sexta-feira, 6 de novembro de 2015

MANOBRAS GUERREIRAS DA CIA - EUA - OTAN




EUA Terroristas Econômicos
UE - FMI - BM - NATO/OTAN
Assassinos Econômicos - 50 min.

A OTAN, a Rússia e o inferno Sírio: a impotência do imperialismo


13/10/2015 - 11:15
Alan Woods
É um conto contado por um idiota, cheio de sons e fúria, mas que nada significam”(Shakespeare. Macbeth, Ato 5)
Quando o exército estadunidense invadiu o Iraque não havia nenhuma Al Qaeda presente naquele país. Agora, toda a região se encontra nas garras da loucura jihadista. Este é o resultado direto da ingerência do imperialismo estadunidense. Os políticos em Washington não entenderam ou previram nada. Ironicamente, ao destruírem a velha máquina estatal de Saddam Hussein e o exército iraquiano, alteraram o equilíbrio de poder na região e criaram um vazio que foi ocupado, por um lado, pelo Estado Islâmico (EI) e, por outro, por seu velho inimigo, o Irã.
Os EUA enfrentam a ameaça crescente da violência jihadista que está se espalhando como uma praga incontrolável por todo o Oriente Médio e Norte da África, atravessando o deserto do Saara para explodir na Nigéria, arrastando os países vizinhos de Níger, Chade e Camarões. Como a maior potência militar do mundo pode responder a esta ameaça? Ao bombardear de grandes alturas, os EUA e seus aliados atacaram posições do EI e, sem dúvida, causaram aos jihadistas alguns consideráveis inconvenientes. Mas não é nenhum segredo que somente bombardear não ganha guerras, e menos ainda guerras como as do Iraque e Síria. Os estadunidenses precisam de botas no terreno. A restrição é que as botas em questão não devem ser botas estadunidenses. Depois do fracasso no Iraque e no Afeganistão, o público estadunidense ficou muito cansado de aventuras militares no exterior e não se sentiria muito feliz ao ver soldados estadunidenses envolvidos em mais uma guerra.
Qual é o problema a ser resolvido? Alguns otimistas incuráveis colocaram suas esperanças no exército iraquiano. Mas esta foi a mais vã de todas as esperanças vãs. Quando destruíram o exército iraquiano, os estadunidenses removeram a única força militar na região capaz de agir como contrapeso ao poder do Irã. Agora, os restos patéticos dessa força destroçada estão cheios de divisões sectárias, desmoralização e inaptidão para combater o EI ou qualquer outra coisa. Sua total incapacidade para a luta ficou evidente no último Verão, quando o exército iraquiano fugiu como coelhos assustados deixando Mosul à mercê das hordas jihadistas do EI. Assim que, agora, entre suspiros de resignação, as damas e cavalheiros em Washington estão sendo obrigados a se voltar para a única opção viável, que é chegar a um acordo com o Irã.
De forma tardia, os estadunidenses despertaram para a situação desastrosa das coisas que eles mesmos criaram e que agora os ameaçam. Obama foi incapaz de intervir militarmente no Iraque ou na Síria devido à crescente oposição do povo estadunidense que se cansou de aventuras externas. O mesmo é verdadeiro na Grã-Bretanha, onde David Cameron não conseguiu assegurar uma maioria parlamentar para bombardear a Síria (isto é, bombardear o regime de Assad). A diplomacia estadunidense em geral mostra sua finesse como um elefante o faz numa loja de porcelana. Em nenhum outro lugar estas contorções diplomáticas ficaram mais cruamente expostas do que no Oriente Médio quando os estadunidenses ali desembarcaram. Os imperialistas estadunidenses e seus “aliados” (isto é, seus obedientes títeres) na OTAN se encontram agora em situação impossível. Estão tentando percorrer dois caminhos ao mesmo tempo, e no processo, a cada passo que dão, se enredam em novas e insolúveis contradições.
A Rússia intervém
Em cada passo dado, os russos manobraram melhor que os estadunidenses. Na Ucrânia, impediram os estadunidenses de ganhar o controle e, de fato, impuseram sua vontade pela força. As sanções ocidentais não tiveram o efeito desejado de prejudicar Putin. Pelo contrário, aumentaram (pelo menos, até agora) sua popularidade a níveis inauditos. Confiante em sua força, o presidente russo decidiu desafiar os estadunidenses no cenário mundial, escolhendo a Síria como seu principal campo de operações.
Antes disso ele decidiu aparecer na ONU. Não faz tempo, Obama e Kerry estavam vomitando fogo e enxofre contra o homem do Kremlin. Somente há doze meses, na sequência do affaire ucraniano, o líder russo era considerado um pária, a ser evitado por todos. Então, subitamente, Putin se transforma na ONU e se torna o centro das atenções. Até apareceu em público junto com o presidente estadunidense e há um aperto de mãos bem registrado – embora não muito cordial, seguramente.  
Aparentemente, Putin estava tentando experimentar o terreno e sentir as intenções do presidente estadunidense antes de agir. Para ele, o principal objetivo era, e é, manter Assad no poder como um aliado russo confiável e deter o avanço dos rebeldes islâmicos que estavam cada vez mais próximos das principais áreas de apoio de Assad no Oeste – e das bases russas ali localizadas. Pelo menos pode-se dizer que as intenções de Putin eram claras e inequívocas. Isto lhe dá uma aparência de força.
Obama, pelo contrário, é um homem com um Congresso fortemente dividido, com uma raivosa oposição Republicana e um público cansado de guerras e aventuras externas. Tem que manter um acordo com o Irã sobre armas nucleares que é detestado pela Arábia Saudita e Israel e também por seus amigos Republicanos no Congresso. Em suma, tem que enfrentar a todos ao mesmo tempo. Isto lhe dá uma aparência de debilidade. O líder russo retornou a Moscou convencido de que, com relação à Síria, os estadunidenses fariam exatamente o mesmo que fizeram com relação à Ucrânia – isto é, nada que tivesse alguma consequência.
Os russos imediatamente redobraram seus embarques de armas para Damasco, vertendo armas e equipamentos. Então, uma semana depois, lançaram uma série de ataques aéreos devastadores contra o EI e outros alvos. Diferentemente dos bombardeios estadunidenses, que foram mais ou menos ineficazes, a força aérea russa atacou o inimigo com eficácia mortal e impiedosa. Em escala mundial, o efeito disto equivaleu a um terremoto político.
O mito da oposição “moderada”
Mais uma vez, as agências de inteligência estadunidenses falharam em detectar a escala e os objetivos da intervenção russa na Síria. Evidentemente, a CIA estava demasiado ocupada apoiando assassinos jihadistas em seus esforços para derrotar o exército de Assad, para prestar alguma atenção ao que estava acontecendo em Moscou. O Congresso começou uma investigação sobre este fracasso humilhante. Washington protestou porque os russos estão bombardeando não somente alvos do EI como também as forças “moderadas da oposição”, apoiadas pelo Ocidente, que estão atacando o exército sírio no Oeste do país.
