domingo, 19 de dezembro de 2010

O BEM E O MAL NO BANQUETE DE PLATÃO


História da Filosofia Antiga 
– Johannes Hirschberger

Platão – O mundo das Idéias

A.   O Bem em Platão

A Filosofia de Platão começa onde parou Sócrates, pela questão da essência do bem. O conceito de valor era tão multiforme no seu tempo como o é hoje. Podia exprimir um conteúdo econômico, técnico, vital, estético, religioso, ético. Para Platão, o problema do valor é um problema ético. A figura e a obra de Sócrates convidavam-no a formula-lo desse modo. Em Sócrates mesmo Platão viu o valor moral, prático e vivo. Mas como deveria êle ser concebido e determinado teoricamente? O ensinamento que Sócrates tinha deixado soava: sê sábio e serás bom.

a)     A    ciência

Mas em que consiste esta sabedoria? Simplesmente em saber? Ora, em saber e poder já tinham os sofistas feito consistir a essência rio valor humano. Sem embargo disso, são sempre refutados por Sócrates, nos diálogos da mocidade de Platão. Em vez disso, é exaltada a. ciência socrática da virtude. Esta deve, como se tem sempre interpretado, ser de todo diferente, por ser, precisamente, uma ciência do bem. Mas isto constitui uma petitio principii muito comum, pois deveríamos, já antes, saber o que seja o bem.

Com a palavra bem muito pouco se arranja, como está muito claramente explicado na Rep. 505 c. Platão nunca o perdeu de vista, e daí as suas aporias céticas no fim dos diálogos socráticos. Não são somente ironia ou momentos de lazer, úteis a provocar ulteriores indagações, mas mostram que Platão, desde o princípio, refletiu na insuficiência da resposta socrática à questão da essência do bem moral. Não há nenhum período socrático, no sentido de ter êle, Platão, então pensado exatamente como seu mestre. 

Já nos diálogos mais recentes, o Hípias II e a República I, contradiz, positivamente, a tese pela qual saber e poder sejam absolutamente idênticos. Pois então, diz com graça, o mentiroso e o homem amante da verdade, o ladrão e o guarda, deveriam identificar-se, pois saber e poder têm tanto o mentiroso como o ladrão. Mais ainda, pois então, quem praticasse o mal voluntariamente deveria ser melhor que quem involuntariamente o fizesse, pois aquele   teria  mais  ciência que este.  

  Fica  então o  juízo  deidentidade "saber é o valor" levado às suas últimas conseqüências lógicas e assim reduzido ad absurdum. Por isso, no Hípias 296 d, se ensina muito claramente: fica assim refutado que saber e poder, absolutamente e sempre, devem identificar-se com o bem. E o Menéxeno explica que saber e poder são. uma‘ , uma faculdade que se aplica a tudo.

Numa concepção em que só se cogitasse de realização e poder, o mais refinado seria de fato sempre o primeiro e o superior, e o melhor mentiroso poderia e até deveria ser o ministro da propaganda.

b)    O    fim

Aristóteles veio mais tarde a tratar desta problemática, e ensina igualmente: o saber como tal é moralmente indiferente; com êle podemos tudo fazer ; e ..se qualificamos como bom ou mau um saber e poder, condueentes tanto à mentira como à verdade, será isso por entrar aqui um outro elemento, a saber, a intenção . Ora, intenção é atividade da vontade, e o seu valor depende dos alvos e fins para que a vontade tende: sendo estes bons, então serão também bons a intenção, o saber e o poder. Aristóteles trata desse problema não menos de cinco vezes.

E isto é tão conhecido que nem precisa ser formulado, bastando apenas um exemplo (o do que manca, voluntariamente) para que os seus ouvintes o compreendam; mas fala claro onde está o erro: na falsa : pela qual, partindo-se da técnica, da pura ciência e poder, procura-se passar para o bem moral. Os fins são, certamente, também o seu ultimo critério. Na Et. a Nic. Z, 13; 1144 a 29 diz que é com os "olhos da alma" que conhecemos o bem e alcançamos o senso reto e o bom hábitoi mas "não sem já termos a virtude". Com isto o critério volta a fundar-se no sujeito.

