James Ferreira dos Anjos [1]
Resumo: O presente artigo visa oferecer uma visão de Nietzsche acerca do homem. É apresentada a crítica nietzschiana à moral tradicional e à moral cristã, bem como, o seu perspectivismo antropológico fundado na figura do Super-homem que se contrapõe a valores supra-terrenos.
Palavras-chave: Super-homem, Nietzsche, moral, poder
O homem é parte indissociável do pensamento de Friedrich Nietzsche. Este preocupa-se, em primeiro lugar, com a elevação do homem a um tipo superior, e através de sua filosofia, que se expressa a partir de posições assertivas, exortativas e dinâmicas, pretende realizar uma transmutação de valores com o fim de conseguir estabelecer o Super-homem. E Zaratustra, ao descer a montanha, brada: “Eu vos anuncio o Super-homem” (Nietzsche, 1961, p. 7).
O Super-homem brota do próprio homem. O homem é, assim, um ponto que conduz ao Super-homem: isso é o grande no homem. Entretanto, este está para aquele como o macaco está para o homem. Há, conseqüentemente, uma grande distância entre o homem e o Super-homem.
“Que é o macaco para o homem? Uma irrisão ou uma dolorosa vergonha. Pois é o mesmo que deve ser o homem para o Super-homem: uma irrisão ou uma dolorosa vergonha.
Percorreste o cainho que media do verme ao homem, e ainda em vós resta muito do verme. Noutro tempo fostes, e ainda hoje o homem é ainda mais macaco do que todos os macacos.
Mesmo o mais sábio de todos vós não passa de uma mistura hibrida de planta e de fantasma. Acaso vos disse eu que vos torneis planta ou fantasma?” (Id. P. 7-8)
Não podemos aqui reduzir o pensamento de Nietzsche acerca do homem a um pensamento evolucionista, como se ele buscasse apresentar uma nova espécie, literalmente falando, mas o que é proposto, de acordo com o nosso entendimento, é um novo homem que é isento dos defeitos que ele encontrou mesmo nos homens excepcionais da história, mas não inteiramente heterogêneo em relação a estes.
Ainda que sejamos favoráveis à posição de que Nietzsche não se referia a uma nova espécie, quando este se reporta ao Super-homem, estamos, todavia, certos de que o Super-homem de Nietzsche também não encerra em si uma existência real. Antes,
“[...] corresponde verdadeiramente a esse ‘ser das lonjuras’ de que hão de vir a falar Heidegger, Jaspers e Sartre e que, não repousando senão em si, deve escolher-se a si próprio, tendo como única finalidade saltar constantemente para além de si mesmo. O Super-homem é um futuro que nunca se pode alcançar, e, na ruína de todas as verdades e sistemas, a única verdade que subsiste é a que afirma o homem, e por isso o define, como sendo um impulso e um salto para um possível que lhe foge sempre numa fuga eterna” (JOLIVET, 1957, p. 71)
A insatisfação de Nietzsche com o homem do seu tempo era visível. Então, intenta, assim, uma mudança: o homem deve superar-se a si mesmo e senti-se fincado à terra, longe de pensamentos “supra-terrenos”, pois o Super-homem é o sentido da terra e o sentido da existência humana é o Super-homem. E, por conseguinte, Nietzsche (1957, p. apresenta as escadas que conduzem a este ideal.
“O homem é superável. Que fizeste para o superar?
O Super-homem é o sentido da terra. Diga a vossa vontade: seja o Super-homem, o sentido da terra.
Exorto-vos, meus irmãos, a permanecer fiéis à terra e a não acreditar naqueles que vos falam de esperanças supra-terrenas”
Pois aqueles que anunciam esperanças supra-terrestres, não são mais que “[...] menosprezadores da vida, moribundos que estão, por sua vez envenenados, seres de quem a terra se encontra fatigada” (Id p.
No dizer de Roberto Machado (2001, p. 46)
“Super-homem é todo aquele que supera as oposições terreno-extraterreno, sensível-espiritual, corpo-alma; é todo aquele que supera a ilusção metafísica do mundo do além e se volta para a terra. Neste sentido, super-homem é superação, ultrapassagem. De quê? Do homem tal como ele foi; do homem do passado e sua crença em Deus. É a superação do homem como “doença de pele da terra” [...] Se quisermos dizer como Deleuze, o Super-homem é um novo modo de pensar, um novo modo de avaliar; uma nova forma de vida; um outro tipo de subjetividade.”
Na esfera existencial não há lugar para Deus e o homem, um existe em detrimento do outro. Portanto, para que o homem seja o sentido do mundo e tenha a importância que lhe é devida, Zaratustra anuncia a morte de Deus e o substitui pelo homem. Agora todos os holofotes estão voltados para o mundo e para o Super-homem, ambos pertencem um ao outro intrinsecamente. A realização humana acontece tão-somente no mundo, tudo o que é celeste é ilusório.
“Noutros tempos, blasfemar contra Deus era a maior das blasfêmias; mas Deus morreu, e com ele morreram tais blasfêmias. Agora, o mais espantoso é blasfemar da terra, e ter em maior conta as entranhas do impenetrável do que o sentido da terra” (Id. P.
