Lucerne Festival Orchestra ,
regida por Claudio Abbado e tendo como solista Yuja Wang,
nos brindam com o Concerto Nº 3 de Prokofiev e a Sinfonia Nº 1 de Mahler.
Elementos alquímicos na teoria magnética de F. A. Mesmer
MARIA SIQUEIRA SANTOS*
Fiz reflexões sobre o conhecimento em geral, e mais
particularmente sobre a doutrina da influência dos corpos celestes sobre o
planeta em que habitamos. Essas reflexões me levaram a pesquisar nos escombros
daquela ciência, aviltada pela ignorância, o que ela podia ter de útil e de
verdadeiro. Conforme minhas ideias sobre essa matéria, ofertei à Viena, em
1766, uma Dissertação a respeito da influência dos planetas sobre os corpos
humanos.(MESMER, 1779: p. 5-6)
Mesmer sequer falava o nome da aviltada ciência; tinha
receio de que alguém ouvisse, de que alguém o lesse em seu Relato sobre a
descoberta do magnetismo animal [Mémoire sur la découverte du magnétisme animal,
1779], de que por isso fosse condenado ao esquecimento na história da cura das
doenças nervosas. Ou pior que isso, de que fosse ridicularizado pelos sábios da
época justamente por seu nome estar vinculado a ela, à alquimia.
O caso é que ele não precisava admitir a influência dos
conhecimentos alquímicos, qualquer um logo notava. Henri Ellenberger disse que
em 1784 um certo Thouret escreveu um artigo analisando as vinte e sete
proposições apresentadas por Mesmer nesse Relato. Ele afirmou que tais proposições
não passavam de releituras de Paracelso, Van Helmont, Goclenius, Mead e
Maxwell, embora Mesmer dissesse nunca ter lido qualquer um desses autores.
A
teoria do magnetismo animal, para Thouret, longe de ser uma novidade, era um resquício
de um sistema antigo que há quase um século havia sido abandonado. (ELLENBERGER,
1970: p. 66) Robert Darnton também sugeriu uma estreita relação entre Mesmer e
Paracelso. Disse o historiador em uma das páginas de O lado oculto da
revolução: Mesmer e o final do Iluminismo na França, livro publicado em 1968:
Entre os vários sistemas para o enfoque do mundo, o
mesmerismo tinha mais em comum com as teorias vitalistas que haviam se
multiplicado desde a época de Paracelso. Na verdade, os adversários de Mesmer
assinalaram sua ascendência científica quase de imediato. Mostraram que, longe
de revelar qualquer descoberta ou ideia nova, o sistema mesmerista descendia
diretamente dos sistemas de Paracelso, J. B. van Helmont, Robert Fludd e
William Maxwell, que apresentavam a saúde como um estado de harmonia entre o
microcosmo individual e o macrocosmo celestial, envolvendo fluidos, magnetos
humanos e influências ocultas de toda espécie. (DARNTON, 1988: p. 22)
Ambos citam praticamente os mesmos mestres: Paracelso, Van
Helmont, Maxwell, ambos ressaltam o princípio de correspondência entre homem e
universo, muito caro ao conhecimento alquímico, ambos relacionam, sem dúvida,
tal princípio à teoria de Mesmer.
Porém, a referência a sua ascendência alquímica não é o
único ponto em comum nas versões de Ellenberger e Darnton sobre a história do
magnetismo animal. Paradoxalmente, pelo menos a princípio, ambos afirmam que
Mesmer foi um fruto de sua época, era um “filho do Iluminismo”. (ELLENBERGER,
1970: p. 53; DARNTON, 1988: p. 20) Estava inserido em círculos intelectuais de
finais do século XVIII, e, ainda que influenciado pelo pensamento “mágico-vitalista”,
tentava articular seu discurso nos termos do “mecanicismo”. Ele personalizava o
ditado árabe que ensina que o homem se parece mais com seus irmãos do que com
seus pais.
Pois se Mesmer era filho de sua época, sua época estava no
fim. (Cf. DARNTON, 1988) Uma ruptura se anunciava. Não somente no plano das
ideias, mas também no plano político.
Os sábios que seguiram a Voltaire, Rousseau, D’Alembert e
Diderot não iriam longe. Lavoisier seria guilhotinado, Condorcet morreria na
prisão. Se em 1784, com a morte de Diderot, o “reino enciclopédico” se desfez,
dez anos depois grande parte de seus herdeiros estavam mortos pelo Terror ou
pela doença.
Uma nova safra de pensadores emergia na Europa. Se Mesmer já havia
sido desqualificado pelos herdeiros da episteme clássica, não teve a menor
possibilidade de reabilitação no pensamento oitocentista nascente, a episteme moderna
de Foucault. Os ares filosóficos anunciavam outro tempo, um novo universo linguístico.
Apesar de todo o esforço de Mesmer para ter o reconhecimento de seus pares e receber
as honras das academias de ciência, sua teoria não passou pelo teste de
Lavoisier, aexistência do magnetismo animal não pode ser comprovada.
Contrariado, Mesmer retirou-se da vida pública, desapareceu
por alguns anos. Dizem que passou pela Áustria, hospedou-se na Suíça, esteve na
Inglaterra. Por fim, voltou a sua terra natal, onde, em silêncio, deu
continuidade às suas práticas magnéticas. Em 1815, com quase oitenta anos,
Mesmer morreu.
