terça-feira, 25 de outubro de 2011

O QUE É SEMIÓTICA - LÚCIA SANTAELLA





PRIMEIROS PASSOS PARA A SEMIÓTICA

Semi-ótica – ótica pela metade? ou Simiótica – estudo dos símios?
Essas são, via de regra, as primeiras traduções, a nível de brincadeira, que sempre surgem na abordagem da Semiótica. Aí, a gente tenta ser sério e diz:

“O nome Semiótica
vem da raiz grega semeion, 
que quer dizer signo. 
Semiótica é a ciência dos signos.”. 

Contudo, pensando esclarecer, confundimos mais as coisas, pois nosso interlocutor, com olhar de surpresa, compreende que se está querendo apenas dar um novo nome para a Astrologia.

Confusão instalada, tentamos desenredar, dizendo: - “Não são os signos do zodíaco, mas signo, linguagem. A Semiótica é a ciência geral de todas as linguagens”. Mas, assim, ao invés de melhorar, as coisas só pioram, pois que, então, o interlocutor, desta vez com olhar de cumplicidade – segredo desvendado -, replica: - “Ah! Agora compreendi. Não se estuda só português, mas todas as línguas”.

Nesse momento, nós nos damos conta desse primordial, enorme equívoco que, de saída, já ronda a Semiótica: a confusão entre língua e linguagem. E para deslindá-la, sabemos que temos de começar as coisas de seus começos, agarrá-las pela raiz, caso contrário, tornamo-nos presas de uma rede em cuja tessitura não nos enredamos e, por não nos termos enredado, não saberemos lê-la, traduzi-la.

Uma definição ou um convite?
Alguns anos atrás, em um seminário sobre Semiótica, realizado em uma das cidades do Brasil, um aluno que permanecia ainda muito curioso, apesar de já ter assistido a algumas palestras, subitamente me perguntou:

- “Mas afinal, o que é Semiótica?”

Assim, de chofre, tomada de surpresa no corredor de passagem de uma sala a outra, devo ter respondido algo parecido com isto: - “Quando alguma coisa se apresenta em um estado nascente, ela costuma ser frágil e delicada, campo aberto a muitas possibilidades ainda não inteiramente consumadas e consumidas. Esse é justamente o caso da Semiótica: uma ciência, um território do saber e do conhecimento ainda não sedimentado, indagações e investigações em progresso.

Linguagens verbais e não verbais

Antes de tudo, cumpre alertar para uma distinção necessária: o século XX viu nascer e está testemunhando o crescimento de duas ciências da linguagem. Uma delas é a Linguística, ciência da linguagem verbal.

A outra é a Semiótica, 
ciência de toda e qualquer linguagem. (...)

Como ponto de partida, porém, que temos desatar o nós de um equívoco de base: a diferença entre língua e linguagem em conexão com a diferença, que buscaremos discriminar, entre linguagens verbais e não verbais.

Tão natural e evidente, tão profundamente integrado ao nosso próprio ser é o uso da língua que falamos, e da qual fazemos uso para escrever – língua nativa, materna ou pátria, como costuma ser chamada - , que tendemos a nos desaperceber de que esta não é a única e exclusiva forma de linguagem que somos capazes de produzir, criar, reproduzir, transformar e consumir, ou seja, ver-ouvir-ler para que possamos nos comunicar uns com os outros.

É tal a distração que a aparente dominância da língua provoca em nós que, na maior parte das vezes, não chegamos a tomar consciência de que o nosso estar-no-mundo, como indivíduos sociais que somos, é mediado por uma rede intrincada e plural de linguagem, isto é, que nos comunicamos também através da leitura e/ou produção de formas, volumes, massas, interações de forças, movimentos; que somos também leitores e/ou produtores de dimensões e direções de linhas, traços, cores...

Enfim, também nos comunicamos e nos orientamos através de imagens, gráficos, sinais, setas, números, luzes... Através de objetos, sons musicais, gestos expressões, cheiro e tato, através do olhar, do sentir e do apalpar. Somos uma espécies animal tão complexa quanto são complexas e plurais as linguagens que nos constituem como seres simbólicos, isto é, seres de linguagem.
 
[...] em todos os tempos, grupos humanos constituídos sempre recorreram a modos de expressão, de manifestação de sentido e de comunicação sociais outros e diversos da linguagem verbal, desde desenhos nas grutas de Lascaux, os rituais de tribos “primitivas”, danças, músicas, cerimoniais e jogos, até as produções de arquitetura e de objetos, além das formas de criação de linguagem que viemos a chamar de arte: desenhos, pinturas, esculturas, poética, cenografia etc.

E quando consideramos a linguagem verbal escrita, esta também não conheceu apenas o modo de codificação alfabética criado e estabelecido no Ocidente a partir dos gregos. Há outras formas de codificação escrita, diferentes da linguagem alfabeticamente articulada, tais como hieróglifos, pictogramas, ideogramas, formas estas que se limitam com o desenho.

Em síntese: existe uma linguagem verbal, linguagem de sons que veiculam conceitos e que se articulam no aparelho fonador, sons estes que, no Ocidente, receberam uma tradução visual alfabética (linguagem escrita), mas existe simultaneamente uma enorme variedade de outras linguagens que também se constituem em sistemas sociais e históricos de representação do mundo.

Portanto, quando dizemos linguagem, queremos nos referir a uma gama incrivelmente intrincada de formas sociais de comunicação e de significação que inclui a linguagem verbal articulada, mas absorve também, inclusive, a linguagem dos surdos-mudos, o sistema codificado da moda, da culinária e tantos outros. Enfim: todos os sistemas de produção de sentido aos quais o desenvolvimento dos meios de reprodução de linguagem propiciam hoje uma enorme difusão.
 
Iremos, contudo, mais além: de todas as aparências sensíveis, o homem – na sua inquieta indagação para a compreensão dos fenômenos – desvela significações. É no homem e pelo homem que se opera o processo de alteração dos sinais (qualquer estímulo emitido pelos objetos do mundo) em signos ou linguagens (produtos da consciência).

Nessa medida, o termo linguagem se estende aos sistemas aparentemente mais inumanos como as linguagens binárias de que as máquinas se utilizam para se comunicar entre si e com o homem (a linguagem do computador, por exemplo), até tudo aquilo que, na natureza, fala ao homem e é sentido como linguagem. Haverá, assim, a linguagem das flores, dos ventos, dos ruídos, dos sinais de energia vital emitidos pelo corpo e, até mesmo, a linguagem do silêncio. Isso tudo, sem falar do sonho que, desde Freud, já sabemos que também se estrutura como linguagem.

Até onde vai a Semiótica

Aqui tocamos um ponto que nos permite retornar à questão de onde partimos. As linguagens estão no mundo e nós estamos na linguagem. A Semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e de sentido.
Seu campo de indagação é tão vasto que chega a cobrir o que chamamos de vida, visto que, desde a descoberta da estrutura química do código genético, nos anos 50, aquilo que chamamos de vida não é senão uma espécie de linguagem, isto é, a própria noção de vida depende da existência de informação no sistema biológico.

Sem informação não há mensagem, 
não há planejamento, não há reprodução,
não há processo e mecanismo de controle e comando.

No caso da vida, estes são necessariamente ligados a uma linguagem, a uma ordenação obtida a partir de um compartimento armazenador da informação como a DNA (substância universal portadora do código genético). (...)
 
Caracterizado o campo de abrangência da Semiótica, podemos repetir que ele é vasto, mas não indefinido. O que se busca descrever e analisar nos fenômenos é sua constituição como linguagem. Neste sentido, embora a Semiótica se constitua num vasto campo intrincado e heteróclito de estudos e indagações que vão desde a culinária até a psicanálise, que se intrometem não só na meteorologia como também na anatomia (...), isto não significa que a Semiótica esteja sorrateiramente chegando para roubar ou pilhar o campo do saber e da investigação específica de outras ciências.

Nos fenômenos, sejam eles quais forem – uma nesga de luz ou um teorema matemático, um lamento de dor ou uma ideia abstrata da ciência – a Semiótica busca divisar e deslindar seu ser de linguagem, isto é, sua ação de signo. Tão-só e apenas. E isso já é muito.

SANTAELLA, Lúcia.

O que é Semiótica
São Paulo: Brasiliense, 1983, 7-14. 
[Col. Primeiros Passos]
Li

Fonte:
http://www.wellcom.com.br
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

Nenhum comentário: