quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA em KANT


KANT, O JUÍZO DE GOSTO COMO FUNDAMENTO SUBJETIVO DA ESTÉTICA: POR QUE RAZÃO PENSA KANT QUE O JUÍZO DE GOSTO ESTÉTICO É SUBJETIVO?

 lucianoagra@hotmail.com[1]

Resumo:
O artigo analisa o que é a estética na filosofia em Kant? De que falamos quando falamos de Estética? Muitas perguntas, muitas respostas…. Primeiramente o artigo expõe questões da releitura de Lyotard das meditações em Kant, com grande destaque para a idéia de que sem o juízo estético reflexionante o sistema das três Críticas perderia o enfoque em torno da sua criticidade. Percebe-se que a incompatibilidade da estética com a razão teórico-instrumental não é sinal de sua fraqueza ou menoridade, frente ao conceito, e sim o indício de sua profundidade na expressão do que este não consegue atingir.

Este artigo expõe os seguinte objetivos a saber, compreender o significado filosófico do temo estética; caracterizar e discutir a noção de experiência estética; compreender o problema da justificação do juízo estético e tomar posição sobre as respostas subjectivista e objectivista ao problema da justificação do juízo estético.Concluímos que a estética revela-se como crítica da crítica, sem a qual não há razão possível alcançar a sua reflexão. Até o presente momento, utiliza-se neste artigo a palavra estética com considerável freqüência. Mas, afinal, o que vem a ser estética? 

Palavras-Chave: Estética Moderna – Kant – Filosofia.
Abstract: The article analyzes the aesthetics in philosophy in Kant? We are talking about when we talk about Aesthetics? Many questions, many answers…. Firstly the article sets out issues of rereading of Lyotard of meditation on Kant, with great emphasis on the idea that without jus aesthetic reflexionante the system of three criticisms would lose the focus around its criticality. This article sets out the following objectives to know, understand the meanings philosophical of fear aesthetics; characterize and to discuss the concept of experience aesthetics; understand the problem of the justification of judgment aesthetic and take a position on the answers subjectivista and objectivista the problem of the justification of judgment aesthetic.We concluded that the aesthetics shows-as criticism of criticism, without which there is no reason possible to achieve its reflection. Until this moment, uses-this Article the word aesthetics with considerable frequency. But, after all, that is to be aesthetics?
Key-words: Aesthetics Modern – Kant – Philosophy.

Résumé: l’article analyse les esthétique en philosophie en Kant? Nous parlons quand nous parlons de esthétique? Beaucoup de questions, de nombreuses réponses… Tout d’abord l’article énonce les questions de relecture de : de la méditation sur Kant, avec une grande importance à l’idée que, sans jus esthétique reflexionante le système de trois critiques perdrait l’accent autour de son isc. Cet article énonce les objectifs suivants pour en savoir, à comprendre la signification philosophique de la peur esthétique; caractériser et à discuter du concept de l’expérience esthétique; comprendre le problème de la justification de jugement esthétique et de prendre position sur les réponses subjectivista et objectivista le problème de la justification de l’arrêt esthétique.Nous avons conclu que l’esthétique montre-comme une critique de critiques, sans laquelle il n’est pas possible d’atteindre raison sa réflexion. Jusqu’à ce moment-là, utilise-cet article le mot esthétique avec une grande fréquence. Mais, après tout, c’est d’être esthétique?

Mots-clés: esthétique moderne – Kant – philosophie.


                 O termo estética vem da origem grega[αισθητική ou aisthésis], que significa percepção, sensação, ou seja a estética é um ramo da filosofia que tem por objeto o estudo da natureza do belo e dos fundamentos da arte. No que se segue, ela estuda o julgamento e a percepção do que é considerado belo, a produção das emoções pelos fenômenos estéticos, bem como as diferentes formas de arte e do trabalho artístico; a idéia de obra de arte e de criação; a relação entre matérias e formas nas artes.

Por outro lado, a estética também pode ocupar-se da privação da beleza, ou seja, o que pode ser considerado feio, ou até mesmo ridículo. Como se pode perceber, a estética trabalha com a arte, em suas mais variadas formas, quais sejam, arquitetura, escultura, pintura, literatura [poesia e prosa], teatro, música [vocal e instrumental], dança, fotografia, cinema, em suas múltiplas possibilidades de expressão. 

Essas questões mencionadas acima que emergem para quem se aproxima da estética são abrangentes, polissêmicas, mas o que é arte? 

Em que consiste a arte? 
E qual é o seu propósito? 

O que é belo? 
O que caracteriza uma obra de arte como medíocre, boa ou genial? 
Como interpretar uma obra de arte de forma adequada?
E quanto ao seu aspecto moral? 