1. F. A. Mesmer e sua terapêutica
Franz Anton Mesmer foi um médico austríaco que registrou, em
fins do século XVIII, a découverte do magnetismo animal, um fluido extremamente
sutil que, segundo ele, percorria toda e qualquer matéria terrestre. Vindo de
Iznang, região do lago de Constança, de formação jesuítica, Mesmer chegou a
Viena no final da década de 1750 para estudar Direito. No entanto, logo
enveredou para a Medicina, exercendo a arte da cura de um ponto de vista paracélsico,
observando as manifestações de saúde e doença e relacionado o equilíbrio orgânico
com os fenômenos da Natureza, supondo que tais manifestações estavam ligadas às
trocas energéticas interestelares e terrestres. Aprendiz de Maximilian Hell,
astrônomo responsável pelo Observatório Real da Áustria e professor na Universidade
de Viena, Mesmer disse ter estabelecido uma “relação de sociedade” com esse
pesquisador durante cerca de doze anos.
Durante esse tempo, ele teria exercido
a medicina na capital do Império.
Todavia, seus biógrafos afirmam que ele já
praticava a arte da cura em sua terra natal, na fronteira entre Prússia,
Áustria e Suíça, pois na época em que chegara à capital já trazia a fama de ser
bom curador dos “males da alma”.
Em 1768, ao desposar uma nobre e rica viúva, mudou-se para
uma grande propriedade, localizada nos arredores de Viena. Foi nesse local onde
mais experimentou sua técnica de cura, era ali que ‘internava’ os pacientes
mais graves, como a organista Maria Teresa Paradis, o conde de Pellegrini, a
senhorita Offine, foi lá que observou e tratou casos de cegueira, paralisias
súbitas, hemiplegias, apoplexias, cólicas e convulsões. Foi também no quintal
dessa propriedade que recepcionou membros da sociedade vienense para assistir à
peça Bastien und Bastienne, do jovem músico Wolfgang Amadeus Mozart.
Dez anos depois, ao ver sua teoria silenciada e sua prática
censurada em Viena, partiu para Leste, para a França. No Relato, ele disse que
essa deveria ter sido uma viagem curta, de descanso, porém, que os ânimos
franceses, tão curiosos por conhecer os princípios do magnetismo animal,
fizeram com que ele retomasse sua prática em Paris. “As circunstâncias”, ele
disse, “forçaram-me também a escrever esse Relato”. As circunstâncias eram os questionamentos
feitos pelos sábios franceses acerca de tão revolucionária “descoberta”:
Mas, dizem atualmente: em que consiste essa descoberta?
Como
o senhor chegou a ela?
Quais ideias podem se valer dessas vantagens?
E por que
o senhor não enriqueceu os seus concidadãos com tal feito?
Tais são as
perguntas que me são feitas, desde minha chegada a Paris, pelas pessoas mais
capazes de se aprofundar numa nova questão. Para respondê-las de uma maneira
satisfatória e dar uma ideia geral do sistema proposto, para desembaraçá-lo dos
erros a que foi envolvido e fazer conhecer as contrariedades que se opõem à sua
publicidade, publico esse Relato. Apenas mais adiante, no decorrer da teoria
que apresentarei, é que as circunstâncias me permitirão indicar as regras práticas
do método que anuncio. É sob esse ponto de vista que peço ao leitor para
considerar essa pequena obra, estou ciente de que ela oferecerá muitas
dificuldades; e é necessário saber que tais dificuldades não são suscetíveis de
aplainamento por nenhum tipo de raciocínio sem que se faça uso da experiência.
O Relato apenas dissipará as nuvens e colocará em seu lugar essa importante
verdade: que A NATUREZA OFERECE UM MEIO UNIVERSAL DE CURA E DE PRESERVAÇÃO DOS
HOMENS. (MESMER, 1779:p. IV-VI)
Quando o texto veio a público Mesmer vivia a cerca de um ano
em Paris. Durante esse tempo, ele conheceu médicos e filósofos da corte
francesa, contou a eles sobre sua prática médica, sobre os casos que ele havia
observado e tratado, sobre seus métodos de cura. Ele afirmava, nessas ocasiões,
que o corpo humano era preenchido por líquidos regulatórios, os humores. Desde
o tempo de Hipócrates, os médicos apontavam a existência de quatro humores
corporais: o sangue, a bílis amarela, a fleuma e a bílis negra, também chamada
de melancolia. Para Mesmer havia ainda um quinto humor, que ele chamou de
magnetismo animal. Esse líquido, assim como os demais, deveria percorrer todo o
corpo humano para que se mantivesse o equilíbrio orgânico. Assim, um corpo
saudável seria aquele em que o movimento dos fluidos ocorria sem interrupção ou
concentração. As doenças, por sua vez,seriam causadas pela concentração do
fluido em áreas do corpo.
