se poderia, precariamente, “convidar à epifania” pelo nome “Deus”, o totalmente Outro.

D) No segundo caso, as palavras são perfeitamente dispensáveis; está-se já em uma espécie de abismo habitado somente pelo vácuo, quase tão ausente e virginal como o espaço do Zimzum cabalístico. Trata-se de uma terra incognita: a terra do des-conhecido, do ápeiron aberto e indeterminado, contração absoluta de todas as virtualidades, antes do tempo e da criação do sentido. Mas um “antes” que convida definitivamente à criação e, portanto, ao ato ético original, ou seja, à criação do sentido original do encontro ético como tal.

E) No primeiro caso, o sentido habita a fé em Deus, um Deus ético que fala, pergunta, responde e ordena e, antes de tudo, pré-afirma: “somos, de início, dois, e dois que se confiam mutuamente - é nossa a responsabilidade de nos fazermos muitos”, sustentando as dúvidas e as certezas, na inconfundível “presença” da “razão de nossa fé”; desdobrar este sentido significa não estar só a priori, nem solitariamente perdido no meio da multidão solitária e infinita dos seres, do Ser e dos eventos, nem dos desatinos deste fim-de-século, mas comungar em uma realidade mais ampla, testemunhar a esperança e viver a fé e a caridade de forma absolutamente intensa e basilar em relação ao conjunto multifacetado da vida individual e social;

F) No segundo caso, o sentido tem de ser construído pelo rompimento da fé e da crença na unidade entre realidade e razão; à razão solitária, a realidade solitária só pode aparecer como definitivamente solitária: a Totalidade. Religião significa então, para Levinas: rompimento da Totalidade pela construção da verdade coletiva que tem seu espasmo primitivo no traumatismo do Outro por fora de qualquer explicação prévia; fuga da eternidade ex-tática pelo assumir definitivo e paradoxal do tempo de construção ética.

(Síntese final) Em um caso como em outro, a tradição, por mais rica que se apresente, pode contribuir com poucos aportes efetivamente compreensivos: a novidade é, por sua natureza, excessiva.  

A tautologia rompida - a Totalidade em processo acelerado de desagregação - abre uma dimensão inédita de realidade. Resta-nos ou negá-la, e recair no frenetismo e no horror contemporâneo do eterno retorno do fastio suicida, ou assumi-la; o que significa, em última análise, assumir esta dimensão com todos os seus infinitos riscos, que sugere por sua vez a infinitude das dimensões da realidade. Mas uma realidade ética.

1997

                           


Fonte:
O Sentido da Alteridade
Emmanuel Levinas
http://www.pucrs.br/edipucrs/sentidoealteridade/nono_ensaio.html
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

FRANÇA E EUA FABRICAM GUERRAS, AGORA NA LÍBIA



Internacional| 24/05/2011 | 


Líbia: Perguntas que é preciso colocar em cada guerra


Desde 1945, os Estados Unidos já bombardearam algum país vinte e sete vezes. E, a cada vez, afirmaram que estes atos de guerra eram "justos" e "humanitários". Hoje, dizem-nos que a guerra na Líbia é diferente das precedentes. O mesmo que foi dito da anterior. E da anterior. E de todas as outras vezes. Não estamos já na hora de pôr a preto e branco as perguntas que é preciso colocar em cada guerra para não deixar-se manipular? O artigo é de Michael Collon.



Michael Collon já publicou vários livros sobre as estratégias da guerra dos EUA e da mídia nos conflitos precedentes, apresenta uma análise global do caso líbio, em três partes: I: Perguntas que é preciso colocar em cada guerra; II: Os verdadeiros objetivos dos EUA vão mais além do petróleo; III: Pistas para atuar. Publicamos, a seguir, a primeira parte deste ensaio:

PERGUNTAS QUE É PRECISO COLOCAR EM CADA GUERRA

27 vezes. Vinte e sete vezes os EUA bombardearam algum país, desde 1945. E cada vez tem-nos afirmado que estes atos de guerra eram "justos" e "humanitários". Hoje, dizem-nos que esta guerra é diferente das precedentes. O mesmo que foi dito da anterior. E da anterior. E de cada vez. Não estamos já na hora de pôr a preto e branco as perguntas que é preciso colocar em cada guerra para não deixar-se manipular?

