sábado, 13 de agosto de 2011

PIERRE TEILHARD DE CHARDIN - Visionário silencioso



Pierre Teilhard de Chardin (Orcines, 1 de maio de 1881Nova Iorque, 10 de abril de1955) foi um padre jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês que logrou construir uma visão integradora entre ciência e teologia. Através de suas obras, legou-nos uma filosofia que reconcilia a ciência do mundo material com as forças sagradas do divino e sua teologia.

Disposto a desfazer o mal entendido entre a ciência e a religião, conseguiu ser mal visto pelos representantes de ambas. Muitos colegas cientistas negaram o valor científico de sua obra, acusando-a de vir carregada de um misticismo e de uma linguagem estranha à ciência. Do lado da Igreja Católica, por sua vez, foi proibido de lecionar, de publicar suas obras teológicas e submetido a um quase exílio na China.

"Aparentemente, 
a Terra Moderna nasceu de um movimento anti-religioso. 

O Homem bastando-se a si mesmo.
A Razão substituindo-se à Crença. 

Nossa geração e as duas precedentes quase só ouviram falar de conflito entre Fé e Ciência. A tal ponto que pôde parecer, a certa altura, que esta era decididamente chamada a tomar o lugar daquela. 

Ora, à medida que a tensão se prolonga, 
é visivelmente sob uma forma 
muito diferente de equilíbrio – não eliminação,
nem dualidade, mas síntese 
– que parece haver de se resolver o conflito."

(Teilhard de CHARDIN, O Fenómeno Humano)
Biografia 
Criado em uma família profundamente católica, Chardin entrou para o noviciado da Companhia de Jesus em Aix-en-Provence no ano de 1899 e para o juniorado em 1900, em Laval. Era a época das reformas liberais de Waldeck-Rousseau, que retirara das universidades católicas o direito de conceder graus e posteriormente dissolveu as ordens religiosas e expulsou vinte mil religiosos da França.[1]

Por este motivo, teve que deixar a França e os seus estudos prosseguiram na ilha de Jersey, Inglaterra, onde cursou filosofia e letras. Licenciou-se neste curso em 1902. Entre 1905 e 1908 foi professor de física e química no colégio jesuíta da Sagrada Família do Cairo, no Egito, onde teve oportunidade de continuar suas pesquisas geológicas, iniciadas na Inglaterra. Seus estudos de teologia foram retomados em Ore Place, de 1908 a 1912.

Ordenou-se sacerdote em 1911.

Entre 1912 e 1914 cursou paleontologia no Museu de História Natural de Paris. Foi a sua porta de entrada na comunidade científica. Durante seus estudos teve a oportunidade de visitar os sítios pré-históricos do noroeste da Espanha, entre eles, a Caverna de Altamira.

Durante a Primeira Guerra Mundial, foi carregador de maca dos feridos e depois capelão em diversas frentes de batalha.

Passada a Guerra, retomou os estudos em Paris, onde obteve o doutorado em 22 de março de 1922 na Universidade de Sorbonne com a tese: Os mamíferos do eoceno inferior francês e seus sítios. Em 1920 tornara-se professor de geologia no Instituto Católico de Paris.

O ambiente intelectual de Paris proporcionou-lhe encontros fecundos para o exercício intelectual. Costumava apresentar suas ideias a plateias de jovens leigos, seminaristas e professores. Do ponto de vista teológico, já assumira as ideias evolucionistas e realizava uma síntese original entre a ciência e a fé cristã.

Em 1922, escreveu Nota sobre algumas representações históricas possíveis do pecado original, que gerou um dossiê pela Santa Sé, acusando-o de negar o dogma do pecado original. Teve que assinar um texto que exprimia este dogma do ponto de vista ortodoxo e foi obrigado a abandonar a cátedra em Paris e embarcar para Tianjin na China. Este fato marcará uma nova etapa da sua vida: o silêncio sobre temas eclesiais e teológicos que duraria o resto da sua vida. Foi-lhe permitido trabalhar em pesquisas científicas e suas publicações deveriam ser cuidadosamente revisadas.

Embora proibido de escrever sobre temas eclesiais e teológicos, seus superiores imediatos estimularam suas pesquisas e escritos, desde que sua ortodoxia fosse assegurada por uma séria revisão, com a esperança de uma publicação posterior.

Em Pequim, realizou diversas expedições paleontológicas, e em 1929 participou da descoberta e estudo do sinantropo - o homem de Pequim. Também realizou pesquisas em diversos lugares do continente asiático, como o Turquestão, a Índia e a Birmânia.

Entre novembro de 1926 e março de 1927, estimulado pelo editor da coleção de espiritualidade Museum Lessianum, escreveu O Meio Divino a partir de suas notas de retiro. A obra foi submetida a dois censores romanos, que a consideraram aceitável. Ao ser submetida ao Imprimatur, o cônego encarregado submete a obra a teólogos romanos, que a consideraram suspeita pela originalidade. Apesar disto, cópias inéditas da obra passaram a circular, datilografadas e policopiadas.

Em Pequim, escreveu sua obra prima: O Fenômeno Humano. Encaminhou a obra a Roma em 1940, que prometeu o exame por teólogos competentes. Várias revisões foram encaminhadas sem que o nihil obstat fosse concedido.
Em 1946 retornou a Paris. Seus textos mimeografados continuavam a circular e suas conferências lotavam os auditórios.

Foi convidado a lecionar no Collège de France. Diante de ameaças de novas sanções pela Santa Sé, dirige-se a Roma em 1948. A visita foi inútil: foi proibido de ensinar no Colégio da França e a publicação do Fenômeno Humano não foi autorizada.

Entre 1949 e 1950 deu cursos na Sorbonne que geraram a obra O grupo zoológico humano. Em 1950 foi eleito membro da Academia de Ciências do Instituto de Paris.

Em 1950, foi promulgada a encíclica Humani Generis pelo papa Pio XII, que na opinião de Chardin, bombardeava as primeiras linhas de seu trabalho.
Em 1951, mudou-se para Nova York, a convite da Fundação Wenner-Gren, que patrocinou duas expedições científicas na África para pesquisar sobre as origens do homem sob sua coordenação.

