quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A NOVA CIÊNCIA E A MANUTENÇÃO DA VIDA - Marcelo Gleiser





O físico e astrônomo Marcelo Gleiser, autor de A dança do universo, ficou conhecido por sua atuação em
divulgação científica. Nesta palestra, ele fala sobre as mudanças advindas das novas tecnologias e sobre
dilemas científicos e ambientais deste cenário.


Palestrante: Marcelo Gleiser
Data: 17/06/2009


Eu sempre digo que, querendo ou não querendo – gostando ou não de ciência –, a gente, hoje,
vive uma época em que a ciência vai determinar, em grande parte, o nosso futuro e a nossa
qualidade de vida, seja ela boa ou ruim. Então, essa palestra aqui é meio heavy, ela é meio
pesada, porque eu vou tocar em certos temas que não são muito agradáveis, mas que são muito
importantes. Começando com um deles, vocês veem ali na tela [mostra slide], estão vendo a
charge do Calvin e Haroldo. Bom, primeiro vocês veem que tem uma árvore cortada, uma
porção de latas de lixo no chão e ele está dizendo assim: “Às vezes, eu acho que o sinal mais
forte de que existe inteligência extraterrestre é que ninguém veio visitar a gente”. [risos] Porque,
claramente, o que a gente está fazendo aqui não tem nada de inteligente, não é?


A palestra é mais ou menos sobre o que estamos está fazendo aqui e o que podemos fazer para
mudar um pouco essa tendência. Eu vou começar falando de uma coisa que é superimportante.
Há 15 anos atrás, ninguém tinha telefone celular, não tinha internet, não tinha e-mail, Myspace,
Orkut, não tinha nada disso. A vida era completamente diferente. De repente, na década de 1990
houve uma explosão, uma explosão digital, uma explosão dessa tecnologia de comunicação.
Isso é uma terceira revolução. Uma revolução que está transformando o mundo completamente.


Hoje em dia, todo mundo tem uma voz – em princípio, tendo os meios, tendo acesso aos
computadores – pode ser ouvido, pode criar um blog, pode discutir ideias com outras pessoas,
pode entrar em outros blogs, fazer parte de discussões, pode namorar com uma menina da China
ou ser namorada por um cara do Cazaquistão. Pode fazer isso tudo ao vivo, vendo. Pode usar o
Skype, ainda ter uma conversa de vídeo, com uma pessoa de um outro ponto do planeta. Isso
está mudando profundamente a sociedade, o que é uma coisa muito boa. A gente está criando
meios para que as pessoas possam ter acesso e uma voz nesse mundo em que todo mundo quer
falar alguma coisa.


Existe também um outro lado dessa conversa, que é um lado que não é tão bom assim, que é o
seguinte: o acesso à informação também gera a possibilidade de que você tenha acesso ao que
eu chamo de "desinformação". Então, por exemplo, quando vocês usam a internet, para fazer um
trabalho de casa, uma pesquisa sobre o Platão, ou sobre o Aristóteles. Já ouviram falar de
Wikipedia? Bom, o Wikipedia é o máximo. É uma enciclopédia democrática, que vai se
consertando aos poucos. O problema com ela é que todo mundo pode editar o Wikipédia.


Eu poderia, por exemplo, entrar na página lá do Dante Alighieri {(1265-1321) escritor, poeta e
político italiano, autor de ], e eu – que não entendo A divina comédia muito sobre o Dante
Alighieri, só um pouquinho – poderia começar a falar que o Dante Alighieri gostava de futebol
e de guaraná. E aí, os garotinhos de dez anos vão ler aquilo e falar: “puxa, o Dante italiano já
gostava de futebol em 1300, que legal! E tinha guaraná na Itália. Em Florença tinha guaraná!”.


Você não sabe o que realmente está acontecendo, ou não está acontecendo. O que é, ou não é
verdade. Você recebe aquela informação, e há o poder da tela. Estamos acostumados a ver
televisão. A gente lê e acredita nas coisas que lê. Ontem, eu estava em Porto Alegre e uma moça
me falou que ela tem uma filha de dez anos que ficou espantadíssima quando a mãe disse: “não
acredite em tudo o que você lê no computador, porque tem muita coisa errada”, e ela [a filha]
falou: “não mãe, está na tela do computador, está escrito na enciclopédia, tem que ser verdade”.
E não é bem assim.


Fora isso, existe também, obviamente, exploração de prostituição infantil, grupos de discussão
neonazistas, células de terrorismo que se organizam através da internet. Por isso, a internet –
como toda a nova tecnologia na história, que tem uma repercussão social – tem o que eu chamo
do lado luz e o lado sombra. As pessoas têm que saber disso, têm que estar conscientes disso e
não aceitar tudo o que está acontecendo na internet como sendo a verdade absoluta, porque
realmente não é.


Outra coisa interessante é que, com o desenvolvimento da nanotecnologia – nano não é de anão,
se bem que é bem parecido com isso. Nano, é dez elevado a menos nove metros, um
bilionésimo de metro –, é uma tecnologia que está tentando desenvolver estruturas cada vez
menores. O que é ótimo porque, eventualmente, a gente vai poder carregar esse computador
inteiro aqui no bolso. Porque agora eles desenvolveram uma tela de plástico que você dobra.
Você pode dobrar a tela do computador, colocá-la no bolso e, como ela pode ser dobrada, ela
também pode ter um teclado. Então, você vai embora com o teu computador e isso tudo vai ser
portátil. Genial isso.


Agora, a questão do virtual. Com toda essa nanotecnologia e desenvolvimento de tecnologias
digitais, vai ficando cada vez mais difícil distinguir o que é o real do que é o virtual. Se o seu
contato com as pessoas é virtual, se você, por exemplo, participa de grupos de discussão por
vídeo conferência... Eu, mês que vem, vou dar uma palestra para os alunos de física da
Universidade Federal do Ceará, sentado na minha sala lá nos Estados Unidos, ao vivo. Eu
poderei vê-los e eles vão me ver. Genial isso, não é? Mas tem também um outro lado que é
uma...


Vou contar uma história. Tem um filme - aqui no Brasil eles mudam os títulos de filmes
completamente, então, eu não sei se no Brasil o filme teve o mesmo nome que nos Estados
Unidos - que se chamava Simone [dirigido por Andrew Niccol, 2002, EUA]. O nome Simone. C
hamava Simone no Brasil? [fala com a plateia] Simone é Simulation One ou S1mOne [o título
faz menção à linguagem binária, com zeros e uns]. É a história de um diretor de cinema
fracassado, que, aliás, era o [ator norte-americano] Al Pacino, que consegue por as mãos num
programa de computador ultra-sofisticado, que pode simular perfeitamente uma pessoa, no
computador, a imagem. Ele pode usar a voz dele e, quando ele fala, sai a voz dessa pessoa.


Assim, ele cria uma atriz, a Simone. Essa atriz é belíssima, é incrivelmente talentosa e ele
começa a fazer filmes usando-a como atriz principal. Tudo isso digitando na tela, porque você
não precisa que a atriz exista para colocar no filme. Vocês veem isso, por exemplo, com o Pixar
[Animation] Studios ou Parque dos Dinossauros – os dinossauros não existem eles foram
criados ali – cada vez mais você pode usar bonecos que realmente são criados no computador.


Bom, esse programa cria essa pessoa. Essa atriz fica famosíssima, ganha o Oscar, participa de
entrevistas. Só que com um pequeno detalhe, ela nunca aparece ao vivo. Ela sempre dá
entrevistas da sala da casa dela, nunca ninguém viu essa mulher pessoalmente, mas ela é
famosíssima. As pessoas a adoram, ela é capa da revista Time, entendem?. [Na entrega do]
Oscar ela ficou doente um pouquinho antes, então não pode aparecer para recebê-lo. Aí ele vai e
recebe por ela.


E então, obviamente o que vai acontecendo é que ele vai se apaixonando por essa atriz, que, na
verdade, é ele mesmo. E o filme vai por aí a fora. Ou seja, esse filme é uma alegoria,
obviamente é uma alegoria, mas será que ele é tão ficção científica assim? Quanto tempo vai
demorar para que isso aconteça? Para que a gente possa simular isso que está aqui, agora? Sei
lá, deve ter umas duzentas pessoas, não? Mais. Tem umas 350 pessoas aqui. Simular isso daqui,
sem que nenhum de vocês, ou eu mesmo, sejamos reais. E aí como é que a gente define
realidade? O que passa a ser real é o que a gente pega com a mão ou é o que a gente recebe
como informação no cérebro? Porque, afinal de contas, a nossa concepção do real como é que a
gente expressa? “Ah, eu sei o que é real. Eu sei que eu estou aqui no Café Filosófico, tem uma
porção de gente em volta de mim. Porque o Marcelo está falando”. Como é que vocês sabem
disso? Vocês sabem disso porque a gente tem cinco sentidos. Cada um deles é uma espécie de
antena para o exterior. Temos a visão, então está todo mundo me vendo, estão me ouvido. Tem
os cheiros. Estamos sentados, temos a sensação de que estamos sentados. Vocês vão ficar com a
perna doendo daqui a pouquinho, não é? Isso tudo, todas essas sensações, vem de fora para
dentro. O cérebro é o órgão que integra informação. O cérebro é um grande integrador de
informação. Ele vai integrando essa informação e esses impulsos todos diferentes tornam-se o
que chamamos de realidade.


Vocês podem imaginar a seguinte possibilidade: cada área do cérebro cumpre uma função
diferente, tem a área da audição, a área da visão, memória etc. Se vocês pudessem manipular
essas áreas e jogar impulsos que simulam a atividade dos neurônios nessas áreas, vocês
poderiam, simular completamente a realidade sem que ela esteja acontecendo. Se eu pegar o
nosso amigo que está sentado aqui, e se eu fosse um maestro do cérebro, então “tana nan nan”,
eu pegaria os neurônios e mexeria neles. Ele iria achar que está sentado aqui olhando para mim.
Mas ele não estaria aqui, e sim numa praia, em Ubatuba. Porque a gente não tem a capacidade
de distinguir realidade de verdade. 


O que existe é o nosso cérebro que funciona 
e que cria essa noção de realidade.
 
Já está se falando, por exemplo, de microchips que vão ser postos no cérebro para melhorar a
nossa ... a gente não vai mais dormir dirigindo, entendem? Ou vai melhorar a audição em certas
frequências. Se a pessoa tem problemas para ouvir certas frequências, pode colocar um
implante. Pouco a pouco vai haver uma espécie de transformação do ser humano. Querendo ou
não vamos nos transformar aos pouquinhos. E, como nessa palestra da nova ciência do novo
milênio eu posso extrapolar a vontade – porque o milênio é um tempão, afinal de contas [risos]
– então é muito fácil eu inventar aqui uma nova raça de seres híbridos que são metade pessoas e
metade máquinas que podem fazer coisas que a gente nem imagina. Pular alturas de vinte
metros, não esquecer nunca de nada. Isso seria bom, não esquecer nunca de nada, não precisar
escrever “cola” na manga e o caramba. [risos].


E isso daí vai acontecer. Não só a gente vai ter essa coisa com a realidade: o que é e o que não é
realidade. Por exemplo, todo mundo viu aqui A Matrix [filme dirigido pelos irmãos Wachowski,
1999, EUA], que é um exemplo perfeito disso. O filme chama A Matrix, no Brasil chama Matrix
. É exatamente essa a ideia, não é? As pessoas estão em um sarcófago de vidro, mas acham que
estão aqui, nesse momento. Vocês acham que estão aqui? [risos] Será que vocês estão aqui?
Quer dizer, essa brincadeira, essa alegoria da ficção científica fala de coisas extremamente
importantes, que é justamente essa manipulação do real que vai ficar cada vez mais importante
na vida da gente.


Outra coisa que eu tenho certeza que todo mundo aqui usa computadores. Vocês compram um
computador novo, bárbaro. Vocês colocam lá, a última versão do PC (computador pessoal).
Aqui no Brasil, infelizmente, todo mundo tem PC. Vocês podem ver que eu sou defensor de
uma outra casa [aponta o computador portátil]. Então, todo mundo tem PC e coloca lá Windows.


Aí passam três anos, e aquele computador que era um barato há três anos atrás, agora é um
dinossauro. Vocês colocam um software novo e demora para compilar os programas e vocês
ligam e desligam. Quer dizer, vocês estão ficando para trás. Vocês têm que comprar um mais
novo. Tem o iPod, começa com um iPod de três gigabyte, mas não, já existe um de sessenta
gigabytes, e vocês têm que comprar este. E o DVD, a televisão de alta definição? O que
acontece? O mercado cria essa necessidade.


A Sony doou para a TV Globo uma câmera de alta definição para eles usarem como piloto,
entenderam? E eles resolveram fazer uma série com essa câmera, o que é aparentemente – eu
não vi nenhuma imagem – mas parece que é muito bacana, de qualquer forma. Existe sempre
essa corrida. Se vocês não têm o poder aquisitivo para ficar em cima, comprando essas coisas
novas, vocês vão ficando para trás. Isso vai criando uma classe que não tem acesso a essa
informação tão veloz. Você não tem uma conexão de cabo que te traz três megabytes por
segundo, ou seja lá quanto for, e você vai ficando para trás e vai sendo criada o que eu chamo de
subclasse tecnológica. As pessoas que não têm acesso à informação e não podem competir no
mercado como as que têm. Isso é um problema muito sério, é um problema que tem a ver com
política de educação, com governo.


Por exemplo, agora foi desenvolvido um novo que custa cem dólares, laptop duzentos reais,
aliás, menos de duzentos reais – o dólar está caindo rápido. E a ideia é a seguinte: as escolas
públicas vão comprar esse laptop, e cada criança vai ter um. Ele vai deixar que se conectem à
internet, façam pesquisa e tal. E, aparentemente, as crianças que têm esses laptops melhoram a
performance acadêmica visivelmente. Elas ganham autonomia, que é uma coisa que vai
acontecer, justamente, para evitar que isso [subclasse tecnológica] ocorra com as gerações mais
novas.


Eu tenho aqui duas imagens que acho interessantes. Do lado esquerdo [aponta projeção] tem
uma imagem que é um supercomputador da Nasa [National Aeronautics and Space
Administration] usado para calcular as órbitas do ônibus espacial. Esse computador tem dez mil
PCs conectados. É um supercomputador em paralelo, que eles chamam de PC Farm, fazenda de
PCs. O outro, do lado, é um relógio-computador que tem uma câmera de vídeo e que tem a
capacidade de transmitir a informação em wi-fi também. Eu podia estar lá nos Estados Unidos,
lá em casa, olhando para o meu relógio, e vocês podiam estar me vendo ali naquela tela. Mais
legal ainda, em vez de me ver naquela tela, eles podiam construir uma imagem holográfica da
minha pessoa e eu estaria aqui sentado nessa cadeira falando com vocês, como se eu estivesse
mesmo aqui. Só que se alguém viesse e me cutucasse, a mão passaria direto. Aquela coisa do
primeiro filme, Guerra nas Estrelas [Star Wars, série de seis filmes dirigida por George Lucas,
que se iniciou em 1977, EUA], mas muito melhor. Aliás, aparentemente, já é possível fazer esse
tipo de conferência virtual por holograma, com uma qualidade bastante razoável.Então,
eventualmente, não vamos mais precisar ficar viajando dez horas de avião para fazer isso. Mas
você fala: “e o contato pessoal?” Você perde alguma coisa com isso, não é? Mas, em princípio,
eu também vou poder ver as pessoas a minha volta.


Agora, eu queria tocar em três assuntos diferentes, que são extremamente importantes, que tem
a ver com o futuro da nossa sociedade: como a ciência tem influência nisso e como as pessoas
podem agir nesse espaço? Primeiro, eu queria falar sobre genética. Engenharia genética. Hoje, a
gente vive uma realidade completamente diferente de 15 anos atrás. Alimentos transgênicos.


Todo mundo fala em soja transgênica, milho transgênico – existe uma grande polarização na
sociedade com relação ao uso ou não desses alimentos. Por exemplo, na França as pessoas não
querem nem ver na frente alimentos transgênicos, porque acham que manipular um ser vivo –
uma planta é um ser vivo – é interferir de alguma forma na natureza e que isso pode ter um
preço muito caro. Por outro lado, existe o seguinte: um alimento transgênico, que é mais
resistente às pragas e que tem uma produtividade maior é uma coisa muito boa, porque você
produz mais esse alimento. Quando você produz mais de alguma coisa, os preços caem, esse
alimento fica mais acessível, as pessoas podem comer e a gente pode, então, aliviar um dos
grandes problemas da humanidade que é a fome.


Na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, eles fizeram uma experiência com o milho
transgênico. Eles cultivaram o milho transgênico em um pedaço de terra. Mas existe a borboleta
monarca lá nos Estados Unidos - que é o grande símbolo ecológico do país, eles adoram essa
borboleta -, e a larva dessa borboleta se alimenta do pólen do milho. Essa experiência mostrou
que, quando as larvas se alimentam do milho transgênico, elas morrem muito mais do que
quando se alimentam do milho. Então há maior incidência de mortandade, uma mortandade
muito maior quando elas comem o milho transgênico. Isso é um problema, porque os
passarinhos comem as larvas e as borboletas, os sapos, os lagartos e não têm mais a comida. E,
se eles não têm mais a comida, eles morrem também. Em princípio, pode-se criar uma espécie
de efeito bola de neve. Uma reação em cadeia em que você manipula o equilíbrio ecológico de
uma certa região e pode criar problemas que vão se espalhar para uma região muito maior.


É obvio que essa experiência está sendo debatida ardentemente nos meios acadêmicos, porque
tem gente que diz que não é verdade, que a agricultura é uma grande manipulação ecológica, de
qualquer forma. A gente inventa coisas – tipo a nectarina, que é uma mistura de ameixa com
pêssego, sei lá – e isso já acontece há muito tempo. A diferença é que essa manipulação nova
está ocorrendo ao nível genético. Então, você realmente está criando, vamos dizer assim, um
novo tipo de ser vivo.Há uma coisa um pouco mais profunda e que, obviamente, não fica só nas
plantas, que vai para os animais também. Hoje em dia, se você tem um touro – que é um touro
vencedor, campeão – você pode clonar esse touro para ter vários touros campeões. Isso é bom
para aprimorar as espécies de touros campeões e as vacas que dão mais leite. E tem a ovelha
também, a Dolly e várias outras. E esses animais clonados podem ser comidos, porque eles
realmente são cópias genéticas idênticas do original.


Aí você fala: “mas e os seres humanos, será que a gente também pode ser clonado?” Ainda não,
mas é uma questão de tempo. Tem um cientista louco, italiano [Severino Antinori], que está
escondido em um navio, pelos mares - porque ninguém, nenhum país permite clonagem
[humana], e ele fica pelos mares - e quer ser o primeiro a clonar [um ser humano]. O coreano
[pesquisador sul-coreano Woo-Suk Hwang] que forjou os dados, perdeu a cátedra e foi preso
por fraude. Mas a questão é que em ciência, quando você pode fazer alguma coisa, em geral,
você faz. Existe uma grande diferença entre você poder fazer e você dever fazer. E a grande
maioria dos cientistas é radicalmente contra a clonagem de seres humanos, porque ela não tem o
menor benefício médico. Se houver um casal que não pode ter filhos, existem várias outras
formas de ter filhos. E você ter um filho que é a sua cara é uma maldição para a criança [risos]
Já pensaram? Crescer e falar: “mas sou eu de novo”. É uma coisa horrível e o garoto vai ficar
olhando para o pai, sabe? É um crime horroroso.


Então, obviamente, clonagem de seres humanos é uma péssima ideia. Mas você pode pensar:
“bom, então a clonagem pode não acontecer, mas e se eu quiser fazer uma pequena manipulação
genética no embrião, de modo que o meu filho seja campeão de vôlei, tenha um QI altíssimo e
seja um cara bárbaro, que todo mundo goste”, ou “a minha filha vai ser uma violoncelista
famosíssima”. Quer dizer, isso vai ser possível? Talvez. Muito provavelmente sim. Ou você
quer ter uma mascote, mas não quer ter nem cachorro, e nem gato, então você faz um “cagato”
[risos] Você mistura o cachorro com o gato. Ou você faz uma coruja que é, sei lá, metade coruja
e metade raposa. E você coloca a fichinha na máquina de fabricação de mascotes e pronto, sai
ali o seu “babyzinho”, entendeu?


Isso daí é ficção? É e não é. Isso, eventualmente, vai acontecer e a gente vai poder... por
exemplo, um geneticista misturou um vaga-lume com uma minhoca, então o que aconteceu? A
minhoca brilha no escuro. Quando você vai pescar com essa minhoca [risos], é um grande
sucesso. Mas, agora, imagina se você inventar um ser humano que também brilha no escuro,
talvez seja um sucesso em discoteca, na balada. Mas eu acho meio complicado isso e são coisas
que podem e, eventualmente, vão acontecer.


Um aspecto mais sombrio dessa história, você cria um exército de soldados que tem força física
vinte vezes maior do que a nossa, que são treinados, lá dentro da cabeça deles, para matar sem a
menor piedade. Você cria um exército assassino e começa a pensar em um outro livro de ficção
científica bem antigo, chamado do , que fala dos alfas, dos betas, dos gamas. Havia uma
sociedade dividida por seres que tinham códigos genéticos diferentes. Os gamas eram aqueles
que só apertavam o parafuso e estavam felizes fazendo isso, porque essa era a existência deles.
Mas os alfas eram os líderes, aquela coisa.


Então, é criada essa separação na sociedade. Esses livros são todos contos de precaução, vamos
dizer assim. São histórias com uma moral que fala “cuidado com o que vocês têm na mão,
porque mesmo que vocês tenham o poder de fazer isso tudo, vocês têm que ter o refinamento, a
sofisticação moral e ética para saber o que é que vocês estão fazendo e isso são duas coisas
diferentes”.


Eu tenho aqui uma imagem. Isso daí que vocês estão vendo [mostra projeção] é o armagedom
genético [armagedom é um termo bíblico que se refere ao local e cena da última batalha entre o
bem e o mal. De forma mais genérica refere-se a uma catástrofe mundial]. É a capa de um livro
que saiu nos Estados Unidos, esse ano, que tem Jesus Cristo sendo devorado por uma molécula
de DNA em forma de dragão. A mensagem já está na capa, vocês não precisam nem ler o livro,
pois você já entenderam tudo. Aliás, espero que vocês não leiam esse livro. De qualquer forma,
a ideia é que, ele diz, no subtítulo: “a tecnologia de hoje vai ser o monstro de amanhã”.