Mas, para Platão, todo o problema gira, imediatamente, em torno da questão: Que fins? Isto mesmo já Platão o tinha visto e ensinado. É no Eutidemo onde êle sempre aponta para um algo ao qual sempre devem referir-se o saber e o poder para se revestirem de um valor. Mas o que se deve considerar como o alvo, e porque este deva ser bom, isso não está aqui ainda claro (292 c).    Ora, esta é contudo a questão capital.

c)    O    Eros

α) Lísis

No Lisis o problema recebe um bom avanço. Se cada valor , aí se diz, depende, por sua vez, de um outro, por ser o que é em virtude deste último; e esse valor superior também, por seu lado, recebe o seu caráter de valor de um" fim eme lhe é sobreposto, e assim por diante, então devemos finalmente chegar a um valor supremo de amabilidade (. Deste dependem todos os outros valores possíveis. Se não admitimos um tal fundamento supremo de valorização, uma onte dos valores, um princípio deles, como se preferir chamar-lhe, então a cadeia das relações de valores perde totalmente o valor e perde o seu conteúdo. O que Platão quer com isto estabelecer é a aprioridade da valorização. 

Ter valor significa, em última análise, sempre ser o dado primeiro, poder exigir a nossa estima e o nosso amor; valor não é o que de fato é amado, mas o que é digno de amor. Na primeira linha, isso vale do valor supremo, em dependência do qual  todos os outros recebem a razão de ser.

 
β) O Symposion.(O Banquete *)

— O Symposion, que trata do problema Filosófico do valor, ligando-o ao conceito do Eros, mostra que o bom, apesar da sua aprioridade sobre todos os outros valores humanos, mantém contudo relação com o sujeito e suas inclinações. Se o homem abraça com paixão, no Eros, o belo e o bem, é porque êle lhe pertence (οιχειον), por constituir êle a sua. natureza primitiva , o seu próprio e melhor ou; ama-o como a si próprio e, por isso, o felicita e espiritualiza. Mas, o considerar como bem o que nos torna feliz, isso é evidente e não precisa de nenhuma explicação ulterior (205 c) 

O apelar-se aqui para as necessidades e o sentimento de felicidade do sujeito, isso não significa nenhum eudemo-nismo ou nenhum hedonismo. Já no Górgias, por meio de Sócrates e contra Calicles e o seu c írculo, já Platão tinha feito a refutação de toda a moral baseada nas tendências apetitivas do homem, naturais e desregradas. E também no Symposion não é todo amor que êle o declara como santo, mas só é defendido como tal aquele amor que se declara como que de corto modo participante da beleza e da bondade supremas  e, assim, a si mesmo se valoriza. 

O bem-i mineiro vale não porque nós o. amamos, antes, pelo contrário, nós o amamos porque êle tem valor próprio;   Este é, para nós, totalmente apriori, um ser perene, sem nascimento e imortal, não aumenta nem diminui, ilimitado e não fundado em nenhum outro ser; como "bem uniforme" deseança êle era si próprio. O bem moral também não é um valor como o dos mercados, dependente da oferta e da procura. O bem moral é absoluto. 