Há sempre dinheiro para a guerra?

No país mais poderosos do globo, 45 milhões de pessoas vivem na extrema pobreza. Nos EUA, escolas e serviços públicos estão ruindo porque o Estado "não tem dinheiro". Na Europa, também acontece o mesmo, "não há dinheiro" para as pensões ou para a promoção do emprego.

Porém, quando a cobiça dos banqueiros desencadeia a crise financeira
, então, em só uns dias, aparecem bilhões para os salvar. Isto permitiu aos banqueiros dos EUA repartirem no ano passado US$ 140 bilhões de lucros e bônus a seus acionistas e especuladores.

Também para a guerra parece fácil encontrar bilhões. Ora bem, são nossos impostos que pagam estas armas e estas destruições. É razoável converter em fumaça centenas de milhares de euros em cada míssil ou esbanjar cinquenta mil euros por hora de um porta-aviões? Ou será porque a guerra é um bom negócio para alguns?

Ao mesmo tempo, uma criança morre de fome 
a cada cinco segundos e o número de pobres 
não cessa de aumentar no nosso planeta, 
apesar de tantas promessas.

Qual a diferença entre um líbio, um bareinita e um palestino? Presidentes, ministros, generais, todos juram solenemente que seu objetivo é unicamente salvar os líbios.

Mas, ao mesmo tempo, o sultão do Barein esmaga os manifestantes desarmados, graças aos dois mil soldados sauditas enviados pelos EUA! 

Ao mesmo tempo, no Iêmen, as tropas do ditador Saleh, aliado dos EUA, matam 52 manifestantes com suas metralhadoras. Estes fatos ninguém os põe em dúvida, mas o ministro dos EUA para a guerra, Robert Gates, acabou de declarar: "Não acho que seja o meu papel intervir nos assuntos internos de Iêmen".(1)

Por que estes dois pesos e duas medidas? Por que Saleh acolhe docilmente a 5ª Frota dos EUA e diz sim a todo o que Washington ordenar?

 Por que o regime bárbaro da Arabia Saudita é cúmplice das multinacionais petrolíferas? Será que existem "bons ditadores" e "maus ditadores"? 

Como os EUA e a França podem pretender ser "humanitários"? Quando Israel matou dois mil civis nos bombardeios sobre Gaza, eles declararam uma zona de exclusão aérea? Não. Decretaram alguma sanção? Nenhuma.

Ainda pior, Solana, então responsável pelos Assuntos Exteriores da UE declarou em Jerusalém: "Israel é um membro da UE sem ser membro de suas instituições. Israel faz parte ativa de todos os programas de pesquisa e de tecnologia da Europa dos 27". Acrescentando ainda: "Nenhum país fora do continente tem o mesmo tipo de relacionamentos que Israel com a União Européia". Neste ponto, Solana tem razão: A Europa e seus fabricantes de armas colaboram estreitamente com Israel na fabricação de 'drones', mísseis e outros armamentos que semeiam a morte em Gaza.

Recordemos que Israel, que expulsou 700 mil palestinos das suas aldeias, em 1948, se recusa a devolver-lhe seus direitos e continua cometendo inumeráveis crimes de guerra. Sob esta ocupação, 20% da população palestina atual está ou passou pelas prisões israelenses.

Mulheres grávidas foram obrigadas a darem à luz atadas ao leito e reenviadas imediatamente às suas celas com os bebês. Esses crimes são cometidos com a cumplicidade dos EUA e da UE.

A vida de um palestino ou de um barenita 
vale menos do que a de um líbio?
Há árabes "bons" e árabes "maus"?

Para os que ainda acreditam na guerra humanitária...
Em um debate televisionado que tive com Louis Michel, ex-ministro belga dos Assuntos Exteriores e Comissário Europeu para a Cooperação e o Desenvolvimento, este me jurou, com a mão no peito, que esta guerra tinha como objetivo "pôr de acordo as consciências da Europa". Era apoiado por Isabelle Durant, líder dos Verdes belgas e europeus. Dessa forma, os ecologistas ("peace and love") viraram belicistas!