Ademais, afirma ainda:
“Noutro tempo, quando se olhava para os mares longínquos, dizia-se: ‘Deus’; mas agora eu vos ensinei a dizer: Super-homem.
Podereis criar um Deus? Pois então não me faleis de deuses! Poderíeis, contudo, criar um Super-homem (Id. P. 68)
A virtude para este homem é o poder. A vida, diz Nietzsche, á vontade de domínio e aqueles que são mais vivos, aqueles que são os melhores da raça humana são aqueles em que há mais forte essa vontade de domínio. Os homens excepcionais, como Hitler, por exemplo, são sinônimos da vontade de domínio, contudo não se igualam ao Super-homem, no qual a vontade de domínio atinge o seu ponto máximo. A luta pelo poder está para ele, assim como a luta pela vida, conforme Darwin, está para as espécies. E ao lado do poder encontra-se a vontade.
Para Nietzsche, onde há a vida, há vontade, e junto à vontade, o poder. A virtude origina-se a partir da vontade de mandar em todas as coisas. O poder é efetivamente um valor, entretanto, ressalta que homens medíocres não têm o direito de dominar indivíduos fortes e dotados de espírito livre, de modo que o simples poder não é o único valor que forjará a criação do Super-homem; pelo contrário, Nietzsche pensa que deve ter poder somente aqueles que possuem certas características que se adaptem a esse poder.
No que se refere à moral, jamais podemos dizer que Nietzsche é amoral, porquanto este tem a sua moral e deseja estabelecê-la. Para tanto, é necessário, antes, romper com a moral tradicional e cristã, ou melhor dizendo, destruí-las, uma vez que ele se considera o destruidor da moral, pois para a criação de novos valores, que é o seu objetivo, é mister a negação total dos de outrora.
A moral cristã, por exemplo, para Nietzsche é o crime contra a vida: ela ensina o desprezo por todos os instintos principais da vida. Ela está renegando a vida até às suas próprias raízes, ela contém, como motivo basilar, uma hostilidade para com a própria vida. Assim,
“O cristianismo é conhecido como a religião da piedade. [...] A humanidade aprendeu a chamar a piedade de virtude, quando em todo o sistema moral superior ela é considerada como uma fraqueza. Do ponto de vista religioso e moral, a piedade toma um aspecto muito menos inocente quando se descobre de que natureza é a tendência que ali se esconde sob palavras sublimes: a tendência hostil à vida.” (NIETIZSCHE, 2001, p. 41-42)
Em sua obra Vontade de domínio: ensaio de uma transmutação dos valores (resultado de uma compilação de sua irmã Elizabeth), Nietizsche delcara que não é nenhum mero niilista ou anarquista na esfera moral, antes, almeja uma nova tábua de valores. A sua insatisfação em relação aos valores não se dá por outro motivo senão pelo fato de que estes têm uma atitude negativista perante a vida, uma vez que, segundo ele, a moral não pode ser um desejo de renegar a vida, pois
“O Super-homem, orgulhoso e livre, alegre e sereno, forte de corpo e alma, é a representação suprema daquele que diz sim à vida, é o verdadeiro Dionísio” (COPLESTRON, 1953, p. 134)
Assim, Nietzsche já não considera o grande dragão: o “Tu deves”, como Deus e Senhor, contrariamente a isso, entende que é capital que este seja esmagado pelo leão, o “Eu quero”. Aqui se vislumbra a expressão da realização de um desejo, é o eu que é mais alto na moral de Nietzsche. Por isso,
“[...] vida é vontade de poder, princípio último de todos os valores; o bem é tudo o que favorece a força vital do homem, é tudo o que intensifica e exalta no homem o sentimento de poder, a vontade de poder e o próprio poder; o mal, tudo o que vem da fraqueza. Daí o anúncio do Super-homem, capaz de quebrar toda tábua de valores, capaz de efetivar a transmutação de todos os valores.” (SOUZA, 1995, p. 184)
De modo que o “Eu quero” mostra-se junto ao “Tu deves” como um santo não. Entretanto, isso ainda não é o bastante, há a necessidade da criança para ressaltar que o espírito agora quer o exercício da sua vontade, a realização dos seus próprios desejos. Ademais, a criança é a inocência, o esquecimento, um novo começar perante a moral de outrora.
REFERÊNCIAS
COPLESTRON, Frederick. Nietzsche: filósofo da cultura. Porto: Livraria Tavares Martins, 1953.
MACHADO, Roberto Cabral de Melo. Zaratustra: tragédia nietzschiana. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
NIETZSCHE, Friedrich. Assim falava Zaratustra. 5. ed. São Paulo: Brasil Editora S.A., 1961.
___________________. O Anticristo. São Paulo: Martin Claret, 2001.
SOUZA, Sonia Maria Ribeirto de. Um outro olhar: filosofia. São Paulo: FTD, 1995.
James Ferreira dos Anjos [1]
[1] Bacharel em Filosofia pelo IESMA (2002);
Licenciado no Curso Especial de Formação Pedagógica
pela FEST (2003);
Especializando em Metodologia do Ensino Superior
(Fac. Int. de Amparo-SP).
Fonte:
CONSCIÊNCIA.ORG
http://www.consciencia.org/do-sono-dogmatico-ao-sonho-antropologico-nietzsche
Sejam felizes todos os seres.
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