YouTube - Carl Orff: Carmina Burana: (1:11:11 )-71min.
Audio: 'Natal russo': Grupo Ave Maria, formado por seis vozes, canta peças tradicionais russas, além de Mozart, Vivaldi e Brahms, (mp3, 74:09)
João Carlos Holland de Barcellos ( Outubro / 2006 )
[Este ensaio procura explicar como um sistema de produção, como o capitalismo, depois de crescer até se tornar uma ideologia política dominante, afeta todos os ramos de nossas vidas e como consegue se manter apesar de beneficiar apenas uma minoria.].
Se alguém lhe perguntasse: “Quem você é?”, ou então, de uma maneira mais geral: “Quem somos nós?” No sentido de saber o que você acha de sua verdadeira essência, o que você responderia?
Talvez mandasse seu interlocutor “plantar batatas”, se filosofia não fosse mesmo sua “praia”, ou então, pensaria um pouco mais, e responderia algo do tipo “Eu sou minha consciência”. Desde a revolução industrial as populações, em especial as do mundo capitalista ocidental, têm aderido cada vez mais, e em maior grau, à cultura do “Eu consciência”. Antes de nos aprofundarmos nas conseqüências dessa crença, e o que ela veio a servir, devemos nos perguntar: Essa visão sempre foi assim? Se não, o que havia antes? Por que isso teria mudado? Para respondermos estas e outras questões precisaremos voltar um pouquinho no tempo...
A Revolução Industrial
Antes da revolução industrial, o modo como cada indivíduo fazia para ganhar a vida era bem diferente da de hoje em dia: não havia computadores, não havia anticoncepcionais, as famílias eram numerosas e pouquíssimos tinham algum tempo para filosofar ou pensar em coisas como o “sentido da vida” ou “a razão da existência”. Os homens trabalhavam duramente, em geral através de sua força física, para sustentar seus lares, e suas as mulheres cuidavam da casa e dos filhos. O objetivo básico era o sustento, a manutenção da família. O pensamento era bastante conservador: “Mulher trabalhar fora? Que absurdo! Onde já se viu uma coisa dessas?! Largar os filhos para ganhar dinheiro!?”. A religião tinha um papel muito importante no pensamento e na educação familiar. Naquela época, a resposta mais provável à nossa pergunta inicial deveria ser algo como: “Nossa essência está em nossa alma, claro.”. Sendo a suposta alma imortal, a essência do ser estaria garantida para todo o sempre no “Paraíso” ou noutro lugar seguro, dependendo da religião.
Enquanto isso, a população aumentava, as terras cultiváveis diminuíam, e as cidades cresciam. Com o advento da revolução industrial, e a mecanização cada vez maior da força humana bruta de trabalho, a produtividade pôde ser multiplicada milhares de vezes. Abriram-se as possibilidades de comércio e de lucro com novos mercados, antes impossíveis de serem explorados já que a produção era movida apenas pela força animal. A mecanização fez aumentar o desemprego nas regiões não produtoras e aumentar a demanda por mão de obra, principalmente mão de obra qualificada, nas regiões fabris. Enquanto as empresas cresciam, e engoliam os pequenos produtores artesanais, novos problemas começaram a surgir.
Embora as máquinas vomitassem peças e componentes sem parar, ainda não podiam fazer, mecanicamente, o trabalho delicado de montagem ou de embalagem. Este trabalho ainda precisava de mãos humanas habilidosas. Além disso, com a produção em escala crescente, novos problemas apareceram: Como controlar a produção? A contabilidade? O controle de estoque, as contas? Como desenvolver novos produtos? Como fazer pesquisa de mercado? Antes das máquinas a vapor as empresas não podiam ser muito grandes e estes problemas não existiam. Mas a partir delas tudo mudou. As empresas cresciam, e para resolver estes e outros problemas relacionados a seu crescimento, houve um aumento da demanda por de mão de obra mais qualificada e especializada. O potencial de mercado, e de lucro, era enorme: Literalmente o mundo todo. O globo precisava ser suprido, e rápido, se não a concorrência o faria. Mas como resolver o problema de conseguir mão de obra qualificada sem onerar os lucros, e, de preferência de forma rápida e barata?
O Feminismo
A solução para estes problemas era urgente. E foi resolvido de forma rápida e genial: Se a mulher fosse introduzida no mercado de trabalho a oferta de mão de obra poderia ser rapidamente dobrada, já que a força bruta já não era mesmo mais necessária. A mulher poderia trabalhar em pé de igualdade com os homens e isso traria uma dupla vantagem ao capitalismo: Duplicaria a oferta de mão de obra e diminuiria, naturalmente, o salário médio já que aumentaria a concorrência. Com a diminuição geral do salário do homem, devido à crescente concorrência feminina, haveria naturalmente uma pressão para que a mulher, que não trabalhava fora de casa, também entrasse no mercado para, ao menos, manter o nível de renda anterior da família, já que seu marido teria seu salário reduzido. Mas para a mulher entrar no mercado de trabalho era imperativo quebrar o antigo estigma, o “tabu” de que ela deveria permanecer no lar cuidando da casa e dos filhos. Criaram-se então condições propícias para que o feminismo deslanchasse, e fizesse o “trabalho sujo” que o capitalismo precisava: Inocular em todas as mulheres o meme (a idéia) de que trabalhar em casa era coisa ultrapassada e antiquada. Que a felicidade não estava na família, em cuidar da casa e dos filhos, mas fora dela, que só se poderia ser feliz nessa vida se fosse encontrada independência financeira, mesmo que essa fosse apenas ao nível de mera subsistência. Apertar parafusos numa fábrica deveria ser, claro, muito mais digno do que amamentar seu próprio filho.
Assim, o capitalismo quebrou o primeiro e importante elo de felicidade da humanidade: As mães já não poderiam cuidar de seus filhos como vinham fazendo há dezenas de milhares de anos. Pois lhes fizeram acreditar que isso era antiquado e gerava infelicidade. Deveriam, a partir de então, prepararem-se para competir no mercado de trabalho com os homens. A meta feminina seria um cargo de executiva com alto salário e subordinados masculinos –oh glória! O casamento e a maternidade deveriam ser repensados. Se houvessem filhos, estes deveriam “se virar” em creches comunitárias, com babás ou então, para quem tivesse muita sorte, com suas avós. Mas estas, como veremos, deveriam cada vez mais, rejeitar este papel, já que elas também lutaram tanto para não tê-lo.
Ofereça teu filho ao “deus mercado”
Com o aumento da oferta de mão de obra e a mecanização da produção o conhecimento e a tecnologia tiveram grandes avanços. Isso permitiu que os produtos agregassem cada vez mais tecnologia e inteligência e, com isso, ficavam também cada vez mais caros. Além disso, o mercado precisava, cada vez mais, de pessoas com conhecimentos especializados, e isso demandava muitos anos de estudos. Pessoas desqualificadas não interessavam ao mercado de trabalho. Não se poderia constituir família e trabalhar antes de se passar pelo menos 15 anos estudando. Filhos úteis para o mercado custavam muito dinheiro. Além disso, famílias numerosas não poderiam adquirir produtos caros já que seus filhos precisavam passar anos e anos nos bancos escolares antes de arrumarem o primeiro emprego. Qual seria o mercado para uma produção cada vez mais sofisticada e cara? Família com poucos filhos. No máximo dois. Isso não apenas garantiria renda como também um mercado consumidor para os novos produtos “high-tech” que precisavam ser consumidos. Além disso, se criariam condições favoráveis para que as famílias preparassem seus dois filhos com qualidade nos estudos para que pudessem ser facilmente “consumidos” pelas empresas detentoras de tecnologia. Entretanto, como foi no caso do feminismo, para que esta solução também vingasse, seria preciso inocular nas mentes humanas um meme adequado.
