quarta-feira, 11 de maio de 2011

A VERDADE COMO REGRA DAS AÇÕES - Farias Brito








Farias Brito (1862-1917)
 
- Uma antologia organizada por
Gina Magnavita Galeffi. 
GRD-INL/MEC (1979)

ENSAIO DE FILOSOFIA MORAL COMO INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

Esta obra publicada em 1905 em Belém do Pará é considerada pelo próprio autor "um ensaio de filosofia moral como introdução ao estudo do direito" e "complemento prático" de sua maia ampla obra, a Finalidade do Mundo.
Nela notamos a preocupação do professor e do bacharel em Direito que quer apresentar a seus alunos os assuntos que irá desenvolver ao longo do curso. Durante alguns anos Farias Brito foi de fato professor contratado da Faculdade de Direito para ensinar como lente substituto.

Logo no Prefácio o leitor fica conhecendo o propósito do autor e sua firme convicção de estar construindo um sistema coerente de pensamento. "Trata-se, no fundo" ele escreve "de deduzir um critério da conduta sendo que, a meu ver, é a filosofia moral que deve servir como introdução necessária ao estudo do direito". Declara em seguida: "Eu vou neste ensaio explicar que é também a verdade que se impõe como regra de nossas açôes".

Apresenta então os pontos do programa que irá desenvolver, 40 ao todo. Na realidade não desenvolveu senão 13 que constituem o Livro I e o II desta publicação.

A moral para ele é ciência da ação e ideal de conduta. Este ideal consiste em viver moralmente, isto é, segundo a razão. As normas de conduta são pois impostas pela própria consciência.
Considerando as relações entre direito e moral afirma que os dois coincidem substancialmente, só que no direito a lei que não pode, pelo menos em princípio, estar contra a moral é tutelada ooatiavmente pelo poder público.
A moral, em suma, é um todo do qual o direito é uma parte.

Viver segundo a moral 
é viver segundo a razão 
e portanto conforme a verdade.

Esta regra tem o valor de um axioma e duas são as formulações que se podem dar ao imperativo da conduta: Age de maneira a não te afastar da verdade; Age de maneira ao que pensas ser a verdade, isto é, em conformidade com tuas íntimas convicções.

Depois de ter examinado e interpretado à sua maneira os conceitos de moral, direito e dever, Farias Brito passa, na segunda parte do livro, a expor as principais tentativas de sistematização da consciência jurídica contemporânea e interrompe, por razões várias, o plano traçado.


LIVRO I
O IDEAL DA CONDUTA PONTO DE VISTA FUNDAMENTAL
Capítulo I(¹)

FUNÇÃO TEÓRICA E FUNÇÃO PRÁTICA DA FILOSOFIA,

CIÊNCIA E RELIGIÃO:RIQUEZA E MORALIDADE

A ciência é o conhecimento organizado e verificado; a filosofia é o conhecimento em via de formação. Em outros termos: a filosofia é a organização do conhecimento científico; é a investigação do desconhecido; é a atividade mesma do espírito, elaborando o conhecimento e produzindo a ciência. Como tal, é uma atividade permanente, compreendendo-se assim a expressão de Leibniz: perennis philosophia; o que exatamente quer dizer que se trata aí de uma atividade permanente do espírito humano.

A filosofia vem, pois, em primeiro lugar, como princípio de atividade; só depois aparece a ciência como produto dessa mesma atividade; podendo-se dizer, para explicar o fato por uma imagem, — a filosofia é como uma árvore de que resulta como fruto a ciência.

É uma ideia que está em antagonismo radical cem a opinião comum que dá a filosofia como um produto das ciências, e só a admite como uma sistematização geral do conhecimento científico. É a intuição positivista, ou a chamada filosofia científica.
(1) pp. 17-21

Mas esta ideia se justifica
1.°) Pela significação etimológica da palavra;

2.°) Pelo exame crítico da inteligência; 3.°) Pela história mesma do pensamento.

Examinemos em rápidas linhas esta justificação.
1.°) Justificação pela significação da palavra. A palavra filosofia vem do grego philos e sophos e significa assim originariamente amor da ciência. Ora, se se trata de amor, é evidente que se trata de uma força mesma do espírito. A filosofia não é, pois, um produto, mas uma atividade espiritual. A ciência sim, é que é um produto dessa atividade. Depois, o amor é a força geradora, o princípio criador, portanto. E neste caso se a filosofia é o amor da ciência, logo por aí se vê que é o princípio gerador, a força criadora da ciência.

2.°) Justificação pelo exame crítico da inteligência. A filosofia é a investigação do desconhecido. Esta investigação resulta de uma necessidade fundamental de nosso espírito: a necessidade de saber, que se manifesta como uma sede que nunca se esgota. Ora, a necessidade é força que nos leva a agir, é mesmo a causa originária na determinação das ações. Vê-se, pois, evidentemente, que a filosofia se nos apresenta como um princípio de atividade: ela é, de fato, a atividade mesma do espírito; é o espírito mesmo elaborando o conhecimento; é o espírito investigando, analisando, estudando e, era consequência desta investigação, desta análise, deste estudo, produzindo a ciência.

3.°) Justificação pela história mesma do pensamento. Mas o que demonstra a verdade desta ideia, por modo mais rigoroso e positivo, é a história mesma do pensamento. Não é preciso ir muito longe, basta remontar até à história dos gregos. Ninguém desconhece que o conhecimento científico começou por um todo informe? e foi só sucessivamente que deste todo informe se foram, com períodos mais ou menos longos, destacando as diferentes disciplinas científicas. Destacou-se do conjunto filosófico, como ciência independente, em primeiro lugar, a matemática; depois a astronomia; depois a física, a química, a biologia, etc.

É assim que com razão diz Roberto Ardigo:

"A filosofia é a concepção do problema científico; 
a ciência é a sua solução". 

É por isto que as ciências particulares foram precedidas pela filosofia. Mas conquanto as ciências sucedam à filosofia, não se segue daí que façam com que a filosofia desapareça; ao contrário, desenvolvendo-se, as ciências ao mesmo tempo se tornam causa que logo suscita novos problemas. A ciência particular é o conhecimento determinado (il distinto mentaíe), precedido por um conhecimento indeterminado (un indistinto) que forma o objeto da filosofia. Existe, pois entre a ciência e a filosofia uma relação de consequente e antecedente.

Ardigo chama ainda a filosofia "a nebulosa primordial das noções problemáticas que dá pouco a pouco nascimento a um corpo de conhecimento"; é "a matriz eterna da ciência, do mesmo modo que a natureza é a matriz eterna das diversas formas que nela se encontram…

A filosofia, o estado caótico (l’indistinto) do pensamento,
é um infinito que produz a série sem fim 
das disciplinas científicas determinadas".

Em conclusão: a filosofia é uma atividade que tem por função própria produzir a ciência. É o que se pode chamar a função teórica da filosofia.
Mas ao lado dessa função teórica, acontece que a filosofia tem também uma função prática. Quer dizer: investigando o desconhecido, a filosofia não só vai sucessivamente constituindo as diferentes disciplinas científicas, com ao mesmo tempo tende necessariamente a abraçar o todo universal, alargando-se cada vez mais na esfera de sua atividade, e lançando as bases para uma concepção do mundo.

Nisto a filosofia se transforma em metafísica e deduz as leis da conduta, explicando ao homem:

1.°) qual a significação racional da natureza;

2.°) qual o papel que representamos no mundo;

3.°) como devemos proceder nas múltiplas relações da vida. É o que se pode chamar a função prática da filosofia. Por onde se vê que da filosofia resultam duas coisas: teoricamente, o conhecimento científico; praticamente, a dedução das leis e a ordem moral da sociedade.

O homem tem sobre todos os outros seres este privilégio excepcional: que é ele próprio quem formula as leis a que deve obedecer. Ora, é justo dizer: quem formula as leis a que deve obedecer, tem consciência de si mesmo. É a propriedade da natureza humana. Nisto precisamente consiste a liberdade que, na sua significação real e mais profunda, não é senão a consciência da açao. É a superioridade do homem. 

E como esta consciência da ação é, em cada um, naturalmente tanto maior, quanto maiores são os seus conhecimentos, quanto mais clara se faz a sua percepção das coisas, daí se segue que a liberdade, por sua vez, é uma conquista do espírito, que é um princípio, uma força que tanto mais cresce, quanto mais se aprofunda o homem em seus conhecimentos. E não basta que o homem se conheça a si mesmo como princípio de atividade; é preciso que conheça também a natureza; teatro em que esta atividade se exerce. De modo que é da noção do conhecimento que resulta o conceito da liberdade, sendo que é pelo conhecimento que o homem se torna livre. 

E sendo, como vimos, a filosofia, o princípio gerador do conhecimento, logo por aí se compreende que é também da filosofia que nasce a liberdade, e com esta o direito que não é senão o organismo objetivo da liberdade, no dizer de Rudolf von Ihering.

A filosofia não é, pois, 
somente conhecimento abstrato; 
é também força social, força viva, 
capaz de exercer influência sobre a sociedade; 
e esta influência é real e decisiva, 
pois é da filosofia que nasce o sentimento moral.

Resta acrescentar que, assim compreendida, a filosofia se confunde com a religião. A religião de fato é a filosofia mesma, considerada em sua função prática. Isto facilmente se compreende, considerando que toda a religião é uma comunidade de princípios, uma comunhão de ideias. Diversos indivíduos que se sentem unificados por uma convicção comum, são naturalmente levados a formar uma agremiação, sentindo-se bem, pela formação desse corpo harmónico, na unidade da mesma crença e do mesmo ideal: é o que se chama.religião. Quer dizer: a religião é a filosofia mesma passando do mundo das abstrações para o mundo da realidade, do pensamento para a vida; é a filosofia deduzindo as leis da conduta e organizando, espontaneamente e sem coação a sociedade, só pelo acordo das convicções; 

numa palavra:
a religião é a moral organizada .