Quer dizer, a tecnologia, a ciência, não estão aqui para aliviar o sofrimento humano. Estão aqui
para piorar, para criar monstros. Isso é uma coisa muito antiga: o medo do novo, o medo do
desconhecido. E, como as pessoas – autores como esse – podem manipular o medo que as
pessoas têm para servir a uma agenda... No caso, esse autor é um evangélico radical de extrema
direita cristã americana, que quer converter todo mundo. É a Idade da Média novamente.
Isso é um perigo muito grande. O criacionismo nas escolas é um exemplo disso também. Disso,
nós podemos falar depois. Mas o que é que pode ser feito com relação à isso? Essas coisas, essa
nova ciência da genética que está aí, e vai ficar cada vez mais presente na vida da gente.


As células-tronco. Eu quase esqueci de falar das células-tronco. O Superior Tribunal Federal
(STF) do Brasil, pela primeira vez na história gloriosa do Superior Tribunal, abriu as portas para
uma audiência pública. E na pauta estava, justamente, a questão do uso das células-tronco para
exploração, para uso médico. O Senado e o Congresso, de uma forma muito legal – eu fiquei
satisfeito de ter visto isso –, aprovaram, com maioria absoluta, o uso dessas células-tronco. Mas
o Procurador Geral da Justiça acha que é inconstitucional, por quê? Porque manipular um
embrião de cinco dias é matar esse embrião. Então, você está assassinando um ser vivo.


A discussão é: será que os cientistas podem manipular embriões e extrair as células-tronco deles
para o bem da ciência? Ou eles estão sendo criminosos? Estão assassinando o embrião? A
resposta dos cientistas: “nós não queremos assassinar embrião nenhum”. O que acontece, nas
clínicas de fertilidade, quando você vai ter fertilização , é que vários in vitro óvulos das mulheres
são extraídos e fertilizados. Quando a coisa tem sucesso e o óvulo é fertilizado, ele é implantado
no útero da mulher e a mulher tem o filho. Só que sobram muitos embriões viáveis, que não
foram usados, porque o casal já teve o filho. E o que é que se faz com esses óvulos, esses
embriões? Jogam fora. No lixo. O que é que a comunidade científica diz? Em vez de jogar fora,
deem para os laboratórios, para que possamos usar esses embriões para poder curar uma
infinidade de doenças e que podem realmente se beneficiar desse uso das células-tronco.


A medicina atual ainda não sabe como fazer isso, tem indicações que pode. Mas, se a gente não
pesquisar, jamais vai poder. E você tem Diabetes, Mal de Parkinson, problemas na coluna – que
matou o super-homem, o Christopher Reeve, por exemplo – dano na medula. Várias outras
coisas que podem realmente se beneficiar muito pelo uso das células-tronco. A Inglaterra já
liberou total. Os Estados Unidos não. Pelo menos nesse governo [George W. Bush]. Então, o
que é que acontece? Bom, os Estados Unidos não liberaram o uso das células-tronco com verbas
federais para pesquisa, mas, se você tiver um laboratório privado, pode fazer a pesquisa que
quiser.


É óbvio que já está sendo feito, e está sendo feito na Inglaterra, na Coreia, no Japão e na
Alemanha. Se não é feito aqui, vai ser feito em outros lugares. E o que acontece? A gente fica
para trás. A pesquisa científica tem que ser vista com muito cuidado pelos governos. O governo
tem que ser informado, mas quem é que escolhe os governos? São vocês, são as pessoas, é a
sociedade. E, se a sociedade não tiver a menor ideia do que é célula-tronco, como é que vai
eleger um político que vai poder definir ou representar essa opinião lá na frente, com o seu
voto? Pelo menos, idealmente, assim funciona a democracia. Os cientistas têm o dever de sair
das universidades e vir falar com as pessoas sobre essas coisas. E, cada vez mais, isso vai
ficando importante.


Esse daqui [mostra slide] era o tema principal desse ciclo, o aquecimento global. Outros
cientistas vieram, antes de mim, falar sobre isso. E existem coisas muito importantes. Esse ano é
realmente muito importante pelo seguinte: existe uma organização chamada Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas ( IPCC), que é um painel que reúne centenas de
cientistas do mundo inteiro, inclusive vários do Brasil. O segundo palestrante desse ciclo, Paulo
Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), faz parte desse painel. Tem vários outros também.
Esse painel examina tudo o que é possível com relação ao planeta e ao aquecimento do planeta,
e tenta entender, primeiro, se está ocorrendo o aquecimento ou não; segundo, se o aquecimento,
se ocorrer, é causado por nós ou não.


Saiu agora, em setembro, o quarto relatório desse painel. E, na medida em que esse painel foi se
reunindo, nos últimos 15 anos, esses relatórios foram ficando cada vez mais precisos. Por quê?
Porque a pesquisa científica avança, os computadores ficam cada vez mais poderosos, mais
pessoas tomam parte disso, a coleta de dados é feita no mundo inteiro, no Polo Norte, no Polo
Sul, nos oceanos, em várias altitudes diferentes e é integrada em supercomputadores - feito
aquele ali da Nasa, por exemplo, [imagem mostrada anteriormente]. E eles chegaram à duas
conclusões que eu acho que são absolutamente fundamentais e que todo mundo tem que saber.


Primeiro, que não há a menor dúvida de que o aquecimento global é uma realidade. Ou seja, o
planeta está mesmo ficando mais quente.“Ah, é uma flutuação?” Não é uma flutuação. Dos
últimos 12 anos, 11 foram os mais quentes, desde 1850. Isso não há estatística que aguente. O
que está acontecendo é que o planeta está sim ficando mais quente. A segunda questão é por
quê? O que é que está causando esse aquecimento? Duas possibilidades: são efeitos naturais. O
Sol está ficando mais quente. O Sol é uma estrela, que não é perfeitamente estável, tem
flutuações na luminosidade, na quantidade de radiação que emite e isso certamente afeta o
clima. O interior da Terra também é quente, o movimento das placas tectônicas também libera
calor, vulcanismo. Tem uma série de outros efeitos que podem afetar o clima. Esses efeitos têm
que ser comparados com os efeitos que são chamados de antropogênicos, causados, gerados
pelos homens, pela civilização, pela indústria.


O que esse painel fez foi tentar separar essas duas coisas. Existe o aumento da luminosidade do
Sol? Existe. Isso pode explicar o que está acontecendo? A conclusão é: com 90% de
probabilidade que não, que o efeito de aquecimento global está sim sendo causado pela
poluição, por nós. 90% de probabilidade não é 100%. Mas, se eu estivesse jogando poker e me
dissessem: “você tem 90% de chance de ganhar essa aí”, eu iria botar todas as minhas fichas lá.
É muito a probabilidade. E por que é probabilidade? Por que os cientistas não conseguem chegar
e falar: "olha, se as emissões na atmosfera continuarem do jeito que estão, na terça-feira, dia 27
de outubro de 2021, o Rio de Janeiro vai afundar".


Não dá para fazer esse tipo de previsão precisa, porque essa não é uma ciência em que se fala:
“se eu levantar esse copo daqui e largá-lo, ele vai demorar um décimo de segundo para bater
nessa mesa”. Isso é uma física simples, que todo mundo aprende no ensino médio. Essa física –
e química, geofísica, ciências atmosféricas, meteorológicas – é muito complexa. Você tem que
monitorar todas as correntes, de todos os oceanos do mundo inteiro. Tem que acoplar isso com o
movimento das massas de ar na atmosfera e, a partir daí, a quantidade de gases que estão sendo
ejetados nos vários países, aonde estão os focos maiores de poluição. Juntar isso tudo com o Sol
e aí chegar a uma conclusão. É complicadíssimo. São cálculos extremamente complexos, mas
para esse painel afirmar que existe 90% de chance, então, no mínimo, a gente tem que mudar o
jeito que vive.


Eles falaram uma outra coisa, que o efeito está tão acelerado, que mesmo se a gente parasse tudo
agora, parasse de funcionar, voltasse todo mundo para as florestas, para viver de amora e de
banana, mesmo assim, o aquecimento global iria continuar. Porque ele tem uma inércia. Ele vai
continuando, e não se dissipa.


Para quem não sabe direito, só mencionando, aquecimento global, é essencialmente o seguinte:
o Sol aquece a Terra todos os dias. Obviamente, a Terra também gera calor e o que acontece?
As nuvens, a atmosfera são como se a gente estivesse colocando um cobertor em torno da Terra.


Por que você põe um casaco quando está frio? Você põe um casaco quando está frio, porque o
casaco não gera calor, mas o casaco, a roupa impede que o calor que o seu corpo está gerando
escape para fora. Você mantém esse calor perto do seu corpo. E o aquecimento global é
essencialmente isso. A gente está colocando um casaco grosso em torno da Terra, de modo que
o calor que vai por esse casaco - que é, no caso, do Sol, uma parte da radiação que entra, e uma
parte do calor gerado no interior da Terra que não sai - fica preso. É como quando a gente
estaciona o carro em um dia de Sol, depois de um tempinho, está muito mais calor dentro do
carro do que fora do carro, por quê? Porque a radiação entra e nem toda ela sai, então, fica o
maior calorão lá dentro.


Esse é o efeito por causa do acúmulo de gases da atmosfera, quais gases? Gás carbônico (CO2)
– isso é natural, eu falo e eu estou produzindo gás carbônico à beça –, metano, óxido nitroso –
que é o que faz com que, [quando] se voa sobre São Paulo, ou Rio, vejamos aquela coisa meio
amarelada, meio horrorosa sobre a cidade, vem disso daí – ozônio, às vezes também. E a
Academia Real de Ciências da Noruega teve a elegância, esse ano, de dar – porque o Prêmio
Nobel da Paz é da Noruega, não é da Suécia – o Prêmio Nobel da Paz para o Al Gore, que está
fazendo uma campanha incrível com relação à isso, e para o IPCC, porque eles realmente
merecem.


As consequências são terríveis se a coisa continuar. Mas elas variam. Existem [variações]
novamente, porque tem uma variação estatística, tem que fazer estudos probabilísticos de qual é
o melhor cenário e qual é o pior cenário. O que pode acontecer de pior, o que pode acontecer de
melhor, dentro do que já está acontecendo de ruim. Bom não vai ficar. As calotas polares já
estão derretendo, o oceano já está crescendo. Aliás, eu tenho um gráfico aqui [mostra projeção],
que eu roubei do diretor desse painel internacional [IPCC]. Roubei não, estava na internet. E
essa [informação] eu sei que é verdade, porque é lá do painel do IPCC.


Esse cara [mostra projeção] “ganhou” uma palestra o mês passado mostrando o seguinte: esse
primeiro aqui [mostra gráfico] em cima é a mudança da temperatura, desde 1850 até 2005. Eu
acho que dá para ver, perfeitamente, que, a partir de 1900, a coisa começou a subir. E que subiu
muito mais acelerado nos últimos 15, vinte anos, do que no início, que era mais ou menos
estável, ficava flutuando um pouco. Ou seja, a temperatura do planeta, isso é a temperatura
global – então eles medem toda a temperatura, dividem e obtêm a temperatura – está crescendo.


E o crescimento aqui é de mais ou menos um grau desde 1910. Só que, “um grau não é nada!”
Um grau é muita coisa. Por exemplo, recifes de corais, com uma variação de um grau, morrem.
Se morrem os recifes de corais, morrem os peixes que vivem no coral, que se alimentam do
coral etc. Então, nada acontece sozinho.


Uma outra coisa é o nível do mar, o aumento do nível. Essa segunda curva aí [mostra gráfico] é
o aumento do nível do mar. Vocês podem ver que também está subindo, o mar está subindo.
Veneza está afundando e vários outros lugares. O que acontece? Se isso daí ocorresse, se
algumas regiões costeiras afundarem – a Holanda então está perdida –, centenas de milhões de
pessoas vão ter que se mudar. Vão ter que sair do lugar onde elas moram para ir para outros
lugares. E isso vai criar uma migração em massa, que vai desequilibrar completamente a
situação urbana do planeta, econômica, vai ser o maior caos.


E vai acontecer? Se continuar do jeito que está, vai acontecer, porque esses lugares vão embora.
O mundo que vai existir em 2070 vai ser um mundo muito diferente do que é hoje, por vários
motivos. E esse último gráfico [mostra projeção] é a quantidade de degelo da calota polar no
norte, do Polo Norte, mostrando a perda de gelo em função do tempo. Vocês estão vendo que a
quantidade de superfície gelada está ficando cada vez menor. É isso o que esse gráfico mostra.


A quantidade da superfície congelada, no finalzinho, nos últimos dez anos, 15 anos, tem uma
queda. Isso daí está em milhões de quilômetros quadrados. Tem uma queda de, mais ou menos,
oito milhões de quilômetros quadrados. O que é oito milhões de quilômetros quadrados? O
Brasil. O Brasil derreteu lá no Polo Norte. Então está acontecendo. Eu queria dar boas notícias.


A boa notícia é que a gente está começando a falar sobre isso. Eu acho que isso já é uma boa
notícia, porque antes a gente nem isso fazia. E eu espero que, no próximo governo americano, as
coisas mudem por lá também. Porque o nível de aprovação do [George W. Bush] Bush nos
Estados Unidos está abaixo, o mais baixo de toda a história, de todos os Presidentes dos Estados
Unidos. Só o Nixon, logo antes dele ser “chutado para fora”, estava tão ruim. Então,
obviamente, nem os republicanos estão gostando do que esse cara está fazendo.


Bom, agora eu vou pegar um pouco mais leve, falar de outras coisas. A conferência, antes da
minha, foi do Augusto Daminelli, que é um professor da Universidade de São Paulo (USP), um
astrofísico muito, muito bom, muito competente. E ele falou sobre a busca por outros sistemas
solares, ou seja, a questão dos ETs [extraterrestres]. Por incrível que pareça, não é só em
Hollywood que tem ET, ou que as pessoas pensam em ET. Sei lá, na Chapada Diamantina
também, muita gente vê ET, em geral depois de beber 12 garrafas de cervejas ficam: “olha as
luzes, eu estou vendo as luzes!” Dá para ver tudo, não é? [risos] Os cientistas também estão
muito interessados. As pessoas acham: “cientista é um saco mesmo, esses caras não acreditam
em nada, não acreditam em alma, fantasma, ET”.


Não é que a gente não queira acreditar. A gente, eu, adoraria. O [cientista e escritor
norte-americano, que publicou vários livros de divulgação de ciência e de ficção] – um outro
que dedicou a vida inteira dele a, justamente, essa questão da vida extraterrestre – adoraria ter
conversado com um ET. Mas é que realmente não aconteceu. Não existe absolutamente
nenhuma, zero, nenhuma prova concreta de que nós fomos visitados por seres inteligentes
extraterrestres.


Teve um livro chamado {oo} {/oo} Eram os Deuses Astronautas? [título original Chariots of the
Gods? (1968)], que, talvez, as pessoas da minha idade se lembrem. Esse autor está na prisão
agora por fraude, o Erich von Däniken, porque ele fez, inventou, distorceu que as imagens nos
templos dos Incas e nas pirâmides egípcias é porque eram... Como que os seres humanos
puderam construir pirâmides há tanto tempo atrás? Alguma tecnologia avançada deve ter
ajudado e, na verdade, não precisa de nada disso. Teve um cientista, até teve um documentário
da BBC [canal britânico de televisão] mostrando como se constrói uma pirâmide do Egito com a
tecnologia dos egípcios. Demora, duzentos mil escravos, muita gente, mas não é impossível. É
possível. Nós, seres humanos, temos mania de achar que as pessoas no passado eram burras, que
nós é que somos inteligentes. Quanto mais para trás no tempo, mais burros eles eram e não é
nada disso. Eles eram tão inteligentes, tão criativos quanto nós somos, o contexto é que era
diferente. O contexto histórico era diferente. As ferramentas que eles tinham eram diferentes.


Mas a criatividade deles era enorme .A gente não pode desmerecer os nossos antepassados
assim.

Uma história engraçada, voltando para a questão da internet: ali [mostra projeção] no lado
direito da tela, o que é aquilo ali? Aquilo, se você for no Yahoo, sei lá, procurar no Google por
"autópsia de ET", vai chegar nesse filme, um vídeo. “Vídeo, opa! Filmaram é porque é
verdade!” [risos] É um documentário. Todo mundo: “documentário é verdade, não é?” Não é
verdade. Documentário não precisa ser verdade. - A gente pode até falar sobre um que eu tenho
e estou preocupadíssimo com isso, porque todo mundo adora esse filme que é um desastre. Qual
é o documentário que eu estou falando? Esse aí [mostra projeção], Quem somos nós? [What the
Bleep Do We Know!?]. Agora parece que tem o número dois também. Depois a gente fala sobre,
alguém me pergunta: mas por quê? - Mas voltando aqui aos ETs, essa biopsia aí é o seguinte: a
estória é de 1947, dois anos depois do final da guerra, da Segunda Guerra, os russos estavam
explodindo as bombas atômicas deles, a Guerra Fria estava começando. 1947, segundo a estória,
no deserto do Novo México, lá em Roosevelt, uma espaçonave é abatida por um caça
americano. A espaçonave cai e eles pegam o ET e essa imagem [mostra projeção] é dos médicos
americanos fazendo a autópsia no ET que caiu em 1947.


Agora, para pensar um pouco sobre o que isso significa. Olhem o nosso sistema solar [mostra
projeção]. O nosso sistema solar tirou o coitadinho do Plutão, mas nós temos Mercúrio, Vênus.


A temperatura na superfície de Vênus é de 450 graus [Celsius]. Esse é o aquecimento global
mesmo, sem civilização. É um efeito absolutamente terrível e também é cheio de enxofre.


Vênus, que é a deusa da beleza, aquela estrela Dalva, é um inferno em temperatura e cheiro
[risos]. Cheira igual o inferno, não tem nada de estrela Dalva. Mas, de longe, no céu, é aquela
coisa bonita, poética. “Está perto do Sol, a deusa da beleza”: vocês veem como a gente se
ilude? Mas é uma ilusão bonita, lírica. Essa vale, poesia vale. O que não vale é desinformação.
Bom, Marte, se tiver alguma vida lá é muito primitiva, como bactéria unicelular, se tiver. Os
outros planetas provavelmente não têm. Júpiter, Saturno, Netuno, Urano, não têm nem
superfície, eles são planetas gasosos. Vocês não podem pisar na superfície de Júpiter. Afunda,
porque ele é um gás. É uma bola de gás condensado. Só no centro de Júpiter, nos planetas
maiores, é que começa a ter uma densidade maior e ele fica mais duro e tal. Nas Luas talvez.


Tem uma Lua de Júpiter chamada Europa, que parece que tem um oceano submerso embaixo de
uma calota de gelo de dois quilômetros de espessura. Coisa muito louca. Imaginem uma Lua em
Júpiter, a temperatura fora é de menos duzentos graus. Menos duzentos graus! Então, você tem
uma calota, o planeta inteiro é uma calota de gelo, mas abaixo dela tem o mar. Como é que se
sabe disso? Ninguém foi lá com uma broca e fez um buraco. Mas essa missão está planejada, vai
ter uma sonda que vai com uma broca fazer um buraco na Europa, na Lua de Júpiter, para,
exatamente, examiná-la. Porque água e vida são amiguinhos. Por isso, sempre que você quer
procurar por vida, pelo menos a vida que a gente conhece, você procura por água. Água salgada
então é uma maravilha


Por que tem água em um planeta tão gelado? Porque ele está tão perto de Júpiter, que a
gravidade de Júpiter deforma esse planeta como se fosse uma bola de massa, e esse atrito aquece
o interior do planeta e faz com que essa água fique líquida. 


Como é que a gente sabe disso?
Porque podemos medir o período orbital do planeta, seu campo magnético, a densidade, a massa
do planeta. E tudo casa para que isso seja um planeta feito de água, que é uma coisa incrível,
uma caixa d’água espacial. Mas fora ela, não tem.


No nosso sistema solar, nós somos únicos, extremamente preciosos. Essa estória eu garanto para
vocês que não é só nossa, a vida é muito rara. A vida inteligente então nem se fala. Se tem aqui,
se discutirmos, eu acho que tem. Nós estamos aqui falando sobre isso, alguma inteligência a
gente tem, não é? Mas ela é muito rara.


Mas vamos supor, a nossa galáxia - eu não falei nada sobre universo, galáxia, então vamos falar
um pouquinho. O Sol é uma estrela bastante comum, e a gente mora em uma galáxia chamada
Via Láctea, todo mundo sabe disso. A Via Láctea tem mais ou menos trezentos bilhões de
estrelas. Trezentos bilhões de estrelas é a população inteira do ... são cinquenta vezes mais do
que a população do mundo. Uma estrela. Cada estrela - a gente agora sabe disso, vocês tiveram
aqui, na palestra do Augusto Daminelli, no dia 23 - a maioria das estrelas têm planetas girando
em torno delas, que é uma coisa que há dez anos não sabíamos. Isso é uma novidade. A gente
pensava por que o Sol tem que ser tão especial assim? O Sol não é, então as estrelas têm
planetas. Isso significa que na Via Láctea tem trilhões e trilhões de planetas e luas, a gente tem
oito planetas no sistema solar, tem mais de sessenta luas no sistema solar. Não é só em planeta,
tem lua também que pode ter vida.


Ou seja, na Via Láctea temos, potencialmente, uns cem trilhões de planetóides, os planetas, luas,
girando em torno de estrelas. O que são cem trilhões? É o número de grãos de areia na praia de
Copacabana. São quatro quilômetros de extensão, cinco quilômetros, mais ou menos. Peguem
um punhado de areia quando vocês forem à praia, e imaginem que cada um desses grãozinhos é
um planeta que está aí na nossa galáxia. Tem planeta e lua à beça. O problema, então você fala:
“poxa, tem tanto planeta, é mole ter vida”. Mais ou menos, porque para você ter vida, pelo
menos a vida que a gente conhece, tem que estar não muito perto, nem muito longe da estrela,
porque tem que ter água líquida. Tem que ter a composição química com carbono. Nenhum
outro elemento químico pode gerar as ligações químicas que geram as moléculas orgânicas das
quais nós todos somos feitos. Silício pode, mas não funciona tão bem, então o carbono que é
responsável por isso tudo.


Fora isso, na questão das visitas, há as distâncias. A estrela mais próxima da gente está a quatro
anos-luz e meio daqui. Isso significa que, se você viajar à velocidade da luz, vai demorar quatro
anos e meio para chegar nessa estrela, Alfa Centauri. O que é a velocidade da luz? Trezentos mil
quilômetros por segundo. O que é trezentos mil quilômetros por segundo? Você pisca o olho, a
luz dá sete voltas e meia em torno da Terra. Então, imaginem quantas piscadas de olho você vai
ter que dar para viajar quatro anos e meio


Com a tecnologia que a gente tem hoje em dia, se a gente fosse fazer uma expedição interestelar
para Alfa Centauri, teria que inventar um jeito de congelar os seres humanos.O que não dá certo,
porque, infelizmente, a água, quando congela, expande. Quando se congela um ser humano, as
células – somos 65% de água – explodem. Então, você destrói completamente. Não dá para
ressuscitar um ser humano congelado, ele vai embora.


Tem mil macetes de criogenia, que são uma enrolação tremenda. Lá em San Diego (EUA) tem
um instituto no qual você pode ser congelado, pagando uma nota, para se um dia descobrirem a
cura da sua doença, você ser descongelado, se descobrirem como te descongelar com vida
também. [risos] Em pequeno [no contrato], isso está na linha assim, fonte número três, você não
consegue ver nem com... Mas os caras fazem, porque a gente quer viver, essa que é a questão.


Então, essa civilização inteligente que, vamos supor, está só a vinte anos-luz daqui, pertíssimo,
vinte anos-luz. Quando a gente olha para o céu, não aqui, bom, talvez se você sair para o campo,
nas fazendas, a gente vê mais ou menos três mil estrelas a olho nu. Três mil estrelas, cem
trilhões, trezentos bilhões, não é nada, essa é a nossa região aqui, nossa casa, nossa vizinhança
cósmica. Essas estrelas estão a vinte, quinze, cinquenta, cem anos-luz de distância. Então para
você ir ... a luz que sai dessas estrelas está viajando esse tempo todo para chegar até aqui. Por
exemplo, o Sol está há oito minutos-luz de distância da Terra. O que significa isso? Significa
que a luz do Sol demora oito minutos para chegar até aqui.


 Se o Sol explodir agora, a gente só vai saber daqui a oito minutos.

Mas não vai adiantar nada, porque quando o Sol explodir a gente vai junto com ele. E isso vai
acontecer daqui a cinco bilhões de anos.


Imaginem que essa civilização inteligente, desenvolveu a tecnologia fenomenal de viajar essas
distâncias, em tempo hábil, e chegar até aqui na Terra. Porque é que eles vieram aqui eu não sei,
mas vieram aqui, chegaram e foram destruídos por um caça americano de 1947. [risos] É óbvio
que eles não entendem nada de seleção natural, e a briga dos mais fortes com os mais fracos. A
vida lá tem que ter seguido essas regras, porque só dá, a vida só funciona assim, é a seleção
natural. Mas, obviamente, essa raça aí se esqueceu que podem haver pessoas maléficas em
outros lugares do universo, feito aqui, que podem destruir a espaçonave deles.


Vocês sabem quantas pessoas nos Estados Unidos – no Brasil eu não sei, mas eu duvido que
seja menor o número – que acham que foram sequestradas por ETs? Mais de cem mil. O número
de pessoas que acreditam que existem ETs é em torno de 70% da população, das que “viram”
ETs, 40%, e acham que foram sequestradas, ou seja, saíram, foram, tiveram contato imediato de
terceiro grau [risos] E como é a coisa? Estão dormindo, aí vem uma luz, eles levitam, vão para a
espaçonave dos ETs e aonde que eles vão parar? Exatamente na mesma situação daquele coitado
ali [mostra projeção] - ou coitada, no caso, aparentemente -, mas o inverso, quer dizer, é o ser
humano que está na mesa de operações, cercado de médicos ETs por todos os lados.
Agora, se esses relatos fossem concretos ... Todos eles falam que os ETs estão interessados é no
nosso aparelho reprodutor sexual. Estão interessados em saber como é que a gente faz gente.
[risos] Cem mil pessoas foram sequestradas, cem mil pessoas foram sujeitas a essas
experiências, e os ETs que desenvolveram essa tecnologia capaz de viajar trinta anos- luz,
chegaram até aqui e ainda não entenderam! [risos] E, por cem mil vezes, não entenderam como
é que a gente funciona. É assim, absurdo. Mas quando você começa a refletir um pouquinho
sobre essas coisas, começa a entender que a história não é bem assim. É muito mais complicada.


E agora esse é o ano, 1957, quando Sputnik [primeiro satélite artificial da Terra, lançado pela
antiga União Soviética] foi lançado. Sputnik em russo quer dizer companheiro de viagem. São
cinquenta anos de corrida espacial. E a corrida espacial mudou muito a nossa vida também. Nós
chegamos à Lua. Tem gente que acha que a gente nunca foi à Lua, que é truque de Hollywood.
Eu tinha uma cozinheira chamada [...] que achava que era truque de Hollywood, que a gente
nunca foi lá. Tem muita gente. Eu recebo cartas, às vezes de leitores da Folha [Folha de S.Paulo
], que falam isso, que a bandeira tem a sombra ao contrário. Imagina se essas imagens todas que
vocês estão vendo, por exemplo, isso daí [mostra projeção] é uma imagem de Júpiter, se isso foi
feito em Hollywood, se a Nasa [National Aeronautics and Space Administration], ou o governo
americano iria se dar o trabalho de fazer isso. Agora não é mais o governo só americano, porque
não só a Rússia, mas o Japão e a China também. E a Índia está planejando uma missão lunar.
Então, acabou essa história que é coisa de americano. Espaço não é mais coisa de americano. É
do mundo inteiro.


Vou falar mais um pouquinho sobre outras questões importantes, falamos de poluição, falamos
de genética, falamos de ET. Vou falar um pouco sobre a visão cósmica moderna. Se você parar
para pensar como nós, hoje, vemos o mundo - a nossa visão de mundo - o que a gente chama da
nossa cosmologia é completamente diferente da cosmologia de uma pessoa do século XVI, do
século XVIII e até mesmo do início do século XX.


No século XVI, 1500, quando Cabral chegou aqui, como é que era o universo para o Cabral e
para a moçada? Era um universo que tinha a Terra no centro, imóvel. A Terra era o centro de
tudo para o Cabral e para o Colombo e para todo mundo. Então, em 1543, o Copérnico publicou
um livro – que muito pouca gente leu – e que ele tira a Terra do centro e coloca o Sol. O Sol
passa a ser o centro e isso criou uma crise existencial profunda nas pessoas, por quê? Porque
você destrói a ordem cósmica. Tudo fazia sentido. A igreja tinha abraçado essa visão da Terra
ser o centro. A Terra era o centro. Em volta da Terra tinha a corrupção, decadência, tudo o que
mudava, se transformava era aqui perto da Terra.


Mas a Lua, os astros, os céus eram perfeitos, feitos de uma quinta-essência chamada éter, que é
uma substância eterna. Daí que vem eterno, éter, que não se transforma. E, lá fora, nesse
universo cebola que você tem a Terra no centro, os planetas em volta das estrelas, Deus, a esfera
de Deus. Então Deus estava lá longe e a gente tinha que ascender aos céus para atingir esse
estado de graça. E, no centro, no coração desse universo medieval - que, aliás, é retratado de
uma forma muito clara na [poema épico e teológico] do [poeta italiano] Dante [Alighieri], que
eu falei logo no início da palestra - o centro do cosmo, o centro de tudo, o centro da Terra.


O que é que morava lá? O diabo. O inferno era o centro da Terra. E estava muito mais perto da
gente do que Deus lá longe. Era muito mais fácil você cair em tentação [risos] do que você subir
e ascender em graças para os céus. Existia uma ordem, um verticalismo muito claro. As pessoas
se guiavam por isso. Fazia parte. De repente, quando o Sol vira o centro, a Terra vira só um
planeta. Ninguém sabia mais onde estava, o que fazer. A igreja, obviamente, se sente ameaçada.
Essa é uma história longa que não dá tempo de contar aqui. Mas o que vai acontecendo é que
uma mudança de visão cósmica muda a maneira das pessoas de pensar sobre o mundo.


Mas o Sol vai embora. Pelo menos o Sol era o centro. A Terra estava ali, era um planeta. Só
tinha o nosso sistema solar. No século XIX, com os telescópios avançando, viu-se que não é
nada disso. Existem várias nebulosas espalhadas pelo universo, feito essa que vocês estão vendo
aí [mostra projeção], mas elas faziam parte só da nossa galáxia. Falava-se na nossa galáxia. A
Via Láctea era a única galáxia que existia até 1924. Achava-se que só tinha uma galáxia no
universo. 1924 não é tanto tempo assim e só existia uma galáxia no universo. Em 1924, um
cientista americano, Edwin Hubble, descobriu que não é nada disso, que existem bilhões,
centenas de bilhões de galáxias por aí. Depois, em 1929, ele descobre que não só existem essas
galáxias todas, mas elas estão se afastando uma das outras.


Então o universo deixa de ser uma coisa estática para ser uma coisa dinâmica, sempre em
transformação, crescendo, crescendo, crescendo. As distâncias vão ficando maiores. A nossa
galáxia vai se isolando das outras. A gente fica cada vez mais sós nesse mundo. As estrelas,
descobriu-se que elas nascem, vivem e morrem. Ali, do lado esquerdo [mostra projeção], é uma
nuvem onde tem estrelas nascendo. As estrelas ali estão nascendo; do lado direito é uma estrela
que morreu. Quando uma estrela morre, ela explode. Uma estrela é feita de: 75% hidrogênio –
que é o elemento químico mais comum que existe no universo. 74% de toda a matéria do
universo é hidrogênio; 24% é hélio, que é o próximo elemento - lembram da tabela periódica?
Hidrogênio, 1 próton; hélio 2 prótons - então, 24% é o hélio; o último, 1%, é o carbono,
nitrogênio, oxigênio.


A nossa matéria aqui, que é importante para um astrofísico, o universo é essencialmente
hidrogênio e hélio, o resto é detalhe. Mas a estrela é a grande alquimista cósmica. Todo mundo
aqui deve ter se perguntado um dia, espero: “de onde é que vem a matéria que faz tudo?” Que,
aliás, é o tema da nova série [ ] do [programa Poeira das Estrelas Fantástico de televisão]. De
onde vem a matéria que faz tudo, carbono, o ouro, a prata que a gente usa nas joias? Todos esses
elementos químicos são forjados nas estrelas. As estrelas são os grandes alquimistas. Elas
conseguem, de verdade, transformar os elementos químicos, dos mais simples até urânio,
plutônio, os mais complicados. Quando que isso acontece? Quando elas explodem.


Vocês estão vendo as cores diferentes ali [mostra projeção] em volta da estrela? Cada cor
daquelas é um elemento químico diferente. Quando uma estrela explode, ela espalha esses
elementos químicos pelo espaço e eles vão, feito umas sementes, se espalhando pelo espaço. Se
tiver uma outra nebulosa de hidrogênio no caminho deles, eles vão então semear essa nebulosa
de hidrogênio com carbono, nitrogênio, oxigênio. Foi isso o que aconteceu há cinco bilhões de
anos, quando o Sol e o sistema solar apareceram.


Há cinco bilhões de anos explodiu uma estrela perto da nebulosa, de uma nebulosa que veio,
virou o Sol. E os elementos químicos dos quais nós somos feitos – todo o carbono, ferro etc –
tudo isso veio dessa estrela que morreu. Quando se fala poeira das estrelas, é porque não é só
uma imagem que é poeticamente muito bela, mas ela é real, ela é a nossa essência moderna. A
gente descobriu, hoje, que nós somos não só integrantes do universo em expansão – um
universo dinâmico – mas que nós somos feito da matéria, da mesma matéria de que as estrelas
são feitas. Para mim, isso dá um senso de unidade cósmica muito grande. Nós não somos tão
diferentes assim do resto do universo, nós somos realmente parte desse universo.