O problema é que a cada vez mais nos falam de guerra humanitária e que gente de esquerda como Durant se deixa enganar. Não fariam melhor em ler o que pensam os verdadeiros líderes dos EUA em vez de olharem e assistirem a TV?

Escutem, por exemplo, a propósito dos bombardeios contra o Iraque, o célebre Alan Greenspan, durante muito tempo diretor da Reserva Federal dos EUA. Greenspan escreve em suas memórias: "Sinto-me triste quando vejo que é politicamente incorreto reconhecer o que todo mundo sabe: a guerra no Iraque foi exclusivamente pelo petróleo" (2). E acrescenta: "Os oficiais da Casa Branca responderam-me: ‘pois, efetivamente, infelizmente não podemos falar de petróleo’". (3)

A propósito dos bombardeios sobre a Iugoslávia escutem John Norris, diretor de Comunicações de Strobe Talbot que, nesse então, era vice-ministro dos EUA dos Assuntos Exteriores encarregado para os Bálcãs. Norris escreve em suas memórias: 

"O que melhor explica a guerra da OTAN é que a Iugoslávia se resistia às grandes tendências de reformas políticas e econômicas (quer dizer: negava-se a abrir mão do socialismo), e esse não era nosso compromisso com os albaneses do Kosovo". (4)

Escutem, a propósito dos bombardeios contra o Afeganistão, o que dizia o antigo ministro de Assuntos Exteriores, Henri Kissinger:

"Há tendências, sustentadas pela China e pelo Japão, de criar uma zona de livre-câmbio na Ásia. Um bloco asiático hostil, que combine as nações mais povoadas do mundo com grandes recursos e alguns dos países industrializados mais importantes, seria incompatível com o interesse nacional americano. Por estas razões, a América deve manter a sua presença na Ásia..." (5)

O que vinha a confirmar a estratégia avançada por Zbigniew Brzezinski, que foi responsável pela política exterior com Carter e é o inspirador de Obama: "Eurasia (Europa+Ásia) é o tabuleiro sobre o qual se desenvolve o combate pela primacia global. (?) A maneira como os EUA "manejam" a Eurasia é de uma importância crucial. O maior continente da superfície da terra é também seu eixo geopolítico. A potência que o controlar, controlará de fato duas das três grandes regiões mais desenvolvidas e mais produtivas: 75% da população mundial, a maior parte das riquezas físicas, sob a forma de empresas ou de jazidas de matérias-primas, 60% do total mundial". (6)

Nada aprendeu a esquerda das falsidades humanitárias transmitidas pela mídia nas guerras precedentes? Quando o próprio Obama falou, tampouco acreditaram nele? Neste mesmo 28 de março, Obama justificava assim a guerra da Líbia: "Conscientes dos riscos e das despesas da atividade militar, somos naturalmente reticentes a empregar a força para resolver os numerosos desafios do mundo. Mas quando os nossos interesses e valores estão em jogo, temos a responsabilidade de agir. Vistos os custos e riscos da intervenção, temos que calcular, a cada vez, nossos interesses ante a necessidade de uma ação. A América tem um grande interesse estratégico em impedir que Kadafi derrote a oposição".

Não está claro? Então alguns vão e dizem: 

"Sim, é verdade, os EUA não reagem 
se não virem nisso o seu interesse.  

Mas ao menos, já que não pode intervir em todos os sítios, salvará àquela gente" Falso. Vamos demonstrar que são unicamente seus interesses os que procura defender. Não os valores. Em primeiro lugar, cada guerra dos EUA produz mais vítimas do que a anterior (um milhão no Iraque, diretas ou indiretas). A intervenção na Líbia, prepara-se para produzir mais...
Quem se nega a negociar?
Desde o momento em que colocarem uma dúvida sobre a oportunidade desta guerra contra a Líbia, imediatamente serão culpados: "então recusam-se a salvar os líbios do massacre? Assunto mal proposto. Suponhamos que todo o que se nos tem contado fosse verdade. 

Em primeiro lugar,
pode-se parar um massacre 
com outro massacre? 

Já sabemos que nossos exércitos ao bombardearem vão matar muitos civis inocentes. Inclusive se, como a cada guerra, os generais nos prometem que vai ser "limpa"; já estamos habituados a essa propaganda.

