Nos meandros da História
O tema sugere um exercício de prospectiva a partir de uma análise do momento histórico atual. Vivemos um período de grandes transformações, em todas as esferas da vida social e cultural e as mudanças trazem em seu bojo um elemento de incerteza e insegurança quanto ao dia de amanhã. “O futuro não está mais ali” ou, não se tem mais previsibilidade. Por outro lado, como dizia um filósofo no século passado, …”tudo que é sólido se desmancha no ar”, traduzindo o clima geral de dúvidas e desorientações presente em nossa sociedade.
Assim, voltamos a discutir, de acordo com nossa tradição …”em cada geração” (behol dor vador…) e a interrogar-nos sobre aspectos e dimensões essenciais para a nossa sobrevivência: quem somos? aonde vamos? Seria isso motivo para pessimismo? Nas culturas orientais, a palavra crise é representada por um ideograma que mostra um buraco negro, no fim do qual surge um raio de luz. Portanto, sem minimizar os problemas e dificuldades da conjuntura atual, seguiremos em direção à luz.
Antes de iniciar a nossa análise, vejamos as premissas do nosso discurso.
A nossa abordagem do tema será do geral para o particular, do contexto para o objeto específico, a partir do entendimento de que “o todo é diferente da soma, de suas partes”. A visão sistêmica nos permite captar as relações e interações mais dinâmicas dos fenômenos sócio-culturais.
A segunda premissa, metodológica em sua natureza, refere-nos à historicidade desses mesmos fenômenos, produtos de um longo processo de evolução não-linear, caracterizado por contradições e conflitos que permeiam a todo o sistema e assim, dificultam prognósticos mais acurados quanto ao desfecho de situações problemáticas.
A terceira premissa logicamente decorrente, afirma a construção social da realidade ou, …”os homens (e, obviamente, também as mulheres) fazem sua história, embora em condições e circunstâncias herdadas, não por eles criadas”. Recusamos as interpretações que tornam a espécie humana em objeto de determinações de poderes sobrenaturais e infindáveis, aos quais se deve sujeição e obediência cegas… “Os seres humanos são condenados a serem livres” dizia Jean-Paul Sartre.
Ser livre significa escolher - fazer opções e assumir responsabilidade pelo que fazemos
e pelo que deixamos de fazer.
Ao fazer as nossas opções e escolhendo nosso caminho, atribuímos significados à nossa vida e encontramos razões e sentido por nossa existência.
No estágio alcançado pela evolução da humanidade, o “homo culturalis” - criador de cultura - não pode viver sem significados, objetivos e valores, sem os quais a vida se transforma em lugar de angustia, alienação, tédio e violência. Talvez, nisto reside a raiz da busca incansável do ser humano, para responder às indagações existenciais - “quem somos - aonde vamos?” e para descobrir e compreender a “ordem” subjacente à vida.
Fiel ao nosso roteiro, vejamos o contexto histórico-estrutural que configura a trajetória das sociedades contemporâneas, suas populações e culturas.
Terminou a era de confrontação bipolar, com o desmoronamento da ex-União Soviética. Alguns historiadores, precipitadamente, anunciaram “o fim da História” e a vitória do Capitalismo. O que não foi percebido e devidamente interpretado, é a ascensão da China Continental como nova superpotência que, junto com o Japão, induziram o deslocamento do eixo geoeconômico principal do Atlântico para o Pacífico, com conseqüências dificilmente previsíveis, para o próximo século.
Afinal, nos últimos séculos, a história da vida econômica, cultural e política desenvolveu-se nas margens do oceano Atlântico. Um dos aspectos mais significativos da reorganização econômica e estratégica do mundo é o deslocamento do eixo principal para as bordas do Pacífico.
Essas transformações políticas ocorrem quase simultaneamente com a expansão e penetração do capital em praticamente todos os territórios do mundo, integrando atividades econômicas e culturais em escala planetária. Contudo, esse movimento tentacular de globalização da economia não está isento de contradições e contramarchas. Paralelamente à criação de mercados comuns e associações de países como a União Européia, NAFTA, Mercosul, verifica-se a desintegração e fragmentação de países (ex-União Soviética, Iugoslávia etc.) seguidas de intermináveis conflitos de fundo étnico, religioso, e nacionalista, com violência extrema.
Mais grave ainda,
cresce a tendência à polarização e exclusão,
entre e dentro as sociedades,
mesmo as mais ricas, revelando os paradoxos e contradições da evolução social.