Teilhard de Chardin faleceu em 10 de abril de 1955, num domingo de Páscoa, em Nova York. No campo científico deixou uma obra vasta: cerca de quatrocentos trabalhos em vinte revistas científicas.

No campo filosófico, seu pensamento pode ser editado por um comitê internacional porque ele deixou do direito de suas obras para um colega, não para a sua ordem religiosa. No mesmo ano de sua morte, as Éditions du Seuil lançaram o primeiro volume das Ouevres de Teilhard de Chardin.

O Santo Ofício solicitou ao Arcebispo de Paris que detivesse a publicação das obras. Em 1957, um decreto deste mesmo órgão decidiu que estes livros fossem retirados das bibliotecas dos seminários e institutos religiosos, não fossem vendidos nas livrarias católicas e não fossem traduzidos. Este decreto não teve muita adesão. Cinco anos mais tarde, uma advertência foi publicada, solicitando aos padres, superiores de Institutos Religiosos, seminários, reitores das Universidades que protejam os espíritos, principalmente o dos jovens, contra os perigos da obra de Teilhard de Chardin e seus discípulos.

Segundo esta advertência, "sem fazer nenhum juízo sobre o que se refere às ciências positivas, é bem manifesto que, no plano filosófico e teológico, estas obras regurgitam de ambiguidades tais e até de erros graves que ofendem a doutrina católica".

A sua obra continuou a ser editada, chegando ao décimo terceiro volume em 1976, pelas Éditions du Seuil e foi traduzida em diversos idiomas. Seu trabalho teve grande repercussão, gerando diversos estudos a cerca de sua obra até nos dias atuais.

Apesar de toda a repressão, suas ideias foram sendo incorporadas ao discurso oficial da Igreja, como depreende-se da mensagem do Papa Bento XVI por ocasião da Festa da Santíssima Trindade de 2009, dirigida aos fieis em Roma:  

"Em tudo o que existe, encontra-se impresso, em certo sentido, o "nome" da Santíssima Trindade, pois todo o ser, até as últimas partículas, é ser em relação, e deste modo se transluz o Deus-relação; transluz-se, em última instância, o Amor criador. 

Tudo procede do amor, tende ao amor e se move empurrado pelo amor, naturalmente, segundo diferentes níveis de consciência e de liberdade.""Utilizando uma analogia sugerida pela biologia, diríamos que o ser humano tem no próprio "genoma" um profundo selo da Trindade, do Deus-Amor".[2]

 O pensamento de Teilhard de Chardin

Como geopaleontólogo, Teilhard de Chardin estava familiarizado com as evidências geológicas e fósseis da evolução do planeta e da espécie humana. Como sacerdote cristão e católico, tinha consciência da necessidade de um metacristianismo que contribuísse para a sobrevivência do planeta e da humanidade sobre ele .

No cerne da questão está a visão filosófica, teológica e mística de Teilhard de Chardin a respeito da evolução de todo o Universo, do caos primordial até o despertar da consciência humana sobre a Terra, estágio esse que, segundo ele, será seguido por uma Noogénese, a integração de todo o pensamento humano em uma única rede inteligente que acrescentará mais uma camada em volta da Terra: a Noosfera, que recobrirá todo o Biosfera Terrestre.

A orientar todo esse processo, existe uma força que age a partir de dentro da matéria, que orienta a evolução em direcção a um ponto de convergência: o Ponto Ômega. Teilhard sustentava a ideia de um Panenteísmo cósmico: a crença de que Deus e o Universo mantém uma criativa e dinâmica relação de progressiva evolução.

Como escritor, a sua obra-prima é O Fenômeno Humano, além de centenas de outros escritos sobre a condição humana. Como paleontólogo, esteve presente na descoberta do Homem de Pequim.

Segundo Chardin, 
a Terra seria composta de várias camadas esféricas:

Obras de Teilhard de Chardin



  • Cartas a Léontine Zanta
  • Cartas de Viagem
  • Cartas do Egipto
  • Ciência e Cristo
  • O Fenómeno Humano
  • Hino do Universo
  • Lugar do Homem no Universo
  • O Meio Divino
  • A Minha Fé
  • Reflexões e Orações no Espaço-Tempo
  • Sobre a Felicidade / Sobre o Amor

Noogênese

Noogênese (do grego Νους e Γένεσιςé) 
é o termo utilizado pelo teólogo, filósofo 
para descrever o nascimento 
e a evolução da mente humana.

Noosfera

A Noosfera pode ser vista como a "esfera do pensamento humano", sendo uma definição derivada da palavra grega νους (nous, "mente") em um sentido semelhante à atmosfera e biosfera.

Conceito

Na teoria original de Vernadsky, a noosfera seria a terceira etapa no desenvolvimento da Terra, depois da geosfera (matéria inanimada) e da biosfera (vida biológica). 

Assim como o surgimento da vida transformou significativamente a geosfera, o surgimento da conhecimento humano, e os conseqüentes efeitos das ciências aplicadas sobre a natureza, alterou igualmente a biosfera.

O conceito da noosfera 

Segundo ele, assim como há a atmosfera, a geosfera e biosfera, existe também o mundo ou esfera das idéias, formado por produtos culturais, pelo espírito, linguagens, teorias e conhecimentos. Seguindo esta linha de pensamento, alimentamos a noosfera quando pensamos e nos comunicamos. A partir de então, o conceito de noosfera foi revisto e conseqüentemente sendo previsto como o próximo degrau evolutivo de nosso mundo, após sua passagem pelas posteriores transformações de geosfera, biosfera, "tecnosfera" (temporária e em andamento) e, então, a noosfera.