Fora isso, quando a gente casa essa discussão de que nós somos parte do universo, com o fato de
que nós descobrimos como é raro a vida – a vida é tão rara – nós temos que desenvolver uma
nova maneira de se pensar sobre o mundo. Nós, moralmente nós somos tribais, pensamos do
mesmo jeito que os homens das cavernas. O que é meu é meu. O que é teu é teu. Se o teu é
melhor que o meu, eu vou pegar, porque eu quero para mim, e se você não me der eu vou bater
em você, ou vou matar você.


Eu vim de Porto Alegre ontem, e nas ruas e senti aquela tensão entre o pessoal do Grêmio e o
Internacional. É uma coisa de tribo. Eu, quando - eu cresci no Rio - era Fluminense doente.
Fla-Flu era um risco de vida que a gente passava. Porque a gente é tribo mesmo. Infelizmente,
ou felizmente, a ciência moderna está mostrando que essa mentalidade tribal vai acabar com a
gente. A gente tem que desenvolver uma ética que eu chamaria de uma ética cósmica, uma
maneira de pensar sobre o mundo que não é só nossa. Nós temos o privilégio de vivermos em
uma bolha que dá razão a vida. Que permite que a vida exista. Então a gente tem a
responsabilidade de preservar esse nosso espaço. E, como a vida é tão rara, a vida é tão
maravilhosa, a diversidade é tão maravilhosa, então a gente tem obrigação de espalhar essa vida
pelo universo.


Portanto, não é que os ETs vieram aqui não. Somos nós que temos que ir lá. Somos nós que
temos que ir para o universo, espalhar a vida pelo universo, transformar o cosmos inteiro na
nossa casa. Mas, para isso, a gente tem que primeiro cuidar da nossa casa. Que está em maus
lençóis no momento. A minha mensagem para vocês é essa. A nova ciência do novo milênio
requer uma nova maneira de se pensar sobre o mundo e a gente tem que deixar essas diferenças
tribais de lado e pensar em um mundo como um todo, porque essa é a nossa casa, ela é rara, e
nós temos que preservá-la à todo o custo. Obrigado.


[...]: Marcelo, você poderia falar alguma coisa sobre energia limpa e sobre o Nikola Tesla?
Marcelo: O Nicola Tesla é aquele gênio incompreendido. Ele fez várias pesquisas com
magnetismo e desenvolveu várias coisas importantes. Dizem até que [o inventor e empresário
norte-americano Thomas] Edison roubou algumas ideias dele. Existe uma discussão com relação
à isso. Mas existe, também, – eu não sei, eu não sou especialista na biografia do Tesla – mas eu
sei isso, parece que ele pensava muito além do momento, vamos dizer assim. Era uma espécie
de profeta da tecnologia.


Com relação à energia limpa, uma coisa que as pessoas têm que se conscientizar é o seguinte:
não existe energia limpa. Existem energias melhores e piores. Então, é impossível criar uma
fonte de energia que não vá causar nenhum efeito colateral. Por exemplo, “Ah, mas espera aí, a
energia solar que está vindo do Sol, pode ser mais limpa?” É, mas para você fabricar as células
fotovoltaicas, que captam essa energia, tem que ter um processo químico que é altamente
poluente. Então, nunca vai haver uma solução perfeita. A energia nuclear – que, aliás, é a
energia que a curto prazo vai ser a mais usada – vai ter uma corrida mundial. Vai ter não, já está
tendo uma corrida mundial para que se aumente o uso da energia nuclear, porque ela é mais
limpa e ela é mais barata. A França já tem 70% da energia dela nuclear, no Rio de Janeiro,
Angra está funcionando bem e está realmente fazendo a diferença. Qual é o problema da
energia? A turma fala da energia nuclear e todo mundo torce o nariz, por quê? Porque a gente
sabe que o lixo nuclear é um problema sério e porque podem ocorrer acidentes.


Em 1996, em Chernobyl, na Ucrânia - que, aliás, é de onde vem a minha família, não de
Chernobyl, mas da Ucrânia - explodiu um reator e a coisa é tão violenta que a radiação, por
causa dos ventos, viajou mais de mil quilômetros e foi bater na Suécia, na Itália. O leite das
vacas suecas ficou contaminado pela radiação desse acidente, que ocorreu lá na Ucrânia. Por
isso não adianta a gente pensar “ah, a gente está no Brasil, se tem um acidente desse e tal”...
Não tem mais essa, não existe Equador só, quando acontece essas coisas, é o mundo inteiro.


[...]: …[plateia faz comentário inaudível]
Marcelo: Não, agora não precisa que a gente põem soda caustica no nosso [risos] se tiver
radiação a gente inventa um outro jeito de envenenar as pessoas, sem problema. Mas, de
qualquer forma, mesmo com o fato desse acidente ter acontecido, a energia nuclear ainda é
extremamente viável e, infelizmente, vai ser a solução a curto prazo. Porque a energia solar, a
energia eólica, dos ventos, ela ainda não tem eficiência. Infelizmente, a população do planeta é
muito grande, a necessidade de energia que a gente tem é enorme. E a China e a Índia, que são
metade do planeta, essencialmente as duas, estão crescendo num nível descontrolado. E, para
sustentar uma economia dessas, é necessário ter energia. Para er energia você tem que
produzi-la, de alguma forma.


A China tem as cidades mais poluídas do planeta. É horrível o que está acontecendo lá. Eles vão
se destruir com essa poluição. Beijing, Xangai, são cidades que têm seríssimos problemas, mas
eles estão construindo centenas de usinas de carvão, que é a pior fonte de energia possível. Se
todo mundo aqui mudasse as lâmpadas, para lâmpada que usa menos energia, sempre apagasse a
lâmpada quando não tivesse ninguém lá. Porque a gente tem essa mania: “Ah, deixa a luz
acessa”. Não. Apaga a luz. Se a gente não fizesse a barba e escovasse os dentes com a água
correndo, se não estivesse tomando banhos muito mais longos do que o necessário, se nós aqui,
nós somos quantos aqui quatrocentas, quinhentas pessoas? Se todo mundo fizesse isso,
conscientemente, usasse, andasse mais de bicicleta e menos de carro, andasse mais de ônibus e
menos de carro, uma usina de carvão de médio porte acabava, com isso tudo, em um mês … O
que isso quer dizer? Duas coisas: primeiro, todo mundo tem que fazer esse pequeno esforço,
produzir menos lixo, usar carros mais eficientes, andar de bicicleta, transporte público quando
tem, etc, mas os governos também têm que se conscientizar disso, e, principalmente, os
governos norte-americano, indiano, chinês, russo, que são os países mais poluentes do mundo.
Esse problema é sério e, obviamente, está ligado com a questão do efeito estufa.


[...]: Sobre a responsabilidade dos cientistas, porque aqui você está pregando para o coro, está
cheio de físicos, e físicos em potencial, nós somos teus fãs. A gente já está de acordo com você,
mas temos uma responsabilidade com o público. 70% de pessoas que assistiram esse filme [
] ficam falando para a gente: “mas os físicos quânticos assistiram Quem Somos Nós esse filme,
falaram nesse filme. E o que você acha? Como que é? É verdade?” Então, tem milhares de
especulações que as pessoas fazem, baseadas nessas ideias que estão por aí, que contradizem até
as questões de aquecimento global e tudo, que põem responsabilidade em um outro ser. Como é
que a gente lida com isso, sendo delicado, para não acabar de uma vez com a confiança que as
pessoas têm na ciência. Porque o jeito físico de fazer as coisas é falar: “Ah, isso é um monte de
bobagem, vocês estão errados”. E como é que a gente age com responsabilidade considerando
essa parte da população?
Marcelo: Muito importante essa pergunta, eu penso nisso à beça. Eu vou contar uma história.
Uma vez eu estava lá, em Brasília, e me botaram para fazer um programa popular de rádio. Dar
uma entrevista em um programa popular de rádio na rodoviária de Brasília. [risos] Eu me meto
em cada uma! Então, um cara perguntou sobre o fim do mundo. Como é que a ciência via o fim
do mundo. Aí, eu falei: “não, porque tem maneiras, os asteróides destruíram os dinossauros, mas
isso são causas naturais”. E falei, falei, falei e tal... E o cara, no final, falou: “mas, doutor, o
senhor quer tirar até Deus da gente?” Isso me destruiu. Porque ele era super-humilde. Ele tinha
toda a razão. O grande dilema é o seguinte, quanto mais a ciência foi avançando, desde o século
XVII, menos espaço para a religião existia. Quanto mais a ciência vai inventando, vai
descrevendo como funciona o mundo, menos espaço para um Deus criador que explica tudo,
que resolve todos os problemas, existe. As pessoas religiosas, que veem a religião dessa maneira
mais tradicional... Porque tem maneiras perfeitamente consistentes de você casar religião com
ciência, em princípio, não deveria haver crise nenhuma. Mas existe. E eu tenho vários amigos
que são religiosos e são cientistas de primeira linha. O problema não é por aí. O problema é que
as pessoas se sentem ameaçadas por essa versão científica materialista do mundo e a ciência
também é uma coisa que é cheia de espiritualidade. Não é só materialista, de jeito algum. Mas,
como a religião está mais desacreditada, as pessoas um pouco melhor informadas vão, então,
procurar por uma espiritualidade pseudocientífica, que tem um respaldo nessa ciência deturpada,
que é exatamente o que acontece com o [filme] Quem Somos Nós. 


Então, nós somos todos uma função de onda cósmica, porque as vibrações do vácuo quântico ligam todos nós e as flutuações de energia entram pelo cérebro da gente e conectam a gente nesse fluido de neutrinos que está atravessando todo mundo ao mesmo tempo, e todo mundo fala: “Uau! neutrino, fluxo cósmico,
flutuações quânticas de energia, tem que ser verdade, é tudo...”. Afinal de contas, a gente fala,
toda a nossa tecnologia digital, laser, DVD, tudo isso vem da mecânica quântica mesmo. Então
os caras estavam pensando sobre o átomo no início do século XX, e não tinham a menor ideia
que um dia existiria iPod, coisas desse gênero. Acabaram criando uma revolução tecnológica
baseada nesses novos conceitos, que são realmente estranhos, paradoxais, um pouco contra o
bom senso das pessoas, e, portanto, facilmente mistificáveis. E é justamente isso o que acontece.


As pessoas que têm até às vezes doutorado em física, ou o cara é médico... Anteontem, em São
Paulo, me deram um livro escrito por um médico, Os dados que Deus esqueceu era o nome do
livro. O autor usando a mecânica quântica, diz que a maneira como os físicos interpretam a
mecânica quântica está completamente errada, e que a maneira como ele interpreta está certa. E
ele fala umas coisas que são barbaridades atrozes. Que um fóton, que é a partícula da luz, é na
verdade feita por duas cargas elétricas em rotação helicoidal, e uma pessoa lê aquilo e fala:
“Uau, poxa, então é assim. Os físicos que não sabem direito. Esse cara aí é doutor, não é?” Ele é
doutor, e está lá na sessão de esoterismo e auto-ajuda, deve estar certo. [risos] As pessoas usam
isso e se apropriam, porque têm uma necessidade espiritual - e eu não me excluo dessas pessoas
– muito grande de ter uma conexão maior com o mundo, com elas mesmas, dar uma ordem na
vida delas, entender um pouco as dúvidas existenciais que elas têm. Porque astrologia é muito
mais popular do que astronomia? Porque astrologia te liga direto com o cosmos. É você, os
planetas e as estrelas. Estou eu ali no meio. Meu ascendente é áries [risos] e, sabe, eu vou de
cabeça nas coisas, mas a minha lua é em câncer, então eu sou um cara emotivo [risos]. Eu sou
durinho por fora e molinho por dentro. Você se entende de uma maneira cósmica e isso ajuda as
pessoas. Eu entendo a necessidade disso.


O perigo é essa manipulação do conhecimento. E como que a gente pode fazer isso? Só tem
duas maneiras: com muito tato, muita paciência, sem arrogância e com a vontade de fazer isso,
porque tem muita gente que fala: “ah, eu não vou nem perder tempo falando com esses caras.
Imagina sentar em uma mesa com um criacionista, que perda de tempo” E não é perda de
tempo. Talvez seja com o criacionista, mas para as 350 pessoas que estão ouvindo a conversa
talvez não seja.


Eu acho que a única coisa que a gente pode e deve fazer é que os cientistas têm que se engajar
com a população, tem que se pronunciar, tem que falar. Eu vou escrever uma resenha para a
sobre esse filme, acabando com ele e com o próximo, que Folha de S.Paulo eu ainda nem vi,
mas tenho certeza que é besteira. Porque vocês olham o filme, eu tenho certeza que vocês falam:
“pô, esse cara está”... Mas vocês veem o filme, quem é que estava nesse filme? Quem são essas
pessoas? Tem uma vidente que tem um nome muito louco, uma espírita. Tem um físico de
Stanford e fala: “a Stanford é uma das melhores universidades do mundo”. Bate o nome desse
físico e vê se você o acha na universidade de Stanford. Quem é esse cara? Nenhuma pessoa lá
tem credibilidade, é tudo mundo “embromão”, mas ninguém sabe disso.


[...]: tem o Amit Goswami
Marcelo: timo exemplo, ele é PhD, professor, é um cara que sabe. O é um cara que sabe ciência
à beça. Os dois sabem muito, mas eles estão dando uma interpretação altamente subjetiva,
extrapolando as coisas muito além do limite de validade delas. Esse que é o ponto. E é o
seguinte, mecânica quântica é uma ciência que foi inventada para entender como é que o átomo
e como que as partículas elementares funcionam. É a ciência do muito pequeno. Quando você
começa a ter muitas partículas – que é o nosso caso aqui – ou quando você tem essas partículas
interagindo com o meio ambiente – que é o nosso caso aqui – os efeitos quânticos desaparecem.
A física quântica é limitada ao mundo do muito pequeno. Filosoficamente, não física,
filosoficamente ela lida com conceitos muito interessantes. Por exemplo, a relação do observado
e do observador. Então o elétron não existe. O elétron só existe quando a gente interfere nesse
elétron. Bárbaro, é verdade. A realidade depende da nossa interferência nela. Ótimo, é verdade
isso. Quando você está medindo o elétron é verdade. Quando você está recebendo informação é
verdade. Mas você pode pegar esses exemplos e falar: “os sábios zen budistas já tinham dito, em
meditação profunda, que todo o espaço e o tempo é complementar, que o tempo pode se dilatar
e que o espaço pode se contrair, porque eles viam isso na meditação deles”. Eles não estavam
preocupados em entender como o elétron funciona. A missão da religião é muito diferente da
missão da física. Então o que o [Amit] Goswami está fazendo é, na verdade, vender livro à beça
usando conceitos da física que estão fora de contexto.


[...]: O [Fritjof] Capra também?
Marcelo: O Capra certamente também...


[...]: ou nos outros livros também?
Marcelo: Eu só conheço dois dele, O Tao da Física e o Ponto de Retorno, que é um mais geral,
que eu acho que é um ótimo livro.


[...]: Ponto de Mutação.
Marcelo: . É, porque é The Turning Point, [em português] Ponto de Mutação que eu acho
ótimo. Olha, quando eu tinha 19 anos, eu estava fazendo física, bati no O Tao da Física e
desbundei. Eu falei: “cara, esse livro aqui é tudo”. Porque eu já estava estudando taoísmo
sozinho e estava estudando física. E já tinha pensado um pouquinho sobre essa relação do Yin,
do Yang, da polaridade, da transcendência, dos opostos no mundo, e a física também é assim,
observador e observado forma um todo, o Tao. Nós somos, nós e o resto, somos o Tao. E o Qi,
que é a energia que passa através das coisas, é a energia. Eu fiquei doido com o livro. Aí eu
comecei a estudar mais as coisas e entender a importância de como colocar as coisas, de usar
conceitos dentro do contexto em que eles foram criados. O que você pode dizer é o seguinte,
nós, seres humanos, temos maneiras finitas de pensar sobre a realidade, é verdade isso. Então,
por exemplo, no meu primeiro livro A Dança do Universo , eu mesmo falo dos mitos de criação,
as várias maneiras de se pensar sobre a origem do mundo, e como que a cosmologia moderna
bateu na mesma, bateu ali também, pensou as mesmas coisas. O universo é eterno, falava lá uma
seita indiana, o universo é cíclico, como falavam os hindus.


A cosmologia moderna, também falava isso, em teoria. Até que vieram os dados. Quando
vieram os dados, só uma está correta, que o universo não é cíclico, o universo está em expansão.
A dificuldade que existe aqui é de entender que existe sim espiritualidade na ciência, mas não é
fazer uma analogia entre a ciência e as religiões do oriente. Não é por aí. Elas são belíssimas. Eu
mesmo pratico Yoga, leio sobre zen à beça. Mas eu não misturo as coisas. Eu acho que elas têm
uma maneira diferente de se pensar sobre o mundo e, infelizmente, nem todo mundo pensa
assim.


[...]: Partindo dessas suas respostas e do final da sua fala, quando você diz sobre uma nova
ciência, essa ciência que você diz que incorpora responsabilidade, que incorpora uma ética
cósmica para preservar a vida na Terra, que a gente tem que aprender a fazer isso. Você vem
falando sobre a racionalidade e a objetividade da ciência e descarta essas abordagens mais
recentes que esses caras estão fazendo. Então, pegando, por exemplo, a teoria [sobre a estrutura
atômica] desenvolvida por Niels Bohr, que fala da co-emergência, que isso é que traz essa
percepção da relação do observador estar absolutamente inseparável do objeto observado. Qual
que é a possibilidade de fazer ciência responsável, fazer ciência ética, sem essa relação que eu
entendi na sua resposta, que está só no micro, de que eu sou responsável pelo que eu estou
fazendo?


Então, eu tenho que ter uma percepção, como dizem os budistas, da responsabilidade, da
intenção, da motivação do que a gente está fazendo. Quer dizer, ciência e tecnologia, para eles,
são altamente responsáveis pela situação em que o mundo está, que é uma ciência e uma
tecnologia desenvolvida com motivação de guerra, principalmente, da indústria de armamento.
Qual é a possibilidade da gente ter essa nova ciência e qual é essa nova ciência da qual você está
falando? Porque eu imaginava, e imagino ainda, apesar de ser economista e não ser físico e
gostar muito disso, que a física quântica tem um papel muito importante no desenvolvimento
dessa nova ciência.


Marcelo: Quando eu falei “nova ciência” no âmbito dessa palestra, na verdade, estava falando
das coisas que estão acontecendo agora e extrapolando para o futuro. Estava falando de
engenharia genética, do efeito estufa, da ciência e da busca por vida extraterrestre etc. Também
falei do nano, do digital, que têm a ver com a mecânica. Essa é a mecânica quântica. E o fato de
eu estar dizendo que o elétron só existe quando você observa e isso estar relacionado com a
mecânica quântica – e não com extrapolações da mecânica quântica como concreto – não
significa que o fato da gente estar observando a natureza e a nós mesmos, não seja também
carregado de ética. São cosias separadas.


Eu acho que uma coisa é falar sobre a ciência, o que está sendo feito nos laboratórios. Outra
coisa é sobre o papel social da ciência e sobre o papel social da ciência você falou de
armamentos e coisas da sociedade como um todo. Os cientistas são como todo mundo. Nós
somos cidadãos aqui desse planeta, desse cosmos, dessa região. E nós temos, o mesmo dever
ético que todo mundo. O que a gente pode fazer é tentar informar um pouco as pessoas sobre a
urgência dessas questões, que é mais ou menos o que eu estou tentando fazer aqui.


Mas a ciência não tem, vamos dizer assim, dentro dela, uma moral. A ciência é um grupo. O que
é ciência? A ciência é uma construção humana. Uma narrativa que a gente constrói para
entender o mundo em que a gente vive. E essa narrativa vai mudando com o tempo. Por isso que
eu mencionei o século XVI, século XVIII, século XX. Essa história vai mudando, é uma história
que vai mudando. Na medida em que ela vai mudando, a gente vai entendendo mais sobre o
mundo, vai desenvolvendo instrumentos cada vez melhores para poder estudar essa realidade,
inclusive, a realidade quântica. Então isso é a ciência.


Agora, a importância filosófica da ciência, o impacto social da ciência é uma outra conversa,
que é muito importante também. Eu estou aqui, vamos dizer assim, fazendo o papel do cientista
do bem. Aquele cara que ganhou o prêmio Nobel lá é o cientista do mal, são aqueles que
trabalham com defesa, armamentos e tal. Para mim, deviam estar fazendo outro trabalho. Mas
eles estão fazendo esse trabalho porque precisam de emprego, porque tem outras condições. A
gente não precisa olhar para a física quântica e usar os conceitos de princípios de incerteza, de
complementaridade, de relação entre observador e observado para entender a urgência dos
problemas que a gente precisa enfrentar hoje sobre o mundo. A gente precisa colorir com esses
conceitos meio fora de contextos a nossa realidade, para ver que é uma realidade que está
precisando de muito cuidado.


A espiritualidade que eu vejo na ciência é muito parecida com a espiritualidade que todas as
religiões têm. Se você parar para pensar, esquece dogma, tira o dogma das religiões, e coloca só
o cerne das religiões. O que cada religião tem em comum? Todas as religiões têm uma coisa em
comum, do zen ao catolicismo, todas têm uma coisa em comum, que é um sentimento que é
subjetivo de uma relação espiritual com o mundo. Então você pode dar valor. Você pode criar
uma imagem dessa relação espiritual em termos de um Deus onipresente, onipotente. Pode
estabelecer essa relação através de uma meditação zen, em que você e o cosmos se integram,
mas essencialmente o que existe no cerne de todas as religiões é essa espiritualidade, bem
primordial, que nós todos temos.


Para mim, a ciência é isso e só existe porque o homem procura responder exatamente as mesmas
perguntas que já se fazia muito antes dela: quem nós somos? Do que nós somos feitos? Que
mundo é esse em que a gente vive? Por que a gente morre? Qual o significado da vida? Essas
questões são as que definem a humanidade, o ser humano. E elas são parte da ciência. E eu faço
ciência para poder me aproximar do mundo, para poder tentar, de alguma forma, responder a
essas questões. Para mim, a minha atividade científica é profundamente espiritual. Eu não
preciso falar de princípios de incerteza, de nada disso. Para mim, a ciência é uma expressão da
nossa necessidade de estar junto do mundo em que a gente existe. E eu estou bem com isso.


Outro problema, virando a página, a confusão de que só a religião é moral. Aí começa a
complicar as coisas, porque só se você for uma pessoa religiosa que você é uma pessoa moral.
Isso é um absurdo.


[... ]: … comentário inaudível da plateia
Marcelo: Não é nada disso. Desculpe, mas não. Estou há 25 anos fora do Brasil, então dá um
descanso. Mas de qualquer forma não é por aí. Existem certos conceitos que são completamente
independentes da religião, que todo mundo sabe que são moralmente errados. Você não mata,
você não machuca o outro, você não rouba o outro, você respeita a individualidade do outro.
Isso não tem nada a ver com religião. O que as religiões fazem é organizar isso de uma forma
que as pessoas possam entender, que estabelece uma hierarquia de poder e de medo para que as
pessoas possam obedecer a esses preceitos de uma forma opressora, essa é a minha visão.


Mas você não precisa ser um ateu – eu não sou ateu, sou agnóstico – para ser uma pessoa imoral
ou amoral, porque não tem nada a ver uma coisa com a outra. Mas existe esse rótulo. Eu acho
que a discussão não passa pela apropriação de conceitos da mecânica quântica para desenvolver
um novo esoterismo, uma nova espiritualidade. Eu acho que é entender de onde vem esse desejo
de entender o mundo, que é uma coisa que é científica e é não científica, faz parte da poesia, da
música, do amor, de tudo isso. A ciência é mais um caminho para isso. Essa é a minha
colocação.


[...]: Vai nessa linha dessa sua última resposta, você se diz agnóstico, eu ia te perguntar se você
acredita num Deus que criou o universo, um Deus judaico cristão.
Marcelo: Não.
[...]: É difícil tirar isso de um cientista, eles ficam com uma dificuldade de falar sim ou não, não
é?
Marcelo: Não, não. Eu falei não.
[...]: Eu entendi...[risos]
[...]: Gostei da sua resposta, mas parece que um cientista, a maioria dos cientistas têm uma série
de dificuldades com isso.
Marcelo: É verdade.


[...]: Especialmente quando a gente fala, não sei, de alguma coisa pessoal. Há duas semanas
atrás um cientista, um professor da PUC [Pontifícia Universidade Católica] veio aqui e fez uma
citação de um texto seu em que se justifica a religião como sendo uma fonte de esperança para a
humanidade, teria essa função. E é por aí mesmo? Você escreveu isso, você acha isso? Porque
você veio e falou que é uma aula pesada hoje, bem De fato, a gente heavy. vai sair daqui um
pouco, não sei, um pouco mais triste do que a gente entrou... [risos] Demos algumas risadas,
mas eu acho que o espírito que você colocou é a situação do país, do planeta, que não está muito
boa. Eu só fico me questionando da incapacidade da ciência de também gerar esperança. Porque
transferir isso para a religião já que a gente não acredita nesse Deus? Porque pensar que uma
religião seja capaz de fazer uma coisa que a gente, como cientista, devia estar fazendo?


Marcelo: Porque a resposta dessa esperança não está na religião. Está em nós mesmos. Somos
nós que temos que fazer e não esperar que Deus, ou os santos, seja lá quem for, faça. Nós é que
temos que mudar as coisas, o ônus é nosso. Eu acho que é uma missão da ciência. Por isso que
eu falei: “nós temos que criar uma nova ética, uma nova maneira de se pensar sobre o mundo
que não é tribal”. Quer dizer, a nossa ação. E só para esclarecer aqui, agnosticismo – opa,
música do fim já? Não? como no Oscar? O cara fazendo um discurso e toca a música e você
para – agnosticismo, eu acho que sob o ponto de vista estritamente científico é a única posição
plausível, por quê?


Porque o ateísmo nega completamente a possibilidade de entidades não explicáveis pela ciência.
Então, não existe nenhuma possibilidade disso. O agnosticismo nega, mas mantém abre a porta
para, se no futuro surgir algum fantasma na minha frente e eu não estiver bêbado ou algo do
gênero, eu possa entender que existem outras coisas por aí. O agnosticismo mantém,
cientificamente, a possibilidade, que é a coisa da ciência. A ciência é curiosa. Ela nunca fecha as
portas para o novo, inclusive, esse novo aí, que eu, cá entre nós, acho muito pouco provável,
mas não impossível. Eu fico nessa posição que, para mim é a única posição viável no momento,
até que surja algum fenômeno que mude a minha cabeça e estou aberto para isso.


[...]: Eu queria perguntar... Você falou de nanotecnologia que está em voga, falou de quântica,
de genética e também das escolhas que a gente faz, como governantes, e das escolhas que a
gente tem que fazer como sociedade. Estamos presenciando uma decadência gigantesca da
educação básica e fundamental no Brasil. Eu não sei se está assim no resto do mundo. Mas no
Brasil, pelo menos, a situação é preocupante e esses temas, em específico, também já não fazem
parte mais de um currículo científico da escola tradicional.


Eu queria saber como você acha que a gente vai resolver o problema da escolha da população
sobre temas que ela não conhece, e não é preparada para escolher? E, se o debate é reformular a
escola como a gente conhece, reformular o programa da escola, e se há possibilidade das
pessoas, mesmo sem terem – sei lá – 12 anos de educação formal, conseguirem entender o que é
quântica ou o que é a nanotecnologia, para poder escolher e comprar uma calça com um produto
nanotecnológico, ou não?


Marcelo: Boa pergunta. Eu acho que esse é um problema seríssimo. Primeiro, o governo tinha
que triplicar o orçamento do Ministério da Educação. Segundo, tem que existir um plano de
formação de professores em ciência, que é péssimo. Outro dia o Ministro da Educação, o
Fernando Haddad, disse que, de cada dez professores de física, só três têm formação em física,
licenciatura em física. Os outros são professores de português que tapa buraco ou de
matemática. Então, pessoas que: um – não gostam de física; dois – não sabem física. Eu me
pergunto como que essas pessoas podem motivar as crianças a gostar de ciência? Porque a
verdade é a seguinte, criança adora ciência.


Por que o céu é azul?
 Por que o Sol brilha?
 Por que o avião não cai? 
Se a Terra está girando, por que é que a gente não fica tonto? [risos] 
Alguém sabe? 
Bom, os físicos não podem falar isso. A dois mil quilômetros por hora mais ou menos, ninguém fica tonto, que coisa, não é?
 Por que tem estações do ano?

 Aquela coisa da criança perguntar, por que, por que, por que. Eu cansei. Eu
dou dezenas de aulas, apresentações para crianças, tanto aqui, como nos Estados Unidos, de
oito, dez anos, 12 anos. E é o máximo, porque elas têm um pique, querem saber, aprender, tem a
maior curiosidade. Mas aí você entra na sala de aula, o professor não sabe. Vão, “movimento
retilíneo uniforme... [risos] Um carro a sessenta quilômetros”. Haja saco, ninguém vai gostar
disso. Não tem como. Eu não sei porque é que eu gostei, para ser sincero [risos]. Acho que eu
sou masoquista.


Esse é um problema, para gostar da ciência, você tem que entender que a ciência é a linguagem
da natureza. Isso muda tudo, a ciência é a linguagem, é a maneira como a gente se relaciona
com o mundo. Para você ensinar ciência, tem que sair da sala de aula. Tem que pegar as
crianças e ir para um parque, e ver o que tem de física, química e biologia em um parque. Você
mostra aquele negócio todo, a diversidade dos animais, das plantas, a diferença dos materiais, da
areia, da água, explica . Fala dos tamanhos, fala do céu, do Sol, do vento, aí você vai para a sala
de aula e substancia isso com a parte mais teórica, a parte mais de fundamento. “Ah, então a
ciência estuda porque é que existe o arco-íris”. Ela não fica explicando o que é o arco-íris e o
arco-íris fica feio depois da ciência explicar. Não, ele fica mais bonito. Porque a gente entende o
que é o arco-íris.


É até uma questão de perspectiva. Mas você tem toda a razão. E não é só aqui, nos Estados
Unidos é um problema seríssimo também, acredite se quiser. O problema de formação de
professores em ciência, que, aliás, além do salário ser uma droga, você tem que ser um herói
para ser professor em escola pública nesse país. Não tem equipamento. Eu fiz uma coisa com
um grupo de São Paulo, a gente se juntou e eu desenvolvi um vídeo game educacional,
É um vídeo game e não é daqueles chatos não. É um bacana Operação cosmos. mesmo. Tem ser
extraterrestre que vem destruir a Terra e o mocinho é quem vai salvar o mundo, tem a mocinha,
e tem toda uma história. Mas para você ir avançando no jogo, tem que responder certas questões
científicas. A ideia é você apresentar.


A gente já apresentou esse projeto para a Secretaria da Educação de vários estados, e até
colocamos um piloto em uma escola pública em São Paulo e os garotos ficaram loucos: “que
barato isso aqui. Aí tem que fazer uma continha para entender quanto de combustível para você
ir até Marte”. É uma exploração do sistema solar.


Então, existem maneiras de você adequar as tecnologias nano digitais e etc a essa nova educação
também. É uma questão de você não dizer: “ah o computador é um horror para a educação, as
crianças ficam só na internet, no Orkut e não fazem nada de dever de casa”. Não. Usa o
computador para educar as pessoas também. Aliás, para educar os professores também, que é
uma ótima coisa. Existem modos, a questão é se existem meios e recursos, e, no momento ainda
não existem, então a coisa só vai mudar, quando esses recursos aparecerem.



[...]: Eu queria te fazer uma pergunta na linha da anterior, que diz respeito a esse
posicionamento sobre a importância de informar a população. Na sua palestra de hoje, você fez
um passeio entre não só a sua ciência física, você falou muito de biologia, de genética, e o
tempo inteiro permeado pela ética, pela moral. Às vezes, aliás, você associa as duas, parece que
você associa a ética com a moral. E eu fiquei me perguntando e eu queria te fazer uma pergunta
realmente pessoal e direta:


Qual é a importância - para um físico como você, com a formação que você tem - das reflexões
éticas do nosso tempo? Qual é a importância de Heidegger, de Hans Jonas, de Lacan, de Sartre,
enfim, qual é a importância para alguém da sua área, da física, da reflexão ética que corre junto?
De que maneira nós podemos construir pontes, ou isso corre num paralelismo que não se
encontra?


Marcelo: Muito grande a importância. Porque eu acho que um dos temas ou dos subtextos aqui
na minha palestra é que ciência é cultura, ciência gera conhecimento, gera uma visão de mundo.
Nós, hoje, vivemos uma realidade completamente diferente da que as pessoas viviam há
cinquenta anos, porque a nossa tecnologia é completamente diferente. Então, o mundo que foi
criado pelos produtos do pensamento científico e das aplicações tecnológicas desse pensamento.
O cientista que está por trás disso, nós, temos o dever moral de tentar acompanhar a evolução do
conhecimento e saber a diferença entre poder fazer e dever fazer.



Eu acho que todo cientista tem que fazer isso, tem que se colocar dessa forma. Essa separação
das culturas da filosofia e da ciência, dessas duas culturas, do humanismo e da ciência, eu acho
que ela tem que acabar. As culturas têm que se juntar e não se separar. Eu acho que nós todos
temos que fazer parte desse discurso e o cientista não pode achar que o que ele faz, ele ou ela
faz, no laboratório, está separado do mundo. Não está separado do mundo, tem mil, mil
conexões com esse mundo. Não só porque o produto vai influenciar esse mundo, mas porque
você está ganhando dinheiro do governo para fazer essa pesquisa ou de uma indústria privada e
esse dinheiro do governo vem dos contribuintes, do imposto de renda. Na verdade, está vindo da
população. Você está gerando conhecimento com o dinheiro da população e tem que explicar
para a população porque que ela tem que continuar a te dar esse dinheiro para você pensar sobre
essas coisas. Existe uma troca, uma relação realmente muito grande entre a geração de
conhecimento científico e o papel do cientista como intelectual público, que é justamente o que
a gente tenta fazer.

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Pablo Picasso
Li-Sol-30
 Fonte:
Babel - CPFL Cultura
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres. 
 Sejam abençoados todos os seres.

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