ALGUMAS REFLEXÕES
PARA O ENTENDIMENTO
DOS PROCESSOS SUBJETIVOS.
Gelson Luis Roberto[1]
Marisa Campio Müller[2]
PARA O ENTENDIMENTO
DOS PROCESSOS SUBJETIVOS.
Gelson Luis Roberto[1]
Marisa Campio Müller[2]
O mundo ocidental, através de seu raciocínio árido, tem desacreditado e desvalorizado a qualidade imaginativa da vida humana, deixando apenas a arte como o lugar da imaginação ou colocando no âmbito da fenômenos anormais (Avens, 1993). Talvez porque existem posições divergentes sobre a imaginação que favorecem a valorização de algumas sobre outras, gerando esse preconceito. Em Avens (1993) vamos encontrar várias dessas posições. Ele cita o filósofo Kant que distinguiu dois tipos de imaginação: a reprodutiva e a produtiva (ou transcendental).
A imaginação reprodutiva pertence a tradição aristotélica. Aristóteles e Hume estabelecem a imaginação como a reprodução de impressões causadas pelos sentidos e guardadas na memória. Ela seria a reorganização de situações e imagens que fomos recolhendo durante nossa vida e que a memória guarda para podermos compor de diversas maneiras possíveis.
O seu funcionamento está sujeito à lei de associação e tem como objetivo solidificar, numa imagem, o caos de sensações, ordená-lo para que a mente possa contemplar. É uma simples serva da percepção, pois produz produz a partir dos sentidos que a memória reteve.
A segunda, imaginação produtiva, é entendida como um poder ativo espontâneo, um processo que se inicia por si mesmo, através de um poder sintético que combina os dados puramente sensoriais com apreensão puramente intelectual (categorias da razão). Ela é essencialmente vital, não somente é fonte da arte, mas o poder e o agente de toda a percepção humana. Uma maneira de estabelecer uma relação de profundidade com o mundo. Essa posição é defendida pelos Românticos ingleses e alemães (Goethe e Blake), pelos filósofos neokantianos (especialmente Cassirer) e pelos filósofos do imaginário (Bachelard, Gilbert Durand).
Assim a imaginação, além de sua função reprodutiva, oferece a possibilidade de enxergar o lado interior das coisas e de nos assegurar que há mais em nossa experiência do mundo do que costumamos reconhecer. É sair de uma visão literal da realidade e buscar uma capacidade de simbolização e figuratividade. Uma condição que não só torna possível o lado metafórico da linguagem, mas também da expressão vivida, uma visão noética que requer a manutenção da consciência cotidiana.
O homem não esta limitado à a recepção passiva e à retenção de dados dos sentidos, pois sua percepção e seus poderes da imaginação estendem-se além dos limites da natureza (Avens, 1993). É a habilidade de perceber uma coisa de pelo menos duas maneiras, simultaneamente.
Segundo Barfield (1977), todo homem tem algo de novo a dizer, algo a significar e a metáfora envolve a tensão entre dois significados ostensivamente compatíveis, refletindo uma tensão mais profunda dentro de nós mesmos.
Adotamos essa segunda visão de imaginação para estabelecer um processo que chamamos de imaginação criativa ou uma imaginação ativa como chamou Jung. Trata-se de certas condições coletivas inconscientes que atuam como reguladoras e estimuladoras da atividade criadora da fantasia, provocando expressões correspondentes no nível consciente através dos elementos existentes pelo mesmo (Jung, 1984).
Assim, utilizando-se de técnicas expressivas o inconsciente através de sua função auto-reguladora possibilita uma síntese dos conteúdos psíquicos, ao qual chamou de símbolo. Esses símbolos são a melhor expressão de algo desconhecido e possibilitam uma renovação da libido e soluções criativas para os conflitos vividos.
Encontramos na Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung uma série de conceitos que oferecem uma visão abrangente onde a idéia totalidade, conectividade e individuação determinam uma concepção de mundo e de homem mais rica e complexa (Whitmont, 1989). Especialmente através dos conceitos de arquétipos, de Self e de inconsciente coletivo podemos sistematizar os aspectos filosóficos da imaginação criadora numa linguagem adequada para a Saúde Mental e com condições de oferecer um Sistema Terapêutico correlato.
Junto a esses conceitos de ordem estética e psicológica, buscamos nos estudos semióticos o complemento para que se forme um todo onde a linguagem desse processo terapêutico possa ser entendida em suas total amplitude.
A semiótica (Greimas, 1993) é empregada para denominar um objeto de conhecimento em via de constituição ou já constituído, em outras palavras, estuda como o significado é construído na linguagem. Linguagem aqui entendida para além das línguas naturais orais e escritas, mas toda forma de expressão é linguagem para a semiótica. Há semiótica da cultura, do espaço, das paixões...
A expressão do corpo, uma fotografia, um filme, uma estátua, todos os elementos expressivos são considerados textos da qual a semiótica se ocupa para entender os processos possíveis de interpretação. Segundo Deely (1990), a semiose é um fenômeno psicologicamente encarnado.
Os seres humanos são essencialmente narrativos em oposição aos outros animais. Para ele, fala-se muito de estruturas formais e lógicas no contexto semiótico, no entanto, a transmissão essencial da cultura a crianças tem lugar primeiro sob o disfarce de história - isto é, narrativas. Deveríamos nos perguntar por que as crianças podem entender estórias muito antes de entender lógica.
Esses dados são importantes para o nosso trabalho, pois reforçam a condição mítica da nossa natureza e a capacidade do ser humano apreender as realidades existentes através de outras vias além da lógica intelectiva. Para Jung (1991), além do pensamento, existem mais três funções da consciência que servem de canal para a consciência relacionar-se com o mundo: intuição, sensação e sentimento.
Dessas quatro, duas são racionais (pensamento e sentimento) e duas são irracionais (sensação e intuição). Junto a essas funções, temos o símbolo como uma linguagem polifônica e polissêmica que abarca todos os níveis possíveis de comunicação da psique e nos remete a uma experiência total do sentido.
Podemos afirmar que a semiótica, antes de tudo, fornece não um método mas um ponto de vista.
O método consiste exatamente na implementação sistemática da algo sugerido por um ponto de vista. E quanto mais rico um ponto de vista, tanto mais diversos são os métodos necessários para a exploração das possibilidades de entendimento latentes neles. Assim, a semiótica depende da manutenção de um ponto de vista que é transdisciplinar.
Todo esse movimento de subjetivação a partir da imaginação criadora e a semiótica possibilita o desenvolvimento de um diálogo que permite compreender que o discurso e a comunicação não são instrumentos passivos, mas um meio vital, uma construção ativa dentro de um sistema complexo e flutuante. Diálogos subjetivos como dimensões operativas de construção de realidades internas.
Temos então, uma linguagem leve mas consistente, em constante movimento e caracterizada como agente de significação. Uma linguagem que é sutil, múltipla e possível de várias interpretações, ao mesmo tempo que dotada de espessura, concretude e substancialidade. Uma linguagem não-linear e conceitual, com corpo, sensações e profundidade.
Precisamos dar condições para aqueles que buscam tratamento possam deixar-se expressar, falar de muitas formas e poder então capturar-se como alguém inteiro que sente, pensa e experimenta-se como indivíduo e não como aquele que repete decodificando aquilo que já está posto e pressuposto pela cultura médica e social. Possibilitar movimentos tanto de fora como internos para que a subjetividade possa enriquecer-se e poder estabelecer um diálogo criativo com sua realidade.
Quando Italo Calvino (1997) nos ofereceu seis proposta para o próximo milênio, apresentando uma declaração ética e poética do papel da literatura para a crise contemporânea, nos leva a pensar essas qualidades como qualidades também subjetivas do homem moderno. Elas são a leveza, rapidez, exatidão, visibilidade e multiplicidade.
Entendemos que essas qualidades sejam necessárias como um exercício de tomada de consciência para uma nova postura e política em Saúde Mental. Pois a linguagem imagética, através da imaginação criativa, oferece o background para o desenvolvimento dessas qualidades.
Apostamos num mundo criativo, restaurando os elementos singulares e abrindo para novas possibilidades existenciais. Segundo Virilio (1993), estamos na era da não-separabilidade, onde toda imagem está destinada à ampliação. Esta ampliação por sua vez também é uma imagem, ação interativa que expressa a condição conectiva da alma.
1 Psicólogo, analista junguiano,
membro da IAAP e mestrando em psicologia clínica pela PUCRS.
E-mail: glroberto@terra.com.br
2 Psicóloga, doutora em psicologia,professora e
pesquisadora no curso de pós-graduação em psicologia da PUCRS.
E-mail: mcampio@pucrs.br
membro da IAAP e mestrando em psicologia clínica pela PUCRS.
E-mail: glroberto@terra.com.br
2 Psicóloga, doutora em psicologia,professora e
pesquisadora no curso de pós-graduação em psicologia da PUCRS.
E-mail: mcampio@pucrs.br
Fonte:
Rubedo
www.rubedo.psc.br | Artigos |
© Gelson Luis Roberto & Marisa Campio Müller
http://www.rubedo.psc.br/artigosb/conimacr.htm
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.