                 Este estudo procura discutir a relevância da abordagem do sistema kantiano a partir da primeira e da segunda Críticas, quando Kant põe ênfase na razão legisladora no âmbito da natureza e da moral, momento em que o mundo sensível é apenas subsumido às categorias do entendimento e às idéias da razão prática, de sorte que o singular só pode se manifestar como suporte da norma universal, preso, de um lado, à força de demonstração de hipóteses e, de outro, à força de realização de imperativos.

                  Em conseqüência disto Gerd Bornheim, argumentou que o século das Luzes inventou o mundo sensível, conduzindo-o à maioridade, mas isso foi na filosofia de Immanuel Kant (1724-1804), e é por isso que esse movimento histórico atingiu sua maior expressão, como é o caso o homo aestheticus e finalmente ele conquistou o seu lugar, ao lado da razão e do entendimento. É neste contexto que Bornheim disse que “[...] a estética conquista aos poucos a sua identidade específica e os seus altos lugares: sua medida situa-se então nada menos do que na reinvenção da realidade humana” (BORNHEIM, 1996, p. 75). 

Salvar esse momento sensível da filosofia de Kant significa indagar, interrogar o papel da estética em seu sistema, mas responder a essa questão é não somente expor a importância do estético na filosofia contemporânea, e sim a possibilidade da própria filosofia enquanto pensamento que se sente permanentemente a si mesmo, como parece indicar Kant, em sua primeira Crítica, no início da Lógica transcendental: O ponto de vista de Kant (1989) a respeito da natureza da lógica transcendental foi expresso de uma forma bastante sintética: “Pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceito são cegas. Pelo que é tão necessário tornar sensíveis [...] as intuições [...] O entendimento nada pode intuir e os sentidos nada podem pensar.[...]” (KANT,1989, p. 89).

                  Procuraremos expor que, sem a reflexão estética o sistema kantiano perderia sua criticidade, mas relembremos o que diz Kant em sua introdução à terceira Crítica. Assim, a tradicional interpretação da Crítica do juízo tem se inspirado na escrita dessa introdução, no que se refere à acentuação do papel da teleologia e não da estética na tarefa de unificação da filosofia, partilhada nas duas primeiras Críticas entre a busca do conhecimento empírico dos objetos e a realização da liberdade sob a lei moral incondicional, independente da experiência. Tomamos, por exemplo, a interpretação de Louis Guillermit acerca da unidade das três Críticas. Partindo da afirmação de que o belo é reduzido ao estatuto de símbolo da moralidade, ou seja, afirma ele, ainda, que podemos:

[A] visão da natureza sob a espécie de uma organização de fins ordenados a um fim último, do qual a razão prática exige a possibilidade de realização sob o nome de ‘soberano bem’. Essa natureza prepara de algum modo o leito da liberdade: a beleza simboliza a ação desta última, pois libera da atração sensível e desperta o interesse pela moralidade[...] (GUILLERMIT, 1974, p. 32).
                  De acordo com Guilhermit, em sua dedução transcendental da faculdade de julgar, percebemos que ao tratar do sistema das faculdades superiores do conhecimento, enquanto fundamento da filosofia, Kant inclui justamente a faculdade de julgar, ao lado da razão e do entendimento. É interessante assinalar que a faculdade de julgar é definida como a faculdade da subsunção do particular sob o universal, a razão, como a faculdade da determinação do particular pelo universal, legisladora das leis da liberdade na Crítica da razão prática e o entendimento, como a faculdade legisladora das regras, das leis da natureza que permitem o conhecimento do universal no mundo fenomênico, objeto da Crítica da razão pura teórica. 

                  Isto significa dizer que apesar do seu estatuto de faculdade superior, a faculdade de julgar não produz os conceitos, como o entendimento, nem idéias, como a razão. Assim, acredita-se que uma faculdade de conhecimento particular e sem autonomia, que opera a subsunção sob conceitos dados, provindos do entendimento. É importante perceber que a faculdade de julgar não funda nem um conhecimento teórico da natureza, nem um princípio prático da liberdade; ele pressupõe uma unidade formal das leis da natureza de acordo com os conceitos do entendimento.

Essa unidade fornece um princípio para se operar a subsunção de experiências particulares sob as leis universais a priori, o que permite a vinculação sistemática dos dados empíricos, possibilitando uma leitura coerente do que, até então, se apresentava de forma contingente. Neste ponto,o discurso de Kant ilustra bem seus propósitos:

O [...] Juízo e próprio a ele é, pois o da natureza como arte, em outras palavras, o da técnica da natureza quanto a suas leis particulares, conceito este que não funda nenhuma teoria e, do mesmo modo que a lógica, não contém conhecimento dos objetos e de sua índole, mas somente dá um princípio para o prosseguimento segundo leis de experiência, pelas quais se torna possível a investigação da natureza. [...](KANT, 1980a, p. 172).