A terapia de Mesmer consistia, dessa maneira, em fazer fluir
novamente o magnetismo animal. Não havia a ingestão de remédios, a aplicação de
sangrias ou banhos frios, tampouco a aplicação de choques. O médico sentava-se
em frente ao paciente e ia tocando em seus joelhos, mãos e hipocôndrio, olhando
fixamente dentro de seus olhos. Nas sessões coletivas realizadas em Paris, ele
utilizava uma “cuba magnética”, aparato inspirado na recém descoberta garrafa
de Leyden, que consistia em uma espécie de banheira redonda onde ficava contida
a água magnetizada. Nas bordas desse tanque havia uma porção de hastes de
ferro, utilizadas pelos pacientes para tocar a região do corpo onde o
magnetismo animal estava concentrado, ou seja, a parte que doía. Depois os
pacientes davam as mãos, fechava-se o círculo e, com isso, o magnetismo
circulava entre todos os presentes.
O próprio Mesmer, ao final de cada sessão, tocava um
instrumento chamado harmônica de vidro, cujo som etéreo,semelhante à vibração
de taças de vidro, facilitava a comunicação e propagação do magnetismo. Não
havia conversação durante as sessões. Os passes, as músicas, o ambiente terapêutico
repleto de espelhos eram os meios usados por Mesmer para aos poucos promover suas
curas. Havia ainda um elemento fundamental para que o processo terapêutico se efetivasse:
a crise. Geralmente essa crise era uma intensificação do problema que vinha prejudicando
a saúde do paciente. Eram convulsões, crises asmáticas, vômitos, síncopes.
Segundo Mesmer, tais crises deveriam ocorrer para que a
doença se enfraquecesse até desaparecer. Nesse trajeto, também a intensidade
das crises diminuía, até que ela não incomodasse mais o doente.
Eis, a seguir, um trecho do Relato onde Mesmer conta sobre
as curas que ele realizou já no primeiro ano em Paris. Tratamentos e curas que,
segundo ele, foram testemunhados por médicos franceses.
[...] obtive a cura de uma melancolia vaporosa com vômitos
espasmódicos; de várias obstruções enraizadas no baço, no fígado e no
mesentério; de uma gotaserena imperfeita, em nível de impedir a enferma de se
conduzir sozinha; de uma paralisia geral com tremor, que dava a uma paciente na
idade de 40 anos toda a aparência da velhice e da embriaguês [...]. Ainda
obtive o mesmo sucesso sobre uma paralisia absoluta das pernas, com atrofia;
sobre vômitos habituais, que reduziram a enferma a um estado de marasmo; sobre
uma caquexia escrofulosa; e enfim, sobre uma degeneração geral dos órgãos da
transpiração. Essas doenças, em estado conhecido e constatado pelos médicos da
Faculdade de Paris, foram todas comprovadas pelas crises e evacuações sensíveis
e análogas à natureza de seus males, sem ter sido feito o uso de qualquer
medicamento.(MESMER, 1779: p.
71-2)
Por cerca de seis anos, Mesmer realizou sessões de cura em
Paris e divulgou sua práticaentre os membros da Sociedade da Harmonia
Universal, uma espécie de sociedade secretacomposta por importantes personagens
da história revolucionária francesa, como Adrien Duport, Nicolas Bergasse,
Jacques-Pierre Brissot e o marquês de Lafayette. Conta-se que naquela época sua
clínica fervilhava de gente. Barões e burgueses, damas da corte e donzelas cegas
se revezavam ‘eletricamente’ no consultório do Dr. Mesmer. Ainda assim, seu
objetivo não foi realizado, o que o deixou muito contrariado. Ele queria que
Luís XVI lhe permitisse promover sua terapêutica nos hospitais, especialmente
naqueles onde estavam internados os pacientes que sofriam de doenças dos
nervos. Ele acreditava que os métodos comumente utilizados pelos médicos, além
de não promoverem a cura esperada, pioravam a já frágil saúde dos enfermos.
2. Princípios alquímicos do
magnetismo animal
Pois bem, apresentei até agora aspectos da terapêutica de
Mesmer misturados a alguns fatos de sua vida. Convém, no momento, nos aprofundarmos
em sua teoria. A princípio, é importante ressaltar que para Mesmer a condição
para percepção do magnetismo animal era a experiência. Nenhum raciocínio,
afirmava o mestre, poderia substituir a observação dos fenômenos relativos ao
fluido animal e à experimentação de seus métodos de cura. A razão jamais
poderia ‘sentir’ a sua descoberta.
A percepção do magnetismo animal passava necessariamente
pelo corpo. Pelas sensações. E isso era uma ação tão natural à matéria que passava
despercebida pelas pessoas, a menos que ocorressem acúmulos de magnetismo em regiões
específicas do corpo. Apesar dessa constatação de ordem prática, talvez
rendendo-se à pressão dos acontecimentos, ele se ocupou com a sistematização de
sua terapêutica. Em 1779, nas cidades de Genebra e Paris, veio a público seu
Relato sobre a descoberta do magnetismo animal.
A teoria magnética era explicada a partir de um princípio
comum de atração universal da matéria. Mesmer defendia essa hipótese dizendo
existir uma influência mútua entre os Corpos Celestes, a Terra e os Corpos
Animados (Cf. MESMER – 1ª
Proposição, 1779: p. 74).
Observando o fluxo e refluxo das marés, ele inferiu a
influência do Sol e da Lua nesse movimento, bem como no movimento da atmosfera
terrestre. Partindo do princípio de correspondência, concluiu que se os astros
atuavam no movimento de consideráveis entidades terrestres, eles também
afetavam os demais corpos. Atuavam, portanto, também sobre o corpo humano,
especialmente sobre os nervos.