A ética de Platão é, assim, tão objetiva e normativa como a de Kant, embora não seja uma ética de deveres. Por maior deus que possa o Eros vir a ser, não será, contudo, o belo supremo uma graça do homem, pois é anterior ao homem. Mas declarando Platão que o bem convém ao homem como à sua própria natureza e, como tal, o torna feliz e o espiritualiza, quer com isso ter em vista, o que nunca se dá com Kant, o fato que o bem exerce sobre nós uma atração, manifestando-se como bem e não somente como dever. (Cf. Hirschberger, Wert und Wissen in plato-nischen Symposíum — Valor e Conhecimento no Symposion Platônico — Philos. Jahrbuch der Görres-Gesellschaft Bd. 46,  1933).

d)    O   ser
α) Ens et bonum no Estado.
— Mas o Symposion não diz qual é o conteúdo do bem. E como se comporta a obra mestra de Platão relativamente a esta questão capital?É notável que Platão, na Rep ública, onde êle quer tratar ex-professo do bem em si  por depender de tal idéia

toda a direção do Estado, finalmente deve confessar que não pode, diretamente, dizer qual .seja o conteúdo da idéia do bem. Só indiretamente poderíamos atingir o bem, dando-nos conta dos efeitos que êle produz. E isto mesmo só é possível em imagem. É a famosa comparação da Idéia, do Bem com o Sol (505 css.).

Assim como o Sol, no domínio do mundo visível, dá a todas as coisas a visibilidade, a vida e o crescimento, assim seria, no reino do invisível, a Idéia do Bem a causa última de reconhecermos o ser, com a realidade e a essência que êle possui. Todo o existente o é pela Idéia do Bem. Mas a Idéia do Bem, em si mesma, já não seria ser, mas estaria para além do ser  sobrepujando tudo em forca e dignidade. Dêstê modo o problema ético se transforma numa consideração de ordem metafísica. É no reino do ser que deve manifestar-se também o reino do bem.   

E isto claramente abre o caminho para tornar concebível o conteúdo do bem. Basta, na ciência, captar o reino do ser, para., ao mesmo tempo, percebermos, nessas verdades, os valores. E se considerarmos os valores à luz de um principio supremo que contém tudo, e donde também eles dimanam, então, nesse fundamento último do ser, teremos, à nossa disposição, ao mesmo tempo, a fonte original de todos os valores. Por isso, a Idéia em si do Bem já não será apenas uni  postulado, mas é uma Idéia  infinitamente rica.
β) Pressupostos da metafísica dos valores.

— Esta concepção se baseia nesta consideração — que o fundamento do ser é bom exatamente por ser uma fonte original. Mas isto pressupõe a bondade do ser em si mesmo. O ser, porém, e assim chegamos ao último pressuposto, é bom porque esta ontologia o desenvolve numa forma de pensamento’ teleológico e assim o representa. Como haveremos de ver mais adiante (pág. 124), para Platão cada eidos é um "porquê" (ου ενεχα) o portanto um bem; pois o fim significa, naturalmente, um valor para o que a êle se refere e para êle tende. Donde vem o identificar Aristóteles, muito naturalmente, a causa final com o bem, e o declarar que é ela a causa ultima de todo devir e de todo o movimento (Met. A, 3; 983, a 32).

Sendo assim, a razão de Deus mover o mundo ωζ  ερωμενον é que todos os seres tendem para êle. Esta célebre doutrina dá mela Tísica de Aristóteles se torna clara à luz da teleologia eidética. de Platão. Mas em Plat ão a gênese desta forma antológica de pensamento não se encontra numa problemática originalmente antológica, mas na ética do Lisis. Neste se devo volve, pela primeira vez, aquela hierarquia teleológlca dos valores, na qual um valor depende de outro, e toda a série deles se liga a um valor supremo. E como esta concepção teleológica de eidos é universal, faz-se ela também influir como tal, na ontologia, e dá o seu cunho próprio à metafísica platônica. 

E assim, o princípio supremo do ser e, com êle, todo ser em geral, pode manifestar-se como bom. Desde que Platão criou este inundo de conceitos, toda a philosophia pe rennis admite como bom Deus, o criador do mundo, assim como, ao mesmo tempo, se admite que o ser como tal é bom. Mas, em realidade, será todo ser bom? Ainda prescindindo de todas as abominações da história do mundo, que contudo também foram realidades, nem por isso o mundo é completamente período, mesmo onde o homem não surge com a. sua dor.  