Pierre Teilhard de Chardin

- visionário silencioso

1. Um homem surpreendente. Um dos aspectos que mais surpreendem em Teilhard de Chardin é o facto de ele não ser considerado, nem a si mesmo se considerar, filósofo ou sequer teólogo. Identificava-se mais como cientista. O facto é que hoje ele não é considerado um nome de referência nem em filosofia, nem em ciência, nem em teologia. E no entanto, os seus escritos continuam a atrair um enorme interesse, precisamente porque neles se encontram em diálogo estas três áreas do saber humano.

2. Um visionário. Teilhard, visionário silencioso, ousou fazer aquilo que está hoje ainda largamente por fazer: a integração das descobertas científicas contemporâneas nos discursos filosófico e teológico. A perspectiva evolutiva não apenas da vida mas de todo o universo abriu-se-lhe diante dos olhos como uma revelação, a revelação de um mundo que deixava de ser estático para se revelar num extraordinário dinamismo. Foi como se todo o universo que durante milénios foi representado como uma pintura definitiva, acabada e inerte, passasse a ser um filme cheio de acção e movimento.

3. Consequências. Para Teilhard, esta visão não podia deixar de ter consequências filosóficas e teológicas. As tradicionais categorias metafísicas estáticas nas quais se baseava uma teologia igualmente estática, pareceram-lhe como que retiradas do grande quadro final de uma aventura que durara apenas seis dias, os dias da criação, e que chegara ao fim no sexto dia. Tudo desde então permanecera substancialmente idêntico, imutável. Pelo contrário, a ciência revelou a Teilhard um mundo em evolução. Por outro lado, se Deus não se limita a olhar o mundo como um mero espectador, mas se envolve na história desse mundo, então já não podemos acreditar num Deus metafisicamente imutável. E o significado da incarnação de Cristo assume uma dimensão cósmica, não se limita ao planeta Terra – um grão de areia no universo. A história da criação do mundo tinha que ser contada desde o início em termos radicalmente novos. A criação de Adão e Eva e a narração do pecado original com base numa leitura literal do Génesis tornaram-se insustentáveis.

4. O que aconteceu a Teilhard? As suas propostas são de tal modo radicais que nunca pôde publicá-las em vida. Só a partir da sua morte os textos que deixou inéditos têm sido objecto de sucessivas edições em praticamente todas as línguas. E no entanto, esses textos estão oficialmente desaconselhados. Em 1962 e novamente em 1981, a Congregação para a Doutrina da Fé confirmou o carácter pouco ortodoxo dos textos de Teilhard.
 
É verdade que desde Paulo VI todos os Papas têm citado passagens das suas obras. Mas também é verdade que a teologia católica não está ainda preparada para incorporar os dados da ciência contemporânea no discurso teológico, nem a aceitar todas as consequências dessa incorporação, tal como procurou fazer Teilhard. Quando uma tal incorporação – necessária e urgente – se fizer, o cristianismo aparecerá aos olhos da humanidade como um visão do universo e da vida verdadeiramente fecunda amadurecida e credível.

Por Alfredo Dinis sj
Fonte:
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
http://companhiadosfilosofos.blogspot.com/
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

AS ESTRUTURAS ANTROPOLÓGICAS DO CIBERESPAÇO



As estruturas antropológicas do ciberespaço

« Le cyberspace. Une hallucination consensuelle vécue quotidiennement en toute légalité par des dizaines de millions d’opérateurs dans tous les pays, par des gosses auxquels on enseigne les concepts mathématiques... Une représentation graphique de données extraites des mémoires de tous les ordinateurs du système humain. Une complexité impensable. Des traits de lumières disposés dans le non-espace de l’esprit, des amas et des constellations de données. Comme les lumières de villes, dans le lointain... » (1) W. Gibson

O termo ciberespaço aparece quotidianamente na imprensa e nas discussões sobre as novas tecnologias de informação. Entretanto, nada é mais difícil de definir ou simplesmente compreender. Temos uma idéia do ciberespaço como o conjunto de redes de telecomunicações criadas com o processo digital das informações. John Perry Barlow (um dos fundadores da "Electronic Frontier Foundation"), por exemplo, define o ciberespaço como o lugar em que nos encontramos quando falamos ao telefone.
Se essa definição nos dá uma imagem do que venha a ser o ciberespaço, ela não ajuda a compreendermos todas as suas facetas. Como a fronteira pela qual a sociedade redefine noções de espaço e de tempo, de natural e de artificial, de real e de virtual, o ciberespaço é uma das grandes questões do século que se aproxima. Daí a urgência em compreender suas estruturas internas.

Nesse artigo tentaremos abordar teorias que podem ser aplicadas ao ciberespaço para mostrar que este se encontra preso em estruturas arcaicas, imaginárias e simbólicas, de toda vida em sociedade. Visamos assim, esclarecer um pouco o conceito de ciberespaço sob a luz do hermetismo, da gnose, dos ritos de passagem, do tempo real, do espaço imaginário e da metáfora evolucionista e organicista da "Noosfera", do "Cybionte", da "Inteligência Coletiva" e dos "Rizomas". 
O ciberespaço seria 
assim um espaço mágico, 
uma rede de inteligências coletivas. 
Ele não aceita a idéia de árvore, como centralização de sua evolução, sendo um rizoma que vai se comportar como uma entidade complexa (um "Cybionte"), auto-organizante e quase orgânico.

Breve descrição do ciberespaço

O termo "cyberspace" foi inventado pelo escritor "cyberpunk" de ficção científica William Gibson no seu monumental "Neuromancer" de 1984 (2). Para Gibson, o ciberespaço é um espaço não físico ou territorial, que se compõe de um conjunto de redes de computadores através das quais todas as informações (sob as suas mais diversas formas) circulam. 
O ciberespaço gibsoniano é uma "alucinação consensual" 
onde podemos nos conectar 
através de "chips" implantados no cérebro.
A Matrix (3), como chama Gibson, é a mãe, o útero da civilização pós-industrial onde os "cybernautas" vão penetrar (4). Ela será povoada pelas mais diversas tribos, onde os "cowboys" do ciberespaço circulam em busca de informações vitais para suas empresas ou suas vidas.
A Matrix de Gibson, 
como toda a sua obra, 
faz uma caricatura do real, do quotidiano.

Embora ainda estejamos longe da "ligação" neuronal direta com o ciberespaço, esse é em crescimento geométrico. Só para termos uma idéia, a parte dita multimídia da Internet, o "world wide web" (WWW ou Web) vê nascer uma "home page" nova a cada quatro segundos. A rede de redes chamada Internet está em via de se tornar para os anos 90, aquilo que foi o rock para os anos 60: um fenômeno de massa. Toda a economia, a cultura, o saber, a política do século XXI, vão passar por um processo de negociação, distorção, apropriação dessa nova dimensão espaço-temporal que é o ciberespaço.

Hoje entendemos o ciberespaço à luz de duas perspectivas: como o lugar onde estamos quando entramos num ambiente virtual (realidade virtual), e como o conjunto de redes de computadores, interligadas ou não, em todo o planeta (BBS, videotextos, Internet...). Estamos caminhando para uma interligação total dessas duas concepções do ciberespaço, pois as redes vão se interligar entre si e, ao mesmo tempo, permitir a interação por mundos virtuais em três dimensões. 
O ciberespaço é
assim uma entidade real, 
parte vital da cybercultura planetária
que está crescendo sob os nossos olhos.

Mesmo sem ser uma entidade física concreta, pois ele é um espaço imaginário, o ciberespaço constitui-se em um espaço intermediário. Ele não é desconectado da realidade mas, ao contrário, parte fundamental da cultura contemporânea. O ciberespaço é assim um complexificador do real. Como afirma Kellogg (5), ele aumenta a realidade já que ele supre nosso espaço físico em três dimensões de uma nova camada eletrônica. No lugar de um espaço fechado, desligado do mundo real, o ciberespaço colabora para a criação de uma "realidade aumentada". Ele "faz da realidade um ciberespaço".

O ciberespaço é concebido como um espaço transnacional,
onde o corpo é suspenso pela abolição do espaço e pelas "personas" que entram em jogo nos mais diversos meios de sociabilização como os BBS, os MUDs, ou o Minitel francês (6). Assim sendo, o ciberespaço é um "não-lugar", uma "u-topia" onde devemos repensar a significação sensorial de nossa civilização baseada em informações digitais, coletivas e imediatas.

O ciberespaço é um enorme hypertexto
(Ted Nelson) planetário (7). Um hypertexto é um texto aberto à múltiplas conexões a outros hypertextos. Com os hypertextos, é a figura do leitor que se vê substituída pela do "netsurfista". Esse não é mais um simples leitor, mas um ator, um autor e um agente de interação com as interfaces do ciberespaço (Laurel)(8). 
O ciberespaço é
assim um conjunto de hypertextos 
interligados entre si onde podemos adicionar, 
retirar e modificar partes desse texto vivo.

Entretanto, a ideia de hypertexto não é exclusividade do ciberespaço. Na leitura clássica (livros e textos impressos), o texto e o leitor se engajam num processo também hypermediático, pois a leitura é feita de interconexões à memória do leitor, às referências do texto, aos índices e ao índex que remetem o leitor para fora da linearidade do texto. Assim, todo texto escrito é um hypertexto onde o motor da interatividade se situa entre a memória subjetiva do leitor e a interatividade em relação ao objeto livro. Toda leitura exige um estado de atenção, de lapsos e de correlações similares ao surfar no Web.

No entanto, a diferença entre um "hypertexto livro" e um "hypertexto ciberespaço" se situa no fato de que, no ciberespaço, a conexão é em tempo real, imediata, "live". Ela nos permite passar de uma referência à outra, sendo a conexão imediatamente disponível. Essa conexão em relação ao livro obriga a vinculação também do corpo, além da memória e da subjetividade. O leitor deve buscar a referência, procurar numa biblioteca, subir nas estantes e achar a correlação procurada, saindo fisicamente de perto do livro em questão para interagir com um outro.

No ciberespaço isso não acontece pois passamos de referências à referências, de servidor à servidor, de país em país com um simples "click" do "mouse", sem saber onde começa e onde termina o processo. Como afirmava McLuhan, Gutenberg nos fez leitores, a máquina Xerox nos fez editores e a eletrônica e os computadores em rede nos faz autores. Nesse hypertexto planetário que é o ciberespaço, "everyone is an author, which means that no one is an author: the distinction upon which it rest, the author distinct from the reader disappears" (9).

Os novos meios de comunicação que coletam, manipulam, estocam, simulam e transmitem os fluxos de informação criam assim uma nova camada que vem se sobrepor aos fluxos materiais que estamos acostumados a receber. O ciberespaço é um espaço sem dimensões, um universo de informações navegável de forma instantânea e reversível. Ele é dessa forma um espaço mágico; já que caracterizado pela ubiqüidade, pelo tempo real e pelo espaço não físico. Todos esses elementos são característicos da magia como manipulação do mundo.

Depois da modernidade que controlou, manipulou e organizou o espaço físico, nos vemos diante de um processo de desmaterialização pós-moderna do mundo. O ciberespaço faz parte do processo de desmaterialização do espaço e de instantaneidade temporal contemporâneos, após dois séculos de industrialização moderna que insistiu na dominação física de energia e de matérias, e na compartimentalização do tempo. Se na modernidade o tempo era uma forma de esculpir o espaço, com a cybercultura contemporânea nós assistimos à um processo onde o tempo real vai aos poucos exterminando o espaço.

O ciberespaço é
assim um operador meta-social 
(Benedikt), um espaço pós-tribal, 
uma arena cultural criativa (10).

Assim, o ciberespaço é uma geografia metal comum (Benedikt), um universo de pura informação. Ele é a incarnação tecnológica do velho sonho de criação de um mundo paralelo, de uma memória coletiva, do imaginário, dos mitos e símbolos que perseguem o homem. Nos tempos imemoriais, a potência do imaginário era veiculada pelas narrações míticas, pelos ritos. Eles agiam como um verdadeiro mídia entre os homens e os seus universos simbólicos.