                   Este discurso revigora as definidas faculdades superiores do conhecimento, Kant apresenta, em seguida, as faculdades do conhecer segundo os tipos de relações existentes entre o sujeito e o objeto. Assim, quando o sujeito constrói representações que se referem ao objeto, está em ação a faculdade do conhecimento em sentido estrito; quando as representações são causa da efetividade do objeto, age no sujeito a faculdade de desejar; e quando, finalmente, essas representações referem-se ao sujeito, produzindo efeito positivo ou negativo sobre sua força vital, está em ato o sentimento de prazer ou desprazer.

Estabelecidos os dois sistemas de faculdades, Kant, aplicando seu método transcendental, opera a relação de um com o outro, deduzindo os princípios a priori da faculdade de julgar, ao lado dos princípios a priori do entendimento puro e da razão pura, já deduzidos, respectivamente, nas duas primeiras Críticas. Enquanto o entendimento e a razão referem-se a objetos, o juízo refere-se exclusivamente ao sujeito, não produzindo nenhum conceito de objetos. Ainda discorrendo sobre isto, Kant argumentou que: “[...] o sentimento de prazer e desprazer é somente a receptividade de uma determinação do sujeito, de tal modo que, se o Juízo deve, em alguma parte, determinar algo por si mesmo [...]” (KANT, 1980a, p. 174).

                   Portanto, a pressuposição subjetivamente necessária de que a natureza, longe de ser um amontoado de leis empíricas ou de formas heterogêneas, é um sistema empírico, é o princípio transcendental da faculdade de julgar, uma vez que a idéia de ordem e coerência é apenas reguladora, sem a qual o ato de julgar torna-se impossível. Além de simplesmente subsumir o particular sob o universal, cujo conceito já esteja dado, o juízo pode fazer o percurso contrário, isto é, encontrar para os dados empíricos singulares uma lei natural pressuposta a priori. Isso, só o Juízo pode fazê-lo. Para Kant, o discurso do juízo:
[...] Nem o entendimento nem razão podem fundar a priori tal lei natural. [...] ela é uma mera pressuposição do Juízo, em função de seu próprio uso, para remontar do empírico-particular cada vez mais ao mais universal igualmente empírico, em vista da unificação de leis empíricas. (KANT, 1980a, p. 175-176).

                  Nesta citação acima, Immanuel Kant se esmiúça sobre o estudo do juízo reflexionante em sua natureza própria, que é a de refletir, ou seja, analisar e sustentar juntas determinadas representações com o intuito de viabilizar conceitos. Estamos no domínio do juízo reflexionante ou da faculdade de julgamento propriamente dita; seu princípio transcendental é o que permite considerar, a priori, a natureza como um sistema lógico; é o princípio por meio do qual a natureza especifica a si mesma: “A natureza especifica suas leis universais em empíricas, em conformidade com a forma de um sistema lógico, em função do Juízo” (KANT, 1980a, p. 179). De acordo com as colocações da autor, pode-se afirmar que na verdade, temos discorrido sobre uma pressuposta finalidade da natureza, ou seja, de um fim não posto no objeto, mas no sujeito, no uso de sua faculdade de refletir. Nesse sentido, o juízo é uma técnica que fornece finalidades à priori à natureza, rejeitando-a enquanto diversidade sem fundamento unificador. 

                 Vejamos em que consiste essa técnica no âmbito da faculdade de conhecimento em seu sentido estrito. Do mesmo modo, ela realiza três ações diante de cada conceito empírico: a imaginação é responsável pela apreensão do diverso das representações singulares que se apresentam na intuição; o entendimento, pela compreensão, ou seja, pela unidade sintética da consciência desse diverso no conceito de um objeto; e o juízo, pela exposição do objeto correspondente a esse conceito na intuição. Nesse caso, por se tratar de um conceito empírico, o juízo assume papel determinante.