Em segundo lugar, há um meio bem mais singelo e eficaz de salvar vidas. Todos os países da América latina propuseram enviar imediatamente uma mediação presidida por Lula. A Liga Árabe e a União Africana apoiavam esta gestão e Kadafi tinha-a aceitado (propondo ele também que fossem enviados observadores internacionais para verificar o cessar-fogo). Mas os insurgentes líbios e os ocidentais recusaram esta mediação.

Por quê? "Porque Kadafi não é de confiar", dizem. É possível. E os insurgentes e os seus protetores ocidentais são sempre de confiar? A propósito dos EUA, convém recordar como se comportaram em todas as guerras anteriores, cada vez que um cessar-fogo era possível.

Em 1991, quando Bush pai atacou o Iraque, porque este invadia o Kuweit, Saddam Hussein propôs se retirar e que Israel se retirasse também dos territórios ilegalmente ocupados na Palestina. Mas os EUA e os países europeus recusaram seis propostas de negociação. (7)
Em 1999, quando Clinton bombardeou a Jugoslávia, Milosevic aceitava as condições impostas em Rambouillet, mas os EUA e a OTAN acrescentaram uma, intencionadamente inaceitável: a ocupação total da Sérvia.

Em 2001, quando Bush filho atacou o Afeganistão, os talibãs propunham a entrega de Bin Laden a um tribunal internacional se eram apresentadas provas do seu envolvimento, mas Bush rejeitou a negociação.

Em 2003, quando Bush filho atacou o Iraque, sob o pretexto das armas de destruição em massa, Saddam Hussein propôs o envio de inspetores, mas Bush o recusou porque ele sabia que os inspetores não iam encontrar nada. Isto está confirmado na divulgação de um memorando de uma reunião entre o governo britânico e os líderes dos serviços secretos britânicos, em julho de 2002: "os líderes britânicos esperavam que o ultimato fosse redigido em termos inaceitáveis, de modo que Saddam Hussein o recusasse diretamente. Mas não estavam certos de que isso iria funcionar.

Então tinham um plano B: que os aviões que patrulhavam a "zona de exclusão aérea" lançassem muitíssimas mais bombas à espera de uma reação que desse a desculpa para uma ampla campanha de bombardeios.
(9) Então, antes de afirmar que "nós" dizemos sempre a verdade e que "eles" sempre mentem, asssim como que "nós" procuramos sempre uma solução pacífica e "eles" não querem se comprometer, teria que ser mais prudentes... Mais cedo ou mais tarde, a gente saberá o que se passou com as negociações nos bastidores e constatará, mais uma vez, que foi manipulada. Mas será muito tarde e os mortos já não os ressuscitaremos.

A Líbia é igual a Tunísia ou ao Egito?
Em sua excelente entrevista publicada há alguns dias por Investi'Action, Mohamed Hassan, professor de doutrina islâmica e especialista do Oriente Médio, colocava a verdadeira questão:
"Líbia: levante popular, guerra civil ou agressão militar?" 

 À luz de recentes investigações é possível responder: as três coisas. Uma revolta espontânea rapidamente recuperada e transformada em guerra civil (que já estava preparada), tudo servindo de pretexto para uma agressão militar. A qual, também, estava preparada. Nada em política cai do céu. Consigo explicar-me?

Na Tunísia e no Egito a revolta popular cresceu progressivamente em umas semanas, organizando-se pouco a pouco e unificando-se em reivindicações claras, o que permitiu derrotar os tiranos. Mas, quando analisamos a sucessão ultrarrápida dos acontecimentos em Benghazi, a gente fica intrigada. 

Em 15 de fevereiro houve manifestações de parentes de presos políticos da revolta de 2006.

Manifestação duramente reprimida como foi sempre na Líbia e nos demais países árabes. Dois dias escassos mais tarde, outra manifestação, desta vez os manifestantes saem armados e passam diretamente a uma escalada contra o regime de Kadafi. Em dois dias, incrivelmente, uma revolta popular se converte em guerra civil.

Totalmente espontânea?

Para saber isso, é preciso examinar o que se oculta abaixo do impreciso vocábulo "oposição líbia". Em minha opinião, quatro componentes com interesses muito diferentes : 
1º Uma oposição democrática. 

2º Dirigentes de Kadafi "regressados" do oeste. 

3º Clãs líbios descontentes da partilha das riquezas. 

4º Combatentes de tendência islâmica. Quem compõe esta "oposição líbia"?

Em toda esta rede é importante sabermos de que estamos a falar. E sobretudo, que fação é a aceite pelas grandes potências...

1º Oposição democrática. É legítimo ter reivindicações ante o regime de Kadafi, tão ditatorial e corrupto como os outros regimes árabes. Um povo tem o direito de querer substituir um regime autoritário por um sistema mais democrático. No entanto, estas reivindicações estão até hoje pouco organizadas e sem programa concreto. Temos, ainda, no estrangeiro, movimentos revolucionários líbios, igualmente dispersos, mas todos opostos à ingerência estrangeira. Por diversas razões que expomos mais adiante, não são estes elementos democráticos os que têm muito que dizer hoje, sob a bandeira dos EUA nem da França.

2º Dignatários "regressados". Em Bengazhi, um "governo provisório" foi instaurado e está dirigido por Mustafá Abud Jalil. Este homem era, até 21 de fevereiro, ministro da Justiça de Kadafi. Dois meses antes, a Anistia Internacional tinha-o posto na lista dos mais horríveis responsáveis por violações de direitos humanos do norte da África. É este indivíduo o que, segundo as autoridades búlgaras, organizava as torturas de enfermeiras búlgaras e do médico palestino detidos durante longo tempo pelo regime.

Outro "homem forte" desta oposição é o general Abdul Faah Yunis, ex-ministro do Interior de Kadafi e antes chefe da polícia política. Compreende-se que Massimo Introvigne, representante da OSCE (Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa) para a luta contra o racismo, a xenofobia e a discriminação, estime que estes personagens "não são os 'sinceros democratas' dos discursos de Obama, mas foram dos piores instrumentos do regime de Kadafi, que aspiram a tirar o coronel para tomar seu lugar".

3º Clãs descontentes. Como sublinhava Mohamed Hassan, a estrutura da Líbia continua sendo tribal. Durante o período colonial, sob o regime do rei Idriss, os clãs do Leste dominavam e aproveitavam-se das riquezas petrolíferas. Após a revolução de 1969, Kadafi apoiou-se nas tribos do oeste e o Leste viu-se desfavorecido. É lamentável; um poder democrático e justo deve zelar por eliminar as discriminações entre as regiões. Pode-se perguntar se as antigas potências coloniais não incitaram as tribos rebeldes para enfraquecer a unidade do país. Não seria a primeira vez. 

Hoje, França e os EUA apostam nos clãs do Leste para tomar o controle do país. Dividir para reinar, um velho dito clássico do colonialismo.

4° Elementos da Al-Qaeda. Cabogramas difundidos pelo Wikileaks advertem que o Leste da Líbia era, proporcionalmente, o primeiro exportador no mundo de "combatentes mártires" no Iraque. Relatórios do Pentágono descrevem um cenário "alarmante" acerca dos rebeldes líbios de Bengazhi e Derna. Derna, uma cidade de escassos 80.000 habitantes, seria a fonte principal de yihaidistas no Iraque. Da mesma forma, Vincent Cannistrar, antigo chefe da CIA na Líbia, assinala entre os rebeldes muitos "extremistas islâmicos capazes de criar problemas" e que "as possibilidades [são] muito altas de que os indivíduos mais perigosos possam ter uma influência, caso Kadafi cair".

Evidentemente tudo isto se escrevia quando Kadafi era ainda um "amigo". Mas isto mostra a ausência total de princípios no chefe dos EUA e dos seus aliados. Quando Kadafi reprimiu a revolta islamista de Bengazhi, em 2006, fez isso com as armas e o apoio de Ocidente. Uma vez, somos contra os combatentes do tipo Bin Laden, outra vez, utilizamo-los. Vamos lá ver como.

Entre estas diversas "oposições" qual prevalecerá? Pode ser este também um objetivo da intervenção militar de Washington, Paris e Londres: tentar que "os bons" ganhem? Os bons do ponto de vista deles, é claro. Mais tarde, vai utilizar-se a "ameaça islâmica" como pretexto para se instalarem de forma permanente. Em qualquer caso uma coisa é segura: o cenário libio é diferente dos cenários tunisino ou egípcio. Ali era "um povo unido contra um tirano". Aqui estamos em uma guerra civil, com um Kadafi que conta com o apoio de uma parte da população. E nesta guerra civil o papel que jogaram os serviços secretos americanos e franceses já não é tão secreto...

Qual foi o papel dos serviços secretos?
Na realidade, o assunto líbio não começou em fevereiro em Benghazi, mas sim em Paris, em 21 de outubro de 2010. 

Segundo revelações do jornalista Franco Bechis (Libero, 24 de março), nesse dia, os serviços secretos franceses prepararam a revolta de Benghazi. Fizeram "voltar" (ou talvez já anteriormente) Nuri Mesmari, chefe do protocolo de Kadafi, praticamente seu braço direito. O único que entrava sem chamar na residência do líder líbio. Em uma viagem a Paris com toda sua família para uma cirurgia, Mesmari não se encontrou com nenhum médico, pelo conttrário, teve encontros com vários servidores públicos dos serviços secretos franceses e com próximos colaboradores de Sarkozy, segundo o boletim digital Magreb Confidential.

Em 16 de novembro, no hotel Concorde Lafayette, prepararia uma imponente delegação que devia viajar dois dias mais tarde a Benghazi. Oficialmente, tratava-se de responsáveis pelo ministério da Agricultura e de líderes das firmas France Export Céréales, France Agrimer, Louis Dreyfus, Glencore, Cargill e Conagra. Mas, segundo os serviços italianos, a delegação incluía também vários militares franceses camuflados como homens de negócios. Em Benghazi, encontraram-se com Abdallah Gehani, um coronel líbio ao que Mesmari lhes tinha apresentado como disposto a desertar.

Em meados de dezembro, Kadafi, desconfiando, enviou um emissário a Paris para tentar contactar com Mesmari. Mas este foi preso na França. Outros líbios vão de visita a Paris no dia 23 de dezembro e são eles que vão dirigir a revolta de Benghazi com as milícias do coronel Gehani. Ainda, Mesmari revelou inúmeros segredos da defesa líbia. De tudo isto resulta que a revolta no Leste não foi tão espontânea como nos foi dito. Mas isto não é tudo. Não só foram os franceses?

Quem dirige atualmente as operações militares do "Conselho Nacional Líbio" anti-Kadafi? Um homem justamente chegado dos EUA, em 14 de março, segundo Al-Jazzira. Apresentado como uma das duas "estrelas" da insurreição líbia, pelo jornal britânico de direita, Dail Mail, Khalifa Hifter é um antigo coronel do exército líbio exilado nos EUA. Foi um dos principais comandantes da Líbia até a desastrosa expedição ao Chade, no final dos 80; emigrou imediatamente para os EUA e viveu os últimos vinte anos na Virgínia. Sem nenhuma fonte de rendimentos conhecida, mas a muito pouca distância dos escritórios... da CIA (10). O mundo é um muito pequeno.

Como é que um militar líbio de alta patente pode entrar com toda a tranquilidade nos EUA, uns anos após o atentado terrorista de Lockerbie, pelo qual a Líbia foi condenada, e viver durante vinte anos, tranquilamente, ao lado da CIA? Por força teve que oferecer algo em troca.

Publicado em 2001, o livro Manipulations africaines (Manipulações africanas) de Pierre Péan, traça as conexões de Hifter com a CIA e a criação, com o apoio da mesma, da Frente Nacional de Libertação Líbia.
A única façanha da tal frente será a organização, em 2007, nos EUA, de um "congresso nacional" financiado pelo National Endowment for Democracy(11), tradicionalmente o mediador da CIA para manter lubrificadas as organizações a serviço dos EUA.

Em março deste ano, em data não comunicada, o presidente Obama assinou uma ordem secreta que autoriza a CIA a empreender operações na Líbia, para derrocar Kadafi. O The Wall Street Journal, que informa disso, em 31 de março, acrescenta: "Os responsáveis pela CIA reconhecem ter estado ativos na Líbia desde fazia várias semanas, tal como outros serviços secretos ocidentais".

Tudo isto já não é muito secreto, circula pela Internet faz algum tempo; o que é estranho é que a grande mídia não diga nem uma palavra. No entanto, conhecem-se muitos exemplos de "combatentes da liberdade" armados deste modo e financiados pela CIA. Por exemplo, nos anos 80, as milícias terroristas da ‘contra’, organizadas por Reagan para desestabilizarem a Nicarágua e derrocarem seu governo progressista. Nada se aprendeu da História? Esta "Esquerda" européia que aplaude os bombardeios não utiliza a Internet?

Terá que se estranhar de que os serviços secretos italianos "delatem" assim as façanhas dos seus colegas franceses e que estes "delatem" seus colegas americanos? Isso só é possível se acreditarmos em histórias bonitas sobre a amizade entre "aliados ocidentais" Já falaremos... (Extraído do Investig’Action)

Notas:

1- Reuters, 22/3.

2- Sunday Times, 16 setembro 2007.

3- Washington Post, 17 setembro 2007.

4- Collision Course, Praeger, 2005, p.xiii.

5- Does America need a foreign policy, Simon and Schuster, 2001, p. 111.

6- Le Grand Echiquier, Paris 1997, p. 59-61

7- Michel Collon, Attention, médias Bruxelles, 1992, p. 92.

8- Michel Collon, Monopoly, - L’Otan á la conquête du monde, Bruxelles 2000, page 38.

9- Michael Smith, La véritable information des mémos de Downing Street, Los Angeles Times, 23 jun 2005.

10- McClatchy Newspapers (USA), 27 mars.

11- Eva Golinger, Code Chavez, CIA contra Venezuela, Liége, 2006.

(*) Michael Collon é jornalista, escritor e historiador belga


(**) Tradução em português publicada no Pátria Latina


Fonte:
Carta Maior
24/05/2011 | Copyleft 
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17825&boletim_id=914&componente_id=14822
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quinta-feira, 26 de maio de 2011

SATÉLITE ACHA 17 NOVAS PIRÂMIDES NO EGITO



Satélite acha 17 novas pirâmides no Egito




Getty Images
As pirâmides de Gizé, mais famosas do Egito:
pesquisa descobre milhares de construções antigas 

SÃO PAULO – Utilizando imagens infra-vermelhas via satélite, uma equipe de pesquisadores conseguiu  localizar milhares de construções perdidas do Antigo Egito – entre elas, 17 novas pirâmides.


As informações estão no documentário Egypt's Lost Cities, da rede inglesa BBC. A emissora acompanhou as pesquisas da Dra. Sarah Parcak, da Universidade de Alabama, Estados Unidos. 

Ao todo, são mais de mil tumbas e três mil construções localizadas com as imagens de um satélite a 700 km da superfície. Os contornos dos prédios, restos enterrados de antigas construções ou mesmo construções subterrâneas, são revelados com as imagens infra vermelhas, que evidenciam a diferença de densidade entre dos tijolos e o solo.


As escavações já confirmaram dezenas de achados, incluindo duas das 17 pirâmides localizadas. Os motivos para comemorar os achados vão além: em Tannis, os arqueólogos escavaram uma casa de três mil anos cujas dimensões batiam exatamente com o que foi mostrado no satélite. Há, portanto, motivos para crer que muitas outras regiões localizadas sejam confirmadas e, segundo as informações da BBC, a pesquisadora acredita que há também muito mais construções a serem descobertas.

leia também

Fonte:
de INFO Online
• Quinta-feira, 26 de maio de 2011 - 14h46
http://info.abril.com.br/noticias/ciencia/satelite-acha-17-novas-piramides-no-egito-26052011-31.shl
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Khadro Ling, Morada das Daçarinas do Céu


Enviado por em 21/05/2007
 
Chagdud Tulku Rinpoche
vídeo de apresentação do templo budista Khadro Ling,
fundado por S. Ema. Chagdud Tulku Rinpoche, em Três Coroas, RS, Brasil

Construção


Durante a construção do Lha Kang, eu trabalhava no terraço do quarto antigo do Rinpoche, onde o Chris havia colocado uma lona amarela para proteger o nosso “atelier” da chuva. Era o início do inverno e choveu muito nessa época,

mas quando era dia de fazer as lages de concreto,
o Rinpoche dava um jeito de parar a chuva. 

Os operários não entendiam: 
“Está chovendo forte lá embaixo na cidade 
e aqui o dia está bonito!” 
É…
Lá de cima, eu gostava de ver a obra do templo e ouvir o barulho que vinha da carpintaria, das misturadoras de cimento, dos tratores movendo terra, de caminhões que chegavam com material.


Um dia eu pensei: 

“Deve ser por isso que o Rinpoche 
é o Senhor da Dança. 

Tantas, tantas coisas acontecendo sem parar e Rinpoche sentado tranquilo no meio de tudo, sabendo de tudo, resolvendo cada detalhe, negociando orçamentos, ensinando a pintar, desenhando, fazendo traduções, medindo, decifrando sonhos, dando ensinamentos, assoprando o passarinho que caiu do ninho, tirando fotos com visitantes...

Eu nunca fiquei sabendo se ele estava brincando
com a Khadro ou se era verdade, 
mas os banheiros hoje são brancos, 
como mandam as regras de higiene pública.

  Rinpoche

  Rinpoche
Com o Rinpoche descobri que as paredes não são coisas estáticas. Um dia tem uma porta aqui, no outro já mudou tudo. O quarto dele era atelier, escritório, sala de visitas, tinha computador, máquina de xerox, água quente para o chá, um telefone (o outro ficava na lojinha)  o chão brilhando, tapete novo, tudo perfeito,  e lá estava o Rinpoche, de roupa limpíssima, trabalhando bem feliz em argila.


Um dia eu pensei:
“Daqui um tempo vai estar tudo pronto 
e eu vou sentar e meditar no maior silêncio.” 

E comecei a rir sozinha, pois já sabia que o Rinpoche nunca sequer pensou em parar de construir. Depois que o Lha Kang ficou pronto, vieram as casas das rodas de oração, as estupas, as estátuas, a sala das lamparinas, e nós vamos ainda construir muito mais, pois esta é uma parte importante da nossa Guru Yoga. Ele até nos deixou uma lição de casa: construir o Palácio de Padmasambhava.

Daqui uns quatro ou cinco anos
ele vai subir as escadas correndo, 
com os olhinhos brilhando como uma criança 
que entra pela primeira vez num templo…
“and it’s better be well done!” (e é bom estar bem feito!)

[Contada por Flávia Pellanda]

Canção do despertar

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Chagdud Tulku Rinpoche

"Uh oh!  Não durmas agora, ser afortunado.
Desperta com diligência.

De tempos sem princípio até agora tens dormido em ignorância.

Agora é o momento de deixar o sono para trás e praticar virtude, com corpo, fala e mente.

Não te lembras de nascimento, doença, velhice e morte?
Todo sofrimento além da conta e além da medida?
Esqueceste?
Quem sabe se terás o dia inteiro?

Agora é o momento de praticar com diligência.
Ainda tens esta oportunidade de gerar benefício duradouro, então, por que desperdiçá-la por preguiça?

Se realmente contemplares a impermanência, consumarás a tua prática rapidamente.

Quando a hora da tua morte chegar, estarás confiante.

Com a tua prática consumada, não terás nenhum arrependimento.

Sem esta confiança, qual terá sido o propósito da tua vida?

A natureza de todos os fenômenos é vazia e sem identidade, como a lua refletida na água, uma bolha, uma alucinação, uma emanação, uma ilusão, uma miragem, um sonho, uma imagem no espelho, um eco. 

 Todo o samsara, todo o nirvana é assim.

Reconhece todas as coisas desta maneira.

Nada vem, nada fica, nada vai, além de qualquer descrição por palavras, além de qualquer concepção da mente.

Agora é o momento de alcançares a realização que é sem sinais."
* As exatas palavras de Chagdud Tulku Rinpoche ao alto-falante numa manhã no Khadro Ling em Três Coroas.
Fonte:
Centro de Estudos Budistas Bodisatva
CEBB-
http://www.cebb.org.br/mestres/58-chagdud-tulku-rinpoche/182-cancao-do-despertar
CEBB Caminho do Meio
Estrada Caminho do Meio, 2600, Viamão-RS
Tel: 51 3485-5159 / 8431-0380
| viamao@cebb.org.br
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