O meme-vírus “vm2f”
A redução do número de filhos traria, portanto, um duplo benefício ao sistema: Aumentaria a oferta de mão de obra qualificada como também o poder de consumo per capita. Isso permitiria o crescimento do parque consumidor de produtos mais caros e com alta tecnologia agregada. Satisfazer o mercado interno era pré-requisito para disputar o grande mercado externo. Criaram-se então condições muito favoráveis para que o “vm2f” se disseminasse pela população. O “vm2f” (vírus-meme-dos-dois-filhos) é um poderoso agente meme viral que faz com que seu portador acredite - e independentemente da renda familiar!- que se ter mais do que dois filhos, é um ato que deve ser visto como arcaico, e obsoleto, que é uma prática ilógica e retrógrada, proibitiva mesmo, e que deve ser evitado a qualquer custo: “Onde já se viu uma coisa dessas?!?”, “Filho é coisa de pobre!, de gente ‘desletrada’, inculta e que não tem o que fazer!”.
Assim, o “vm2f” foi disseminado na sociedade, e atualmente contamina a mente de praticamente todas as pessoas dos países capitalistas. Quantos casais, que se consideram cultos, com mais de dois filhos, você leitor, conhece? Seria também interessante para o mercado que tal meme-vírus atingisse a maioria dos países consumidores, de outra forma não teriam renda para comprar as caras e sofisticadas quinquilharias produzidas pelos exportadores.
A despeito da infelicidade individual gerada, ou não, o fato é que as medidas adotadas, a inoculação massiva de memes ideológicos específicos, geraram, pelo menos para os paises exportadores de artefatos tecnológicos –os de primeiro mundo- um grande acumulo de capital e de riqueza, o que possibilitou um excedente suficientemente grande para permitir uma significativa redução da jornada de trabalho e também dispositivos legais para distribuição de renda e redução da pobreza. Infelizmente, entretanto, para os países subdesenvolvidos, ou em desenvolvimento, importadores de bens tecnológicos e exportadores de matéria prima, ficariam o desemprego e a miséria.
“A Cultura do Eu”
De qualquer modo, seja nos países detentores de tecnologia, seja nos países consumidores dela, houve um aumento do conhecimento e do tempo livre disponível. Isso criou condições para uma maior reflexão crítica dos dogmas religiosos e uma grande proliferação de religiões e cultos alternativos. O “Céu” ou o “Paraíso” já não eram lugares garantidos onde se iria estar. A única certeza liquida e certa, era de que a felicidade podia ser sentida aqui mesmo, no plano terreno. Qualquer promessa de felicidade no “pós morte” poderia ser contestada já que, apesar dos esforços, nunca se provou nenhuma evidência científica de vida além da morte. Tais pensamentos produziram um caldo rico para o que podemos agora chamar de “A Cultura do Eu”.
A “Cultura do Eu” tinha -e tem- por norma básica o pressuposto de que a única felicidade que podemos realmente obter é aquela que poderemos sentir em vida. E este “Eu” reside na minha consciência já que é ela que de fato sente o prazer. Isso conduz a um individualismo extremado: “O meu prazer, a minha felicidade, está na minha consciência e não na do outro”. A “cultura do eu” faz com que o comportamento do homem capitalista médio seja direcionado a dois objetivos básicos destinados a obtenção de prazer: O Consumismo, e a Cultura do corpo.
O Consumismo
O
Consumismo é uma maneira de obter prazer através do mercado: Comprar,
comprar e comprar. Assim o dinheiro é o grande valor, através dele se
pode dar vazão aos chamados “sonhos de consumo”. A obtenção de bens
também traz prazer na forma de “Status” já que compra mais quem pode
comprar mais e, claro, a obtenção de status patrocina o poder de sedução
sobre o sexo oposto (ou o mesmo). Embora não seja elegante ficar
desfilando com um aparelho de DVD último tipo pendurado no pescoço, nem
ficar falando o que se comprou ou vai se comprar é norma social aceita
falar das maravilhosas viagens que você fez para os lugares mais lindos e
caros possíveis ou desfilar com aquele carro da propaganda da TV. As
viagens não teriam tanta graça se não se pudesse falar delas: Pra que
comprar um lindo vestido se ninguém poderá vê-lo? Além disso, as viagens
representam o ápice da cultura do Eu: O investimento no prazer
imediato, no que o corpo pode sentir agora. Pra que poupar e economizar
(para os filhos?) se o que eu quero mesmo é sentir tudo o que eu puder
sentir? Afinal, a vida é só uma!Meu cérebro é a fonte do meu prazer e, necessariamente, ele está atrelado a um corpo. Se o corpo não estiver “Ok” a mente também não estará, afinal, as dores do corpo são sentidas no cérebro, na consciência. Além disso, se a felicidade só pode ser vivida na Terra, uma felicidade máxima só é conseguida través de um tempo de vida também máximo! Cuidar bem do corpo é um meio, portanto, de aumentar a felicidade em vida. Iniciou-se então a “Cultura do Corpo”.