Aparentemente, a maioria dos recentes combates está se concentrando em Hama, uma província central com uma maioria sunita fundamental que permaneceu nas mãos do regime desde que a guerra começou. Ela é a chave da estratégia de Assad que consiste em consolidar o controle sobre os maiores centros populacionais dentro de uma franja de território que parte de Latakia, no Norte, através de Homs, Hama e Damasco. Os rebeldes islâmicos recentemente tentaram tomar o controle da estratégica planície de al-Ghab, na zona rural de Hama, aproximando-se das fortalezas costeiras de Assad. A estratégia russa parece estar inicialmente dirigida a proteger este território de futuras incursões. Jaysh al-Fateh, uma coalizão de facções islâmicas rebeldes, conquistou a maior parte de Idlib durante sua ofensiva na Primavera, forçando o regime a abandonar a província. Os ataques aéreos russos atingiram repetidamente a província durante a semana passada.
No entanto, os protestos dos estadunidenses destilam hipocrisia. Sabe-se que a Turquia, a Arábia Saudita e Qatar estiveram armando e financiando os islâmicos no Oeste do país, em vez de lutar contra o EI no Leste. Washington nunca protestou contra isto, pela simples razão de que a CIA estava mergulhada até o pescoço nestas mesmas atividades. Assim, de acordo com esta lógica, está bem que os estadunidenses, turcos, sauditas e qataris intervenham militarmente no Oeste da Síria, mas não está bem que os russos e iranianos intervenham para restabelecer o equilíbrio militar.
Os pequenos grupos de rebeldes anti-Assad treinados pelos EUA são muito poucos para fazer a menor diferença. O fato é que todos os grupos que lutam contra Assad são formados por islâmicos fanáticos e reacionários de um tipo ou outro. Os supostos “moderados” estão agindo como cabeça-de-ponte para canalizar para Al Qaeda as armas enviadas pelos estadunidenses. Os estadunidenses anunciaram que iam formar uma força de combate composta por 5 mil “moderados”, mas agora admitem que há somente cinco (onde estes Famosos Cincos estão e o que estão fazendo permanece um mistério total). No final, os estadunidenses se deram conta de que este era um investimento muito ruim e agora cancelaram esta operação bastante custosa e absurda.
O fato é que não há na Síria tal coisa de oposição islâmica “moderada”. É uma mentira descarada concebida para enganar a opinião pública ocidental e fazê-la apoiar a campanha por uma troca de regime na Síria – que até recentemente era o principal objetivo do imperialismo EUA. Uma fonte da família real saudita, envolvida em questões de defesa e segurança, confirmou que o chamado “Exército de Conquista” (Jaysh al-Fateh), a nova coalizão militar que tomou a governadoria de Idlib e grandes partes do Norte da Síria, é totalmente apoiada e armada pelos regimes saudita e qatari. Jabhat Al-Nusra e Ahrar Al-Sham – dois grupos jihadistas extremistas – representam 90% das tropas desta coalizão. Os sauditas e qataris concordaram em financiar 40% de suas necessidades, enquanto a própria coalizão se encarrega do restante, principalmente através da apreensão de material de guerra.
Quem são essas pessoas? Jabhat Al-Nusra é conhecido por ser filiado a Al Qaeda, enquanto Ahrar Al-Sham também é fortemente influenciado, senão totalmente controlado, por Al Qaeda. Um membro fundador e funcionário de alta patente de Ahrar Al-Sham, Mohamed Bahaiah, revelou em postagens na mídia social associada à organização que ele é um alto agente de Al Qaeda. Tanto Jabhat Al-Nusra quanto Ahrar Al-Sham prometeram cortar seus laços com Al Qaeda, mas, na verdade, não o fizeram. Ambos os grupos também dizem que cortaram seus vínculos com o EI, embora Ahrar Al-Sham tenha lutado ao seu lado no passado.
Ideologicamente, contudo, estes grupos representam as mesmas ideias deformadas e reacionárias do EI. As supostas “forças moderadas anti-Assad” são, na realidade, jihadistas extremistas, cujas diferenças com o EI são meramente táticas e de grau, não de fundo. Eles se interessam apenas em impor a lei da Sharia, em oprimir as mulheres, em decepar mãos, pernas e cabeças e em reduzir a Síria ao estado da barbárie.
A OTAN "reage"
A campanha aérea russa está claramente coordenada com o avanço do exército sírio no noroeste da Síria contra os acima mencionados rebeldes islâmicos. O chefe do estado-maior do exército do regime sírio, Gal. Ali Abdullah Ayoub, anunciou “uma vasta ofensiva para derrotar os grupos terroristas” e recuperar o controle sobre as áreas ocupadas pela oposição. As tropas sírias, com seu moral levantado pela intervenção russa, lançaram uma ofensiva terrestre respaldada pelos ataques aéreos russos e com o apoio iraniano.
Os estadunidenses agora estão se queixando furiosamente de que os russos não lhes dão informação suficiente sobre seus alvos na Síria, que é impossível para eles coordenar os bombardeios, que existem riscos de acidentes etc., etc. Mas os russos não prestam a menor atenção às queixas dos EUA e continuam explodindo os seus alvos implacavelmente. O espetáculo de mísseis de longa distância, lançados pelos navios de guerra russos desde o Mar Cáspio, atingindo alvos dentro da Síria foi uma impressionante amostra do poderio militar da Rússia.
Do ponto de vista estritamente militar, não era necessário recorrer a estes métodos, uma vez que a Rússia tem instalações suficientes dentro da própria Síria para lançar mísseis contra o inimigo. Foi uma evidente tentativa (e muito exitosa) para mostrar ao mundo (e particularmente a países como a Turquia) do que os russos são capazes de fazer. Da mesma forma, as incursões de aviões de guerra russos dentro do espaço aéreo da Turquia foram realizadas para intimidar. Ninguém acredita nos protestos de inocência do Ministério da Defesa em Moscou de que tudo isto foi apenas um pequeno mal-entendido (um “erro”). O que não surpreende, visto que Moscou nunca esperou que eles acreditassem.
A Turquia, é bom lembrar, é membro da OTAN (embora esteja muito longe do Atlântico Norte ou de qualquer outra parte do Atlântico). Assim, Erdogan foi imediatamente bater à porta de seus amigos e aliados para protestar contra esta grossa violação da soberania turca. O fato de que a camarilha dominante turca, junto aos seus colegas bandidos sauditas e qataris, violentarem a soberania síria durante anos nunca é mencionado, a fim de não causar abalos no delicado sistema nervoso dos bandidos acima mencionados.
Em uma reunião de ministros da defesa da OTAN, em Bruxelas, os ministros acordaram “aumentar a força de resposta da OTAN prevista para se dirigir rapidamente a focos de tensão”. Fiel aos seus princípios básicos de solidariedade, a OTAN reagiu imediatamente de forma claramente destinada a causar a maior comoção e pavor em Moscou. Fizeram um comunicado. Não! Fizeram vários comunicados.
