quinta-feira, 26 de maio de 2011

ACASO E NECESSIDADE



André Dantas
Como a circularidade dialética é absoluta o fechamento do círculo é também sua abertura às contingências históricas. Somente aceitando o acaso como inerente ao processo histórico pode a psicologia ser uma lógica do concreto. Isso implica que uma tese nem sempre possui apenas uma antítese, e uma mesma tese e uma mesma antítese podem estar unidas de forma diferente dependendo do contexto histórico em que são abordadas 204.

Aqui a história do psicólogo penetra com toda força, pois a dialética como uma lógica da totalidade necessita incluir a história do psicólogo. O contexto total é a unidade autocontraditória da história de vida do estudioso e da vida histórica do seu objeto de estudo, e só se determina completamente a partir do momento em que se torna objeto de conhecimento.

Como cada estudioso é atingido de forma diferente pela história, o contexto se determina de forma diferente dependendo do estudioso que o penetra, e o conhecimento que nasce dessa penetração é absoluto, pois o contexto conhece a si mesmo através do estudioso que o pensa a partir de dentro. “Como o processo de confrontação com o elemento contrário tem o caráter de totalidade, nada fica excluído dele” 205.
O real como o conhecemos é regido pela lei universal da busca pela máxima eficiência. Na natureza essa lei se impõe na busca pela sobrevivência atingida através da melhora da engenharia das formas de vida com o menor gasto possível de energia. Na luta pela vida o desperdício pode significar a morte e por isso a economia é vital.

Na ciência a eficiência se dá através da busca de uma teoria que explique o máximo de coisas possíveis da forma mais simples possível, sem que isso signifique o embotamento da sensibilidade às complexidades internas do objeto de estudo 206. Por isso é impossível eliminar o acaso de uma teoria.

Na física o indeterminismo é central na compreensão da dualidade onda-partícula, enquanto que na biologia o acaso desempenha papel fundamental nas mutações que geram a evolução.
 Uma teoria que elimina o acaso necessita sempre de hipóteses complicadas a serem acrescentadas à teoria principal, ao núcleo duro que elimina a contigência. Basta trazer um único exemplo de acaso para demonstrar a falsidade da teoria, que então é obrigada a formular hipóteses adicionais para explicar o exemplo de acaso, e assim ao infinito 207.

O resultado final é uma teoria insustentável
ou o dogmatismo, que impõe a explicação 
através da força e ignora tudo que o contrarie.
Se tudo, até os menores detalhes, fosse rigidamente determinado, não haveria espaço para o livre arbítrio nem a necessidade de assumir responsabilidades. Por isso o acaso é necessário em uma explicação da totalidade. O acaso é necessário? Mas acaso e necessidade não são excludentes?

Não, pois necessidade absoluta é a outra face da contingência absoluta, a contingência que é necessária no movimento interiorizante de Deus em-si-mesmo. Não é apenas este ou aquele evento contingente específico que é necessário, mas a própria contingência. Ela atravessa todo o movimento de apoio-a posteriori que caracteriza a história.
A forma que uma história assume é uma necessidade absoluta e por isso fruto do acaso. A história da evolução da espécie humana é a história de vários eventos aleatórios que em conjunto fizeram dela o que é atualmente. Poderia não ter acontecido assim, poderíamos não ter as mãos e os pés com esse formato, poderíamos ser mais geneticamente diversificados se diversas catástrofes naturais não tivessem dizimado vários dos nossos ancestrais.

A priori nada garantia que nós seríamos o resultado, mas como assim o foi esses eventos aleatórios passam a ser necessários, pois se não fosse por eles não seríamos o que somos hoje. O que seríamos se os acasos da história levassem nossa espécie para outros caminhos?

Que forma teria a nossa cultura se Marco Antônio não tivesse se apaixonado por Cleópatra, ou se ambos tivessem vencidos a batalha contra Roma? Como seria o presente se Napoleão não tivesse chegado a idade adulta?

O que teria acontecido se Hitler tivesse morrido quando lutava como soldado na primeira grande guerra?

O que a priori é acidental, a posteriori transmuta-se em destino, pois estamos enraizados num presente que não seria o que é se o passado não tivesse sido o que foi. Na medida em que o presente é esse e não outro ele torna a posteriori o passado necessário. Não podemos alterar os fatos do passado, mas podemos transmutar a posteriori o seu significado.