[...] Continuando meu trabalho conforme os princípios
conhecidos da atração universal, constatei por meio de observações que os
planetas se afetam mutuamente em suas órbitas, e que a Lua e o Sol causam e
dirigem, em nosso globo, o fluxo e o refluxo do mar, assim como o da atmosfera;
avançando, disse que essas esferas exercem também uma ação direta sobre todas
as partes constitutivas dos corpos animados, particularmente sobre o sistema
nervoso, por meio de um fluido que a tudo penetra: constatei essa ação pela
INTENSÃO E REMISSÃO das propriedades da matéria e dos corpos organizados, que
são: a gravidade, a coesão, a elasticidade, a irritabilidade, a eletricidade. (MESMER, 1779: p. 6-7)
Portanto, a afetação mútua dos astros celestes, chamada por
Mesmer de agente geral, fazia movimentar um fluido muito sutil, universal, que
agia diretamente nas propriedades da matéria. Sendo o corpo humano constituído
de matéria, o fluido também nele agia, passando, sobretudo, pelos nervos, “os
principais agentes das sensações e do movimento.” (MESMER,1779: p. 9) Mesmer supunha que esse líquido
sutil fosse um vetor de correspondência entreAstros Celestes, Terra e Corpos
Animados. Os Corpos Animados, por sua vez, funcionariam como ímãs e, assim,
seriam “suscetíveis à comunicação do princípio magnético” e teriam a distinção
de “pólos igualmente diversos e opostos”. (MESMER, 1779: p. 20; 76)
Os Corpos
Animados funcionariam como uma agulha imantada que,[...]
tendo recebido o mesmo impulso, depois de diferentes oscilações proporcionais a
ela e ao magnetismo que recebeu, retornará à sua primeira posição e ali se
fixará.
É assim que a harmonia dos corpos organizados, uma vez
perturbada, deverá provar das incertezas de minha primeira suposição.
Rapidamente ela será recuperada e determinada pelo AGENTE GERAL, que sozinho
poderá restabelecer a harmonia ao seu estado natural. (MESMER, 1779: p. 10-1)
Para Mesmer, a nomeação de sua descoberta estava resolvida:
se o corpo animado funcionava de maneira análoga a um magneto, o fluido
universal que o percorreria deveria se chamar magnetismo animal: “[...] um
fluido universalmente disseminado e contínuo de maneira a não sofrer qualquer
vácuo, de uma sutileza que não permite qualquer comparação, e que, por sua
natureza, é suscetível de receber, propagar e comunicar todas as impressões do movimento,
bem como os meios de sua influência.” (MESMER, 1779: p. 74) O fluído magnético de Mesmer seria, dessa
maneira, análogo a um fluído elétrico.
O magnetismo, no entanto, tinha uma característica
interessante: como já sinalizado anteriormente, ele estava especialmente
relacionado com o que Mesmer chamou de “sistema nervoso”. Além da denominação,
o austríaco chamava a atenção para as dificuldades que os médicos
contemporâneos a ele encontravam para restabelecer a saúde das pessoas
adoecidas, especialmente daquelas que sofriam de males nervosos. Ele
acreditava, ainda, que era necessário reconhecer a insuficiência médica no
trato com tais doenças, pois somente assim poderia ocorrer uma melhoria na arte
de curar os nervos. E mais: que apesar de todos os avanços realizados até
aquele momento, os médicos continuavam ignorando o funcionamento do sistema
nervoso, sua “ordem natural”. Ele parecia não ter receio em afirmar que o
fabuloso fluido por ele encontrado traria luz a essas questões:
Nunca escondi minha maneira de pensar a esse respeito, nem
posso, com efeito, me persuadir que fizemos na arte da cura o progresso a que
somos lisonjeados. Creio, ao contrário, que conforme avançamos no conhecimento
do mecanismo e da economia do corpo animal, mais somos forçados a reconhecer
nossa insuficiência.
8
O conhecimento que adquirimos atualmente da natureza e da
ação dos nervos, por mais imperfeito que seja, não nos deixa qualquer dúvida a
esse respeito. Sabemos que os nervos são os principais agentes das sensações e
do movimento, sem saber restabelecer sua ordem natural quando ela é alterada. É
uma vergonha para nós o que fazemos. A ignorância dos séculos anteriores sobre
esse ponto é uma garantia aos médicos. A confiança supersticiosa que eles têm e
que eles inspiram em suas especificidades e suas fórmulas os fizeram déspotas e
presunçosos. (MESMER,1779: p.
8-9)
Gostaria agora de fazer uma pausa nesse relato acerca de F.
A. Mesmer e o percurso de divulgação e tentativa de reconhecimento de sua
“descoberta”. Gostaria de apresentar meus argumentos a respeito da relação
entre o magnetismo animal e a alquimia paracélsica. Farei, para tanto, uma
breve apresentação dos princípios do médico renascentista. Gostaria também de
sublinhar alguns pontos de distanciamento entre essas duas vertentes do
conhecimento acerca da arte da cura. Distanciamentos que não fazem com que elas
se oponham, mas com que se diferenciem.