“A Cultura do Corpo”
A “Cultura do Corpo” parte do pressuposto que só podemos ter uma mente sã – capaz de usufruir prazer- se o corpo também estiver são. As academias de ginástica e malhação se encheram como nunca. Caminhar, correr, malhar tudo era válido, quem não lembra do “método Cooper” que proliferava mais do que coelho? A gordura virou a grande vilã, sinônimo de veneno. De uma hora para outra surgiram mais receitas para emagrecer do que estrelas numa noite de verão. Criou-se mercado para todo tipo de alimento possível e imaginável desde que prometessem um corpo mais saudável ou bonito: Alimentos e bebidas “diet”, “light”, com fibras, sem colesterol, com HDL, sem HDL, e etc.etc.etc... Quem não praticasse algum tipo de exercício, não caminhasse, não corresse, estaria na contramão da vida. O “cult” era, e ainda é, cultuar o próprio corpo.
Muitos esqueciam, talvez nunca souberam, que a moda do corpo deveria ser destinada a um aumento de felicidade, e não como um fim em si mesmo. Assim, podia-se perceber pessoas que sofriam muito em suas malhações, muito mais do que poderia obter de prazer através dela. Pessoas que ficavam horas e horas correndo e se exercitando sem parar. O objetivo foi esquecido, e o culto ao corpo acabou virando uma finalidade em si mesmo.
Luta inglória
Este tipo de comportamento, individualista ao extremo e egoísta, era disseminado e enaltecido. Lembro-me de ter lido uma reportagem sobre uma mulher na faixa dos 40 anos de idade que se vangloriava de não ter tido filhos e através de muita malhação e ginástica diária ainda possuía um corpinho de “39”. Até quando poderia ela lutar contra o tempo? Luta inglória essa de perder tanto tempo tentando retardar o tempo e parecer um pouco mais jovem. Se gasta dez anos da vida para parecer cinco anos mais jovem!
Individualismo e Neoliberalismo
A “Cultura do Eu” trouxe consigo o individualismo extremado. Filhos são considerados perda de tempo e um sorvedouro de preciosos recursos que poderiam ser bem utilizados numa deliciosa viagem a búzios ou na compra daquele carro que a TV anuncia. E, se ainda temos um “maldito instinto” para eles (filhos) então que tenhamos um, no máximo dos máximos dois. Isso será suficiente para para aplacar, para saciar estes ultrapassados instintos animais que insistem em atrapalhar nossa vida de prazer.
Para o individualista, a única felicidade que importa é a que ele consegue sentir, a vivida pelo seu corpo. Promessas de um mundo melhor para futuras gerações não lhe toca em absoluto. O individualista é, portanto, e antes de tudo, um imediatista. Não lhe interessa se esforçar se quem vai usufruir de seus esforços não será ele, e sim as próximas gerações. Assim o individualismo tende a levar a sociedade e o ambiente a uma degradação constante.
O Neoliberalismo é a ideologia econômica que mais se adequada ao individualista. A ideologia neoliberal apregoa a liberdade total de comércio entre países com a mínima ou nenhuma intervenção do estado e isso significa, de preferência, sem nenhuma taxa de importação. Dessa forma o individualista poderá consumir rapidamente uma ampla diversidade de produtos importados e a um preço bastante acessível.
Não importa ao imediatista se isso irá quebrar as indústrias nacionais[8] – desde que elas não quebrem enquanto ele trabalhe numa delas- já que as empresas costumam agonizar por um bom período até fecharem ou serem vendidas para alguma transnacional, com o conseqüênte enxugamento de pessoal e extinção das áreas de desenvolvimento que isso costuma acarretar.
O que o neoliberal quer mesmo é comprar suas bugigangas a preços baixos. Para que “reinventar a roda” se já existe o produto pronto lá fora? Seu pensamento é imediatista: ”É mais barato e rápido importar tudo pronto, pra que desenvolver?”. Assim, o neoliberal é antes de tudo um derrotista, mas claro, não o neoliberal de um país desenvolvido, e detentor de tecnologia. Para eles o neoliberalismo é muito bom, é uma garantia de lucros e empregos para seus compatriotas. Exportar sua produção não é apenas uma forma de ganhar mercado, mas principalmente de evitar que outros países consigam desenvolver tecnologia e concorrer com eles no mercado internacional ou no seu próprio mercado doméstico. Para que correr esse risco?!?
Podemos concluir que o individualismo é uma decorrência direta da questão filosófica fundamental “Quem somos nós?” quando a resposta está centrada numa consciência, num corpo ou em um tipo qualquer de individualidade. O individualista não se importa muito com a felicidade futura de seus conterrâneos, já que, provavelmente, não estará mais neste mundo para vivê-la. Não importa para ele se o país seja um eterno dependente de tecnologia, ou não, já que o importante é poder ter sua sede de consumo saciada rapidamente. Sua ideologia pode ser resumida numa pergunta: “Para que sofrer agora construindo um futuro, se não se estará aqui para usufruir?”
Religiões: a “Matrix do Capitalismo”
O problema da “Cultura do Eu”, e o individualismo que dele emerge, não traz consigo apenas o egoísmo e suas conseqüências nefastas, ele, na realidade, impede uma felicidade plena do próprio individuo, impelindo-o a uma vida consumista, “vazia” desprovida de um sentido transcendente. As religiões tradicionais perderam muito terreno, e continuarão perdendo, simplesmente porque elas são inconsistentes, e tanto o conhecimento como o QI médio da população tendem a crescer ficando cada vez mais claro as contradições dos dogmas religiosos e a realidade dos fatos. Não é por outra razão que uma miríade de seitas e cultos místicos se proliferaram tanto. Entretanto, mesmo as seitas místicas ou os cultos esotéricos, para uma mente um pouco mais lúcida, deixam a desejar, pois tais seitas são baseadas em princípios sem nenhum respaldo científico ou factual, o que vem a contrariar frontalmente a “Navalha de Ocam”[9].
Apesar disso, o sistema investe pesado – escolas e instituições de ensino pagam impostos, igrejas e templos não-, principalmente através da mídia, na cultura religiosa, qualquer que seja ela. Todo tipo de religião ou seita, mesmo que sejam totalmente antagônicas ou contraditórias umas com as outras, é tolerado e considerado normal. Ninguém deve ousar por em dúvida ou criticar a crença alheia sob pena de ser taxado de “intolerante”. As contradições entre elas, para o bem do sistema, devem ser ignoradas, afinal, um mesmo deus não seria tão esquizofrênico para ditar normas diferentes para seitas diferentes. O Ateísmo, por outro lado, não pode ser tolerado e deve ser visto como uma aberração da natureza. Entretanto isso não ocorre sem razão: A grande massa, a que forma a base da pirâmide, é inculta e, ao mesmo tempo, extremamente perigosa. Se rebelarem-se ideologicamente contra o sistema, este corre o risco de ruir. Para mantê-los passivos é necessário dar-lhes esperanças de uma vida bem melhor – o Paraíso – e mais: tanto maior será a chance de conquistar este paraíso, quanto mais sofrida e servil for sua vida aqui na Terra. Deve-se passar a eles a idéia de que, se estão passando por dificuldades, isso não é culpa do sistema, que não distribui riquezas com justiça, afinal “o sistema é o melhor de todos, voce não vê na TV? ”, a razão de seus sofrimentos, claro, são deles mesmo, e pode ser explicada pelo que fizeram em suas vidas passadas (Espiritismo); Ou então no grande pecado que seu antepassado (Adão) fez ao desobedecer ao “Pai” e que por isso todos, sem exceção, devem pagar (Catolicismo); Ou então, se sua religião não tem uma explicação para o sofrimento, por certo tem uma boa razão para que você não anseie uma vida melhor: Afinal, desejar coisas que você não pode ter é todo o motivo de seu sofrimento, e por isso você deve evitar desejar. Desejar é errado, tenha apenas o suficiente para sobreviver (Budismo).