É o que claramente se vê considerando a filosofia de um só golpe, em sua dupla função teórica e prática. Resultam daí, por um lado, as ciências; por outro lado, a ordem moral. Mas as ciências, por sua vez, podem ser consideradas de dois modos: como ciências puras e como ciências aplicadas. 

Quer dizer: as ciências podem ser consideradas como disciplinas destinadas a organizar, consolidar e sistematizar o nosso conhecimento; e podem também ser consideradas como disciplinas tendentes a dirigir a nossa atividade produtora, tendentes a impulsionar, organizar o trabalho. É assim que nascem: das ciências naturais, a medicina e a farmácia; das ciências jurídicas, a jurisprudência e a prática dos tribunais; das ciências sociais e económicas, a arte dos economistas e financeiros; das ciências físicas e matemáticas, a arte dos engenheiros e mecânicos.
É a distinção que vai da anatomia para a fisiologia,
do órgão para a função. 
As ciências se tornam então 
o princípio ativo das indústrias, 
a força produtora da riqueza.

Do mesmo modo, considerando-se a filosofia em sua função prática, há também a distinguir duas coisas:

l.a) que ela formula uma concepção do mundo, elevando-se à consideração da ordem da natureza e à contemplação da verdade abstrata;

2.a) que deduz daí, pela compreensão de nosso destino, as leis da conduta. Ora, desde que deduz leis, tende a organizar. É a génese da religião. É, ainda aqui, a mesma distinção que vai da anatomia para a fisiologia, do órgão para a função.
Capítulo II (¹)

A MORAL COMO CIÊNCIA DA AÇÃO. A MORAL COMO IDEAL DA CONDUTA. O DIREITO COMO COMPLEMENTO DA MORAL. DISTINÇÃO ENTRE A MORAL E O DIREITO.

Dá-se o nome de ação, no sentido ético, a tudo o que o homem faz no exercício de sua atividade, a toda a deliberação seguida de execução. Mas sempre que o homem faz qualquer coisa, que delibera e da deliberação passa à execução, acontece que realiza certas operações, que se move e ao mesmo tempo põe em movimento outras coisas de que se serve como instrumentos. Isto quer na esfera da consciência individual, quer na esfera da consciência coletiva; quer se considere o indivíduo, quer se considere a sociedade, isto é, qualquer corporação ou coletividade.

Assim é uma ação qualquer movimento do homem em execução de alguma deliberação sobre qualquer negócio ou incidente; e é também uma ação, por exemplo, o movimento de um exército que se põe em marcha para ir ao encontro do inimigo. Por onde se vê que toda a ação é sempre um movimento, ou mais precisamente, um complexo de movimentos. Mas neste caso, em que se distingue o movimento em que se resolvem as ações dos homens, dos outros movimentos que observamos na natureza? Em outros termos: em que se distinguem as nossas ações do movimento realizado pelos corpos no espaço.
 
Esta distinção é claríssima e consiste nisto: que o movimento dos corpos se realiza inconscientemente, ao passo que as nossas ações são feitas com consciência. Sempre que qualquer corpo se move, sofre a ação de uma força exterior, quer dizer, é determinado por uma causa, — de onde a lei: não há efeito sem causa. Sempre que o homem realiza qualquer coisa, pratica um ato de vontade, quer dizer, é determinado por ação de uma ideia, por um pensamento ou um sentimento, e tende a realização de um fim; de onde a lei: não há ação sem fim. É assim que, passando da esfera da natureza para a esfera da atividade humana, a lei de causalidade se transforma em lei de finalidade.

Deste modo podemos dizer, em conclusão: na natuerza, isto é, nos fatos puramente mecânicos, domina a lei de causalidade; nas ações do homem domina a lei de finalidade. O movimento e a ação são, pois, dois fatos essencialmente distintos: o primeiro, fato puramente mecânico; o segundo, fato ao mesmo tempo mecânico e psíquico; um, somente exterior, objetivo; outro, ao mesmo tempo objetivo e .subjetivo, exterior e interno. 

Ora, há uma ciência especial para o movimento; é a mecânica, ou em sentido mais amplo a dinâmica, compreendendo esta: o estudo do movimento em suas manifestações gerais e abstraías, é a mecânica propriamente dita; e o "estudo do movimento em suas manifestações especiais e concretas, — são a física, a química, a astronomia, a geologia, etc. E se há assim uma ciência ou um conjunto de ciências para o movimento, não deverá também existir uma ciência ou um conjunto de ciências para a ação? Esta ciência ou este conjunto de ciências existe de fato: é a moral. Pode-se, pois. dizer, 

em síntese: 
a dinâmica é a ciência do movimento: 
a moral é a ciência da ação.
(D pp. 22-27

Assim considerada, a moral é o que se chama ordinariamente a moral especulativa, ou a moral teórica. Não é isto, porém, o que nos interessa por enquanto. O que particularmente nos interessa, e o que temos em vista aqui, é a moral deduzindo leis e regulando os atos do homem; numa palavra, a moral prática, ou mais precisamente, a moral como ideal da conduta.
Viver conforme a moral é viver conforme a razão, isto é, conforme os princípios que a razão estabelece. São precisamente estes princípios que constituem o ideal da conduta. Eles se resolvem em regras de ação e são as leis da ordem moral que se objetivam nos costumes e são transmitidas de geração em geração, sob a forma de preceitos e máximas, de prescrições que devem ser observadas em todas as relações da vida. 