O secretário da defesa dos EUA, Ashton Carter, disse que os mísseis russos tinham sido disparados sem aviso prévio aos outros estados da região e chegaram algumas milhas perto de atingir um avião não tripulado dos EUA sobre o espaço aéreo sírio. “Vimos um comportamento crescentemente não profissional das forças russas. Violaram o espaço aéreo turco... Lançaram mísseis-cruzeiro desde o Mar Cáspio sem aviso prévio”, gemeu pateticamente o secretário de defesa. Apesar de sua alegada “falta de profissionalismo”, os militares russos já produziram mais danos às forças jihadistas em alguns dias do que os estadunidenses o fizeram em doze meses. E se Carter está tão preocupado com o risco de colisões aéreas, por que continua a se recusar a coordenar sua própria campanha aérea contra o EI com os russos? Em resposta aos gritos de protesto de Washington e Bruxelas, os russos bem que poderiam cantar a canção de ninar inglesa:
“Paus e pedras podem quebrar os meus ossos
Mas as palavras nunca vão me machucar”    
O que a OTAN vai fazer, além de emitir declarações redigidas com firmeza? Que uso se fará da famosa “força de resposta prevista para se dirigir rapidamente a focos de tensão”? Será lançada de paraquedas em Moscou? Talvez raptar Putin, ou fazer com ele o que fizeram com Osama Bin Laden? No mínimo, poderíamos esperar que fosse enviada à Turquia como uma clara expressão de apoio a um estado-membro assediado? Hoje, The Guardian respondeu a esta intrigante questão dessa forma:
“Não havia nenhum plano de se implantar a força na Turquia, embora o secretário geral da OTAN, Jens Stoltenberg, sugerisse sua existência apenas para desencorajar as incursões russas ou sírias sobre território turco. ‘Não temos que implantar a força de resposta da OTAN ou a ponta de lança da força para mostrar dissuasão’, disse Stoltenberg. ‘O mais importante é que qualquer adversário da OTAN saberá que estamos aptos a fazer isto’”.
Assim são eles! Como diz o poeta:
“A montanha entrou em trabalhos de parto:
 o que pariu? Um ridículo rato! ”
De fato, os protestos dos aliados da OTAN se parecem mais a guinchos ridículos de ratos. O ministro da defesa alemão, Ursula von der Leyen, disse que a Rússia deve reconhecer que, se alvejar grupos da oposição na Síria que estão lutando contra o EI, “a Rússia fortalecerá o EI e isto não pode ser do interesse da Rússia nem do nosso”. Mas estes amigáveis conselhos caíram no lado do ouvido surdo do Kremlin, que não necessita da Senhora von der Leyen para lhes informar onde mora o seu interesse.
Os ratos de Westminster adicionaram seus guinchos a esse coro de camundongos. O secretário da defesa britânico, Michael Fallon, advertiu solenemente que a intervenção da Rússia estava tornando “a já grave situação da Síria em uma situação ainda mais perigosa”. Fallon não disse para quem ela seria mais perigosa, em vez disso anunciou que o Reino Unido, unilateralmente a todos os estados-membro da OTAN, adotaria ações militares decisivas para dissuadir a Rússia de suas intenções diabólicas. Ele iria enviar mais de uma centena de soldados britânicos – não à Síria, e também não à Turquia, mas – aos estados Bálticos. De que forma a presença de uma centena ou mais de soldados britânicos (que, aliás, não se destinam a lutar, mas somente para treinar uns e outros) pode “deter a pressão russa” seja na Síria ou no Báltico é um mistério cuja solução somente pode ser encontrada no cérebro oco do Senhor Fallon. Em poucas palavras, se a situação não fosse tão séria, poderia proporcionar excelente material para um programa humorístico na televisão.
Os “aliados regionais”
Na realidade, as únicas forças que podem empurrar o EI para trás são o poderio aéreo russo junto com os combatentes de Hezbollah, o exército iraniano e a Guarda Revolucionária, no terreno. Isto explica por que os estadunidenses foram forçados a abandonar sua atitude beligerante com Teerã e chegar a um compromisso débil com o Irã sobre seu programa nuclear, em troca da redução das sanções. Isto foi sem dúvida uma humilhação para Washington e um grande triunfo diplomático para Teerã. O Irã tem agora controle eficaz no Iraque e uma maior influência na Síria, bem como na maioria do Líbano, a base do poderosos e pró-iraniano Hezbollah.
Aqueles que não perderam completamente a memória devem ter se beliscado a si mesmos para comprovarem que não estão sonhando. Os EUA na cama com o Irã? Mas não é este o mesmo Irã que há muito era demonizado na imprensa estadunidense como parte do “Eixo do Mal”? E não estavam os EUA, ainda há pouco, considerando bombardear o próprio Irã para curá-lo de sua irritante ansiedade por armas nucleares?
A razão desta notável transformação não é difícil de se ver. As botas no terreno, tão fervorosamente desejadas por Washington, têm estampadas em suas solas a marca “Made in Iran”. Todo mundo sabe que o peso dos combates no Iraque está a cargo das milícias xiitas patrocinadas pelos iranianos e pela Guarda Revolucionária. O governo em Bagdá é fortemente dependente do Irã. O medo na Arábia Saudita e em outros países da região é que o Iraque esteja se transformando em nada mais que uma satrapia iraniana. Este resultado não é totalmente o que desejaria Washington, mas é a consequência lógica de todas as ações estadunidenses.
Esta reviravolta levou a novas complicações para a política externa dos EUA. Enraiveceu os sauditas que veem o Irã como o principal inimigo. O Irã está apoiando as milícias xiitas Houthis que irromperam através do Iêmen e tomaram o controle de Áden, expulsando as marionetes sauditas. Em resposta a esta ação, a Arábia Saudita ordenou a sua força aérea bombardear os rebeldes e formou uma coalizão contrarrevolucionária que tem a intenção de afogar em sangue a insurreição iemenita. Eles bombardearam brutalmente o país, pulverizando sua infraestrutura, destruindo escolas e hospitais e matando um grande número de civis. Por certo, a “imprensa livre” do Ocidente, que denuncia constantemente Assad pela brutalidade de seus bombardeios, fecha sua boca com firmeza sobre as atrocidades cometidas por “nossos amigos sauditas” no Iêmen e em outros lugares.
A camarilha dominante saudita, o centro da contrarrevolução em toda a região, está provocando deliberadamente sectarismo religioso, e armando e financiando as forças de Al Qaeda para que realizem seu trabalho sangrento. Mas, apesar dos bombardeios criminosos, os Houthis não foram destruídos e existe um ódio generalizado em relação aos sauditas e seus aliados entre as massas da população.
O fato de os sauditas pedirem ao Paquistão para se juntarem a sua campanha militar contra os rebeldes Houthis (os paquistaneses sabiamente recusaram a oferta) indica que a perspectiva de uma ofensiva terrestre no Iêmen terminaria em desastre. Isto coloca um sério problema para Washington, que apoiou constantemente a reacionária monarquia saudita, absorvendo servilmente todas as suas ações criminosas e lambendo o traseiro das repugnantes criaturas que ocupam o poleiro em Riad, como vimos no funeral do falecido e não-lamentado Rei Abdullah.