                 No entanto, se a forma de um objeto dado na intuição for capaz de provocar que a sua apreensão na imaginação coincida com a exposição de um conceito do entendimento, de modo a não ser possível determinar-se qual seja esse conceito, estaremos diante de um acordo mútuo dessas faculdades no ato de uma operação reflexionante em que a finalidade do objeto é percebida subjetivamente, não sendo requerido nenhum conceito determinado dele. Aqui, o juízo não é de conhecimento, mas um juízo de reflexão estética (KANT, 1980a, p. 182). De outra parte, há um tipo de juízo reflexionante sobre a finalidade objetiva da natureza que Kant considera como um juízo de conhecimento, embora não determinante: é o juízo teleológico. Definidos os dois tipos de juízo reflexionante [estético e teleológico], Kant passará a abordá-los separadamente. Estética, na primeira Crítica, significa a apreensão dos dados sensíveis nas formas a priori do espaço e do tempo, formas puras de nossa intuição.

                  Nesse sentido, entendemos que a estética apresenta-se como faculdade passiva da sensibilidade, a serviço do entendimento legislador, na terceira Crítica ganha estatuto ativo. Assim, na Crítica do juízo, Kant diz o seguinte: “Pela denominação de um Juízo estético sobre um objeto, está indicado [...] que uma representação dada é referida, por certo, a um objeto, mas, no Juízo não é entendida a determinação do objeto, mas sim a do sujeito e de seu sentimento” (KANT, 1980a, p. 184). 

                  Como se vê, Kant subdivide o juízo estético em juízo de sentido estético e em juízo estético universal. O primeiro exprime a referência de uma representação imediatamente ao sentimento de prazer; o segundo contém as condições subjetivas para um conhecimento em geral e tem a sensação subjetiva de prazer ou desprazer como o fundamento de sua determinação. Desses juízos não se pode predicar nenhum conceito do objeto, pois não pertencem à faculdade de conhecimento. O juízo estético possui autonomia subjetiva. Sua pretensão à validade universal legitima-se em seus princípios a priori. Kant designa essa autonomia de heautonomia e ele frisou o seguinte: “[...] o Juízo dá não à natureza, nem à liberdade, mas exclusivamente a si mesmo a lei, e não é uma faculdade de produzir conceitos de objetos, mas somente de comparar, com os que lhes são dados de outra parte[...]” (KANT, 1980a, p. 185).

                  Tratemos agora do julgamento teleológico, o segundo tipo de juízo reflexionante. Kant o define como o juízo sobre a finalidade em coisas da natureza ou, se quisermos, um juízo sobre os fins naturais (KANT, 1980a, p. 190). O conceito dos fins naturais é exclusivo do juízo teleológico reflexionante, que o utiliza para ocupar-se da vinculação causal no mundo fenomênico. Esse juízo pressupõe um conceito do objeto e julga sobre sua possibilidade segundo uma lei da vinculação das causas e efeitos. Há, então, uma ‘técnica orgânica’ da natureza que fornece a finalidade das coisas, uma finalidade objetiva para um juízo objetivo (KANT, 1980a, p. 191).

O julgamento teleológico estabelece um fio condutor entre a natureza e a razão, entre o sensível e o inteligível, uma vez que o conceito dos fins naturais assenta-se no acordo da razão com o entendimento. Enquanto o juízo reflexionante estético é o único que tem seu fundamento de determinação em si mesmo, sem unir-se à outra faculdade de conhecimento, o juízo teleológico só pode ser emitido por meio da vinculação da razão a conceitos empíricos (KANT, 1980a, p. 198). O fim natural deriva das idéias da razão, ao mesmo tempo que tem um objeto dado.

                  Apesar da ênfase do juízo de gosto que essa ‘Introdução’ dedica à Teleologia de tal é a sua objetividade, reservando à estética o estatuto de uma faculdade particular que opera sem conceitos, Lyotard resgata a importância do julgamento estético, considerando-o o modo de proceder do pensamento crítico em geral. Este deve observar uma pausa, uma suspensão da investigação, entrando em estado reflexivo, colocando-se à escuta dos sentimentos de prazer e de desprazer, que é o que orienta o exame crítico. Mas como Lyotard pode rejeitar o caráter teleológico exposto na estética de Kant? Em que consiste o seu argumento para desviar a interpretação desse objetivo?

Ora, para Lyotard, os sentimentos de prazer e desprazer são o princípio subjetivo de diferenciação da reflexão estética na ausência de todo princípio objetivo do conhecimento e fora do campo de influência de inúmeras, seja, teórica ou prática. É nesse contexto que Lyotard disse que: “[...] a terceira Crítica pode cumprir sua missão de unificação do campo filosófico, não é principalmente porque expõe no seu tema a idéia reguladora de uma finalidade objetiva da natureza[...]” (LYOTARD, 1993, p.15).

                  O autor esclarece que nessa perspectiva, a sensação é que informa o espírito sobre seu estado, realizando julgamento imediato do pensamento sobre si mesmo; este julgasse bem ou mal durante sua atividade. “O afeto é como o ressoar interior do ato, sua ‘reflexão’” (LYOTARD, 1993, p. 17). Herman Cohen (1842-1918), da Escola de Marburgo (1871-1933) interpreta a Crítica da razão pura de modo a ressaltar o conceito, a objetividade, o triunfo do pensamento puro sobre a intuição. Philonenko notou que:
Cohen [...] se separa de Kant ao conferir à filosofia transcendental, como ponto de partida, não a intuição pura, mas o pensamento puro. A filosofia [para Cohen] deve se constituir originalmente como lógica transcendental e não se apoiar sobre a estética transcendental (PHILONENKO, 1974, p. 198-199).
                  Em contraposição a essa interpretação de Cohen, para Lyotard, pensar criticamente é afetar-se, é deixar-se orientar pelos sentimentos de prazer e desprazer antes de se fazer qualquer inferência acerca da verdade e falsidade de um determinado conhecimento ou do justo e injusto de determinadas ações. É a partir disto que reside à condição subjetiva de toda objetividade. Para Philonenko o juízo estético legisla sobre si mesmo, sendo ao mesmo tempo a lei e o objeto, a forma e o conteúdo, independentemente da razão e do entendimento, que possibilitam todo juízo de conhecimento e quando a razão e o conhecimento intervêm, o juízo deixa de ser reflexionante, assumindo papel determinante na esquematização dos conceitos.

                  No entendimento de Lyotard denomina essa característica da reflexão estética de tautegoria, e é ela que prepara o advento crítico das categorias do entendimento. Neste sentido podemos destacar com efeito, na primeira Crítica, a Lógica Transcendental é precedida pela Estética Transcendental, compondo, ambas, a Doutrina Transcendental dos Elementos. Conseqüentemente vemos que após concluir, na Estética Transcendental, que os juízos sintéticos a priori nunca podem ultrapassar os objetos dos sentidos, Kant reafirmou que na Dedução transcendental dos conceitos puros do entendimento. Kant, assim declarou: “[...] toda a intuição possível para nós é sensível (estética) e, assim, o pensamento de um objeto em geral só pode converter-se em nós num conhecimento, por meio de um conceito puro do entendimento[...]”(KANT, 1989, p. 145-146).

                  Este posicionamento, o juízo de gosto é formal e, apesar de subjetivo, é universal e necessário: a forma deve agradar a todos. Mas não se trata aqui de um imperativo categórico, incondicional, objetivo, como estabelecido na segunda Crítica; estamos diante de uma universalidade mediata, subjetiva. Nesse sentido, o juízo sobre o belo não é determinante ou fundado numa norma abstrata e antecipatória do mundo do ser; é, por assim dizer, o juízo da espera e da promessa, pois não pode impor seus veredictos, cingindo-se a partilhar seus julgamentos a partir do exemplo, do fenômeno particular, na esperança de que a comunidade dê o assentimento à sua crítica.
                  
 Pode-se dizer que o juízo de gosto promete validade universal com base em julgamento exemplar, sendo a necessidade expressa a partir do exemplo e a universalidade na promessa da partilha da crítica. Eis os monstros lógicos produzidos pela tópica reflexiva, que, segundo Lyotard, apoiado na leitura do Apêndice da Analítica da primeira Crítica – Da anfibolia dos conceitos da reflexão, resultante da confusão do uso empírico do entendimento com o seu uso transcendental, são modos subjetivos de síntese, provisórios, preparatórios às categorias. A distorção resulta da pretensão ao universal e ao necessário de um juízo singular, refletido e reflexivo.

                  É importante destacar, que essa pretensão, o senso comum estético, no entanto, será legítima na presença de um princípio subjetivo, um senso comum que seja o efeito do livre jogo das faculdades de conhecer. É então, aqui que se destaca o entendimento e imaginação, com efeito, que concordam entre si, harmonizam-se diante do julgamento estético dos objetos. 

Vêem-se, então, que o senso comum engendrado nesse acordo a priori das faculdades é que torna possível o sentimento do prazer estético, mas se os julgamentos de gosto possuíssem um princípio objetivo determinado, aquele que os pronunciasse segundo este princípio pretenderia para seu julgamento uma necessidade incondicionada e se fossem desprovidos de todo princípio, como os julgamentos do simples gosto dos sentidos, não se teria nunca a idéia de que pudessem ter a menor necessidade e é por isso, precisam ter um princípio subjetivo que determine unicamente por sentimento, não por conceitos, mas de uma maneira universalmente válida, o que apraz ou não apraz.
                  Contudo, Pretendo desencorajar uma leitura sociológica ou antropológica desse senso comum, afirma Lyotard que o prazer do belo somente traz em si uma promessa de felicidade a ser partilhada, a partir do exemplo singular de realização dessa felicidade em um indivíduo qualquer. Diante das belas formas da natureza da arte, sentimos um prazer que prometemos aos outros, embora jamais possamos comprovar se de fato houve a partilha de nosso sentimento, isso porque o juízo de gosto não é determinante. Com o intuito de estender que se ele exige uma partilha, é porque expressa o sentimento de uma harmonia possível das faculdades de conhecimento, independentemente do conhecimento. 