  Há também um malum physicum.   Mas então Deus não reina sobre um abismo de horrores, e aquele princípio do ser, donde toda realidade brota, não é também o princípio do mal e, portanto, não mais um "bem uniforme"?

γ) Ser selecionado

—Entretanto, toda a Filosofia antiga considera só o ideal, quando fala do ser, sendo o malum um não-ser. Assim também Platão. Sim, é êle, certamente, p fundador dessa ôntica selecionada. Todas as considerações posteriores do malum, como uma privatio _., pressupõem a ontologia de Platão, mesmo lá onde dela já não se tem consciência. Mas o próprio Platão, nessa altura, ainda não tomou consciência de que, procedendo assim, aplica de antemão um critério seletivo, constituindo, desse modo, uma ontologia já a priori determinada por princípios de valor e, portanto, limitada. Não é, de maneira nenhuma, o ser total, apreendido na verdade teórica, que forma o fundamento do bem, mas somente o ser ideal, i. é, já determinado por princípios de valor. 

Mas isto significa que o importante para o conhecimento do bem não é o ser como  tal, mas aquele critério de valor que separa ser de ser. Também já temos aqui um primado da razão prática. Contudo, não se tem consciência disso. Só na Filosofia moderna, na ética de Kant e na Filosofia dos valores, erige-se em problemas esse conhecimento dos valores na sua originalidade e independência. Para Platão, por ém, o caminho do bem se alça imediatamente sobre o "ser" e a "verdade".

e)    O    prazer
α) Os Diálogos da, velhice sobre o hedonismo.

— Embora Platão, na República, tivesse deslocado o problema ético para o plano da metafísica, e assim rasgado o seu caminho típico, contudo não o deixou indiferente a problemática puramente ético-fenomenológica. Ocupa-se com ela no Teeteto simultaneamente com o tratado do sensualismo, nas Leis, e particularmente no Filebo. Agora a questão que se formula é: é talvez o bem idêntico com o prazer? A isto foi dada, já no Górgias, uma resposta negativa, por meio de Sócrates. Mas a questão não se aplacou, na Academia. Ponto central das discussões parece terem sido as opiniões de Aristipo e Eudoxo de Cnido. A elas devia Platão dedicar um estudo minucioso. Começa logo por elucidar o conceito.  

  O prazer abrange tudo.    
O dissoluto tem prazer, bem como o temperante e o virtuoso; o tolo tanto como o sábio: o comum em todos, e por aí o essencial ao prazer, é mister procurá-lo nos apetites e desejos que surgem no sujeito puramente individual, e na sua satisfação (F/7. 12 d; 34 e ss.). 

O bem seria então o que cada um deseja, e justamente pelo desejar e pela satisfação que causa. O valor vem do fato de "parecer bom" e "agradar" de uma "inclinação", como dirá Kant. Isto foi a teoria de Eudoxo: coincide, na realidade, com o que se põe na boca de Protágoras, no Teeteto, mas que, em verdade, pertence a Aristipo, representante aqui de uma teoria do valor paralela ao sensualismo teorético-cognoscitivo de Protágoras. Em questões de vivências de valor, como nas concernentes ao útil, ao belo, à alegria, ao bem e ao justo, tudo se resolve pelo puro sentimento pessoal. Nessa matéria cada um é independente.

O que lhe parece de valor, na realidade para si o é. Se há ou não razão para alegar-se e eomprazer-se, é-lhe indiferente; compraz-se, em todo caso, e de sua vivência ninguém pode privá-lo. Pois isso lhe está imediatamente presente, presente no pathos sensível experimentado, na "afeição da faculdade apetitiva inferior"’, como se exprimirá KANT mais tarde. Donde vem o lhe ser isso sempre "verdadeiro", "evidente" e "inamissível"  (Tcct. 160 c; 178 b; Fil. 37 a b).