Os governantes da Arábia Saudita ficaram furiosos com o acordo com o Irã e estão ainda mais enfurecidos com a inação da OTAN e dos estadunidenses diante da intervenção russa na Síria. Dizem, através dos diplomatas, haver “perdido a esperança” com os EUA. Os ministros do Qatar e da Turquia, os sócios dos sauditas na luta contra Assad, estão mantendo conversações sobre seus próximos movimentos. A ira de Riad se refletiu em uma declaração feita por 55 líderes religiosos, incluindo proeminentes islâmicos, instando aos “verdadeiros muçulmanos” a “dar todo o apoio moral, material, político e militar” à luta contra o exército de Assad, bem como contra as forças iranianas e russas.
Então, o Rei Salman, sua camarilha e seus aliados do Golfo estão se preparando para deter o movimento russo. De que forma farão isto? Tomará talvez a forma de envio de armas e dinheiro aos rebeldes sírios? Mas a Arábia Saudita, o Qatar e a Turquia estiveram enviando armas e dinheiro aos bandidos jihadistas durante anos. O problema agora é que haverá um número menor de jihadistas sobreviventes para usar as armas, visto que estão sendo enviados diretamente ao paraíso pelas bombas e mísseis russos.
O apodrecido regime saudita está brincando com fogo. Há uma crescente efervescência entre a oprimida população xiita da Arábia Saudita e entre os pobres e descontentes em Bahrain, efervescência esta suprimida pelas baionetas sauditas, e que pode levar a novos levantamentos. Foram estes os principais fatores que determinaram a reação saudita aos acontecimentos no Iêmen. Mas, ao intervirem militarmente no Iêmen, a Arábia Saudita se arrisca a desestabilizar seu próprio regime ou mesmo a provocar uma revolta.
Nesta situação, grávida de contradições, os imperialistas EUA estão tentando percorrer dois caminhos ao mesmo tempo, e, no processo, se encontrarão envolvidos em novas e até mesmo piores contradições. Estas contorções diplomáticas são uma clara indicação da confusão que os americanos proporcionaram ao desembarcarem no Oriente Médio. Os EUA dizem que estão agilizando o fornecimento de armas à Arábia Saudita, mas ao mesmo tempo a administração Obama está sinalizando desesperadamente a Teerã que não deseja confrontos com o Irã sobre a questão do Iêmen. Este é o tipo de torpeza diplomática para a qual os EUA revelam ter capacidade única.
Turquia
Junto com a Arábia Saudita e Israel, a Turquia representa a principal força contrarrevolucionária da região. No entanto, o regime de Erdogan não é estável. O levantamento de massas que se espalhou através da Turquia há dois anos serviu de aviso ao regime de que seus dias estão contados. Desde então, Erdogan esteve manobrando para permanecer no poder. Parte de seu jogo é atacar os Curdos em uma tentativa desesperada para despertar o nacionalismo. A outra parte consiste em lançar aventuras externas, especialmente na Síria. Nenhuma dessas táticas se adapta aos interesses do imperialismo EUA.
O regime reacionário de Erdogan, na prática, está dando respaldo ao EI em seus esforços para derrubar Assad e posteriormente realizar o plano da Turquia de dominar a Síria. Eles abastecem os jihadistas com armas e dinheiro e fecham os olhos à presença de milhares de voluntários jihadistas de outros países que entram na Síria através da Turquia sem quaisquer problemas, enquanto as autoridades turcas deliberadamente proíbem que combatentes curdos cruzem a fronteira para ajudar os defensores de Kobane.
Os russos mandaram um pequeno aviso aos líderes turcos ao invadir o espaço aéreo da Turquia com seus caças. A Turquia é membro da OTAN e pediu ajuda aos seus aliados. A OTAN reclama, rosna, protesta e não faz nada. De fato, as relações entre os EUA e a Turquia estão cada vez mais tensas. O vice-presidente dos EUA, Joe Biden, respondendo a uma pergunta dos estudantes da Universidade de Harvard, admitiu que a Turquia, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos haviam “derramado centenas de milhões de dólares e dezenas de milhares de toneladas de armas a qualquer um que quisesse lutar contra Assad”. “O resultado”, disse ele, foi que “a gente que estava sendo abastecida era Al-Nusra e Al Qaeda e os elementos extremistas de jihadistas que chegavam de outras partes do mundo”.
Biden mais tarde se desculpou com a Turquia e os Emirados Árabes Unidos sobre “qualquer implicação” de que o suprimento de Al-Nusra ou Al Qaeda fosse intencional. Naturalmente, o apoio turco aos jihadistas sírios foi certamente intencional, e também foi intencional a denúncia pública de Biden sobre o fato. O que tudo isto revela é a existência de profundas divisões e linhas de fissura tanto dentro do governo e do estado estadunidense quanto entre os estados supostamente aliados. Na realidade, a Turquia vem perseguindo sua própria e agressiva agenda na região e vem apoiando ativamente os jihadistas na Síria, especialmente no Oeste do país. O mesmo é verdadeiro para a CIA, que, como de costume, não é avessa a jogar seu próprio jogo, independentemente de quem esteja sentado na Casa Branca.
A intervenção russa vem em um momento em que as baterias de mísseis antiaéreos Patriot da OTAN estão sendo retirados da Turquia. Este é um sinal da falta de confiança que os EUA sentem com relação a Erdogan. Pela mesma razão, sem dúvida, uma bateria foi levada de volta aos EUA para “modernização”; a Alemanha retirou sua bateria, parcialmente em protesto aos ataques aéreos turcos contra os grupos curdos na Síria, e não se espera que a Espanha mantenha seus mísseis na Turquia depois do final do ano.
“C’est pire qu’un crime, c’est une faute” (“É pior que um crime, é um erro”). As famosas palavras atribuídas a Louis-Antoine-Henri de Bourbon-Condé, duque d’Enghien, podem servir como epitáfio apropriado para a política externa do imperialismo EUA nas décadas recentes.
Nunca antes, desde a II Guerra Mundial, as relações internacionais estiveram tão carregadas de tensões. As tendências expansionistas do imperialismo EUA desde a queda da URSS criaram uma situação caótica em todos os lugares; nos Bálcãs, no Oriente Médio, na Ásia Central, no Norte da África, no Paquistão e ultimamente também na África. Agora, todas as galinhas estão no poleiro para dormir. A instabilidade nas relações internacionais é um reflexo do impasse do capitalismo em escala mundial.
Antes da II Guerra Mundial, Trotsky previu que os EUA emergiriam como potência imperialista dominante, mas ele acrescentou que haveria dinamite em seus alicerces. Hoje vemos que isto é literalmente verdadeiro. A insuportável situação existente em escala mundial produzirá explosões sucessivas: entramos em um novo período – um período de guerras, revoluções e contrarrevoluções. Somente uma mudança fundamental na ordem social pode proporcionar uma solução. Mais cedo ou mais tarde, de um país a outro, a classe trabalhadora terá êxito em tomar o poder em suas próprias mãos. Esta é a única esperança de futuro para a humanidade.
Londres, 9/10/2015.

EUA Invasão da Amazônia - 5 min.

A guerra que a TV não mostra - 96 min.
Ex Agente da Cia ...16 min.

Guerra cultural: ex-agente duplo diz que CIA usa cinema e mídia para ‘implodir’ governos



‘CIA tem controle real sobre meios de comunicação 
e indústria cultural nos EUA e no mundo. Isso existe de fato,
 não é teoria da conspiração’, diz Raúl Capote em entrevista

Entre 2004 e 2011, o escritor e professor cubano Raúl Antonio Capote Fernández atuou, a pedido da inteligência cubana, como agente duplo infiltrado na CIA. Raúl Capote foi contatado muito jovem por pessoas ligadas à agência de inteligência norte-americana e convidado a participar de um projeto que pretendia criar uma “oposição de novo tipo” em Cuba, capaz de, após o desaparecimento de Fidel Castro, iniciar uma “revolução suave” que acabasse por derrubar o governo de Havana. A sua missão era formar líderes universitários e criar o projeto “Genesis”, com o objetivo de estabelecer em Cuba a estratégia do “golpe suave”, elaborada por autores como Gene Sharp.
Guilherme Santos/Sul21

'O nascimento da Fundação Genesis como organização seria acompanhado por uma grande campanha midiática', diz Capote
Em entrevista ao Sul21, Raúl Capote conta essa experiência, relata como ela fracassou em Cuba e diz que ela já foi aplicada em países como Venezuela, Irã e Líbia e que segue sendo implementada em diversas regiões do mundo. “A ideia da guerra não violenta consiste em ir solapando os pilares de um governo até que ele imploda. O objetivo não é fazer com que um governo renuncie. Se isso acontecer, o projeto fracassou. A ideia é que o governo imploda e que isso cause caos. Com o país em caos, é possível recorrer a meios mais extremos”, assinala.
Raúl Capote veio a Porto Alegre a convite da Associação Cultural José Martí/RS para participar de uma série de encontros e debates. Ele mantém o blog El Adversário Cubano, onde conta outros detalhes sobre essa história e sobre outras “guerras não violentas” em curso no planeta.
Sul21: Como é que você começou a trabalhar com assuntos de segurança em Cuba e sob que circunstâncias se tornou um agente duplo, atuando infiltrado na CIA?
Raúl Capote:
Isso começou em 1986. Eu era um jovem inquieto e rebelde que fazia parte de uma organização chamada Associação Hermanos Saiz, que agrupava jovens poetas, pintores e escritores. Esse espírito rebelde para nós era algo muito natural. Fomos ensinados a ser assim. Creio que os serviços especiais norte-americanos confundiram esse espírito de rebeldia com um espírito de possível oposição ao sistema. Eles começaram a se aproximar de nós. Eu vivia em Cienfuegos, no centro-sul de Cuba, uma cidade que tinha uma importância estratégica nesta época porque a revolução queria convertê-la num centro industrial para o país. Havia muitas obras em construção, entre elas uma central Eletronuclear e fábricas de todo tipo. Era uma cidade muito jovem e onde trabalhavam muitos cubanos que tinham se formado na União Soviética e em outros países do campo socialista. Creio que essa conjuntura de ser uma cidade jovem e industrial, com muitos jovens interessados em temas da cultura, da política e da economia, chamou a atenção da CIA.
Eles começaram a se aproximar de nós por meio de organizações não-governamentais. A primeira pessoa que veio falar conosco foi Denis Reichler, um jornalista freelancer da revista Paris Match, que para nós era uma espécie de ídolo do jornalismo esportivo. O que admirávamos nele era sua atuação como jornalista que havia estado na África e em muitos outros lugares. Era uma referência positiva para se aproximar de um grupo de jovens tão rebelde. Ele nos colocou em contato com organizações não-governamentais que, supostamente, estavam interessadas em financiar projetos artísticos em Cuba. Nos colocou em contato com pessoas que começaram a planejar ajuda econômica e a trabalhar conosco, em um processo de aproximação que buscava ganhar a nossa confiança. Éramos jovens e estávamos começando a fazer literatura ou artes plásticas. Ainda não tínhamos nenhuma obra, só tentativas.
Era um processo de aproximação feito com muita cautela e sem pressa. Neste período, a Segurança de Estado cubana entrou em contato comigo, me explicou o que estava acontecendo, que aquelas pessoas não pertenciam, de fato, a organizações não governamentais e quais eram as suas reais intenções. Isso me dava três possibilidades. A primeira era seguir trabalhando com eles. A segunda era interromper o trabalho e o contato com eles. E a terceira possibilidade, que me foi proposta pela segurança cubana, era seguir trabalhando com eles, converter-me em um agente da segurança cubana e tratar de decifrar quais eram os planos dessas pessoas no mundo da cultura e das artes, especialmente junto à juventude.
Guilherme Santos/Sul21

