segunda-feira, 12 de outubro de 2015

TAURÁGUIAS E A SUITE " O TITÃ " - OBRAS DE RADEIR



Mozart - A Flauta Mágica - Abertura - 7 min.

TAURÁGUIAS
Ópera em dois atos

ELENCO:


Eternidade.........................Soprano (médio)

Sonhador...........................Tenor
Prometeu...........................Baixo-barítono
Orfeu.................................Baixo
Mimese.............................Soprano
Musas...............................Soprano - médio-soprano
Calíope.............................Soprano
Ninfas...............................Soprano - médio-soprano
Faísca...............................Contralto


TEXTO:..............................Adeir T.Reis –1980 - 1987
ÉPOCA:..............................Fim do Século XX
LUGAR:..............................Arco-íris


ABERTURA.
Ao longe ouve-se o som de uma flauta de Pã;
Num crescendo,outros instrumentos vão se incorporando ao
misto de sonata e soberba fuga,arrebatando e evoluindo
para um delicado acalanto

ABRE A CORTINA.

CENÁRIO
:
Céu azul estrelado
- Fim de tarde – ( Estrelas penduradas em móbiles sugerem infinito ).
E a luz vai mudando lenta do azul ultramar
ao azul cobalto até ao cerúleo esbranquiçado

- Sobre uma mandala ao centro,sentada num confortável trono prateado
- está ETERNIDADE vestindo vaporosa túnica branca formada de enormes
- faixas de estrelas que se enroscam nas vastas madeixas alouradas.Nas mãos,um cetro também de estrelas , serve-lhe para reger a ária profundamente suave que glorifica sua bela presença.

- ETERNIDADE levanta-se lentamente e neste movimento,agita os fios de
- estrelas que estão presos nela e no teto,vibrando todo o cenário.
- - Solenemente olha a platéia,apresenta-se encurvando e emocionada
- canta a ária que retornará sempre que ela aparecer em cena.


ABERTURA.
Ao longe ouve-se o som de uma flauta de Pã;
Num crescendo,outros instrumentos vão se incorporando ao
misto de sonata e soberba fuga,arrebatando e evoluindo
para um delicado acalanto

ABRE A CORTINA.

CENÁRIO:
Céu azul estrelado
- Fim de tarde – ( Estrelas penduradas em móbiles sugerem infinito ).
E a luz vai mudando lenta do azul ultramar
ao azul cobalto até ao cerúleo esbranquiçado

- Sobre uma mandala ao centro,sentada num confortável trono prateado
- está ETERNIDADE vestindo vaporosa túnica branca formada de enormes
- faixas de estrelas que se enroscam nas vastas madeixas alouradas.Nas mãos,um cetro também de estrelas , serve-lhe para reger a ária profundamente suave que glorifica sua bela presença.

- ETERNIDADE levanta-se lentamente e neste movimento,agita os fios de
- estrelas que estão presos nela e no teto,vibrando todo o cenário.
- - Solenemente olha a platéia,apresenta-se encurvando e emocionada
- canta a ária que retornará sempre que ela aparecer em cena.


ETERNIDADE:
Vós que dormis,
estais acordados,vivos
cá dentro do peito
na eterna alegria

Sou...sou a Eternidade!
Eis -me aqui.

Sou o chão,
sou a morada
de tudo que existe, nasce , é.

Sou o berço do Caos
da Noite e do Destino
e vi nascer radiante a própria Luz .
Sobre meu corpo vi surgir o Amor, o princípio de todas as gerações, 
o oceano da inteligência
- Vi surgir o Creador.

Vi-o expandir-se em liberdade
plasmando a Verdade no infinito da Beleza,
na penetrante claridade diamantina da Pureza.
Sobre meu corpo vi a inefável essência
desabrochar feliz,cantando a inocência
no coração do pó
- no grão de toda a Natureza.

Vi... vi o delírio latente do embrião
formando dançante o Universo!

A delicada ária encorpa-se,mudando ritmo,vibrando luzes -
(Pequena pausa)


ETERNIDADE ..(mais íntima).
Quem,senão eu,
calou no âmago do Silêncio Absoluto
a Epopeia Divina?

Quem viu nascer,crescer em infinito festejar
o privilégio da graça de viver,existir e amar?
Ah, parece que é hoje...
a aurora do primeiro dia...
Ainda sinto o perfume
da primeira taça embriagadora
da Vida da Alegria!

( A música enche o palco,enquanto recebe jogos de luzes em alvoroço
e ETERNIDADE aproveita para deslizar suave para trás de uma faixa mais densa,coberta de estrelas. Sai. )

SILÊNCIO TOTAL – LONGA PAUSA.

Forte ventania adentra o cenário,balançando e depois arrancando as estrelas,deixando no palco grande tempestade sob rápidos e fortes clarões,seguidos de uivos do vento na escuridão.

- Desce um painel (telão para projeção das cenas seguintes)
- Instala-se,à meia luz avermelhada,uma música assustadora,enquanto
 no telão é projetada uma contagem regressiva; de 10 até zero são mostrados os números enormes,vermelhos ,ocupando toda tela,acompanhados por acordes cada vez mais trágicos.

Ao zero,escuridão total,depois,uma série de explosões,relâmpagos e trovões retumbam no palco. No painel aparecem movimentos descontrolados,linhas distorcidas,formando imagens abstratas irreconhecíveis,aceleradas,em confusão.Aos poucos sintoniza a música e as imagens tornam-se distintas,mostrando desabamentos, correria sob barulho infernal.As imagens então começam a ser projetadas por todos os cantos do palco,trêmulas, no teto,no chão ,de modo caótico, fragmentadas e superpostas, como se no telão não coubesse aquela tragédia.

- O ritmo acompanha a desordem e agora em alta velocidade aparecem
 em close,soldados armados,correndo uns sobre os outros,lutando,berrando
ordens,matando e/ou gargalhando histericamente.
- Vozes de horror,gemidos,berros e choros ao mesmo tempo
- Atores apavorados se trombam na correria atravessando o cenário;alguns cambaleiam, caem e fogem sob turbilhão de imagens cruéis mostradas no telão.
 - Por longos cinco minutos a tensão impera entre a escuridão avermelhada e o terror da carnificina.

- Enquanto é projetada a violência,atores vestidos de soldados atravessam o palco,pisando e acabando de matar uns três agonizantes que parecem ter caído da tela.Ainda sob forte luz vermelha e violeta,uns carregam outros nos ombros,e em correria arrastam coisas e corpos aos brados, ferozes, limpando o cenário, diante do SONHADOR que entra e olha perplexo.

- Grande ventania ajuda a limpar o cenário.Sai o último soldado ao
cair forte chuva (confetes prateados) enquanto enrola rápido o telão ao fundo.

- Palco limpo, fica SONHADOR assustado procurando lugar para descansar.
Recosta-se à direita perto de duas árvores (atores dentro) se movem, rodeadas de girassóis.Um foco de luz o mostra pensativo e inerte.Melancólico, lentamente se mexe, hipnotizado pela música pastoral vinda depois da chuva que levou o último rastro de fumaça, dando ao lugar flutuantes flores que caem ao sopro de um “om” delicado... suave.)

- SONHADOR  curva-se,pega uma flor recém-caída e timidamente entoa:

- SONHADOR.
 Cheiro de terra lavada
 coberta de flores,
 sorrisos do chão .
-4
O destino da Terra é florir.
A flor pressente o vento
engole seco e esvoaça...

O chão foi feito
para o rio, a flor e o homem
O céu,para embalar o homem
ninar a flor e a Vida.
Sementes,flores
pedrinhas multicores
chão...céu...luz...

O destino da Terra é florir.

SONHADOR pára,olhando o céu e num sobressalto avista um enorme arco-íris. Rodopia entusiasmado,depois segura –se forte na “arvore” para não sair correndo; meio dançante, olha para seus pés,vê dali saírem algumas fitinhas coloridas que se desenrolam esvoaçando (  um ventilador escondido na folhagem sugere levá-lo para onde está o arco-íris )
( A “subida” pode ser num tampo móvel no chão do palco )

(-Música delicadíssima imprime nova cena,orientando o SONHADOR
a deslizar (patinando) de braços abertos,entregue à novíssima alegria.)

SONHADOR .
 Incrível... parece um sonho...de verdade!

( A música exalta agora a alegria da subida e descida pela rampa enquanto aparece ao fundo  um ”grande canteiro” de flores rosadas, vermelhas, dos mais belos matizes em ton-sur-ton , realçadas pelas luzes avioletadas . São hortênsias  papoulas,crisântemos,rosas e pencas de outras flores.

•As MUSAS formam este belo canteiro e estão abraçadinhas umas às outras,numa intimidade linda de ver. Sussurram e cantarolam imitando sons da natureza.Movimentam-se suaves ao ritmo da doce pastoral.
• Patinando, SONHADOR entusiasma-se,tropeça numa cortina florida perto do “canteiro”,esfrega os olhos e mira todo feliz as flores unidas e cantantes.)
• 5

SONHADOR.
Ah,se no mundo fosse assim:
todas as crianças unidas
cantantes,queridas...
Ah, se no mundo das crianças
não houvesse frio,fome
ou dor que consome...

Se nenhuma criança
infeliz chorasse
por falta de zelo ou de amor...

MUSAS /CORO FLORAL.
Crianças...fome... consome...
Criança infeliz ...falta zelo...falta amor


SONHADOR MUSAS/CORO FLORAL.
Se todas crianças Todas as crianças
de todos os países todos os países
de todas as raças todas as raças
credos e cores cores...flores
iguais estas flores brejeiras
unidas,brejeiras fagueiras
sorrissem e fagueiras amassem
felizes cantassem... cantantes

SONHADOR MUSAS/CORO FLORAL.
Ah,não ser preciso Precisar de mágica...
mágica ou truque, hum...hum...
nem nada artificial ensinar sorrir
a lhes ensinar alegria...
sorrir de alegria ... nada artificial
dia após dia plena bondade.

SONHADOR MUSAS/CORO FLORAL.
A felicidade existe A felicidade existe
existe sim,realmente! realmente!
É só abrir os olhos Abrir os olhos
do coração do coração
pra ser capaz 
Ser capaz
não só de sonhar de sonhar...
de bem lembrar bem lembrar
da delícia da delícia
de uma infância de infância
bem vivida bem vivida!

( O CORO FLORAL formado pelas MUSAS suavemente repete o final
dos versos. - Abraçadas,amorosas entre si, unidas ficam até adormecerem,
silenciando e refletindo no cenário forte luz alaranjada.
- Luzes intensas produzem mudança e o CORO FLORAL se agita todo
- alaranjado,levantando dançante em passos cada vez mais delicados da
- ronda docemente pastoral.

- SONHADOR desliza eufórico,patinando entre as MUSAS,entrando e
- saindo da ronda,de braços abertos,todo feliz.
- Exausto,deita-se meio tonto, de olhos fechados no colo das MUSAS
- sentadas em meia roda,murmurando um mantra e displicentemente
- entrega-se ao embalo.
- - De repente, gostosa gargalhada ressoa e SONHADOR olha espantado àquela figura curvada sobre ele que canta:)

MIMESE.
Verdade...
Eis que vejo um jovenzinho lá de baixo,
dormindo no meu jardim.


( MIMESE  (canta e corre a se esconder)

SONHADOR . (sentando-se).
Estou dormindo não,
estou só descansando minhas pernas
e meu coração

( MIMESE,que brincava de aparecer e sumir,retorna,aproxima-se
com seu vestido esvoaçante alaranjado e canta:)


MIMESE.
Que houve homenzinho,
dói seu coração ,machucou seus pés?


SONHADOR.
Deitei-me para tomar fôlego
e juro,meus pés não estão doendo
Meus tendões é que embolaram.
Enquanto se ajeitam me preparo
para suportar a beleza...


MIMESE . (fala)
Você não gosta da beleza,rapaz?

SONHADOR.
Amo...Adoro tudo que é belo
e até aquilo que ainda vai se tornar uma nova beleza!

 MIMESE.
Você é uma pessoa muito linda...

SONHADOR.
Ora...Sou só uma pessoa feliz...

MIMESE.
Oh,criatura...orgulha-me estar no seu mundo
entrar e sair,imitar...ser sua razão
de sempre pensar,cogitar
e belamente sonhar.