β) Crítica de Platão.

— Platão, embora represente uma ética da verdade e da justiça, nunca foi. rigorisra como Ivant. Sobretudo na velhice, compreendeu que importante papel desempenham na vida o prazer e o amor. Na ética, diz êle, devemos tratar, não com os deuses, mas com os homens. "O natural humano consta, antes de tudo, do prazer, da dor, dos desejos, e toda criatura mortal lhes está ligada com peias inevitáveis, e deles pende por todas os laços do coração" (Leis, 732 d). Por isso decide-se êle no Filebo por uma vida, misto de prazer e virtude, inteligência e paixão. Mas nunca erigiu o prazer em princípio moral. Tanto é verdade, que êle restabelece, contra o cinismo, o verdadeiro valor da alegria; e assim contra o hedonismo dos cirenaicos e todas as formas de eudeinonismo, para os quais a origem e a essência de todo valor, em geral deve procurar-se no prazer e em nada mais.

A isso tudo opõe êle três considerações. Primeiro, não é verdade seja o critério último da verdade um sentimento subjetivo, momentâneo1, sensível. Pois, freqüentemente, se revela mais tarde como, na realidade, um anti-valor, o que momentaneamente nos parecia um valor. Falamos, então, de prazer verdadeiro e falso, empregando já uni critério objetivo; e assim, já não é preponderante a vivência do prazer como tal, não sendo portanto nem a origem nem a essência do valor (Teet. 169d até 187;.Fil. 36c-53b). 

Além disso, o prazer seria um apeiron, algo de indeterminado, susceptível de mais e de menos. Por isso mesmo não tem um sentido unívoco, e poderia muito bem que fosse dor o que nos parece prazer, pois também a dor é suscetível de mais e de menos (Fil. 27d-31c)., E, finalmente, o prazer pertence ao reino do devir, pois é vivência e paixão. Êle inclui assim o vai-vém da vida, pode destruir-se e perturbar-se. Isso não pode passar-se com o bem verdadeiro, pois pertence ao reino do ser (Fil. 53c-55d).
γ) Ordem do prazer.

— Por isso o prazer, na medida em que deve ter um lugar em nossa vida, deve ser regrado pela medida, pela justiça, pela razão e pela inteligência. È a conclusão final do Filebo. O prazer é. então, seqüência, e não princípio do bem moral. A vida é regulada por uma ordem ideal. Ela é, ao mesmo tempo, o fundamento da alegria e do prazer. Não é o prazer que proporciona o bom, antes, é o bom que causa o prazer. ‘"Que bem seria tal para o justo, que não trouxesse consigo, simultaneamente, um sentimento de prazer, e portanto algo de agradável?" (Leis, 663a). 

Mesmo para o prazer estético é válida esta lei. Não a aprovação de um homem bom qualquer decide sobre a verdadeira e pura beleza, mas a dos homens ilustrados e moralmente os melhores, por possuírem eles a inteligência e a retidão objetiva, constitutivas da essência do belo (Leis, 658 e). O que na vida pessoal e moral constitui deveras o fundamento da felicidade é a. justiça, e não o que sentimos e temos como tal: "O que a grande niultidão denomina bens não são verdadeiros bens… A saúde, a beleza, a riqueza, as vantagens do corpo, a posição e o poder conducente à satisfação de todos os desejos, uma vida longa, mesmo imortal, se passível fosse… 

Mas vós e eu exprimimos bem a opinião que têxlas estas coisas, para os homens honestos e tementes a Deus, são certamente uma bela posse; mas para os desonestos, em geral e em especial, sobretudo a saúde, são muito prejudiciais; pois ver, ouvir, apalpar e viver em geral e, se possível, na posse da imortalidade, e de todos os bens referidos, sem a justiça e as outras virtudes é a máxima infelicidade" (Leis, 661a).  

E o mesmo passa na vida pública.   "Se uma oligarquia ou democracia, toda entregue ao ímpeto interior do prazer e dos desejos, .só atenta à satisfação deles e por isso nunca satisfeita com o que já conseguiu, mas esporeada por uma paixão sem fim e insaciável…, posa com os pés todas as leis, então, em tal caso, não lhe dá nenhuma possibilidade de salvação" (Leis, 714 b).

f)    O    mal
α) Problemática do mal.

— Tratando Platão do bem tão largamente, deveria, correlatamente, suscitai-se o problema do mal: tanto no sentido de mal natural (malum physicum) como no de mal moral (malum moralc). Mas, a este respeito, Platão se cala. De temperamento completamente positivo, nenhum lugar concedeu ao negativo no seu pensamento. Mas o seu idealismo n ão o. transviou de modo a perder de vista todo o fato do mal; ao contrário, escreve num sentido bastante realista: "O bem, para nós homens, é de muito supo-rado pelo mal" (Rep. 379 c).

E, em acepção frisanteniente profética, diz em outro lugar: "Se o justo aparecer na terra, será açoitado, atormentado, posto em cadeias, cegado de ambos os olhos, e, finalmente, depois de todos os martírios, pregado numa cruz, para chegar á compreensão que o importante neste mundo não é o ser justo, mas parecê-lo" (Rep. 361c). Mas no seu sistema filosófico o mal não entra em nenhuma categoria. O ser, que Platão reconhece como o ser verdadeiro e real, é somente o ser ideal.

β) Um princípio do mal?

— Por isso não considera ser o que se lhe opõe. Assim se exprime: o mal é uma realidade, mas não é "justo", não é um ser ideal. Posteriormente chamar-se-á  a  isto privatio :    falta-lhe  algo  que deva ser. Mas esta fórmula só se aplica à questão teórica, o assim pode-se ainda perguntar, e Platão pergunta: mas por que há no mundo o oposto ao bem? Sua resposta é: pelo mal moral, e o homem o responsável. 

Deus é sem culpa Quanto ao mal físico — a doença, o sofrimento, a miséria e a morte, o seu fundamento está no limitado do mundo visível. São coisas coincidentes (Teet, 176 a). Mais tarde nascerá desta doutrina, que para Platão é apenas um meio de explicar a lacunosa perfeição do mundo, a teoria de que a matéria, como tal, é má.    Este maniqueísmo,  de muito mais amplas conseqüências, não se encontra ainda em Platão. Contudo, fala-se muitas vezes de uma alma do mundo má, cuja existência êle deve ter ensinado (Leis, 896ss.). Ela é a causa necessária da aparição do mal no domínio do físico e do moral.

Talvez se manifestem ocasionalmente na Academia tais correntes parsísticas. Mas, no pensamento de Platão, não há nenhum lugar para um princípio do mal. Êle ensina, além disso, expressamente, que não têm nenhuma, significação as influências das "más-almas", ao lado das da alma do mundo. Donde o ser verossímil que a chamada má-alma do mundo nada mais é do que uma transitória reflexão sua.

γ) Limites do platonismo.

— Mas o mal é uma realidade inegável. O não poder êle incluir-se na Filosofia platônica é, certo, uma falha inerente a todo idealismo. Platão se ocupou, mais de uma vez, com essa questão conjuntamente com a sua doutrina sobre Deus. O que constitui a preocupação de toda a teodicéia posterior, também não o deixou tranqüilo: se há um Deus, como pode então ser o que se passa no mundo, como se Deus não existisse ou como se êle com o mundo não se ocupasse? Por aqui se acha pois formulado o problema do mal.
Fonte:
CONSCIENCIA.ORG

http://www.consciencia.org/o-bem-e-o-mal-no-banquete-de-platao-historia-da-filosofia-antig
Fonte: Ed. Herder.

Última Modificação: 26 abr, 2010.

Nenhum comentário: