O povo brasileiro — a formação e o
sentido do Brasil.
[...] Muitos outros povos indígenas
tiveram papel na formação do povo brasileiro. Alguns deles como escravos referenciais,
por sua familiaridade com a tecnologia dos paulistas antigos, como os Paresi.
Outros, como inimigos irreconciliáveis, imprestáveis para escravos porque seu
sistema adaptativo contrastava demais com o dos povos Tupi.[...]
O contraste maior se registrou entre
aquele povo mameluco, que se fazia brasileiro, e um contendor realmente capaz
de ameaçá-lo, que eram os Guaikuru,
também chamados de índios cavaleiros.
Adotando o cavalo, que para os outros
índios era apenas uma caça nova que se
multiplicava nos campos, eles se reestruturaram como chefaturas pastoris que enfrentaram vigorosamente o invasor,
infringindo-lhes derrotas e perdas que chegaram a ameaçar a expansão européia.
Um dos cronistas da expansão
civilizatória sobre seus territórios nos diz, claramente, que “pouco faltou
para que exterminassem todos os espanhóis do Paraguai”[1]. Francisco Rodrigues
do Prado [2], membro da Comissão de Limites da América hispânica e da portuguesa,
avaliou em 4 mil o número de paulistas mortos por eles ao longo das vias de comunicação
com Cuiabá. Esses índios Guaikuru estavam como que propensos para essa via
evolutiva. Primeiro, por sua própria constituição física, que maravilhou a
quantos europeus os observavam na plenitude do seu desempenho.
Eles são descritos como guerreiros
agigantados, muitíssimo bem proporcionados, que, nos diz, “duvido que haja na Europa povo algum que, em tantos e
tantos, possa comparar-se com estes bárbaros” [3].
Sanchez Labrador [4], o jesuíta
espanhol que os doutrinou por longos anos, falando embora de índios encolhidos
debaixo de peles para fugir das frialdades
impiedosas que às vezes caem sobre aquelas regiões, nos diz que “não há imagem
mais expressiva de um Hércules pintado”.
Ainda mais explicativo do seu
desempenho é o fato de que, antes da chegada do europeu, os Guaikuru já
impunham sua suserania sobre povos agrícolas, forçando-os a suprir-lhes de
alimentos e servos.
Testemunhos datados dos primeiros anos
do século XVI nos falam deles como povos sagazes que dominavam os Guaná, impondo-lhes
relações que ele compara com o senhorio dos tártaros sobre os seus vassalos.
Os Mbayá-Guaikuru se tornaram ainda
mais perigosos quando se aliaram aos Payaguá-Guaikuru, índios de corso que
lutavam com seus remos transformados em lanças de duas pontas, que dizimaram
várias monções paulistas que desciam de Vila Bela, no alto Mato Grosso, carregados de ouro.
[...]
A propensão de Herrenvolk dos Guaikuru, armada com o poderio da cavalaria,esabrochou,
permitindo sua ascensão da tribalidade indiferenciada às chefaturas pastoris,
capacitadas a impor cativeiro aos servos que incorporavam a seus cacicados e
suserania a numerosas tribos agrícolas [5].
Para os íberos, que disputavam o
domínio daqueles vastíssimos sertões ricos em ouro, nada podia ser melhor que
alcançar a aliança dos Guaikuru para lançá-los contra seu adversário. Isso,
ambos, a cada tempo, o conseguiram. Mais longamente os espanhóis, duplamente
excitados para essa aliança, porque, no seu caso, à competição se somava a
cobiça. É que os Guaikuru aprenderam rapidamente a praticar o escambo, preando
escravos negros e também senhores e senhoras europeus e muitíssimos mamelucos,
tantos quantos pudessem, para vender em Assunção.
Ao descrever essas alianças, Sérgio
Buarque de Holanda se eriça: “É o confronto de duas humanidades diversas, tão
heterogêneas, tão
verdadeiramente ignorantes, agora sim,
uma da outra, que não deixa de impor-se entre elas uma intolerância mortal.”[6]
Os Guaikuru estiveram,
alternativamente, aliados com espanhóis e lusitanos, sem guardar fidelidade a
nenhum deles, mesmo porque não aceitaram jamais
nenhuma dominação. Aliciados e doutrinados por jesuítas, cuja missão acolheram em seus toldos, se lançaram contra os
portugueses, atacando Cuiabá e Vila Bela. Expulsos os jesuítas, se voltaram
mais decididamente contra os castelhanos,
atacando as cercanias de Assunção. Os Mbayá acabaram se fixando no sul de Mato Grosso que, em grande parte graças a
essa aliança, ficou com o Brasil; e os Payaguá, nas vizinhanças de Assunção.
A Guerra do Paraguai deu, a uns e
outros, suas últimas chances de gloria, assaltando e saqueando populações paraguaias
e brasileiras. Terminaram, por fim,
despojados de seus rebanhos de gado e de suas cavalarias, debilitados pelas
pestes brancas e escorchados. Sem embargo,
guardaram até o fim, e ainda guardam, sua soberba, na forma de uma identificação orgulhosa consigo mesmos
que os contrasta, vigorosamente, com os demais índios, como pude
testemunhar nos anos em que convivi
nas suas aldeias, por volta de 1947. [...]
Pablo Picasso
Li-Sol-30
Fonte:
http://www.guaikuru.blogger.com.br/index.html
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Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.
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