CORO FLORAL.
Doce criatura
no mundo imitar razão
Pensar,cogitar,conquistar
o que belamente sonhar,
realizar...realizar...realizar...

SONHADOR.
A senhora é também muito linda.
Sua voz suave,soprada
um sussurro meio encantado
igual a voz do vento
que gosto tanto de ouvir.
E parece com a voz que ouço nas madrugadas...
Igual a voz da minha quietude
a que diz coisas lindas...
coisas que gosto de ouvir

MIMESE.
Lindo...Lembra-se!
SONHADOR Lembro e gosto de lembrar!


(comovida MIMESE abraça-o).

SONHADOR CORO FLORAL.  (confidentes)
Quem é a senhora? Quem é ,quem será?
Que faz por aqui? Que faz por aqui
Aqui e acolá,
ela que mora em todo lugar?


MIMESE.
Venha,vou lhe falar de mim.
É tão raro fazer isto...
Deixa-me apresentar:

Permita-me...sou MIMESE
Sou a memória de tudo que há.
Ser atenta e sempre presente
é minha função,minha obrigação
desde que para isto nasci.

Sou a memória,no tempo,
nas eras... dançante...

Mas tem hora que me escondo
faço troça com as pessoas,
estou sempre brincando de pega ...
É que adoro brincar...
e aproveito a distração de alguns,
para curtir uns momentinhos de folga,
que ninguém é de ferro!


SONHADOR.
Hein.... ?

CORO FLORAL.
Memória dançante
no tempo esconde,brincando de pega.
Adora brincar com as pessoas
de folga e de ferro.


MIMESE.
Brinco dentro das pessoas
embaralho os pensamentos
eu e minha irmã Gina
a doidinha da imaginação.
E olha,
nada é mais divertido para nós
que excitar a inteligência
de alguém que pensa que sabe pensar!

Adoramos colocar minhocas
nas cabeças ocas,
e...pensamentos malucos
nas pessoas sérias,
naquelas que só querem saber de lógica
analistas,pistas...essas coisas.

É uma festa brincar de esconde-esconde,
nós duas,ao mesmo tempo.

Aprontamos um rol de aventuras
e enquanto rebobino as lembranças
maquino malabarismos,bravuras

Ah... recheio as cabeças ocas
de coisas do arco-da-velha...


CORO FLORAL.
Brincam com os pensamentos
com a inteligência de quem vive a pensar.
Malucas minhocas dançam na lógica
das cabeças ocas
maquinando coisas do arco-da-velha.


SONHADOR.
Coitadinha da pessoa séria!

MIMESE.
Não é por maldade que agimos assim.
Moramos na inteligência
e precisamos também de uma folguinha para a descontração
E é tão bom ser criança,fazer artes novas.
Ainda bem que preciso
viver um caminhão de anos-luz
para mudar de idade...


SONHADOR.
Anos-luz dentro de um caminhão?


MIMESE.
Alguns despeitados dizem que sou velha,
fora de moda.
E para me subestimar,
não permitem que eu fale
claramente as verdades
que eles querem esquecer.


CORO FLORAL.
É tão bom ser criança...
fazer arte toda hora...
É tão bom..bom..


MIMESE.
Quando vejo que querem esquecer
algo de utilidade,
então é que agito,falo e até grito
gritos de enlouquecer...
É que faço o meu trabalho tão prontamente
quanto me é absolutamente necessário!


SONHADOR.
Ela é o trovão da razão...
Precisa de um caminhão
para encher a cabeça da gente
de minhocas,problemas e confusão.


CORO FLORAL.
Ela é ainda uma criança
fadada ao exagero
Criança...criança,
fadada ao exagero!

• 11
MIMESE.
É menino,a verdade a muitos incomoda
incomoda mais àquele
incomoda mais àquele que agiu sem juízo.
Bem... 

Sou serva da consciência,
que não dorme a espera dos relatórios diários,
registros e balancetes
que sem rasuras devo entregar.


SONHADOR.
Relatórios...Rios de relatos...atos...


MIMESE.
Assim levo a vida.
Sugerindo,cutucando, mostrando os disparates...
Transformando em utilidade alguma coisa nova.


SONHADOR.
Simplicidade...idade...
eis o problema!