O Produto Mundial Bruto (PMB) - o total das riquezas produzidas anualmente no mundo - ultrapassou os 30 trilhões de dólares, mas o número dos que vivem abaixo da linha de miséria absoluta passou de 1 bilhão de pessoas. Nunca produziu-se tantos alimentos e, entretanto, nunca houve tantos famintos em todos os continentes, sobretudo na África, América Latina e Sul da Ásia. Gastam-se somas fabulosas em pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico, mas cresce o número de analfabetos e ignorantes.
Enquanto o progresso técnico proporciona os meios de aproximação entre povos e culturas, criando verdadeiras redes globais de informação e comunicação, ideologias retrógradas e fanáticas inspiram lutas fratricidas em um círculo vicioso de violência destrutiva.
Como explicar esse recrudescimento da intolerância e da violência, de perseguições e massacres, em escala e proporções inimagináveis, neste “fim da história”? Parte da responsabilidade pelo descalabro da ordem mundial deve ser atribuída ao fracasso das promessas de “desenvolvimento” sob a égide do Estado nacional. Os países retardatários ao desenvolvimento nacional capitalista não foram capazes de superar o fosso que separa os pobres dos ricos, ignorantes dos instruídos, os fracos dos poderosos.
O desencanto do Estado, da política, das ideologias secularizadas abriu as portas a um retorno em massa a fé religiosa, em sua forma mais militante e fundamentalista que não somente rejeita o diálogo, mas nega os “outros” e seus direitos a uma existência pacífica e produtiva.
Finalmente, não podemos deixar de apontar os problemas sociais do processo de modernização, conseqüência das transformações tecno-econômicas, e fator agravante da tendência à polarização e exclusão. São amplamente conhecidos os efeitos do progresso técnico que libera mão-de-obra, historicamente expulsa ou transferida da agricultura para indústria e, da indústria para o setor de serviços, nessas últimas décadas.
O advento de um novo paradigma tecno-econômico, exigindo menos matéria-prima, energia e espaço para máquinas e equipamentos automatizados, expulsa inevitavelmente mão-de-obra, com poucas possibilidades de resgate e reincorporação ao processo produtivo. É verdade, no início do século passado, os operários na indústria têxtil da Inglaterra passaram por problemas semelhantes, o que os levou a destruir as máquinas que roubaram seus empregos e o pão de seus filhos.
Não é possível retornar a roda da História.
Mas, os incontáveis sacrifícios
e sofrimentos impostos às populações
trabalhadoras, os custos não contabilizados
da depredação geral de comunidades
rurais e urbanas,
com a perda de valores e costumes tradicionais face ao avanço impetuoso de um estilo de vida que enaltece a competição, o individualismo e consumismo desenfreados, parecem indicar os limites da missão civilizatória do capitalismo. Como situar o povo judeu nesse turbilhão de transformações?
Paradoxalmente, mesmo após a criação do Estado de Israel, há meio século, continua a polêmica sobre as características e atributos que definiriam os judeus. Abandonou-se o conceito de raça, mas não foi possível estabelecer-se um consenso: seria um grupo étnico, uma nacionalidade, uma religião, ideologia ou estilo de vida? Apenas um terço dos judeus no mundo vive em Israel, e mesmo aqueles que optaram pela Terra Santa como lar, não compartilham da mesma cultura.
Uma minoria, embora crescente, considera a religião como seu atributo cultural mais importante e, entre estes, ocupa uma posição forte e militante a ala mais extremista e fundamentalista, com claras aspirações hegemônicas. Tomando em consideração a extensão, embora em novos espaços geográficos e políticos, da Diáspora, e os tênues laços de solidariedade que ligam as diversas comunidades espalhadas pelo mundo, a definição mais apropriada talvez seja a de “uma comunidade do destino”, destino esse marcado pela História remota e recente, que teve como corolário a criação do Estado de Israel.
A continuidade das tendências centrífugas da Diáspora, reforçada pelo êxodo de centenas de milhares de jovens israelis, deixa patente a necessidade de se redefinir as relações entre Israel e a Diáspora, a fim de manter a coesão e solidariedade, vitais para a sobrevivência.
Importa reconhecer que um dos fatores essenciais para a travessia de séculos de trevas e obscurantismo foi a tolerância dos “outros” que paulatinamente permeou os espíritos e normas legais das sociedades ocidentais a partir do Iluminismo, e que contribuiu decisivamente para a adaptação e integração dos judeus às sociedades modernas.
A lição a ser extraída da trajetória dos judeus, sobretudo neste século, é o imperativo de tolerância mútua que leva à cooperação e fortalece os laços de solidariedade - interna e externa. Em outras palavras, o destino do povo judeu parece inextrincavelmente ligado ao futuro da democracia, único sistema a conferir liberdade ao indivíduo, com base nos Direitos Humanos e nas responsabilidades da cidadania.
Se não formos capazes de assimilar essa lição da História, abrindo mão da visão estreita do “povo eleito“ que conduz a atitudes de preconceito e exclusão com relação aos “outros“, particularmente os palestinos e os árabes em geral, não haverá saída a não ser o confronto armado que já se estende por mais de três gerações.
Ao semear o ódio pela violência
contínua e aumentando o número de vítimas
de ambos os lados,
perdemos o “olam haze” e “olam haba“, ou seja, desarticularmos a comunidade, a coesão e a solidariedade da sociedade israeli e afastamos a amizade e o apoio da comunidade democrática internacional.
Cumpre-nos resgatar o legado cultural humanista de nossa história que reza...”lo becoach ki im beruah“ - não pela força bruta mas pelo espírito humanista que sobrevivemos durante os períodos mais sombrios da Inquisição, dos guetos e mesmo do Holocausto. Mantivemos acesa a chama e conseguimos produzir obras imortais nas áreas da cultura, ciência, letras e filosofia.
Muito antes do “welfare state“ (o Estado de bem-estar) no mundo ocidental, os judeus espalhados pelos territórios da Europa oriental e na África do Norte e, mesmo no novo mundo, praticaram a solidariedade comunitária completando o sagrado respeito aos Direitos Humanos com a “G’miluth Hassadim“, a filantropia e caridade aos próximos.
Ao contemplarmos, em retrospectiva a evolução da espécie e da cultura humanas, nos últimos milênios, qual seria a nossa contribuição mais significativa que confere sentido à história de uma coletividade e, assim, constrói os elementos para sua continuidade? Seria o fundamentalismo religioso, cego e fanático, um nacionalismo primitivo e militarista, ou a visão dos profetas clamando por justiça e respeito pelos Direitos dos “outros”, ainda que fossem “estrangeiros“?
Israel e os Judeus no mundo
Durante a maior parte da história moderna, especialmente após 1500 d.C., o Judaísmo europeu teve seu centro cultural e espiritual nos países da Europa Oriental. Os judeus, ainda que vivendo sob regimes de discriminação e, não raras vezes, de perseguição, conseguiram desenvolver um rico patrimônio cultural que junto com as conquistas da Emancipação e do Iluminismo, e os direitos políticos obtidos em conseqüência da Revolução Francesa, constituíram os pilares e o manancial do Judaísmo moderno, até o cataclismo do Holocausto.
É no século vinte, com a emigração em massa para o Novo Mundo e, particularmente, entre as duas grandes guerras, que o Judaísmo norte-americano passou a ocupar uma posição de liderança, imprimindo sua visão pragmática e seus valores calcados na cultura americana geral, nas organizações representativas da coletividade judaica mundial.
O peso do crescimento demográfico, da afluência econômica-financeira e os valores políticos conservadores, aliados a um estilo de vida e filosofia ancorados em um empirismo estreito e positivista reforçado pelo sucesso nos negócios, marcaram profundamente o perfil e a atuação das organizações judaicas no mundo, tornando-as também dependentes das contribuições financeiras e do “lobby“ dos judeus junto à Casa Branca e o Congresso norte-americano.
As relações do Estado de Israel com os judeus da Diáspora tem sido marcado pela ambigüidade, desde sua fundação, em 1948. Afinal, a “lei do retorno“ não surtiu os efeitos esperados. A imensa maioria dos judeus na Diáspora preferiu permanecer em seus respetivos países, limitando seu apoio aos Israelis a eventuais contribuições financeiras e uma atuação discreta - com exceção dos norte-americanos - de “lobby“ junto aos seus respetivos governos.
Essa falta de “patriotismo”
por parte dos judeus da Diáspora
criou uma atitude de condescendência,
na melhor das hipóteses,
do lado dos Israelis.
As transformações ocorridas na sociedade israeli agravaram o antigo cisma entre Ashkenazim e S’faradim, sobrepondo-se a uma polarização crescente entre liberais e conservadores, judeus secularizados e ortodoxos. Com a abertura do mercado mundial e a penetração do ideário neoliberalista perdeu-se o espírito pioneiro e redentor próprio ao movimento kibbutziano. O enfraquecimento dos valores humanistas de cooperação e solidariedade gerou na sociedade israeli um estilo de vida materialista-hedonista, típico da sociedade de consumo afluente mas, neste caso, agravado pela pressão praticamente ininterrupta de uma situação de conflitos e guerras com os árabes, neste último século.
O crescimento econômico e o desenvolvimento material, associados à construção de um potencial científico-tecnológico impressionante, sem falar das “vitórias“ nos campos de batalha em 1956, 1967 e 1973, transformaram o “ethos” da sociedade israeli. Os sucessos materiais e militares ofuscaram as lições de nossa história milenar sobre a importância da coesão e solidariedade na trajetória de um povo, valores esses fundamentados em uma forte identidade grupal e objetivos comuns.
Apostou-se, novamente sob a influência da ideologia norte-americana, no êxito do “melting pot”, o cadinho das diferentes correntes migratórias, carregando heranças étnicas e culturais tão distintas, tais como os imigrantes da ex-União Soviética ou os Falasha da Etiópia. As dificuldades de absorção e integração desses grupos, agravadas pela resistência do setor ortodoxo de reconhecer a “judaicidade” dos imigrantes, mormente daqueles oriundos de casamentos mistos, estimularam os preconceitos e suscitaram situações de conflito que atravessam as linhas de divisão de etnias e de classes sociais.
Acrescenta-se a orientação equivocada da política externa de Israel, buscando aproximação com os regimes mais retrógrados e feudais do mundo árabe, enquanto resistiu a um acordo e a pacificação com os palestinos, únicos com propensão para a criação de um Estado de Direito e uma sociedade democrática, capaz de fortalecer futuramente a posição do Estado de Israel, num mundo árabe visceralmente hostil a uma sociedade laica, aberta e democrática. Paradoxalmente, são os Palestinos, embora sejam tratados como inimigos e cidadãos de segunda classe, que serão os primeiros aliados dos israelenses na construção de um Oriente Médio democrático, uma vez silenciada a voz dos fuzis e canhões.
Tendências e Perspectivas
Partimos da premissa sobre a importância de se estudar e interpretar corretamente o passado, a fim de melhor compreender o presente que nos revele as opções do futuro desejável, a ser construído.
O movimento de retorno à terra dos antepassados nasceu no fim do século passado, na Europa Oriental, inicialmente com pouca repercussão entre as massas empobrecidas de judeus nos antigos impérios austro-húngaro e czarista.
Foram poucos os seguidores dos “Biluím“ e dos “Hovevei Sion“ e, mesmo após a fundação dos movimentos sionistas halutzianos ("os pioneiros “), estes nunca chegaram a constituir-se em maioria entre os ativistas judeus, eles mesmos uma minoria entre uma população apática e oprimida, conforme tão bem a descreve I.B.Singer, em seus romances.
No seio da intelectualidade travava-se um árduo debate entre os esquerdistas do “Bund“ - organização social-democrata dos trabalhadores judeus e os defensores da luta revolucionária que militavam nos partidos bolchevique ou menchevique, ou no movimento anarquista dos social-revolucionários, que preconizavam uma mudança revolucionária dos regimes opressores.
A proeminência dos judeus nos movimentos revolucionários prolongou-se, apesar dos julgamentos e execuções de Stalin, antes e depois da segunda guerra mundial. As mudanças e o distanciamento ocorreram de forma decisiva apenas com a crise ideológica da esquerda comunista, após a divulgação do relatório de Khrushov, no vigésimo congresso do PCUS - o partido comunista da União Soviética.
As revelações sobre os crimes, traições e perseguições do Stalinismo desferiram um golpe fatal à esquerda, pondo fim à efervescência ideológica, e levaram ao abandono da visão idealista e transformadora, no mundo todo. Com o fim da segunda guerra e as revelações sobre os horrores do Holocausto, o movimento sionista cresceu e tornou-se hegemônico, dando vazão ao nacionalismo judeu em dimensões internacionais.
A criação do estado de Israel em 1948
parecia ter mudado a mentalidade dos judeus,
ofuscando outras visões e ideologias,
a não ser a sionista e a religiosa,
únicas consideradas legítimas.