PSICOLOGIA: ANALÍTICA OU DIALÉTICA?
Em uma palestra no Congresso Internacional de Medicina em Londres no ano de  1913, Jung pela primeira vez definiu sua práxis como psicologia analítica e não psicanálise 208. Bleuler preferia o termo psicologia profunda para indicar uma psicologia que trabalhava com as profundezas inconscientes da psique, mas Jung o achava limitado pois seu método se ocupava tanto do inconsciente como do consciente. 209

Mas a busca por um nome para sua psicologia não parou por aí e na década de trinta ele passou a utilizar cada vez mais o termo psicologia complexa. Toni Wolff notando que ele passara a utilizar o termo para sua psicologia especialmente ao abordá-la do ponto de vista teórico, comentou que o termo “psicologia analítica” era apropriado quando se referia aos métodos práticos de análise psicológica 210.

Em  1954 Jung escreveu: “Psicologia complexa significa a psicologia das ‘complexidades’, ou seja dos sistemas psíquicos complexos em contraposição a fatores relativamente elementares” 211.

Para C.A.Meier o termo psicologia complexa era menos restrito às associações patológicas do consultório. Mas como o termo não foi adotado pela comunidade de língua inglesa, que depois da segunda guerra foi a mais influente no desenvolvimento da psicologia junguiana, a psicologia de Jung até hoje é conhecida por psicologia analítica 212.
Analisar é decompor um todo em seus elementos ou partes constituitivas, o que geralmente supõe dividi-lo e separa-lo, pelo menos provisoriamente ou intelectualmente. O contrário portanto (mas muitas vezes também a condição) da síntese, que reúne, compõe ou recompõe 213.
 Esse procedimento é válido e necessário desde que não esqueça que as partes são partes porque pertencem a um todo complexo e multifacetado.
Como todas as coisas são causadas e causantes, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e como se sustentam por um vínculo natural e invisível que liga as mais distantes e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, como também conhecer o todo sem conhecer as partes 214.

Dialética é análise-sintetizante, separatio et coniunctio, um eros-lógico,  uma teoria-prática. Cada parte só é o que é na relação com sua polaridade, como um imã que por mais que seja dividido, tem sua polaridade positiva e negativa definidas na relação uma com a outra, pois essa relação é a essência conceitual de ambas.

A consciência dessa essência complexifica a relação de conhecimento ao captar o que ele é em sua forma mais elementar, identidade da identidade e da diferença, e se aprofundar nos detalhes que a constitui. Ela é teoria que leva em consideração a história do todo ao qual sua prática pertence, sendo por isso práxis, unidade diferenciada de teoria e prática.

Logo a psicologia junguiana não pode ser outra senão psicologia dialética, pois o termo engloba a complexidade do todo, o mergulho na sua profundidade, sua decomposição em formas mais simples e o trabalho prático com a psicopatologia na clínica.

Psicologia só é dialética se contempla esses quatros momentos que só são o que são por se entrelaçarem um no outro. Psicologia dialética é um termo útil para diferenciar uma psicologia real que não hesita em mergulhar nas relações de movimento chamadas psique, de uma psicologia abstrata que se contenta com os fenômenos isolados das relações intrínsecas que os fazem serem o que são. Mas psicologia, no sentido estrito do termo, é dialética, e a lógica dialética é uma psicológica, uma lógica da imagem, um conhecimento subjetivo-objetivo, e por isso absoluto do real.

A cisão entre psique e logos forçou Jung a trabalhar com o conceito psicóide de arquétipo, pois a redução do logos ao intelecto egóico fez da imaginação, o reino que intermedia intelecto e coisa, o lugar por excelência da psicologia. O que Jung chama de psicóide é em sua verdade psicológico, mas como para ele o logos era sinônimo de pensamento abstrato a unidade da unidade e da diferença teve de ser expulsa para fora da psique tornado-se então algo misteriosamente irracional e incognoscível.

Mas afirmar que a psique está no meio, no entre dois, é apenas meia verdade porque sendo o que um ser é em-si-mesmo ela também se situa nos extremos quando um ser é mais extremamente ele mesmo e por isso é também a sua negação. Se o ser está na alma então a alma está no ser, e assim a psique não é exclusivamente interna ao homem, mas é interna a todo e qualquer ser, visto que o ser é relação de diferença-identificante. 

A psique é a verdade interna a todo e qualquer ser, a aparência-essente, e sendo um outro-em-si, só é ela mesma quando refletida no seu outro-si-mesmo, o logos. E isso é psicologia, a unidade-na-diferença de psique e logos.
André Dantas
 
 Fonte:
PSICOLOGIA:ANALÍTICA OU DIALÉTICA?
http://www.robertexto.com/archivo1/psico_anal_dialetica.htm
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres. 
Sejam abençoados todos os seres.

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