A antiguidade os imaginava revelados pela própria Divindade. A civilização hebraica os consolidou no Decálogo; e os gregos e romanos, aproximando-se mais da verdade hoje confirmada pela observação e estudo dos fatos, os fizeram dependentes da cogitação dos filósofos, mas, em todo o caso, ainda os faziam derivar da voz dos oráculos, manifestação da vontade dos deuses. Mas é a nossa consciência mesma que os inspira e deduz, sendo que a moral, como o direito, como a religião, como as indústrias, as artes e todas as outras manifestações da cultura humana, que são o fundamento e base da civilização, são produtos da inteligência.

E se os grandes legisladores acreditam receber a lei, por inspiração da Divindade, como sucedeu a Moisés, como sucedia ainda a Numa Pompílio, a isto se pode chamar a vertigem da consciência mesma.
De toda a forma pode-se definir a moral nestes termos: é a norma de conduta imposta pela própria consciência.
É o que se chama a lei moral, a Lex eterna: é o imperativo categórico de Kant.

Esta lei nos impõe deveres, e estes podem ser reduzidos a duas fórmulas fundamentais: 
1.°) fazer o bem; 

2.°) não fazer o mal.

Se os homens fossem todos bem intencionados e bons, a lei moral, por si só, seria suficiente para assegurar a ordem social. A paz se faria pela concórdia das consciências, pela harmonia das vontades. Mas assim não sucede. Pelo contrário, a tendência natural do homem é para o mal. Cada um quer dominar sobre todos e sobre tudo; cada um quer ter o seu maior quinhão nos bens que a natureza distribui.

Daí as divergências, os antagonismos e a luta contínua que se observa entre os homens, refletindo-se na comunhão social o mesmo combate pela vida que constitui o fundo da natureza animal. Ora, para ter valor, para ser verdadeiramente eficaz, a lei precisa de uma sanção. 

A sanção consiste unicamente 
na condenação da própria consciência 
e na execração da consciência dos outros. 

Se o homem pratica o mal, 
em face da própria consciência se rebaixa, 
ao mesmo tempo que o condena a consciência pública. 
É a sanção moral.

Esta, porém, não basta, porque a maior parte dos homens nem se aterrorizam com o rebaixamento em face da própria consciência, nem deixarão de praticar o mal por saber que hão de ser condenados e execrados pelos outros homens. É preciso, pois, que venha em auxílio da lei uma sanção material: é a significação do direito.

Nasce desta necessidade o poder público que organiza o estado e assegura, pelo emprego da força, o cumprimento das leis cuja violação põe em perigo a ordem social.

Pode-se, pois, definir o direito nestes termos: é a norma de conduta estabelecida pelo poder público e assegurada coativamente por uma sanção material.

Há, pois, uma norma de conduta consagrada pela própria consciência: é a moral. E há uma norma de conduta estabelecida pelo poder público: é o direito. São dois sistemas diferentes de leis? Não, porque a lei que o direito estabelece é a mesma lei moral.

Mas então em que se distingue a lei moral da lei jurídica? 
Em outros termos: 
qual é a distinção essencial entre o direito e a moral?
 
Esta distinção é dupla. Em primeiro lugar o direito acrescenta à lei moral um elemento externo: a força No direito a lei moral é assegurada coativamente pelo emprego da força. É neste sentido que se pode dizer: o direito é força. Há então da moral para o direito a mesma distinção que vai da ideia para o corpo.

A moral é a idéia; o direito é esta mesma ideia, manifestando-se exteriormente e reagindo como força, contra a violação da lei. Depois nem toda a lei moral precisa de ser reduzida a direito; mas somente aquelas cuja violação põe em perigo a ordem social. É, pois, somente uma parte das leis morais que devem constituir o direito; por onde se vê que o direito, sob este aspecto, está para a moral como a parte para o todo.

A moral, como vimos, impõe duas ordens de deveres: fazer o bem — é a fórmula aceita por Schopenhauer e reproduzida por Ernst Marcus: omnes, quantum potes, adjuva; e não fazer o mal — é a fórmula atribuída por Giuseppe Carie aos epicuristas e também aceita igualmente por Schopenhauer e Ernst Marcus: neminem laedere. São somente os deveres referentes a esta última fórmula que devem ser reduzidos a direito, isto é, que devem ser assegurados coativamente. 

Se o homem, podendo, deixa de fazer o bem, 
a si mesmo se rebaixa, nega a crdem moral 
e a si mesmo se nega; 
mas nao põe em perigo a ordem social. 