'Em 2007, me entregaram um equipamento de comunicação que se conectava por satélite com o Departamento de Defesa e que não podia ser rastreado'
Sul21: Esse contato com a agência de segurança cubana e o trabalho que se seguiu daí aconteceram ainda em 1986?
Raúl Capote:
Sim, em 1986. Para mim era algo extraordinário. Nos anos 1980, existia na sociedade cubana toda uma mística sobre o trabalho da segurança cubana, que sempre foi muito popular. Havia uma história legendária sobre ela, que tinha frustrado planos da CIA contra Cuba. Pertencer a essa organização me pareceu algo maravilhoso. Não avaliava, então, o quão complicado seria o trabalho que eu teria que enfrenta,r nem a quantidade de renúncias que eu teria que fazer. Eu tinha 20 anos quando comecei esse trabalho. Foi um longo processo. Houve um momento em que ocorreu uma interrupção desse movimento de aproximação feito pelos inimigos de Cuba. Em 1987, houve uma grande denúncia pública. Mais de 30 agentes da segurança cubana expuseram o trabalho de quase 96 oficiais da CIA que estavam atuando dentro do país.
Isso fez com que a CIA se tornasse mais cautelosa e tomasse algumas precauções. Passaram-se então alguns anos de contato muito leve por meio de algum jornalista ou de um representante de uma ONG. Em 1994 eu fui morar em Havana e passei a trabalhar como organizador do sindicato de trabalhadores da cultura na cidade. Era uma mudança radical em muitos sentidos. Até então eu trabalhava com um universo de 3 ou 4 mil jovens e passei a dirigir 40 mil trabalhadores da cultura. Isso me tornou um alvo ainda mais interessante para a CIA. Eu era líder de um sindicato onde estavam praticamente todos os trabalhadores da cultura – artistas, músicos, escritores. Era um sindicato muito forte. Aí os contatos voltaram.
Eles passaram a me visitar com um plano mais complicado. Começaram a falar em dar informações sobre como se movia esse mundo da cultura, sobre como os jovens viam a Revolução naquele momento, etc. Esse processo vai se incrementando com o passar dos anos até 2004. Neste período, entramos em contato com associações e fundações mais vinculadas com o governo dos Estados Unidos como a Usaid e a Fundação Panamericana para o Desenvolvimento. Em 2004 começou então o processo do meu recrutamento pela CIA. Neste ano, conheci muitos oficiais da agência, inclusive aquele que seria meu chefe mais tarde.
Sul21: Conheceu esses oficiais da CIA em Cuba mesmo?
Raúl Capote:
Sim, em Cuba. Em 2004, então, eles me recrutam e eu me converto em um agente da CIA com uma tarefa muito específica. Minha tarefa não era fazer espionagem, até porque eu não tinha acesso mesmo a informações muito importantes, ou praticar ações encobertas ou atos terroristas, como normalmente faziam em Cuba. O meu trabalho era promover a guerra cultural, a guerra no terreno das ideias, que eles definem muito bem ao chamar de guerra cultural. Nós usamos expressões complicadas para isso como subversão político-ideológica ou algo do gênero. Eles simplificam. É guerra cultural mesmo. O que eu não imaginava era chegar a conhecer o quanto de verdade havia no controle real que a CIA tem sobre os meios de comunicação e a indústria cultural nos Estados Unidos e no mundo inteiro. Descobri que isso existe de fato, não é teoria da conspiração como alguns acreditam.
A CIA utiliza o cinema, as rádios, as televisões os jornais e outros canais a partir de um plano prévio. A agência criou um departamento que se especializou neste tipo de guerra cultural. Eu entrei neste mundo e conheci muitas pessoas que trabalhavam nele. Em 2005, eu me converti em chefe de um projeto específico da CIA em Cuba, chamado de Projeto Gênesis.
Wikicommons

Programa dos EUA tinha como objetivo criar um novo partido em Cuba, falsamente de esquerda; na imagem, a sede do Partido Comunista Cubano, o único da ilha
Sul21: Você chegou a ir aos Estados Unidos para fazer algum tipo de treinamento especial ou para reuniões?
Raúl Capote:
Sim, tive contato direto com eles. O Gênesis era um projeto muito bem pensado e que me permitiu conhecer também como a CIA estava trabalhando na América Latina com a mesma ideia de guerra cultural. Esse projeto não foi uma novidade cubana, mas sim o resultado de um trabalho realizado pelos Estados Unidos em muitas regiões da América Latina. Ele começou a ser implementado no processo de transição democrática na América Latina, no Chile e em muitos outros lugares. Essa experiência partiu da constatação de que as universidades latino-americanas tinham sido nas últimas décadas um foco de insurreição e de formação de militantes de esquerda. Eles decidiram mudar isso e converter a universidade latino-americana em um centro de produção do pensamento da direita e não da esquerda. Eles pensavam que o fato de essas universidades terem atravessado um período de repressão muito grande, quando muitos professores e estudantes militantes de esquerda foram mortos, facilitava um pouco esse trabalho de conversão.
Assim, começaram a implementar em toda a América Latina um milionário plano de integração acadêmica. Muitos estudantes e professores foram fazer esse intercâmbio nos Estados Unidos, onde realizaram diversos cursos, entre eles o famoso curso de liderança. A ideia era criar uma nova classe dirigente dentro das universidades e, por consequência, nos seus respectivos países. A quantidade de líderes mundiais hoje que são fruto desses programas é impressionante. Esse processo foi aplicado na Venezuela, por exemplo, com uma ênfase muito forte, a partir de 2009.
Entre 2003 e 2004 se enviava, mensalmente, um grupo de dez estudantes com um professor para cursos de formação e liderança na antiga Iugoslávia, atual Sérvia, sob a coordenação do antigo grupo de resistência sérvio, onde estava Srdja Popovic e uma série de jovens que contavam a experiência da derrubada de [Slobodan] Milosevic.
Participavam desses cursos também o Instituto Albert Einstein, o Instituto de Luta pela Guerra Não Violenta, criado pelos sérvios, o multimilionário húngaro George Soros, que colocou muito dinheiro neste projeto, e o Instituto Republicano Internacional que recebia fundos do governo norte-americano e o aplicavam nestes cursos. Aí se formaram muitos dos líderes da chamada Primavera Árabe e muitos líderes da oposição síria. Criou-se toda uma estrutura para fomentar o uso da chamada luta não violenta e do golpe suave. Estudantes venezuelanos, acompanhados de alguns professores, começaram a fazer esses cursos de forma periódica. O objetivo era repetir esse processo em Cuba, para formar ativistas especializados no manejo da guerra não violenta.
EUA não acreditavam que mudança no governo fosse tranquila | Foto:Ladyrene Pérez/cubadebate
EUA não acreditavam que mudança no governo fosse tranquila | Foto:Ladyrene Pérez/cubadebate



















Eu recebi uma preparação intensa de como se organiza um golpe suave para derrubar um governo, quais são as medidas fundamentais para construir essa estratégia. É claro que, dentro de Cuba, seria muito mais difícil fazer essa formação. A alternativa encontrada foi usar o sistema de bolsas de estudo para promover o intercâmbio de estudantes. A ideia era propor, por exemplo, uma bolsa de estudos de seis meses ou mais em Jerusalém para um estudante de história ou ciências sociais. Ou então oferecer para uma jovem estudante de arte uma bolsa em Colônia, na Alemanha. Escolheu-se universidades muito pontuais, que não fossem norte-americanas e que pudessem ser atrativas para determinadas áreas de interesse. Mas os cursos oferecidos nestas universidades não eram exatamente sobre arte ou sobre história, mas sim sobre formação de lideranças, com cursos de inglês, cursos de táticas de guerra não convencional, sobre como funcionavam as organizações democráticas. O objetivo era que, mais tarde, esses estudantes se transformassem em elementos de mudança em Cuba.