As Religiões são tentáculos do sistema
O
sistema incute na base da pirâmide, formada pelos que tem menos acesso à
informação e educação, que a responsabilidade pelo sofrimento nunca é
do próprio sistema. Se, por exemplo, seu vizinho está desempregado e
passando fome, o sistema quer que você acredite que a culpa é dele
mesmo, ele que não foi esforçado o suficiente para conseguir um emprego.
Mesmo que o emprego se escasseie cada vez mais com a mecanização e a
globalização[1]. A culpa nunca é do sistema. Neste ponto entram as
religiões e igrejas atuando de forma a sublimar uma possivel revolta: O
que você deve fazer é rezar bastante para que Deus não permita que isso
aconteça com você também. Assim a reza funciona como sendo uma
importante válvula de escape contra uma possível revolta da imensa
multidão que está nas camadas mais baixas da pirâmide sócio-econômica.Além da reza, este tentáculo do sistema conta com outras formas de arrefecer o sentimento de revolta: Fazer com que haja uma redistribuição de recursos dos que já não tem muito a distribuir. Trata-se da Caridade. A Caridade é um modo de o sistema retirar recursos daqueles que pouco tem para distribuir aos que tem menos ainda, e claro, sem incomodar os que estão no topo. Querendo ou não nascemos neste sistema e estamos imersos nele. Atos caridosos devem ser vistos não como uma obrigação religiosa ou como uma forma de azeitar nosso caminho a um paraíso que não existe[2], mas sim como uma forma de minimizar as conseqüências nefastas de um regime auto-destrutivo [1] que insiste em não evoluir.
Os “Guardiões da Pirâmide”
É
interessante notar como o sistema, como um grande polvo acéfalo,
consegue se auto-perpetuar. Não há necessidade de uma mente
centralizadora e malévola orquestrando quais os próximos truques e
artimanhas que deverão ser criados para que o povo continue passivo e
conformado. Não há um pequeno grupo de capitalistas, ricos e poderosos,
pertencentes a uma seita secreta, decidindo qual a próxima religião será
criada e quão eficiente será em promover a ilusão e a esperança. Nada
disso. O que acontece é o trabalho voluntário, e de certa forma, até
inconsciente, dos que estão no topo da pirâmide sócio-econômica. Eles
sabem muito bem o que têm lá embaixo e não querem, de modo algum, sairem
lá de cima e perderem suas regalias. O topo da status, poder, dizem que
até é afrodisíaco. Quem gostaria de sair e dividir? Governantes,
legisladores, grandes empresários e comerciantes, e, principalmente,
jornalistas e seus diretores, atuam em suas respectivas áreas de modo a
manterem-se – e também seus amigos e parentes - em seus postos
privilegiados e de altos salários. Os legisladores, por exemplo, criam leis com brechas para que o pessoal do TOP da pirâmide jamais fique enclausurado (prisão foi feita pra pobre), ou que a propriedade privada seja considerada sagrada e inviolável, ou que a quebra de sigilo bancário seja um crime pior que o assassinato etc.; Os empresários e comerciantes financiam a campanha dos partidos que favorecerão suas empresas e negócios na esperança de que seus lucros nunca diminuam; A mídia mostrando que o inferno é não fazer parte do sistema, ou que todos os eventos bons são provas da existência divina e por ai vai... Cada um que está no topo, e não quer correr riscos de sair, dá a sua pequena, ou grande, contribuição para que a pirâmide permaneça firme e bem plantada, independentemente do que ocorre lá na base. São os “Guardiões da Pirâmide”. Se você sempre diz “Graças a Deus” quando ocorre um evento bom mas, contraditoriamente, não diz o mesmo quando ocorre um evento ruim, então você também é um pequeno guardião, talvez até inconsciente, já que estaria contribuindo para manter a crença no inexistente[2] e, portanto, ajudando a manter o tentáculo religioso do sistema.