                  Para Lyotard, no entanto, o senso comum estético não é mais que a harmoniosa proporção entre entendimento e imaginação, diante do desafio de se apropriarem da forma do objeto, fonte do prazer, um jogo livre das faculdades de conhecimento, curto circuitando as imposições do conhecimento e da moralidade. Outro aspecto importante neste item, e que, o senso comum estético expressa um acordo subjetivo das faculdades de conhecimento e não somente um acordo objetivo entre os sujeitos. Desta forma Kant colocou que esta validade universal não deve se apoiar na recoleção de opiniões, nem na investigação sobre o que os outros ressentem, mas deve se fundar, por assim dizer, sobre a autonomia do sujeito que julga a partir do sentimento de prazer, não devendo se restringir dos conceitos.

                  Cabe, ainda, ressaltar que não é possível uma leitura sociológica ou antropológica desse senso comum. Ademais, para Lyotard, a união das faculdades de conhecimento só ocorre cada vez que o prazer do gosto é sentido; acontece aqui e agora, de modo singular e imprevisível. Assim, a matriz espaço-temporal-estética é o aqui e o agora. Dela é que surge a promessa de um sujeito que – diferentemente do sujeito formal da primeira e segunda Criticas – se encontrará nascendo a cada vez que existir o prazer do belo; todavia, não permanecerá nascente, pois o tempo estético não possui passado, nem futuro que possa escorar uma identidade do sujeito. 

Encontramos, aqui também, que o mesmo se pode dizer do sentimento do sublime; no ato do confronto entre a razão e a imaginação, esta se descobre impotente para apreender os dados sucessivamente, em virtude da natureza do objeto não-apresentável, a liberdade, que ela se esforçará por apresentar. Quanto a este último ponto, Lyotard argumentou que:

O gosto promete a cada um a felicidade de uma unidade subjetiva cumprida, o sublime anuncia a alguns uma outra unidade, menos completa, naufragada de certo modo e mais ‘nobre, edel’. [...] O sentimento estético na singularidade de sua ocorrência é o subjetivo puro do pensamento, isto é, o Juízo refletido em si mesmo (LYOTARD, 1993, p. 30).
                  Pode-se afirmar contudo, a maneira reflexiva de pensar não é somente acompanha por todos os atos do pensamento, mas ela guia-os, por intermédio de uma tópica pré-conceitual, em direção à sensibilidade ou ao entendimento. É esse o seu traço heurístico, que a transforma no laboratório subjetivo de todas as objetividades.

É interessante também notar que essa tópica opera por meio de comparações das representações que precedem o conceito das coisas, e é essas comparações, de acordo com o Apêndice da analítica dos princípios da primeira Crítica, são feitas a quatro títulos, quais sejam: identidade e diversidade; conveniência e inconveniência; interno e externo; determinável e determinação. Porém, esses títulos são subjetivos, isto é, as relações de representações engendradas por eles ocupam imediatamente lugares num estado de espírito, até que sejam referidas a uma faculdade, entendimento ou sensibilidade. É nesse ponto que essas relações, que indicam modos espontâneos de síntese, até então localizadas de modo provisório e preparatório, são definitivamente domiciliadas e legitimadas a operar objetivamente no plano das formas ou categorias.

                  Kant denominou os títulos de conceitos de reflexão, em razão de sua capacidade de transformar seus lugares imediatos em autênticos lugares transcendentais, condições de possibilidade das sínteses. O aspecto heurístico da reflexão pode percebê-lo com clareza nas duas seguintes definições de Kant para o termo reflexão, a saber, sendo que o estado de espírito no qual nos preparamos primeiro para descobrir as condições subjetivas que nos permitam chegar a conceitos, ou seja, a consciência da relação de representações dadas às nossas diferentes fontes de conhecimento. Segundo Lyotard, Kant utiliza, geralmente, o termo consciência no sentido de reflexão. 

Assim, o pensamento está consciente enquanto sente. Logo, descoberta e consciência são dois termos-chave para entendermos porque a maneira reflexiva de pensar é o ponto nevrálgico do pensamento crítico. Sobre este pensamento crítico Lyotard destacou o seguinte: “[...] a reflexão, o pensamento parece bem dispor da arma crítica inteira. Porque a reflexão é o nome que porta na filosofia crítica a possibilidade desta filosofia.[...] isto é, a legitimidade, de um juízo sintético a priori[...]” (LYOTARD, 1993, p. 35).
               
  Além disso, Lyotard acredita que a função tautegórica para que se atinja essa legitimidade, é necessário que se recorra a juízos sintéticos de discriminação. Em outras palavras a existência desses juízos só é possível em razão do aspecto tautegórico da reflexão, isto é, aquilo que o pensamento se sente enquanto pensa, julga, sintetiza.  

Assim, o autor defende que tais juízos são primeiramente reflexos de reuniões espontâneas de representações, comparações fluidas pré-criadas, sentidas, ainda não domiciliadas, agrupadas sob títulos subjetivos, que a reflexão poderá legitimar ou deslegitimar, realizando ou não a passagem para a objetividade das sínteses provisórias. Como pode ser observado no seguinte fragmento:

O pensamento crítico dispõe, na sua reflexão, [...] de uma espécie de pré-lógica transcendental. [...] uma estética, posto que é feita só da sensação que afeta todo pensamento atual enquanto é simplesmente pensado, o pensamento se sentindo pensar e se sentindo pensado, juntamente. [...](LYOTARD, 1993, p. 36).
                  A partir do fragmento supracitado, é possível verificar, que se no âmbito das categorias do entendimento ou das formas da intuição a reflexão preenche uma função predominantemente heurística, legitimadora dos lugares transcendentais que contêm as condições a priori do conhecimento, à medida que o pensamento crítico afasta-se desses lugares seguros, o aspecto tautegórico da reflexão passa a manifestar-se mais intensamente, a ponto de, nos juízos estéticos, predominar sobre a função heurística. 

Aqui, a sensação não prepara o pensamento para nenhum conhecimento possível; ela é, por si mesma, a totalidade do gosto e do sentimento sublime. Ao revelar sua função heurística, a reflexão é estética no sentido da primeira Crítica, ou seja, é o modo de apreensão dos dados da intuição sensível nas formas a priori do espaço e do tempo. A sensação cumpre, nesse plano, papel legitimador das condições de possibilidade de um conhecimento objetivo em geral, possuindo uma finalidade cognitiva de oferecer informações espontâneas sobre o objeto, por meio dos títulos ou conceitos de reflexão.
                
   Por outro lado, em sua função tautegórica, a reflexão é estética no sentido da terceira Crítica, ou seja, como sentimentos de prazer e de desprazer, nos quais a sensação é voltada para informar o espírito sobre seu estado afetivo, momento em que a finalidade cognitiva deixa de ser preponderante. O pensamento torna-se juiz de si mesmo, por isso, crítico; crítico e desinteressado em conceder qualquer informação sobre o objeto, educado para resistir, por assim dizer, às pressões identificadoras. 

A reflexão manifesta-se em seu estado puro, imune a quaisquer determinações das outras faculdades de conhecimento em geral. O juízo é que se mostrará como faculdade emancipada, heautônoma, isto é, portadora de autonomia subjetiva. Esse é o juízo reflexionante estético, que possui o seu próprio princípio a priori, transcendental, que pressupõe uma finalidade da natureza com base no sujeito e não no objeto.

                  A reflexão no campo teórico está presente em todos os campos do pensamento; ela é o ingrediente que o torna crítico. No campo teórico, as categorias do entendimento não bastam para orientar o pensamento. É preciso que a transcendentalidade teórica seja legitimada, tomando-se por base o empírico, as sensações. Estas se agrupam em títulos reflexivos, de modo provisório e subjetivo, funcionando como princípio de diferenciação das sínteses de representações. As sínteses que forem legitimadas para se legislar no campo teórico serão domiciliadas no entendimento. Nem todos os conceitos de reflexão e títulos são conceitos do entendimento, legitimados a operar objetivamente. Para Lyotard:
A reflexão é bem discriminatória, ou crítica, porque se opõe à extensão inconsiderada do conceito fora do seu campo próprio. Domicilia as sínteses com as faculdades, ou, o que dá no mesmo, determina estes transcendentais que são as faculdades pela comparação das sínteses que cada uma pode efetuar aparentemente sobre os mesmos objetos (LYOTARD, 1993, p. 41).

                   Pela definição acima, pode-se compreender que a reflexão no campo prático não é diferente o papel que a reflexão exerce. Assim, acredita-se que o uso da categoria da causalidade no campo da moralidade sofre a devida restrição, uma vez que o ato moral não deve ser efeito de causa natural. É possível perceber que a liberdade é causa de si mesma, sendo causa incondicional, sem conteúdo, e é por isso que essa idéia de causalidade é legitimada a operar no campo da razão e é por intermédio da reflexão que é realizada essa discriminação, esse domiciliamento. 

Na moralidade, o pensamento também é advertido imediatamente de seu estado, graças ao único sentimento moral, que é o respeito, único título de uma síntese subjetiva que corresponde às exigências de uma legalidade formal. Como argumentou Kant, o sentimento moral é o “[...] efeito subjetivo que a lei exerce sobre a vontade e do qual só a razão fornece os princípios objetivos” (KANT, 1980b, p. 160). Estamos perante uma região reflexiva, legitimada criticamente a legislar no campo da moralidade. Segundo Lyotard: “[...]A moralidade sendo pensada como obrigação pura, a Achtung é o seu sentimento. Eis a pura tautegoria do sentimento, que lhe confere seu valor heurístico.[...]” (LYOTARD, 1993, p. 43).

                  Por fim, a reflexão no campo estético, este “modo conseqüente de pensar” (LYOTARD, 1993, p. 44) apresenta-se plenamente tautegórico, isento de toda tarefa. Mas como legitimar o uso do juízo reflexionante se a própria reflexão se encontra desprovida de uma heurística, visto que a faculdade de julgar é desinteressada? Ora, se o sentimento estético puro não detém os meios de construir as condições a priori de sua possibilidade, por ser imediato e desvinculado da natureza e da liberdade, os papéis invertem-se.

O pensamento empreende a heurística da reflexão por meio das categorias, que servem de princípios de discriminação para orientá-lo no âmbito do sentimento estético puro. O preço dessa inversão é a deformação das categorias em virtude do gosto. Lyotard denomina de anamnese essa interferência do teorético no estético. A lógica dá lugar a uma analógica no momento em que as sensações se desinteressam em fornecer quaisquer informações sobre os objetos, referindo-se apenas ao espírito. Lyotard traz uma valiosa reflexão sobre a linguagem: “[...] as categorias podem e devem ser empregadas assim para domiciliar as condições a priori do gosto, o domicílio buscado não é o entendimento [...] E também não a razão, mesmo no sublime.[...]” (LYOTARD, 1993, p. 48).

                  A esse respeito, Lyotard comentou que apesar da mediação das categorias na constituição da legitimidade do juízo reflexionante, elas não exercem seu efeito determinante no campo estético. Os efeitos colocados em ação são distorcidos, manobrados pela reflexão, gerando, assim, monstros lógicos, tais como necessidade exemplar ou universalidade subjetiva, exigências do gosto que busca ser partilhado; esses monstros lógicos são análogos à necessidade e à universalidade objetivas, presentes no entendimento. Estamos, pois, numa situação aporética, caracterizada pela impossibilidade de a razão teórica apresentar respostas eficazes à peculiaridade do estético.

                  Concluímos que essa interpretação de Lyotard abre novos caminhos para as ciências humanas, convidando-as a refazer criticamente a arqueologia de seus conceitos, sem descuidar dessa vez da estética [aesthésis], o incontornável momento sensível da razão. O retorno da razão sensível exige, por assim dizer, revolução copernicana das categorias normativas, principalmente naqueles saberes em que a idéia de norma é enfática, como no domínio da moral e do direito.

Nesse passo, a leitura de Lyotard, na linha das investigações de Platão, Aristóteles, Alexander Baumgarten, Immanuel Kant, Hegel, Benjamin, Gadamer, Theodor Adorno, Lukács, Luigi Pareyson, Remo Bodei, Schopenhauer, Nietzsche, Heidegger e Adorno, reabre a possibilidade de um diálogo respeitoso entre os homens, na medida em que estes recuperam a capacidade de relacionar-se com as coisas, sem destruí-las. 

Defendendo a postura de Kant, Lyotard comentou que no contexto atual da filosofia de Kant está diretamente relacionada com a releitura de seu sistema a partir da terceira Crítica, sem o que a expressão da dor do particular, nas figuras da História e do mundo sensível, poderá continuar em eterno compasso de espera das condições de sua possibilidade.

[1] Graduado em Licenciatura Plena em História
pela Universidade Estadual da Paraíba [UEPB] 
e Graduando em Licenciatura Plena em Filosofia 
pela Universidade Estadual da Paraíba [UEPB].

 Fonte:
CONSCIENCIA:ORG
http://www.consciencia.org/kant-e-o-juizo-de-gosto-como-fundamento-subjetivo-da-estetica
 lucianoagra@hotmail.com[1]
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Sejam abençoados todos os seres.

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