Hoje o ciberespaço funciona um pouco dessa forma. Ele coloca em relação, ele incita a abolição do espaço e do tempo, ele é lugar de um culto secular digital. O ciberespaço se constitui assim como um tipo de "espaço imaginal" (Corbin), onde as novas tecnologias mostram todo o potencial de compartilhamento e de "reliance" (11)(Bolle de Bal). A racionalidade tecnológica, herdeira da modernidade, anda lado a lado com o simbólico, o mítico e o religioso. Essa mistura vai marcar toda a cybercultura nascente. 
O ciberespaço é, em consequência,
 uma casa da imaginação, o lugar onde se encontram racionalidade tecnológica, vitalismo social e pensamento mágico.

 Não é à toa que Virilio (12) clama por um conhecimento mágico para compreender a tecnologia contemporânea.

Hermetismo e Gnosticismo nas Redes Eletrônicas

O termo hermetismo é empregado para descrever a literatura hermética, atribuída ao deus grego Hermes. Essa literatura se caracteriza pela busca de conhecimentos secretos (gnósticos). Hermes é o deus da comunicação, o mensageiro, aquele que viabiliza as trocas de informações, como o Exú do candomblé afro-brasileiro. O ciberespaço é, como o espaço sagrado de movimentação de conhecimentos e de informações, um espaço de encruzilhadas. Ele é uma casa para as "comunidades de almas" (13). Assim sendo, nós podemos traçar paralelos entre o ciberespaço e a arte hermética da memória, a criptografia demoníaca e a cosmologia gnóstica (14).

O hermetismo é, desde o começo, uma técnica mágica de armazenamento e de tratamento de informações. O pensamento mágico é imerso num mundo de informações das mais diversas (nomes rituais, códigos secretos, correspondências astrológicas, signos, imagens) onde o sucesso da busca se realiza na manipulação dessas informações. 
O conhecimento hermético visa organizar este vasto saber através de uma arte da memória (Frances Yates) que consiste na criação de espaços imaginários, como uma vasta edificação. Essa arte da memória, ou mnemônica, se aproxima da idéia do poeta grego Simonide de Céos (556-469 aC) que pensava a memória como uma casa onde depositaríamos "souvenirs" em cada peça da casa. A recuperação dessas informações se dava por um percurso imaginário na casa imaginária. Podemos pensar a memória como uma arte de percorrer um "espaço imaginário".

A manipulação mágica das informações
no hermetismo e no gnosticismo encontra 
um paralelo com as manipulações de dados
nas redes de computadores e nos sistemas 
de realidade virtual, pois como um espaço hermético,
o ciberespaço é um espaço da memória, 
um espaço imaginário povoado de imagens, 
de encruzilhadas, um "inner space" 
(Santo Agostinho)..

A arte medieval da memória, baseada na alegoria, que o poeta catalão Lull chamava de "Arbor Scientae", se estrutura enquanto un conjunto de conhecimentos agrupados em florestas de árvores, sendo a imagem das árvores uma metáfora para o crescimento da natureza e do saber. Da mesma forma, a metáfora da teia (o WEB) que liga todas as informações disponíveis no planeta, serve hoje como imagem para o ciberespaço. As interfaces gráficas são também metáforas e alegorias para a busca de informações. Manipular os ícones revela a essência da manipulação mágica. Dessa forma, a manipulação mágica do mundo, como a manipulação de dados no ciberespaço, se situam na mesma dinâmica.

As imagens, os totens e os ícones, mais que simples representações, são simulações do mundo: eles funcionam "como se". Da mesma forma que no "voudou" a manipulação da boneca é a manipulação do alvo, na metáfora do "desktop", os ícones simulam objetos reais (como arquivos, pastas, lixeiras, etc.), permitindo a manipulação virtual desses objetos. Assim como as alegorias medievais, as redes de computadores "fusionam as imagens com abstrações, elas tendem para uma complexidade barroca, contendo operações mágicas e hiperdimensionais, e freqüentemente representam espacialmente suas abstrações" (15).

A batalha atual dos "cypherpunks" (16) pela adoção de sistemas públicos de criptografia de mensagens encontra também um eco na mística da cabala e das criptografias antigas. A criptografia de mensagens era vinculada à valorização do poder não como simplesmente saber ou conhecimento, mas como código secreto, como conhecimento hermético, acessível somente aos iniciados. A quebra dos códigos secretos é a fonte do poder máximo pois o hermetismo é fundado nas técnicas de numerologia a partir das quais nós podemos desvendar mensagens esotéricas.
O desenvolvimento da criptografia de massa pelos cypherpunks (assim como o de agentes) faz com que o ciberespaço seja um espaço mágico de circulação de códigos secretos e de anjos ou demônios, que aí circulam em busca de informações. Logo, não é ao acaso que McLuhan dizia que com o advento da eletricidade nós entramos num "tempo de iluminação" (17).

A representação de um espaço mágico, pleno de conexões e de estruturas multi-dimensionais é a forma de estruturação do ciberespaço. Como dizia Aggripa no seu "De Occulta Philosophia", existem três tipos de magia: uma magia natural (manipuladora das forcas da natureza), uma magia matemática (influenciada pela filosofia mística de Pitágoras) e uma magia teológica (relativa à comunicação angélica). Essa comunicação angélica se atualiza hoje com a disseminação de agentes electronicos. Ora, os agentes, programas inteligentes que circulam pelo cyberespaco em busca de informações personalizadas, são assim como demônios bem próximos da "magia teológica" de Aggripa.
A gnose (do grego conhecimento, ligado ao conhecimento de Deus) é, mais do que uma transcendência mística, uma busca afinada de informações que, colocadas juntas, trazem à tona conhecimentos revelados a poucos. A gnose é assim uma técnica mágica, uma "technè" (18), como manipulação prática de informações (nomes secretos, códigos, etc.). Podemos assim, ver a gnose e o hermetismo como antecipadores do ciberespaço e da cybercultura.


A gnose é atualizada hoje 
pela nova forma de esoterismo que emerge
com a cybercultura na forma do "tecno-paganismo"
típico dos "ravers" e "zippies" (19). 
Esses são personagens da cybercultura que misturam esoterismo e novas tecnologias, principalmente aquelas que dão acesso ao ciberespaço. Os tecnopagãos visam assim restabelecer a tecnologia como parte da cultura, ao mesmo tempo em que refutam as dicotomias entre o sagrado e o profano. Assim, a partir das novas tecnologias, são visados os rituais (festas, sexo e drogas), a busca do espírito e da transcendência da matéria. Para os tecnopagãos, as novas tecnologias do ciberespaço devem ser vistas como parceiras dionisíacas da gnose.


O ciberespaço é para os tecnopagãos,
um espaço mágico por excelência, 
um espaço imaginário.

Eles se interessam pela ficção cientifica, pela realidade virtual e, obviamente, pelos MUDs, espaço imaginário por excelência. Como define um "tecnopagão" "viver on-line faz parte da minha pratica diária (...) é um tipo de experiência eremita, como entrar numa caverna" (20). Os tecnopagãos criam dessa forma uma rede eclética que mistura espiritualidade, teosofia, hermetismo e medicina natural. Eles são herdeiros diretos dos hippies e da onda nova era. 
Eles incorporam esses valores à cybercultura. Entretanto, eles atualizam o movimento hippie de uma nova maneira. Eles aceitam a tecnologia, perspectiva essa oposta aos hippies (retorno à natureza, refutação do artificial, etc.), não de uma forma simplesmente conformista, mas de uma forma apropriativa. Eles implantam assim um "cyberpsicodelismo", valorizando a utilização comunitária e espiritual das novas técnicas já que essas são as ferramentas mais importantes para atingir os objetivos da Era de Aquário.

O ciberespaço, 
como espaço mágico por excelência, 
é visto como potencializador das dimensões lúdicas, 
eróticas, hedonistas e espirituais. 
Nós podemos dizer que com o advento da cybercultura, estamos diante de uma verdadeira "info-gnose", um rito de passagem em direção à desmaterialização pós-industrial.

Ritos de passagem para a Pós-modernidade

Nós vimos como o ciberespaço se comporta como um espaço mágico. Vimos que, se durante a modernidade o espaço e o tempo eram entidades concretas, transformadas pela industrialização, hoje, com o processo de desmaterialização engendrado pelas economias avançadas, o espaço é aniquilado pelo tempo real. 
Assim, o ciberespaço pode ser visto também 
como uma fronteira, um espaço intermediário 
na passagem do industrialismo 
para o pós-industrialismo. 
Ele é também como o espelho de Alice, uma passagem do indivíduo austero para o indivíduo "re-ligado" (do individualismo ao tribalismo), participante do fluxo de informações do mundo contemporâneo. Ele é ainda um rito de passagem obrigatório para os novos cidadãos da cybercultura (21).

Os ritos de passagem são rituais que marcam, na vida de um indivíduo ou grupo, a passagem para um outro estado, seja ele biológico ou social. Esses ritos fazem parte de um processo de iniciação (nascimento, casamento, morte, mudança de estação, etc.) criados com o objetivo de preservar uma certa continuidade espaço-temporal e simbólica. 
Como um "lugar" de passagem, os ritos se caracterizam por um espaço simbólico intermediário, através do qual um indivíduo ou grupo se integra à globalidade da vida social. 
O ciberespaço deve ser compreendido como um rito de passagem da era industrial à pós-industrial, da modernidade dos átomos, à pós-modernidade dos bits, como diria Negroponte (22), já que existem várias similaridades entre as estruturas dos ritos de passagem e os mecanismos simbólicos do ciberespaço.

O ato de se conectar ao ciberespaço sugere versões dos ritos de agregação e de separação, onde a tela do monitor possibilita a passagem à um outro mundo. A tela é a fronteira entre o individual e o coletivo; entre o orgânico e o artificial; entre o corpo e o espírito. O ciberespaço é onde se realizam ritos de passagem do espaço físico e analógico ao espaço digital sem fronteiras, do corpo átomo ao corpo bit. 
Se conectar ao ciberespaço significa ainda, a passagem da modernidade (onde o espaço é esculpido pelo tempo) à pós-modernidade (onde o tempo aniquila o espaço); de um social marcado pelo indivíduo autônomo e isolado ao coletivo tribal e digital. Será pelo ciberespaço que irá passar toda a "socialidade" (23) contemporânea. Como afirma Benedikt, « a post-industrial work environment predicated on a new hardwired communications interface that provides a direct and total sensorial access to a parallel world of potential work space » (24).

Como rito de passagem, hermetismo e gnosticismo o ciberespaço impõe uma interface entre o profano e o sagrado; uma fronteira entre a existência banal do dia a dia, e o espaço eletrônico de circulação do saber. Mais uma vez retornamos à gnose e ao hermetismo. 
O ciberespaço é uma interface entre a estrutura de máquinas de comunicação e a massa de informações numéricas despejadas na "consciência planetária" (o grande sonho dos enciclopedistas, a saber, reunir num só mídia, todo o conhecimento da humanidade).

O ciberespaço no entanto, 
não é um lugar asséptico, 
de informações precisas e utilitárias. 
O grande interesse do ciberespaço reside justamente no vitalismo social que ele permite (BBS, "chat lines", "MUDs", "newsgroups", "e-mail"). O interesse está no fato de que todas as formas de sociabilidade contemporâneas encontram na tecnologia um potencializador, um catalisador, um instrumento de conexão - que vai contra a lógica iniciada na Escola de Frankfurt e que nos chega contemporaneamente nas vozes de Baudrillard ou Virilio. O ciberespaço não é uma entidade puramente cibernética, mas uma entidade efervescente, caótica e descontrolada.

Tempo, espaço e hierofania de dados

O ciberespaço, como espaço sagrado, é o lugar privilegiado para observarmos esse reencantamento da tecnologia. Como todo espaço sagrado, o ciberespaço acolhe um tempo também sagrado. Ele é um lugar de hierofanias (manifestações do sagrado). Assim como o ciberespaço é o nome desse novo espaço sagrado, o tempo real é o nome desse novo tempo mágico. Podemos utilizar aqui esses conceitos de acordo com o mitólogo romeno Mircea Eliade (25).
Como toda hierofania, 
se conectar ao ciberespaço é ter a experiência 
de uma revelação de um outro mundo, 
uma irrupção do sagrado 
em plena luz do quotidiano. 

Isso fica claro com a fascinação que temos ao ver uma máquina fazer coisas (quando na verdade não entendemos direito como é que ela as faz); com o delírio de se conectar à "distance homes" e ver o desenrolar de imagens, textos e ícones os mais diversos; com a absorção de se passar horas sem nos darmos conta; com antiquíssimo desejo de alcançar um mundo do conhecimento, da inteligência ou da consciência planetária, etc.
Não é exagero afirmar que, no ciberespaço, temos o sentimento de participarmos de uma hierofania, à uma outra realidade, à um espaço de qualidade distinta (logo sagrado) daquele por onde circulamos nossos corpos (sem falar no potencial para futuros desenvolvimentos da realidade virtual de massa "on line").

O tempo real (acesso instantâneo, como todo toque de varinha de condão) é similar ao tempo sagrado, circular e reversível. O tempo sagrado do mito é um tempo repetitivo que fixa determinada memória coletiva; e ele é reversível, pois o passado é a fonte do saber na preparação do presente e do futuro. Ele atualiza o "ilo tempore", o tempo primordial onde tudo veio à existência. O tempo sagrado do mito (26), assim como o tempo real do ciberespaço, não é o tempo linear e progressivo, mas o tempo de conexões, aqui e agora, um tempo presenteísta (27), correspondente ao presenteísmo social contemporâneo.

Circular pelo Web, participar aos MUDs, recomeçar ao infinito um jogo eletrônico ou um CD Rom, se perder nos "links" dos hypertextos, voltar várias vezes à Home Page preferida, etc., tudo isso faz do tempo real do ciberespaço um tempo sagrado, circular e reversível. O tempo real da informática é assim correlato ao tempo presenteísta da sociedade contemporânea. Mais uma vez encontramos a essência da cybercultura: a imbricação entre uma sociedade tribal, emocional e presenteísta e as máquinas do ciberespaço. Hoje os computadores pessoais são cada vez menos individuais e cada vez mais computadores coletivos, máquinas de comunicação (28).

Após termos visto o ciberespaço como um espaço gnóstico e hermético, dotado de um tempo e de um espaço sagrados, representando um rito de passagem da tecnocultura moderna à cybercultura pósmoderna, veremos o ciberespaço como uma nova camada do planeta (Noosfera) e como um novo organismo complexo (o Cybionte). 
O ciberespaço pode assim ser visto em termos de evolução da vida na Terra, de acordo com a teoria de Theillard de Chardin, elaborada na década de 50. Essa expansão da Noosfera se traduz pela formação de um "organismo-rede" rizomático e auto-organizante.

A noosfera eletrônica e a inteligência coletiva

No seu "fenômeno humano" (29), Theillard de Chardin considera a evolução humana em termos intelectuais e espirituais. Segundo o padre jesuíta, no mundo físico existem duas energias: uma energia radial (correspondente ao conceito de força newtoniana de causa e efeito) e uma energia tangencial (que vem de dentro, de onde o divino aparece). 
Essa energia tangencial seria de três níveis, que Chardin chama de pré vida (para os objetos inanimados), vida (para os seres vivos) e consciência(para os homens). A pré vida corresponde à formação de matéria inorgânicas, a vida corresponde ao aparecimento de matérias orgânicas e a consciência ao aparecimento do homem e, consequentemente, do pensamento reflexivo. Assim, camadas sucessivas vão se empilhando umas sobre as outras : o mundo mineral, o mundo animal e o mundo da consciência. Esse camada da consciência, Chardin chama de Noosfera.


A Noosfera é assim uma rede invisível
da consciência humana que virtualmente
engloba todo o planeta terra. 
Noosfera vem de noogênese, 
ou mais precisamente, 
o desenvolvimento ou evolução do espírito. 

Como explica Chardin, "s’étale depuis lors par dessus le monde de plantes et des animaux; hors et au dessus de la biosphère, une Noosphère" (30). A Noosfera é uma camada invisível pela qual circula a consciência humana. Ela é uma nova membrana onde "c’est um Age nouveau qui commence. La Terre fait ‘peau neuve’. Mieux encore, elle trouve son âme" (31).

Com as redes eletrônicas como Internet, o ciberespaço, enquanto Noosfera está diante de nós. O ciberespaço é uma Noosfera na medida em que ele é uma camada abstrata e invisível, pela qual circulam dados, imagens, espectros e fantasmas digitais (32). Esse cyberespaco-Noosfera está em via de expansão planetária como um tipo de consciência coletiva. Isso nos leva à hipótese levantada por Pierre Lévy, segundo a qual o ciberespaço é o receptáculo de uma "inteligência coletiva" (33).

Pierre Lévy mostra como as novas tecnologias 
do ciberespaço podem verdadeiramente ajudar 
a criar uma circulação do saber, circulação essa 
que forma o que ele chama de "Inteligência Coletiva".
Partindo de uma análise antropológica do espaço, Lévy vai mostrar que, depois da terra (espaço do mito e do rito, marcado por uma ligação completa do homem ao cosmos), do território (fruto da revolução neolítica onde surge a agricultura, as primeiras cidades, a escrita e o Estado), do mercado (espaço do trabalho e da velocidade, instaurado no século XVI com as conquistas marítimas e a globalização dos mercados com os fluxos de matéria prima, de mão de obra e de capital), o ciberespaço seria o formador de um quarto espaço, um espaço do saber. Esses espaços antropológicos não são excludentes, podendo interagir como camadas (de novo a idéia de Noosfera) comunicantes.

O espaço do saber é criado a partir da expansão dos mídias de comunicação e dos meios de transportes modernos (paradoxalmente existe um relação direta entre a locomoção e os mídias) e, principalmente com o nascimento de uma nova economia baseada na aceleração de trocas, na abolição de limites geográficos e com o surgimento do tempo real. De acordo com Lévy, esse quarto espaço antropológico pode instaurar uma verdadeira inteligência coletiva, "uma inteligência distribuída em todas as direções, valorizada sem cessar, coordenada em tempo real, e que chega à uma valorização e mobilização efetiva de competências"(34). Dessa forma o ciberespaço pode se tornar um meio de discussões pluralista, reforçando competência e laços comunitários específicos.

Um cybionte de estrutura rizomática

O ciberespaço é hoje uma realidade em forma ainda embrionária, conhecido como a estrutura de informação (rede de computadores, satélites, sistemas de telefonia, etc.). A dinâmica atual do desenvolvimento das redes de computadores e seu crescimento exponencial caracterizam o ciberespaço como um organismo complexo, interativo e auto-organizante.

De acordo com Joël de Rosnay (35), o ciberespaço é hoje uma entidade quase biológica, um organismo no sentido orgânico do termo. De Rosnay chama esse organismo de "Cybionte", uma forma emergente da simbiose entre a cibernética e o biológico. Para De Rosnay, o Cybionte é um cérebro planetário (como a Noosfera e a Inteligência Coletiva) formado pelo conjunto de cérebros humanos, de redes conectadas, de computadores e de modens: "um organisme planétaire unique (...), la forme la plus avancée d’un cerveau planétaire em cours de constitution" (36). 
O Cybionte faz parte assim da tendência pós-orgânica da civilização contemporânea, a saber, a fusão entre os homens e as máquinas (o cyberpunk R. U. Sirius, editor da revista californiana "Mondo 2000", afirma que nós somos já, de certa forma, "cyborgs": lentes de contato, marcapassos, drogas sintéticas, engenharia genética...).

Esse organismo planetário que é o Cybionte vai ganhar a forma daquilo que Guattari e Deleuze (37) chamaram de estrutura rizomática. Uma estrutura rizomática é um sistema de multiplicidade, um sistema de formas as mais diversas, como um verdadeiro rizoma, com extensão ramificada em todos os sentidos. De acordo com Deleuze e Guattari, um rizoma pode ser conectado com qualquer outro rizoma e "deve ser". 
Como multiplicidade, um rizoma não tem nem sujeito nem objeto e ele cresce de acordo com a dinâmica das conexões. Os rizomas se ramificam e se reticulam permitindo estratificações e territórios, da mesma forma que cria linhas de fuga e de desterritorialização. Existe assim um processo de desterritorialização e reterritorialização à partir de múltiplos "devenirs".

Avessos à centralização, os rizomas não tem um eixo genético como estrutura profunda, como é o caso das estruturas em arborescência. Eles não nos dão a imagem triste de uma hierarquia superior e determinante de um sistema centralizado. O modelo da árvore dominou, segundo os filósofos franceses, todo o pensamento ocidental. Mas a partir das crises da modernidade, esse modelo árvore cede lugar aos rizomas. Assim, dentro do processo civilizatório contemporâneo podemos ver estruturas rizomáticas nos beatniks, no underground, nas tribos de "hackers" e "cyberpunks", nos "tecno-anarquistas" e nos "tecnopagãos" que pulsam lateralmente, sem controle e sem eixo gerador, e que se espalham horizontalmente como os canais de Amsterdã.

É óbvia a semelhança 
entre as estruturas rizomáticas 
e o ciberespaço. 
Ambos são descentralizados, conectando pontos ordinários, criando territorialização e desterritorialização sucessivas. O ciberespaço não tem um controle centralizado, multiplicando-se de forma anárquica e extensa, desordenadamente, a partir de conexões múltiplas e diferenciadas.
O ciberespaço permite agregações ordinárias, de pontos a pontos, onde entram em jogo toda a dialógica (Morin)(38) entre o particular e o geral e a formação de comunidades virtuais (ou "quelconques", como quer o filosofo italiano Agamben)(39). As conexões do ciberespaço, assim como aquelas dos rizomas, modificam as suas estruturas, caracterizando-se como sistemas complexos e auto-organizantes (os exemplos do Minitel francês e de Internet ilustram bem esse ponto). Como explica Deleuze e Guattari, a árvore impõe o "ser", o rizoma o "e, e, e,...". Aí está toda a força social do ciberespaço.

Conclusão

Nós tentamos nesse artigo desenvolver rapidamente as similaridades entre o pensamento mágico (hermetismo, gnose, hierofania, tempo cíclico) e a estrutura da Noosfera, do Cybionte, da inteligência coletiva e do rizoma, para trazer à luz algumas particularidades do ciberespaço. Nenhuma delas no entanto, tem a supremacia sobre as outras pois, como entidade escorregadia, o ciberespaço não nos revela tão facilmente seus segredos. Ele é um pouco de tudo isso, sem ser totalmente o conjunto de todas essas particularidades.

Exageramos em alguns pontos para tentar fazer, mais do que um retrato fiel, uma caricatura do ciberespaço. Identificar (pois as caricaturas identificam mais do que diferenciam) essas particularidades pode nos ajudar à compreender melhor esse lugar poroso e rizomático por onde vai passar toda a cultura do próximo século.

1. Gibson, W., "Neuromancien",
Paris, La Découverte, 1985., p.64
André L.M. Lemos 
é doutor em sociologia pela Sorbonne,
professor e pesquisador do Programa de Pòs-Graduação
em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Faculdade 
de Comunicação (FACOM), UFBA/CNPq.
E-mail: lemos@svn.com.br


Fonte:
INSTITUTO DO FUTURO
Por Andre Lemos . Twitter: http://twitter.com/#!/andrelemos
http://www.institutodofuturo.com.br/CIBER.html
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
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