Na Europa Central e Oriental, os judeus dividiam-se , antes da primeira guerra mundial e, até a segunda, em dois grupos distintos: por um lado, a ortodoxia religiosa, constantemente reforçada pelo fluxo de imigrantes ou refugiados do leste e, por outro, um setor crescente de classe média assimilada, considerando-se alemães ou franceses , de fé mosaica, lutando com fervor patriótico de ambos os lados, na primeira guerra mundial.
Voltamos ao nosso ponto de partida - Israel e os judeus no contexto global. A internacionalização da economia, a desregulação e a liberalização do comércio enfraqueceram as bases do Estado - nação, que perde paulatinamente sua posição de marco de referência jurídico-legal e político, a partir do qual se organiza a vida em sociedade. Incapaz de atender as necessidades básicas de contingentes crescentes da população, dos desempregados, desabrigados e dos sem acesso à educação e cultura, o Estado também não consegue mais arrecadar recursos suficientes para prover empregos e cuidar da segurança de seus cidadãos.
Seguindo as injunções do neoliberalismo, num “laissez faire, laissez passer“ perverso, não se planeja mais investimentos de forma integrada e racional, visando induzir o desenvolvimento setorial, regional e nacional. Efetivamente, qual é o valor do planejamento e a possibilidade de controle sobre os movimentos dos capitais, se transações comerciais e financeiras são realizadas via computadores e satélites, importando-se da Ásia e pagando-se contra bancos sediados em paraísos fiscais? Pior ainda, o caso da defesa do território nacional contra os inimigos, com capacidade destrutiva transportada por foguetes, a centenas ou milhares de quilômetros de distância.
No mundo globalizado e informatizado, o nacionalismo estreito que se estriba no volume de produção industrial e bélica (vide o exemplo da ex-União Soviética), no número de habitantes ou nas forças armadas, perde sua razão de ser e sua capacidade de evocar sentimentos de identificação e solidariedade. O que faz a força das comunidades modernas é a qualidade de vida de suas populações, aferida pelos índices de desenvolvimento humano, a educação, a liberdade (e responsabilidade) de seus cidadãos que encontram no legado histórico, nas tradições e nos valores éticos de sua cultura as razões mais fortes para manter-se unidos, coesos e solidários.
São essas nações livres, mais igualitárias e autônomas que são capazes de estabelecer laços de cooperação, num espírito de respeito aos “outros”, de cor, religião ou cultura diferentes.
Afirmamos acima que a definição mais apropriada para o povo judeu seria a de uma comunidade de destino. Temos um passado comum e, queiramos ou não, um futuro comum. O que impacta em uma parte do povo afeta as outras, onde for que se encontrem. Se esta premissa for correta, ela significa que somos todos responsáveis pelo que acontece aos judeus, em qualquer parte do mundo.
Não tem sido este o entendimento dos dirigentes do Estado de Israel que invariavelmente tratam os judeus da Diáspora com certa condescendência, como judeus de segunda categoria. Afinal, não deviam todos eles estabelecer-se em Israel, após a criação do estado? Raramente, os israelis tem tentado pensar o significado de ser judeu na Diáspora. E estes, por acomodação ou remorsos, nunca tem reivindicado o direito de participar das decisões que afetam o destino de todos os judeus, dentro e fora de Israel.
Assim, além da intolerância e hostilidade frente ao movimento nacionalista dos palestinos, tem-se cedido espaço crescente à ortodoxia religiosa extremista. Não se ousa colocar a questão da religião - a natureza laica ou religiosa do Estado - em debate amplo e profundo. Resvalamos assim para uma sociedade dominada por fanáticos fundamentalistas que pregam o ódio, preconceitos e intolerância, levando à desobediência às leis, conflitos e até assassinatos.
Aceitar passivamente as imposições dos fundamentalistas significa retroceder na história, submeter-se ao obscurantismo que deprecia o valor da vida e deforma a visão do mundo real, substituindo-a por uma visão delirante que intimida o pensamento crítico.
A alternativa é a construção de uma sociedade livre, pluralista, aberta e democrática, consciente e ciosa de seu legado histórico e espiritual, das tradições e raízes humanistas ancoradas na justiça social.
Seriam esses os valores
que vão forjar a aliança e reforçar os laços de interdependência entre Israel
e os judeus do mundo?
A opção e o destino estão em nossas mãos.
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