Por isto não pode, ou não deve o direito aí intervir. Mas se ele faz o mal, se ele ofende a seus semelhantes, já na vida, já na honra, já na propriedade, seguramente perturba a ordem social, e portanto tem o poder público a obrigação de intervir, contendo-o nos limites da lei. De maneira que o Estado ou o poder público que o representa, não tem o direito de obrigar o homem a fazer o bem, mas tem o dever de impedi-lo de fazer o mal.

O direito é, pois, a própria lei moral, com esta diferença: que no direito a lei moral é assegurada coativamente pelo poder público. Assim a moral é o todo de que o direito é apenas uma parte, nem outra coisa se poderia imaginar, sendo que o direito nascido da política, que é uma concepção da sociedade, não poderia deixar de estar subordinado à moral, nascida da filosofia, que é uma concepção do mundo. O direito é apenas aquela parte das leis morais de que o poder público constitui a ordem jurídica, reduzindo-as a leis positivas. Em outros termos: 

é a lei moral que constitui a atmosfera
em que gira o direito, 
do mesmo medo que é a religião 
que constitui a atmosfera em que gira a moral.

Há de um lado o poder público, o parlamento, os tribunais, o governo, numa palavra, as corporações políticas, e nisto consiste a ordem jurídica. Há, de outro lado, o livro, a propaganda, o ensino, além das corporações filantrópicas e daquelas que fazem da educação e do ensino o princípio e essência da virtude, e nisto consiste a ordem moral. De uma e outra coisa nasce a lei: da ordem política, a lei jurídica, da ordem filosófica, ou mais precisamente, da ordem religiosa, a lei moral. E digo ordem religiosa, porque, em verdade, filosofia, educação e ensino, como filantropia e caridade, tudo isto é religião.
Uma lei está subordinada a outra, bem se vê, porque a lei suprema é a lei moral. Vem primeiro como necessidade fundamental a lei moral; vem depois como complemento o direito.

São duas leis da mesma essência e que exercem a sua ação conjuntamente: todavia não se confundem; há entre elas uma distinção claramente acentuada.
Eis aqui em síntese esta distinção:
O homem, como parte da humanidade, deve, só por força das imposições da consciência, obedecer aos preceitos da moral, criados pela filosofia e julgados pela história que é o tribunal universal. Eis o domínio da moral.

O homem ainda por força daquele mesmo princípio, e como membro da nação, deve obediência ao governo e às leis, procedendo sempre de conformidade com a ordem política criada pela nação e sancionada pelo Estado que, se ele por ventura se torna rebelde, o contém por meio da força. Eis o domínio do direito.

Capítulo V (¹)

AS LEIS MORAIS E JURÍDICAS. SUA SIGNIFICAÇÃO PRÓPRIA: A LEI COMO CONVICÇÃO COMUM, A LEI COMO CONVICÇÃO DA CONSCIÊNCIA COLETIVA.

Ficou estabelecido que devemos proceder sempre e em todas as relações da vida de conformidade com a verdade. É a forma objetiva do critério da verdade. Mas a verdade, sabem todcs, é, até certo ponto, um ideal inatingível; erramos a todo o instante sobre as coisas mais simples; não conhecemos a natureza; não conhecemos a sociedade de que fazemos parte; não conhecemos a nós mesmos. Como aplicar, pois, o princípio?

Torna-se necessário modificá-lo, adotando uma fórmula mais acessível às nossas forças, mais prática, mais eficaz e, sobretudo, aplicável a todas as modalidades da ação. Eis aqui: é nosso dever proceder sempre e em todas as relações da vida de conformidade com o que pensamos ser a verdade, isto é, de conformidade com as nossas convicções. É o critério subjetivo da verdade. O primeiro, sendo observado rigorosamente, daria em resultado uma moralidade absoluta; mas esta existe apenas como ideal; deve ser a nossa aspiração suprema; mas não pode ser atingida. 

O segundo dará em resultado uma moralidade relativa. É ainda deficiente, incompleta; mas é a única compatível com as condições da nossa existência social. A perfeição existe somente quando as nossas convicções são verdadeiras, isto é, quando o critério subjetivo coincide com o critério objetivo. 

É o ideal a que todos devemos aspirar, 
de onde resulta que a busca da verdade
é o primeiro dos nossos deveres.
(1) pp. 45-59

É a doutrina de que já dei uma ideia em outra parte quando disse: de dois modos pode o homem proceder na sociedade: de conformidade com as suas convicções ou de conformidade com os seus interesses, paixões, etc. Nem se compreende que possa proceder de outro modo, a menos que não se ache em seu estado normal, que obedeça a uma necessidade orgânica irresistível, que obre como louco, sem consciência do resultado de suas ações, ou que seja impelido por uma força exterior superior à sua vontade. 

Pode-se assim estabelecer que o grau de moralidade está na razão inversa do sacrifício das convicções a conveniências; e, adotada esta regra, pode-se afirmar que aquele que nunca sacrifica as suas convicções a conveniências é um homem perfeito. E para conseguir esta perfeição, cumpre notar, é necessário que o homem se esforce. Às vezes acontece que as nessas convicções coincidem com as nossas conveniências. Neste caso o homem é feliz, mas não tem grande mérito; falta aquilo que constitui o verdadeiro merecimento: o sacrifício, a luta, o esforço individual.

Pode acontecer que uma ação seja subjetivamente boa e objetivamente má. Isto se dá quando o homem procede em obediência a uma falsa convicção: a ação deve então ser condenada, mas o agente não merece censura, uma vez que foi sincero. E pode suceder o contrário, isto é, que o homem seja levado a agir por determinação de uma intenção má, estando convencido de que a verdade e o dever são exatamente o contrário, e, entretanto, acerte por erro. Neste caso a ação deve ser aprovada, mas o agente praticou um ato imoral: o bem não é então obra sua, mas do acaso.

A sinceridade vem a ser, pois, uma grande virtude, 
de onde resulta ao mesmo tempo que a hipocrisia
é o mais hediondo dos vícios. 

A hipocrisia é, de fato, 
a personificação consciente da mentira,
a negação absoluta da moral.

É a significação profunda da criação genial de Molière. Tartufo é uma grande figura moral, é o ideal negativo da moralidade.

Temos, pois, um princípio: deve o homem obedecer sempre à inspiração de sua consciência, deve o homem proceder sempre de conformidade com as suas convicções. O contrário disto seria negar o que a consciência afirma, seria negar-se a si mesmo. Mas resulta daí uma grave dificuldade: é que as nossas convicções são variáveis e incertas, sendo certo que não só variam de indivíduo a indivíduo, como, no mesmo indivíduo, a todo o instante podem mudar. 

Quantas vezes não acontece que num grupo de indivíduos, sobre o mesmo assunto, cada um pensa de modo diferente, isto não somente se tratando de questões de alta complicação, porém mesmo se tratando de questões da mais fácil compreensão? É muito comum. E, considerando-se o mesmo indivíduo, quantas vezes não nos sucede verificar que o que imaginávamos ontem ser a verdade, hoje reconhecemos ser um erro grosseiro, evidente; e vice-versa? 

 Ora, sendo assim, como obter a regularidade, como obter a uniformidade e a fixidez nas ações? Vê-se que se as nossas convicções são a única regra de conduta, o resultado não pode ser senão a anarquia. É aqui que se apresenta a necessidade imperiosa da lei.

Mas o que é a lei?

É o que passamos a examinar. O homem não é um ser isolado. É ao mesmo tempo um todo e uma parte; um todo como indivíduo completo que é; e uma parte como membro da comunhão social. Deste modo não é somente às suas convicções pessoais que deve obedecer, mas também às convicções da coletividade; e caso esteja a sua convicção individual em contradição com a convicção comum, é esta última que deve prevalecer: .esta é que é a lei.

Eis aqui, pois, segundo o meu ponto de vista a verdadeira significação da lei: é a convicção comum, é a convicção da consciência coletiva; já tendo por si somente a autoridade da razão, e neste caso é a lei moral; já, tendo por si também a autoridade do poder público, e neste caso é a lei jurídica.
E porque devemos ceder em face da convicção comum, por maneira que esta se nos imponha como lei? Por três razões:

1.°) porque a parte necessariamente deve ceder em face do todo;

2.°) porque isto é uma das condições da ordem social;

3.°) porque há era favor da consciência comum a presunção de verdade. É assim que ao critério objetivo da verdade, sucede o critério subjetivo da convicção, e a este, o critério da lei que é, por assim dizer, uma transação entre os dois.

Obediência à lei — eis, pois, a primeira condição, a condição suprema da ordem moral. E devemos a ela obediência, quando mesmo seja contrária às nossas convicções. De sorte que não devemos ceder nas nossas convicções, em face de qualquer interesse, em face de qualquer conveniência, em face de qualquer perigo; mas devemos ceder em face da lei. Foi fato de que nos deixou um exemplo grandioso, sublime, o memorável Sócrates, morrendo por obediência à lei, estando, entretanto, convencido, certo de que a lei pela qual morria, naquele momento, não representava a verdade.

Fica, pois, positivamente acentuada a nossa definição. A lei é a convicção comum, a convicção da consciência coletiva traduzida em regras de conduta.
E seja como for, a obediência a lei é a primeira condição da vida moral. Mas é preciso nunca" perder de vista o seguinte: que para ser verdadeiramente respeitável, para que deva ser por todos acatada como coisa que nem de leve pode ser ferida, como coisa sagrada, é preciso que a lei represente, de fato, a convicção comum, a convicção da consciência coletiva, sendo que toda a vez que o poder público nos impõe uma lei contrária às nossas convicções, isto é, contrária ao pensamento geral, exerce uma opressão. Já não é a lei, mas a força, que governa. 

E neste caso é legítima a revolução, sendo necessário acentuar que se a opressão chega a tomar proporções exageradas e não é possível vencê-la pela discussão, pela propaganda, pela persuasão, em uma palavra, pela luta das ideias; neste caso, já não é somente um direito, mas um dever moral reagir, empregando a força contra a força. É a força da razão que degenera em inconsciência da força: é uma autoridade que cai por perder a consciência de sua missão, e é uma consciência nova que se forma: é um poder que extravasa e se abate, degenerando na inconsciência feroz da brutalidade; e é um poder novo que nasce, fundado na inspiração de um novo ideal.

A história está cheia de exemplos dessas lutas grandiosas 
que são o processo mesmo de seu desenvolvimento,
e ao mesmo tempo a comprovação desse fato 
que é também a afirmação de uma verdade suprema: 
é a consciência que move o mundo.

LIVRO II

O PROBLEMA DO DIREITO EM PARTICULAR: 

EXPOSIÇÃO E CRÍTICA DOS SISTEMAS

INTRODUÇÃO (1)
É pois, da filosofia que deriva imediatamente 
a intuição do dever. 
É o que eu chamo a função prática da filosofia.

Mas a filosofia é uma coisa a se fazer sempre, nunca definitivamente feita. É, como já tive ocasião de dizer, um monumento que a cada instante se renova, uma esfera que indefinidamente se alarga. E cada esforço individual, cada construção particular, por mais que se afigure a seus autores como obra completa e definitiva, não é senão material, apenas uma pedra para a obra comum da humanidade. E se esta pedra é de forte consciência, resiste, entra como elemento para a obra comum, aumenta o tesouro dos conhecimentos humanos, e perdura; mas se é uma fraca pedra, uma construção arbitrária e fantástica, tem de ser destruída, é pedra que se desfaz, e volta fatalmente ao pó de onde saiu. Isto se explica: é que a filosofia é o espírito mesmo investigando o desconhecido, elaborando o conhecimento.

Ora, tudo o que existe, interessa ao conhecimento e se deve explicar com devendo ser objeto do conhecimento; e como a existência é infinita, nem tem limites assinaláveis no espaço e no tempo, daí resulta que também não há limites assinaláveis para a investigação do desconhecido, sendo certo que a elaboração do conhecimento jamais poderá esgotar a existência. Todo o conhecimento elaborado é ciência. Aí descansa o espirito na posse da verdade. Mas toda a ciência é apenas um ponto determinado no seio do desconhecido, o que equivale a dizer, no seio do infinito; e partindo desse ponto e em torno desse ponto para todos os lados se estende o desconhecido em proporções infinitas. 

De maneira que jamais poderá o conhecimento elaborado ou a ciência esgotar a esfera do desconhecido; e pelo contrário com o desenvolvimento das ciências parece que o desconhecido cresce; circunstância que tem a sua explicação neste fato: que o espírito galgando uma posição mais eminente descortina horizontes • mais largos e deste modo descobre novas e estranhas perspectivas. É por isto que toda a vez que o espírito descansa na posse de uma verdade, chega ao ponto terminal numa série de investigações; mas este ponto terminal é apenas o ponto de partida para uma nova série.
(1) pp. 74-80

O trabalho do espírito é,
pois, permanente, contínuo. 

Mas o que é mais importante é que a filosofia, elaborando o conhecimento, não somente vai fundando as ciências, o que quer dizer, alargando e consolidando o conhecimento científico (função teórica), como ao mesmo tempo abrange, por disposição natural, o conjunto da universal existência, e deste modo vai sempre fornecendo os elementos necessários para uma concepção do mundo. Deste modo não somente continuamente se esforça por dar uma explicação da verdadeira significação racional da existência, como ao mesmo tempo procura definir a posição do homem no seio do Universo.

É debaixo deste último ponto de vista que a filosofia nos habilita a fazer a dedução das normas da nossa conduta, pela compreensão que fornece ao mesmo tempo do nosso destino e do destino universal. É assim precisamente da filosofia que se origina a lei, base da ordem moral e princípio orgânico das sociedades. Mas também é exatamente, sendo considerada sobre este aspecto, que a filosofia é uma obra a se fazer sempre, jamais definitivamente feita, como afirmei em começo. 

É que a filosofia, sendo uma concepção do mundo, está sempre sujeita a ser renovada, modificada em seus fundamentos, à proporção que se forem desenvolvendo os conhecimentos humanes. É, pois, uma coisa que está sob a dependência do grau de desenvolvimento do espírito; e como o espírito se desenvolve sempre, daí resulta que a filosofia é como uma esfera que indefinidamente se alarga, sendo certo, por exemplo, que um selvagem não pode ter a mesma compreensão da natureza que um homem de alta cultura mental. 

Neste sentido pode-se dizer que a filosofia é uma obra d’arte, na qual a imaginação entra em contribuição com a experiência e a ciência para a construção do monumento. Não se trata, pois, de uma obra fixa e imutável; mas de uma construção que vai crescendo sempre, espécie de poema no qual a majestade do cosmo se reflete, poema vivo e real que por si mesmo se desenvolve e ao mesmo tempo continuamente se renova, como se fosse uma luz que vai sempre subindo e que, à proporção que sobe, vê mais ao longe os confins da existência.