Sul21: E os estudantes que recebiam essas bolsas, sabiam da real natureza desse intercâmbio?
Raúl Capote:
Não sabiam. O truque da bolsa era que, em geral, oferecia um curso de seis meses. As pessoas supunham que o curso era relacionado com a sua especialidade. Por que não passar seis meses em Jerusalém, Colônia ou outro local, com tudo pago, recebendo um curso de inglês, entre outras coisas? – pensavam. A agência estimava que, se cada dez estudantes, um se convertesse em um futuro opositor, já seria um grande lucro.
Esse plano começou a ser implementado em Cuba com muita força a partir de 2005, 2006, sem muitos resultados. Para surpresa da CIA, não houve muitos interessados pelos cursos, que não tiveram o impacto esperado junto aos jovens cubanos. Além disso, eu é que estava dirigindo a operação… Era possível que não tivesse êxito… (risos). Outro plano envolvendo a minha atuação como agente era fazer com que eu ocupasse uma posição elevada dentro do Ministério da Educação. Pretendiam me dar todo o apoio possível para tanto, apoio acadêmico e inclusive monetário. A ideia era me converter em uma pessoa imprescindível no sistema de educação cubano por minhas relações e contatos no mundo acadêmico.
Uma das coisas mais importantes para eles nesta época era o tempo que lhes restava. Estavam muito preocupados com essa questão temporal, pois aguardavam o momento do desaparecimento de Fidel. Avaliavam que muitos dos líderes históricos da Revolução Cubana não estariam mais em condições de assumir o posto de comando quando isso acontecesse. Trabalhavam com um período de dez ou quinze anos, no qual se formaria em Cuba uma nova oposição, que não teria nada a ver com a oposição anterior, que eles próprios consideravam desprestigiada e sem base social. Queriam criar uma oposição de novo tipo.
Sul21: Como pretendiam fazer isso?
Raúl Capote:
A estratégia utilizada em Cuba se diferenciou um pouco daquela usada em outros lugares. Eles queriam formar uma oposição de esquerda, pois avaliavam que uma oposição de direita não teria êxito em Cuba, pelo enraizamento da tradição e do pensamento revolucionário e também pelo fato que a direita nunca teve uma posição muito significativa junto ao povo cubano. Passaram a tentar criar, então, organizações que fossem supostamente de esquerda. Essa era a estratégia central do projeto Genesis. Para nos auxiliar nesta tarefa, nos deram acesso a modernos meios eletrônicos de comunicação que nos permitiram acessar a internet, as redes sociais e outros espaços. A ideia era nos dotar de uma grande capacidade de mobilização e começar a gerar conteúdo dentro do país. Isso tudo seria feito em segredo, em baixo perfil, nos treinando no uso dessas novas tecnologias.
Em 2007, me entregaram um equipamento de comunicação que se conectava por satélite com o Departamento de Defesa e que não podia ser rastreado. Esse equipamento permitia que eu tivesse comunicação direta com meu chefe em Washington e também criar uma rede em Cuba indetectável. De forma concomitante com isso, se começou outro projeto por meio do qual começaram a introduzir telefones celulares no país. Em função do bloqueio imposto pelos Estados Unidos, Cuba não tinha muitos celulares. Eles começaram a distribuir celulares de maneira gratuita, por diferentes meios, e criaram o programa ZunZuneo, que pretendia ser uma espécie de twitter cubano.
Ismael Francisco/ Cubadebate

Cubanos fazem paródia com programa dos EUA durante a manifestação de Primeiro de Maio de 2014
Essa rede começou a distribuir mensagens de texto principalmente e notícias relacionadas ao esporte, à cultura e às artes. A ideia era criar dentro do país um hábito de consultar essa rede e fazer com que as pessoas confiassem nela. Assim, no momento necessário, ela começaria a enviar mensagens para mobilizar ações contra a revolução. Fizeram alguns testes no país, em determinados momentos, que não deram resultado, mas seguiram implementando o projeto. Mais tarde, fizeram alguns aperfeiçoamentos e criaram outro sistema que se chamou Piramideo, parecido com o ZunZuneo, mas com alguns acréscimos fruto de experiências no Oriente Médio, especialmente no Irã, onde foi utilizado como ferramenta de mobilização em determinadas situações dentro do país.
Sul21: Qual foi o impacto dessas iniciativas na sociedade cubana, especialmente junto à juventude? Elas tiveram visibilidade?
Raúl Capote:
Tudo era feito pensando em um determinado momento no futuro de Cuba onde deveria ocorrer uma mudança de governo. Eles pensavam que isso ocorreria entre 2015 e 2016, que é exatamente o momento que estamos vivendo agora. Neste momento, segundo o planejamento feito, já deveria estar formada uma oposição social de novo tipo, saída da universidade e integrada principalmente por estudantes e professores, mas também por artistas, pequenos comerciantes e representantes de outros setores que apoiassem essa ideia. O surgimento público desse novo movimento político se daria através do lançamento da organização Fundação Genesis para a Liberdade, que deveria se dar em um ano em que ocorressem eleições em Cuba (que ocorrem a cada cinco anos).
Essa organização até poderia ser considerada uma fundação, mas de “genesis” não tinha nada e de liberdade muito menos. Em primeiro lugar, porque o líder da organização, eu no caso, era um agente da CIA. Em segundo lugar, eu não podia tomar nenhuma decisão sem ouvir o grupo consultivo que era constituído por oficiais da CIA. Então, de liberdade não tinha nada. Por meio dessa fundação, se esperava criar um ou mais de um partido político supostamente de esquerda. O discurso desse novo partido consistiria em dizer que era preciso reformar e modernizar o socialismo cubano. A nossa principal palavra de ordem era esta: modernizar. “Precisamos colocar o socialismo à altura do tempo”, “a época heroica já passou”, “ninguém mais faz isso no mundo”…diríamos coisas assim.
Eles acreditavam que, com o desaparecimento de líderes históricos carismáticos da Revolução como Fidel, esse novo movimento político teria um grande impacto na sociedade cubana levando inclusive a uma fratura na unidade interna do país. O nascimento da Fundação Genesis como organização seria acompanhado por uma grande campanha midiática. Haveria uma coletiva de imprensa com alguns dos mais importantes meios de comunicação do mundo. O passo seguinte seria organizar ações de rua, manifestações, ocupação de espaços públicos de maneira pacífica com o objetivo de causar impacto na sociedade.
Morte de Fidel era fator chave para plano da CIA| Foto: Liborio Nodal/ CubaDebate
Morte de Fidel era fator chave para plano da CIA| Foto: Liborio Nodal/ CubaDebate























Sul21
: Qual era a meta principal dessa tática?
Raúl Capote:
Em resumo, aplicar a cartilha de Gene Sharp, teórico do golpe suave. A ideia da guerra não violenta consiste em ir solapando os pilares de um governo até que ele imploda. O objetivo não é fazer com que um governo renuncie. Se isso acontecer, o projeto fracassou. A ideia é que o governo imploda e que isso cause caos. Com o país em caos, é possível recorrer a meios mais extremos. A meta em Cuba era esta: causar um caos tal no país que fizesse desabar todos os pilares da revolução. Neste cenário, várias possibilidades eram consideradas, entre elas, uma “intervenção humanitária” dos Estados Unidos no país. Outra era a instalação de um governo de transição que levasse a um governo de direita.
O truque fundamental do projeto Genesis era que tinha supostamente um discurso de esquerda, mas as propostas reais que defendia consistiam em privatizar praticamente tudo, inclusive a saúde e a seguridade social. Era um socialismo anti-socialista e anti-social, com terríveis medidas de austeridade. Eles diziam para não nos preocuparmos, pois o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a comunidade cubana no exterior iriam apoiar a “reconstrução do país”. Mas esse projeto nunca conseguiu ter base social nem conseguiu formar estudantes como pretendia…
Sul21: E você, na condição de agente duplo, se esforçava na implantação do projeto ou trabalhava contra ele?
Raúl Capote:
Fazia tudo o que podia para que não tivesse resultado. Era um jogo de xadrez muito interessante. Eu tinha que fazer com que eles acreditassem que estava funcionando e, na prática, fazer com que não funcionasse. Era bem difícil. Mas o projeto tinha muitos pontos débeis. Um deles era a crença de que a revolução dependia de uma única pessoa. Acreditar que a Revolução Cubana é Fidel é um erro. Outro erro era acreditar que os cubanos são pessoas ingênuas.
Em 2006, Fidel anunciou que estava se afastando de suas funções por problemas de saúde e que seria substituído por Raúl [seu irmão, Raúl Castro]. Esse era um momento propício para aplicar a estratégia da Fundação Genesis e eles precipitaram um conjunto de ações. Acreditavam que poderia ocorrer um levante no centro de Havana.
Para tanto, usaram um médico chamado Darsi Ferrer, um contrarrevolucionário desconhecido. No dia 13 de agosto de 2006, data de aniversário de Fidel, ele deveria provocar um levante em Havana e convocar uma coletiva para dizer que o país estava mergulhado no caos, que havia militares sublevados e que a população não queria Raúl no governo. Planejaram gravar em um estúdio, de modo muito parecido com o que fizeram na Líbia onde filmaram ações que, na verdade, não estavam acontecendo. O plano era filmar cenários de repressão como se os militares cubanos estivessem reprimindo a população, e transmitir essas imagens para todo o mundo. A mim me surpreendeu muito que um oficial da CIA em Cuba tivesse o poder de pautar e subordinar os mais importantes meios de comunicação do mundo. Era isso que estava se planejando ali.
Sul21: E qual era o seu papel neste plano?
Raúl Capote:
Quando essas imagens do “caos” em Cuba tivessem sido transmitidas ao mundo, eu deveria convocar uma coletiva de imprensa e pedir uma intervenção militar dos Estados Unidos para conter as violações de direitos humanos. Eu não era um contrarrevolucionário ou opositor, mas um professor e acadêmico conhecido no país. A credibilidade da minha aparição seria maior. Fiquei com um grande conflito interno neste período. Eu jamais iria fazer aquele pedido de intervenção militar dos Estados Unidos.
Sul21: O que aconteceu, então?
Raúl Capote:
As coisas começaram a dar errado para eles muito rapidamente. Depois do anúncio do afastamento de Fidel, passaram-se alguns dias e não houve nenhum caos no país, que seguiu funcionando normalmente. Não houve manifestações, protestos, nada. As pessoas seguiram com suas vidas. O outro problema que ocorreu é que o médico escolhido para desencadear o levante ficou sabendo que os principais canais de Miami estavam dizendo que um opositor cubano chamado Darsi Ferrer iria se imolar pela democracia. Aquilo foi uma surpresa total, pois não estava em seus planos colocar fogo no próprio corpo e morrer. Ele ficou convencido que iam matá-lo e, no dia 13 de agosto, ao invés de ir ao lugar escolhido para a execução do plano, sai de casa e inventa uma desculpa para não ir até lá. E o projeto fracassa.
Sul21: Quando você abandona a condição de agente duplo?
Raúl Capote:
Em 2010, quando a Líbia entrou em situação de guerra civil, o governo cubano me pediu para participar de uma denúncia pública para que as pessoas ficassem sabendo como esse tipo de golpe é tramado. Era uma decisão muito difícil, pois trazia riscos para mim e para minha família. Mas aceitei a proposta e começamos a gravar um conjunto de programas chamado “As razões de Cuba”, onde um grupo de agentes como eu vai à televisão contar o que tinham vivenciado. O programa foi dividido em capítulos. O meu foi ao ar em 4 de abril de 2011, onde contei tudo isso na televisão.

"Fabricando un líder", en Las Razones de Cuba 3/3 - 14 min.



"Fabricando un líder", en Las Razones de Cuba 2/3- 14 min.


"Fabricando un líder", en Las Razones de Cuba 3/3

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Sul21: Fora de Cuba, se fala muito da situação de restrição de acesso à internet e às redes sociais na ilha, que haveria controle e a população não teria livre acesso à rede. Qual é mesmo a situação do acesso à internet em Cuba?
Raúl Capote: Sim, constantemente se acusa o governo cubano de não permitir o livre acesso à internet. É uma grande mentira. Se formos olhar os discursos de Fidel nos anos 1990, veremos que a revolução cubana sempre defendeu o acesso livre à internet. O problema é que os donos da internet são os norte-americanos, Cuba está cercada de cabos submarinos de fibra ótica, mas não pode usá-los por causa do bloqueio. Cuba não tem acesso à tecnologia necessária para garantir o acesso à internet para todos os seus cidadãos porque as empresas são proibidas, pelos Estados Unidos, de negociar com Cuba. Em função desse quadro, o acesso à internet tornou-se muito caro para Cuba. E ela é lenta porque é preciso uma infraestrutura que garanta que o sinal chegue em todos os lugares do país. Nós acreditamos que a internet é uma ferramenta para defender e propagar a revolução. Os Estados Unidos não querem que Cuba tenha livre acesso à internet, porque sabem isso significaria que poderíamos divulgar muito mais nossas ideias também.
É impossível no mundo hoje que uma sociedade se desenvolva sem a internet. Nós temos a Universidade de Ciências Informáticas, que é uma das maiores da América Latina e forma todos os anos milhares de engenheiros criadores de softwares e técnicos nesta área. É uma universidade que se autofinancia com a venda desses softwares. Temos escolas técnicas em todas as províncias que formam milhares de jovens para o uso das redes sociais e das novas tecnologias. Apesar do alto custo que ainda representa, a acesso e uso da internet em Cuba tem aumentado enormemente, apesar de todos os bloqueios que ainda sofremos.
*Texto publicado originalmente no site Sul21 com o título "Ex-agente duplo conta como a CIA promove ‘guerras não violentas’ para implodir governos"

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-   China pede que EUA cumpram com solicitação de membros da ONU pelo fim do bloqueio a Cuba
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Sejam felizes todos os seres.
 Vivam em paz todos os seres. Sejam abençoados todos os seres.