Genismo
Para
os seguidores do Genismo [3] “Nós somos nossos genes”. Isso significa
que nossa essência não está em nosso corpo e nem mesmo em nossa
consciência e sim no nosso conjunto de genes. Entretanto, diferentemente
de um “eu - consciência”, o “eu - gene” não reside apenas em nosso
corpo e isso faz toda a diferença do mundo. Nossos genes estão também em
nosso corpo mas não apenas nele, estão também em grande proporção em
nossos filhos, depois, em taxa decrescente, em nossos parentes, em nossa
espécie, depois em nosso gênero, família, ordem, classe, filo e reino.
Assim, temos genes compartilhados, em maior ou menor proporção, em todos
os seres vivos do planeta.Por esta visão do que somos, cada organismo vivo possui um pouco de nós e, claro, somos também uma parte do que eles são. Isso acontece pela simples razão científica de que todos os seres vivos são descendentes de um primeiro ancestral comum: Uma molécula replicante, talvez algo próximo a um pequeno segmento de RNA, que flutuava ao léo, no chamado ‘caldo primordial’ da Terra há cerca de três ou quatro bilhões de anos atrás.
Como somos todos descendentes desta molécula replicante todos compartilhamos uma mesma origem e os mesmos ingredientes básicos que formaram a vida. Assim, quanto mais próximos estivermos na árvore evolutiva, mais semelhantes e mais empáticos seremos. Por esta razão seremos mais sensíveis, teremos maior empatia [4], ao observarmos um mamífero como, por exemplo, um macaco sendo pescado, ao morder um alimento com um anzol, do que, um peixe ou um réptil. Entretanto, nossa empatia será maior para seres de outras espécies se os observarmos como organismos que compartilham parte de nós mesmos do que se os enxergássemos como um outro organismo, totalmente distinto de mim, e que não tem a minha consciência. Esse tipo de atitude para outras espécies pode ser tanto mais radical e egoísta quanto mais o “eu-consciência” dominar a mente humana.
Consciência efêmera
Um
genista sabe que sua consciência é efêmera e seus genes não. Após a
morte de seu corpo seus genes permanecerão. Isso significa que seu
“eu-gene” sobreviverá, de alguma forma, nos indivíduos que permanecerem
vivos. Preservar a vida é, portanto, uma forma de preservar a si
próprio. O meio-ambiente é onde a vida se manifesta. Se quisermos
preservar a nossa imortalidade genética deveremos preservar o lugar onde
ela se dará. Assim, no genismo, preservar o meio-ambiente não é apenas
um modismo de época, é uma segurança de que preservaremos a nós mesmos,
em outros corpos ou organismos.Para um individualista pode não ter muita importância o destino de seu país num futuro longínquo. Se a Amazônia cairá ou não em mãos estrangeiras, se as indústrias deixarem de ser nacionais ou não. Isso não é importante para ele. Ele não estará mais aqui mesmo se estas coisas acontecerem. Talvez, seja ainda melhor que seu país adote o modelo neoliberal e ele possa então se abarrotar de quinquilharias modernas e baratas. Muito tempo pode se passar até que todas as indústrias quebrem frente à concorrência internacional, ele já não estará mais aqui para saber e já terá usufruído bastante do livre-comércio. Por isso, quanto mais centrado o indivíduo está em seu “eu-consciência”, maior será seu egoísmo, menos preocupado estará com o destino de seu país e mais neoliberal ele será.
Dessa forma o nacionalismo, sentimento de proteção à pátria, tende a ser maior nos genistas pois estes sabem que seus genes tenderão a ficar no mesmo país. Proteger o seu país é proteger seu próprio futuro genético.
Pode-se argüir, com certa razão, que não é importante o local onde a felicidade é gerada, se criamos felicidade em nosso país ou não. Assim, se deixarmos de produzir empregos aqui para importarmos de fora estaremos criando emprego lá fora que será sentido por alguém também e assim estaremos, de certa forma, exportando felicidade. Esse argumento é parcialmente verdadeiro, mas peca nos seguintes quesitos: Se a produção externa for feita, por exemplo, de forma mais automatizada que a nossa, então nossos empregos não seriam revertidos em felicidade na mesma proporção que são retirados daqui. E, mais importante do que isso, se, por exemplo, tivermos uma ideologia de que deveremos deixar de ajudar nossos filhos para ajudarmos os filhos do “vizinho”, não obteremos a mesma felicidade do que se ajudarmos os nossos próprios filhos. Isso porque fomos construídos geneticamente para ajudarmos em maior grau nossos próprios genes que estão em maiores proporções nos nossos filhos do que nos filhos do vizinho. Ou seja, o nacionalismo não é apenas uma forma de ajudarmos a nós mesmos no futuro, mas uma forma de aumentarmos a felicidade total do planeta já que a felicidade está atrelada à forma gene-perpetuativa de se agir.
A “Meta-Ética-Científica”
O
genismo está atrelado a “Meta-Ética-Científica” (MEC) [5]. A MEC
estabelece que sempre se deva agir no sentido de maximizar a felicidade.
Ações justas e éticas são aquelas que patrocinam maior felicidade em
relação às outras. A partir deste principio de maximização de felicidade podemos concluir que um desnível muito grande na distribuição de renda deveria ferir a MEC. Para entender isso, pense no seguinte caso hipotético: Um rico empresário gasta dois milhões de dólares num carro esportivo para atender seu desejo de status. Ele para com seu formidável carro num farol onde uma mulher miserável com seu filhinho de colo, que naquela noite irá morrer de frio, pede alguns trocados. Você acha justo que se possa gastar dois milhões de dólares para atender um capricho de consumo enquanto seres humanos, ao seu lado, morrem, literalmente, de necessidades básicas? Se você for um “Guardião da Pirâmide” a resposta será SIM. Caso contrário achará que não tem muito sentido que este tipo de coisa seja possível de acontecer. Um sistema que permite que alguns poucos possam se dar ao luxo de gastar muito para atender a um capricho consumista[6] enquanto muitos morrem de fome, não é um sistema que nós possamos nos orgulhar[7].
Entretanto, sabemos que o homem é um ser competitivo por natureza, quer e precisa se destacar, por isso seria contra a natureza humana colocá-lo em um sistema de produção que nivele todos na base, como se todos fossem iguais. As pessoas são diferentes uma das outras, possuem capacidades diferentes, algumas mais esforçadas, outras mais criativas, outras mais inteligentes, e assim por diante. Obrigar o mais esforçado e criativo a ganhar o mesmo que um preguiçoso também seria injusto. Temos que dar vazão e liberdade e à criatividade humana. Os sistemas que quiseram engessar a todos, como se todos fossem iguais, não deram muito certo: Provocaram sofrimento e frustrações desnecessariamente. Tolheram demais a liberdade e a capacidade criativa humana. Os mais criativos ou esforçados precisam ser recompensados pela sua capacidade ou engenhosidade, além disso, haverá mais dinamismo e produtividade se souberem que poderão usufruir para si e suas famílias pelo menos alguma parte daquilo que batalharam duramente em suas vidas. E, claro, ninguém que quisesse trabalhar poderia ficar sem emprego, que seria um direito fundamental de cidadania.
Referências:
[1] ”Economia Virtual” (http://www.genismo.com/logicatexto21.htm)
[2] ”O Diabinho Azul Jocaxiano” (http://www.genismo.com/religiaotexto32.htm)
[3] ”Os Pilares do Genismo” (http://www.genismo.com/genismotexto2.htm)
[4] ”O Empatismo” (http://www.genismo.com/genismotexto54.htm)
[5] ”A Meta-Ética-Científica” (http://www.genismo.com/metatexto44.htm)
[6] ”O repugnante consumo de alto luxo ” (http://www.genismo.com/memeticatexto21.htm)
[7] ”2% concentram metade da riqueza mundial ” (http://www.genismo.com/memeticatexto22.htm)
[8] ”O Nacionalismo é compatível com o Genismo ” (http://www.genismo.com/genismotexto53.htm)
[9] ”A Navalha de Ocam ” (http://www.genismo.com/logicatexto24.htm)
"JOCAX" : Jocax
Sejam felizes todos os seres.
Vivam em paz todos os seres.
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