Pois bem: é exatamente nesse fato que está a razão da incerteza e variação que se nota entre os diferentes autores e, mesmo se poderá dizer, entre os diferentes indivíduos quanto à intuição do direito.

Efetivamente: é da filosofia
que nos vem a noção do dever e, 
por conseguinte, a intuição do direito
como regra das ações.

Ora, a filosofia varia, é uma força em desenvolvimento contínuo, é uma atividade que continuamente se modifica e renova. Por conseguinte o direito como um produto dessa força, como uma repercussão, na ordem prática, dessa mesma atividade, está também necessariamente sujeito a variar, pois tem que acompanhar inevitavelmente as evoluções do pensamento filosófico, e deste modo é igualmente uma força em desenvolvimento continuo, um princípio que continuamente se modifica e renova.

Que a filosofia influi sobre o direito e que a noção do direito resulta como uma consequência necessária da intuição filosófica, é uma verdade que se impõe de modo irresistível.

Neste sentido pode-se dizer: 
dize-me como compreendes a natureza 
e eu te direi qual a noção que tens do teu dever. 

Cada um deduz, pois, o direito conforme a intuição que tem de si mesmo e do mundo, e esse direito assim deduzido não é propriamente um conceito, na verdadeira significação da palavra, mas um fato de ordem psíquica que exerce ação real sobre a vida, que se objetiva no costume e na lei e vai agir como força na comunhão social. 

Deste modo as definições do direito não são propriamente determinações de um conceito, mas apenas descrições de um fato. São definições sistemáticas que cada um apresenta conforme o prisma de suas ideias. E como na ordem moral é difícil, senão impossível, distinguir a ideia do fato, exatamente por isto, porque as ideias na ordem moral são fatos, sendo que são as ideias que aí dominam como forças, disto resulta que, o mais das vezes, quando se pretende determinar um conceito, apenas se dá expressão a uma intuição particular, variável e relativa, limitada às condições de uma época e dentro do círculo estreito do desenvolvimento mental de um indivíduo ou de um povo.

Para determinar o conceito do direito, é necessário apresentar dele não uma definição sistemática, mas uma definição geral que deva ser aceita por todos: só assim a ideia adquire o que se chama valor objetivo, isto é, se torna uma só e a mesma para todos; condição sem a qual o conceito jamais ficará devidamente determinado. Isto é difícil porque o homem não se pode libertar do jugo das suas ideias, especialmente na ordem moral. Ê a razão (por exemplo) por que o remorso tortura o criminoso que tem consciência de haver praticado um ato mau que o degrada. Ele violou a lei, desobedecendo à inspiração da sua consciência, mas a autoridade da razão, que é em que se resolve o que chamamos

domínio das ideias, continua a dominá-lo, condenando a sua conduta como um tribunal inflexível. Assim se eu compreendo o mundo de um certo modo, necessariamente compreendo também o meu dever de certo modo, em correspondência com a minha intuição da existência. O mesmo se dá com o direito que é apenas a lei a que devo obedecer, para proceder de conformidade com o meu dever. E neste caso, tratando de fazer a determinação do conceito do direito, não posso fazer abstração da minha própria intuição, de maneira a conceber não o direito tal como penso que ele é, mas o direito em geral, de modo a ficar compreendido no conceito todas as manifestações e todas as modalidades da ideia.

Eu defino, por exemplo, o direito nestes termos: é a norma de conduta imposta por autoridade do poder público. É a minha definição própria. Mas quem nos garantirá que o poder público não venha a desaparecer um dia, sendo possível imaginar que a harmonia social se estabeleça por livre acordo das vontades? Quem nos pode garantir de que um dia não virá a se realizar o ideal anarquista; e neste caso, desaparecido o estado, eliminado o poder público, como se poderá compreender o direito como norma de convivência social, como a regra de ação imposta por autoridade do poder público?

Ninguém se pode libertar do jugo de suas ideias.
Por conseguinte ninguém poderá definir 
o direito senão na conformidade do prisma 
da sua concepção do Universo.

Eu me proponho, não obstante, neste livro a fazer o estudo da ideia do direito. Mas com isto, é preciso acentuar, não quero dizer que pretenda fixar definitiva e positivamente o conceito do direito. Neste caso ficaria encerrado o ciclo do desenvolvimento do direito; mas o direito como a filosofia, de que é um produto necessário, é também uma obra a se fazer sempre, nunca definitivamente feita; e por conseguinte, não é propriamente um conceito, ideia fixa e imóvel; mas uma das forças vivas da história. Assim, o que eu pretendo é não determinar o conceito do direito, mas precisamente estudar as principais manifestações da consciência jurídica contemporânea.

A teoria do direito natural, a filosofia do direito e a sociologia — tais são as três grandes manifestações da consciência jurídica contemporânea. A cada uma destas grandes doutrinas será dedicada uma seção especial neste livro.

Fonte:
CONSCIÊNCIA:.ORG
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Sejam abençoados todos os seres.

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