Veremos que Mesmer, de fato, não fez
nenhuma découverte, o que ele fez foi uma leitura dos princípios de Paracelso e
de outros médicos renascentistas adaptando-os ao seu contexto linguístico. Essa
releitura, por certo, parte de uma perspectiva que não é mais a do
Renascimento; por esse motivo, ela procura se adequar ao seu momento histórico.
Afinal, seu objetivo era encontrar respaldo para sua terapêutica nos meios
médicos e acadêmicos da época. E não podemos esquecer que estamos falando do
século XVIII, o século das Luzes.
Ainda que seja possível, portanto, visualizar pontos em
comum entre a alquimia renascentista e o magnetismo animal, também se pode
perceber as diferenças entre essas duas terapêuticas, separadas no tempo por
quase trezentos anos.
3. Astros celestes e corpos humanos
em Paracelso
Paracelso nasceu na Suíça no final do século XV. “Dono de
conhecimentos multifacetados, andarilho incansável e profundamente místico,
[ele] estudava os segredos das minas, da medicina popular, da alquimia, e da
ciência douta dos clássicos [...].” Segundo Ana Maria Alfonso-Goldbarb, esses
conhecimentos, congregados no termo “alquimia”, eram os fundamentos da prática
paracélsica. (ALFONSO-GOLDFARB, 2005: p. 144-5) Victor Zalbidea, pesquisador
espanhol que selecionou, traduziu e publicou trechos de textos alquímicos e
ocultistas, também é da opinião de que todo esse conhecimento multifacetado de Paracelso
sobre minerais, ervas e astros mostra que a alquimia era um importante “método
de pensamento”, o fio condutor de sua obra. (ZALBIDEA, 1972: p. 227)
Também
Carl Gustav Jung, dissidente do método psicanalítico que elaborou uma nova
hermenêutica para a leitura da alma humana, sublinhou a influência da alquimia
nos escritos de Paracelso. Diz Jung no artigo intitulado Paracelso, um fenômeno
espiritual:
Além de seus múltiplos contatos com a superstição popular,
houve outracircunstância digna de nota que influenciou Paracelso [...]: o seu
conhecimento e ocupação intensa com a alquimia, a qual era usada por ele não só
como farmacognosia e farmacopeia, mas também para os assim chamados fins “filosóficos”.
A alquimia no entanto contém, desde os tempos mais remotos, uma doutrina
secreta, ou ela mesma o é. (JUNG, 2011: p. 131)
A influência de tal conhecimento secreto, esse saber antigo
miscigenado com elementos pagãos – chineses, egípcios, gregos, romanos e árabes
– fazia de Paracelso um cristão diferente para a sua época. Ele era um cristão
que afirmava a existência de duas poderosas forças de ação sobre a vida: a
Igreja e Natureza. E assim ele afirmava: “[Eu] reconheço que escrevo como um
pagão, mesmo sendo cristão.” (PARACELSO apud JUNG, 2011: p. 121)
Para o referido médico renascentista, “pagão” era o
conhecimento da natureza das doenças que provêm da “luz da natureza” e não da
“revelação sagrada”. Assim, ele estabeleceu uma separação entre as “doenças
divinas”, aquelas que eram enviadas por Deus e que só poderiam ser curadas por
meio da teologia, e as “doenças naturais”, que seriam mais bem compreendidas e
tratadas se fossem olhadas pelo viés pagão, do conhecimento hermético, ocultista
ou da medicina popular. (JUNG, 2011: p. 121)
Partindo do conhecimento pagão, Paracelso então determinou
que a “luz da natureza”,essa força que estaria relacionada às doenças naturais,
provinha dos astros celestes. Dizia ele:
“[...] Nada pode existir no homem que não lhe seja dado pela
luz da natureza e tudo o que existe na luz da natureza é feito dos astros.” (PARACELSO apud JUNG, 2011: p. 123)
Ora, se a luz da natureza é quem tudo dá ao homem, saúde e
doença, onde estaria o poder da Igreja na concepção de Paracelso? Pois a
resposta, talvez trivial para nós, era a seguinte: A luz da natureza, comandada
pelos astros, foi criada exatamente dessa maneira por Deus. “[...] [Ela] é a
quintessência extraída pelo próprio Deus dos quatro elementos e habita em
“nosso coração”.
Ela é acessa pelo Espírito Santo. A luz natural é uma
percepção intuitiva das circunstâncias, uma espécie de iluminação.” (JUNG,
2011: p. 123) Paracelso unia, então, princípios que eram tomados como
antagônicos, e, a partir daí, dava início a revoluções profundas quemodificariam
a lógica do pensamento médico nos séculos seguintes.
[...] a presença de
Paracelso coincide com o ponto de inflexão do saber alquímico: alcança nele o
seu apogeu, mas, ao mesmo tempo, inicia no seu próprio seio a decadência.
Assim, a sua obra interessa tanto a ciência que se desenvolve depois até chegar
à atual, como aos que procuram nos seus escritos os restos de um conhecimento
hoje quase completamente desaparecido. (ZALBIDEA, 1972: p. 227)
A utilização de ervas e de minerais para o tratamento de
doenças também recebeu grande impulso com a prática de Paracelso e de seus
discípulos. Porém, apesar da materialidade das plantas, ele mantinha a ideia de
que o “remédio era encontrado no astrum”. Jung, a propósito, cita um trecho de
1622 em que o médico diz o seguinte: “Pois os planetas, esferas e elementos
atuam no homem através da revolução de seu zodíaco mais verdadeira e fortemente
do que os corpos estranhos ou os sinais corporais superiores.” (PARACELSO apud JUNG, 2011: p. 134)
Ou seja, mesmo tendo contribuído para a disseminação do uso das ervas e
minerais na cura das doenças, os chamados “corpos estranhos”, Paracelso
acreditava que os planetas e as revoluções do zodíaco determinavam, com mais
força e verdade, a condição de existência do homem. Em Arquidoxia mágica, ele
afirmou que É completamente certo que os astros superiores e as suas influências
infligem nos homens a maioria das doenças e fazem-nas penetrar nos seus corpos.
Não obstante, não invadem com violência nem sequer com a sensação de fazê-las
sentir de imediato, como no ataque de epilepsia por choque ou temor.
Adquirem-se pouco a pouco, insensivelmente, até que o mal
invade o corpo, tal como o azeite que, destilado gota a gota, se torna sensível
só quando está suficientemente amassado para que se note o seu peso. De maneira
parecida, o homem chega a conhecer o seu mal, pela paralisação dos membros,
pela falta de apetite ou pela aversão a toda a bebida. Em resumo, por qualquer
tipo de afecção, segundo a natureza e temperamento de cada um, segundo a
atualização dos astros durante largo período de tempo, com ajuda dos outros
acidentes preparados pela atração do ar. (PARACELSO. In: ZALBIDEA, 1972: p. 233)
Hippolythe Bernheim, que no início do século XIX foi um
importante médico da Escola de Nancy, tendo influenciado o jovem médico Sigmund
Freud acerca dos métodos sugestivos da
hipnose, em seu livro de referência intitulado Hypnotisme et suggestion, diz o
seguinte acerca de Paracelso:
11
[...] Ele estudou a ação real de muitos medicamentos, mas
admitiu em outros casos a existência de propriedades ocultas, dos arcanos; ele
acreditava nas assinaturas cabalísticas. Tudo derivaria do homem, do mundo e do
divino; o princípio de conservação dos seres sublunares derivaria dos astros; o
homem seria dotado de um duplo magnetismo; a imantação das pessoas sãs ativaria
a imantação descarregada das doentes. (BERNHEIM, 1910: p. 14)
Pois todas essas referências acerca de Paracelso permitem
estabelecer uma relação bastante próxima entre a concepção do médico
renascentista e a de Mesmer sobre a influência dos astros na produção e cura
das doenças. Nessa afirmação de Bernheim, bem como nos trechos apresentados por
Jung, Zalbidea e Goldfarb reconhecemos rapidamente a influência do pensamento
astrológico da alquimia, especialmente de Paracelso, sobre a concepção mesmérica
de cura. Eis, todavia, uma ‘terapêutica alquímica’ no reino da Razão.
4. Mesmer: um ‘curandeiro ilustrado’
São as diferenças históricas entre o Renascimento e o
Iluminismo que possibilitaram a Ellenberger e
Darnton dizer que Mesmer, apesar de toda a influência alquímica, é um filho de seu tempo. Assim também os estudiosos de Paracelso
afirmaram que ele era um “filho do Renascimento”.
Refiro-me especialmente aos comentários feitos por Bernheim e Jung, dois importantes personagens da história da Psicanálise. O
primeiro, preceptor de Freud, mais preocupado em
marcar as diferenças entre sua prática hipnótica e as técnicas quinhentistas, colocou tudo, “alquimia, astrologia, quiromancia,
feitiçaria, demonologia,” no campo das superstições.
Além disso, ele afirmou que “[...] Bacon, Arnaldo de Villanova, Raimundo Lúlio, Paracelso, Cornélio Agrippa associaram às suas
doutrinas os nomes das divindades pagãs [...]”,
e que essa era “[...] uma reputação de feiticeiros.” (BERNHEIM, 1910: p. 12)
Jung, discípulo dissidente de Freud e simpático ao conhecimento
místico, mesclando análisesda obra de Paracelso com análises psicológicas do
autor, comentou sobre o “espírito da época”.
[...] O próprio Paracelso teria ficado surpreso e indignado
se alguém o tivesse tomado ao pé da letra. O que saiu de sua pena provinha
muito menos de reflexões profundas do que do espírito do seu tempo. Ninguém
poderia vangloriar-se de ser imune ao espírito da própria época ou então de
conhecê-lo exaustivamente.
Independentemente de nossas convicções conscientes, todos
nós, sem exceção, na medida em que somos partículas da massa, somos afetados,
coloridos ou mesmo minados pelo espírito que atravessa as massas. (JUNG, 2011: p. 126)
O fato de ambos, Paracelso e Mesmer, serem considerados
filhos de sua época indica algumas semelhanças entre eles e entre eles e suas
épocas. Uma semelhança é a diferença do modo de cada um deles pensar a arte da
cura e o da maioria dos intelectuais de suas épocas.
Logo no início do Relato, talvez devido à sua ‘inocência’
germânica, Mesmer deixou indícios dessas divergências que, em menos de um ano,
ele já colecionava nos meios acadêmicos de Paris:
[...] As observações dos efeitos que a Natureza opera
universalmente e constantemente sobre cada indivíduo não são apanágio exclusivo
dos filósofos; o interesse universal faz de quase todos os indivíduos
observadores. Essas observações múltiplas, de todos os tempos e de todos os
lugares, não deixam nada a desejar acerca de suas próprias realidades. Mas, a
atividade do espírito humano, combinada à ambição do saber que jamais é
satisfeita, procura aperfeiçoar os conhecimentos adquiridos anteriormente e
abandona a observação, suprindo-se de especulações vagas e frequentemente
frívolas. Ela forma e acumula sistemas que não têm o mérito da abstração
misteriosa; e, assim, gradualmente se afastam da verdade, a ponto de perdê-la
de vista e de substituí-la pela ignorância e pela superstição. (MESMER, 1779: p. 3)
Aos filósofos, reclamava Mesmer, não se restringia a
detenção dos conhecimentos sobre a natureza. Tais conhecimentos eram frutos de
observação, e a tendência a observar é natural ao homem. Ele escreveu que “O
homem é naturalmente observador. Desde seu nascimento sua ocupação solitária é
observar, e assim aprender a fazer uso de seus órgãos.” (MESMER, 1779: p.
1).
Porém, muitos, entre todos, devido ao interesse geral, seriam “indivíduos observadores”,
detentores dos conhecimentos práticos da vida, do cotidiano. Por conta dos filósofos
terem voltado suas costas ao saber desses “indivíduos observadores”, suas especulações
andavam há muito apartadas da experiência e, assim, não chegariam jamais à
verdade acerca do magnetismo animal.
Paracelso também arranjou problemas com os intelectuais que
lhe eramcontemporâneos, médicos e escolásticos renascentistas. (ALFONSO-GOLDFARB, 2005: p. 147) Esses
sujeitos o acusavam de exercer uma prática de cura que estava vinculada à
magia, à feitiçaria. Acusavam-no de paganismo, de heresia. Jung disse que ele,
no entanto, não apresentava qualquer receio em utilizar os conhecimentos
“pagãos” para promover a saúde de um corpo doente.
[...] [Paracelso] atrai a magia para sua órbita como todas
as coisas dignas de serem conhecidas e tenta utilizá-las em sua profissão
médica para o bem dos doentes, sem importar-se com o que pudesse lhe advir ou
com o que a ocupação com tais artes poderia significar do ponto de vista
religioso. Afinal de contas, para ele, a magia e a sapientia da natureza
encontravam-se dentro da ordem desejada por Deus, como um mysterium et magnale
Dei (mistério da grandiosidade de Deus) e assim não era difícil para ele
transpor o abismo no qual meio mundo se precipitava.” (JUNG, 2011, p. 128-9)
Preocupado com o restabelecimento da saúde dos doentes,
Paracelso não se ocupava com as acusações de heresia que corriam na boca
pequena a seu respeito. Ele utilizava a alquimia como “[...] um método prático, sem importar-se com seu fundo
obscuro. Ele tinha consciência da alquimia como conhecimento da matéria médica
e como procedimento químico na preparação de medicamentos [...].” (JUNG, 2011: p. 132)
Também Alfonso-Goldfarb, em Da alquimia à química, diz: Paracelso
pertence a um segundo momento dentro do Renascimento. Não ao dos humanistas,
que devoraram e reproduziram ipsis literis o original das autoridades clássicas.
Mas, precisamente, ao momento em que, de posse desses conhecimentos, o
renascentista adapta-os à sua realidade cotidiana rebelando-se, por isso contra
a autoridade escolástica estabelecida e contra seus clamores à universalidade. (ALFONSO-GOLDFARB, 2005: p. 144)
Sendo cada um filho de sua época, e sendo suas épocas tempos
diferentes, é certo que existiram divergências entre a concepção de Paracelso e
a de Mesmer sobre uma porção de coisas. São também essas divergências que fazem
com que cada um esteja relacionado ao seu próprio momento histórico. Ou como
diria Jung:
“[...] Quer se saiba ou não,
existe uma tremenda oposição entre o
homem
que serve a Deus e o homem que dá ordens a Deus.”
(JUNG, 2011: p. 126)
O mundo
de Paracelso é um mundo que serve às vontades divinas e que vê ações divinas
concretizarem-se no cotidiano, o mundo que está a emergir na época de Mesmer
cria sistemas para explicar a vida. A verdade das coisas estaria, portanto, na explicação
do homem, não na vontade de Deus.
Enunciou Foucault sobre esse momento epistêmico: um momento
em que “[...] a representação comanda o modo de ser da linguagem, dos
indivíduos, da natureza e da própria necessidade.” É o tempo da crítica, da
análise; delimitam-se as fronteiras do conhecimento: filologia, biologia,
economia política. É o momento em que a
palavra significa-se a si mesma e enuncia a ordem adormecida das coisas.
O
mundo é visto em termos funcionais, mas é também um mundo assinalado, marcado.
No entanto, não sob o mesmo princípio de Paracelso, a marca moderna é feita
pelo homem, que então se tornou divino, o criador da natureza cuja trajetória é
narrada pela História. Na episteme moderna de Foucault, “[...] a linguagem se
dobra sobre si mesma, adquire sua espessura própria, desenvolve uma história, leis
e uma objetividade que só a ela pertencem”. (FOUCAULT, 2007: p. 288; 289; 409)
Um exemplo dessa diferença histórica de perspectivas é a
maneira como Paracelso e Mesmer interpretam o papel do ímã em suas respectivas
técnicas de cura. Mesmer, aprendiz de Maximilian Hell e, portanto, conhecedor
dos usos terapêuticos do ímã, fez experiências com o minério artificial no
tratamento de doenças nervosas. Essa prática, como o próprio Mesmer enfatizou,
já há muito era conhecida. Sobre isso também comentou Bernheim:
[...] Desde o tempo de Paracelso tratou-se com o ímã muitas
doenças: as hemorragias, as histerias, as convulsões. Do tempo do padre Kircher
ao século XVII houve diversos aparelhos magnetizados, anéis, braceletes,
colares que, carregados sobre as várias regiões do corpo, acalmavam as dores e
diversas doenças nervosas. No século seguinte, o padre Hell, astrônomo de
Viena, fabricou ímãs artificiais em forma de armadura e aplicou-lhes no
tratamento de espasmos, convulsões e paralisias. (BERNHEIM, 1910: p. 20-1)
Mesmer, porém, apresenta uma nova concepção acerca do papel
do ímã na cura das doenças nervosas, um considerável distanciamento da maneira
de Paracelso, e também de Hell, entender a função do mineral nessas ocasiões.
Para entender a diferença, todavia, é preciso entender como os mestres de
Mesmer utilizavam o objeto.
Paracelso reconhecia que o ímã continha o mesmo princípio do
fluido emanado pelos astros, fluido que colocava-se em comunicação com os
diferentes corpos celestes e também com os corpos terrestres, os seres
sublunares. O minério poderia curar muitas doenças, como as que atacavam os
olhos, ouvidos e nariz, poderia atuar nas articulações, nas úlceras, fístulas,convulsões
e cólicas. (ZWEIG, 1930: p. 33)
Mesmer, por sua vez, criticava a ideia de que a cura era
produzida pelo ímã. A partir das observações realizadas com seus pacientes, ele
constatou que o ímã era apenas um instrumento de ativação do fluido. A cura
mesmo era obra da energia advinda dos astros, o agente geral que perpassava
tanto o ímã como o corpo humano e restabelecia o equilíbrio orgânico. O ímã,
por ter propriedades análogas às do corpo animal, era uma substânciaprivilegiada
para fazer fluir os humores do corpo. Ele mesmo, no entanto, não era
responsável pela cura.
Mesmer era, por assim dizer, um curandeiro ilustrado. Como
bom prático, observou não apenas o sintoma a ser sanado, mas as motivações das
doenças que acometiam seus pacientes.
Como Paracelso, não atuava diretamente na eliminação do
sintoma, pois o sintoma era justamente a maneira que o corpo havia encontrado
para combater o desequilíbrio interno, a doença. Possuidor de um conhecimento
alquímico, ele relacionou as doenças com um contexto mais amplo que somente o
organismo enfermo. Ele relacionou com os astros celestes, com o cosmo. O médico
para Mesmer, inspirado na concepção de Paracelso, seria um vetor de ligação
entre os dois planos correspondentes, o macro e microcosmo, uma espécie de “tomada magnética” capaz de fazer
fluir os líquidos humanos. Com ou sem o uso do ímã.
5. Referências Bibliográficas
ALFONSO-GOLDFARB, Ana Maria. Da alquimia à química: um
estudo sobre a passagem do pensamento mágico-vitalista ao mecanicismo. São
Paulo: Landy Editora, 2005. BERNHEIM, Hippolythe. Capítulo Um. In: Hypnotisme
et suggestion. Paris: Octave Doin ET Fils, 1910, p. 1-
23. DARNTON, Robert. O lado oculto da revolução: Mesmer e o
final do Iluminismo na França. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das
Letras, 1988.
ELLENBERGER,
Henri F., The discovery of the Unconscious: the history and evolution ofDynamic
Psychiatry. USA: BasicBooks, 1970.
FOUCAULT,
Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 9
ed.Trad. Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
JUNG, Carl Gustave. Paracelso, um fenômeno espiritual. In:
Estudos alquímicos. 2 ed. Trad.Dora Mariana R. Ferreira da Silva, Maria Luiza
Appy. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 118-204.
MESMER, Franz Anton. Mémoire sur la découverte du magnétisme
animal. 1779.Disponível em:
http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k75421p/f2.image.langFR. Acessado em: 04/07/2011.
ZALBIDEA, Victor (org.).Alquimia e ocultismo.Trad. Maria Teresa
Carrilho. Edições70: Lisboa.1972
ZWEIG, Stefan. A cura pelo espírito: Mesmer, Mary
Baker-Eddy, Freud. Trad. Cândido deCarvalho. Rio de Janeiro: Guanabara, s/d
[1930].
Fontes:
Publicado em 25/11/2012- Licença padrão do YouTube
http://www.13snhct.sbhc.org.br/resources/anais/10/1345055132_ARQUIVO_MariaSiqueiraSantos_13CongressodeHistoriadasCiencias.pdf
Sejam felizes todos os seres.Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.
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