MIMESE.
Sou velha...mas não encurvada e enrugada
Sou até muito tenra e moça

Nasci ontem...
junto com a Terra,
uma menina-moça bailando frenética
neste imenso Universo!


SONHADOR.
Terra frenética...ética!


MIMESE.
Veja o computador
sou eu manifestada,comprimida
numa máquina útil , muito engraçada

Sou a vida dele.
Mas se ele falhar,
não será por minha causa
mas culpa de algum distraído.


CORO FLORAL.
Não é velha enrugada,é até muito tenra,
uma menina-moça assanhada
bailando frenética neste imenso Universo.

• 12

SONHADOR.
Tem parafusos dançantes...mutantes
vibra no Robô...robótica...ótica...ó...


MIMESE.
Brincar de verdade
com a verdade e para a verdade
é tudo que na verdade faço o tempo inteiro.

SONHADOR.
Verdade?


MIMESE.
Brinco no profundo da mente deste planeta
onde foram colocadas as crianças do Universo

Nesta terra onde tudo brota pequeno,
baila o desejo na dança da semente
e muito por minha causa cresce,
constrói e se arma de novas vontades
de alçar seu lugar de servir e viver...


CORO FLORAL.
Brincando profundo na mente da Terra,
a semente se arma no gozo fecundo
e cresce e floresce,em si mesmo encerra
a graça de ser,de viver,de servir e de estar
construindo no mundo seu lar, doce lar.


MIMESE.
Para nossa glória estamos condenados
a viver eternamente!


CORO FLORAL.
Estamos condenados a viver eternamente
Eterna mente ,éter na mente,ente...em ente
Condenados a viver...
viver e sempre mais viver!


MIMESE.
Neste mundo de sonhos,só eu não posso sonhar
dada minha condição avessa,
mas relembrar aos outros me é tão agradável...


SONHADOR.
Gosto de lembrar,mas adoro sonhar!

MIMESE
Cochicho, falo alto,berro, faço qualquer coisa
• 13

Viro pelo avesso uma questão
levanto suposições delirantes...absurdas.


SONHADOR.
Fala alto qualquer questão delirante?


CORO FLORAL.
Ela não sabe,nem desconfia
que o absurdo é tudo aquilo
que ainda não aconteceu...

(CORO FLORAL se reúne festivo, sorrindo do susto de MIMESE e
de SONHADOR.MIMESE assustada como que ouve, tropeça,
cambaleia e sai acenando desajeitada )


MIMESE.
Chiiii...lá embaixo
um bando de cabeças ocas precisa de mim.
Até breve...


SONHADOR. (acenando)
Até...


CORO FLORAL.
Ela tem medo de ser destronada,
tem medo do desconhecido,
tem medo até de crescer!

( SONHADOR senta-se de novo enquanto as luzes amarelas invadem
o palco. Recosta-se e dorme )
Depois de pequena pausa,começa a sonata muito delicada,um
- fragmento da ária da ETERNIDADE,que apenas segreda:)


ETERNIDADE.
Sonha criança...
Mergulha no sonho de amar.
Amar é o início ,o elo e a meta,
Amar é a meta da física.Sonha ó belo!

• 14

( ETERNIDADE sai sob vibração das luzes amarelas,levando consigo
o último acorde de sua bela ária.

CALÍOPE,a rainha das MUSAS,
cingida por uma coroa de ouro comanda com supremacia o gracioso
bailado,desenvolvido de modo espontâneo,imprimindo evoluções
independentes e naturais.
- Quase desnudas,as MUSAS ,em torno do SONHADOR
- exploram ao máximo a sensualidade, libertas no saber improvisar.

- De repente:)
-
- CALÍOPE.
- Chega!
- Parem.
- Afinal, querem os homens a anarquia?

Nós os servimos e inspiramos com todo prazer
se for para usarem a inteligência.

Os insaciáveis...estão sempre famintos.
Ora, se gostam dos frutos da terra,
porque depois de comê-los
não enterram as sementes no chão?

É ordem superior.
Não mais podemos trabalhar por eles.
Tornaram-se preguiçosos,de mau humor,que horror!

MUSAS
Deixa,deixa...queremos descer,
correr nos bosques,enamorar os homens...
encher os pomares,brincar nos rios,
ensinar as pessoas o que é viver...

Devolva o degrau que nos leva à Terra,
queremos urgente ter novos amigos...deixa...deixa?


CALÍOPE.
Meninas,comportem-se!
Venham...vejam...olhem aqui...
Faz séculos não nos aparece
alguém lá de baixo.
Vejam,este parece diferente,
tem jeito de boa gente...vejam.


MUSAS.
Oh!...Oh...Oh...

CALÍOPE
Psiu! Não façam barulho,meninas.
Deixe-o repousar...
• 15

( Pé ante pé, as MUSAS rodeiam SONHADOR num sono profundo.
Graciosas,as meninas sussurram uma melodia,acariciando-o de
leve,como borboletas em festa.
• Inicia belo adágio ).


MUSAS.
Li...aí...som...
Sou...soou...sonho.
Sonho...som...om...om...om...


( As MUSAS brincam com os sons e as palavras em coloratura
de ornamentação elaborada,de linhas melódicas cheias de trinados,
escalas,arpejos e grandes saltos de intervalo,induzindo descobertas
de novos sons,dando margem para improvisações e exibição de
virtuosismos.Depois,mais contidas,deixam sair seus cantos ternos e
confidentes.)


CALÍOPE.
Sonho...fantasia,
realidade tecida nas delícias,
levando o ser infante
da malha caótica à fonte primordial,
berço da divindade.

Infante,
informe estrutura gigante
nascido em festa misteriosa da celebração.

Primavera de cromática composição
Revelação da beleza,sonha!


MUSAS.
Deixa,ó belo mortal
nós mergulharmos nos seus sonhos?
Deixa?

( Entusiasmadas e lépidas disputam a oportunidade de se mostrarem amáveis e acolhedoras.)


CALÍOPE.
Viandante,
grão que repete a canção no abraço da vida,
céus e terra entrelaçados
seu destino é seguir...

Seguir os infindos mistérios
atraído pelo encantamento
de qualquer fresta de luz.

Adversário da sombra,seu destino é seguir!
• 16


MUSAS.
Gira, rola cresce e padece.
Volva e revolta os laços que prendem
as rédeas terrenas,muralhas compostas
ao som do enigma brotado do caos.
Gira, rola, padece e cresce.


CALÍOPE.
É seu destino galgar hoje e sempre
em busca de si

MUSAS.
É seu destino
ser seu próprio desbravador.

CALÍOPE.
É um condenado
a desenterrar seu brilho
aqui ou algures...

Assumir sua tarefa
à medida que desenvolve,
isto é crescer!

MUSAS.
Importa pouco o tempo que leva
para o muro escalar.

CALÍOPE.
Desnuda a verdade das noites
para o dia com urgência
revelar a magia da aurora
primaveril do seu olhar
Vamos,não temas.
É seu destino avançar!

MUSAS/CALÍOPE.
Belo fruto da Árvore da Vida
milagre incomparável
de infinita florescência...
Permanece imune à corrupção
de qualquer sacrifício,
prece ou virtude!
Prossiga na lida
colhendo o mais agradável
no caminho da inocência!

. 17

( CALÍOPE e as MUSAS afastam-se do SONHADOR, dispersam-se dançando livres,depois em roda evoluem um delicado bailado para enfim formarem um arco e entoarem em várias vozes,o resumo do que antes cantaram; )


TODAS EM CORO.
Fantasia,tecida nas virtudes
festa misteriosa,celebração da beleza
seu destino é seguir...
Solitário,é seu destino
galgar hoje e sempre
em busca de si.

Humano, enigma musical
seu destino é seguir...
ser seu próprio desbravador
compositor, regente...

É seu destino ser vitorioso,
descobrir seu veio precioso,
a fonte, a nascente
que jorra em canto plangente
e induz ao sonhar,ser,caminhar.
Amar,doce e livremente amar!
Acorda...acorda ! Desperta e vive aqui
ou algures o que mais belo sonhar!


(Raios amarelos invadem o palco agitando as MUSAS ,ligeiras à
se esconderem . Saem. SONHADOR espreguiça e acorda sem ver que elas lhe
jogam beijinhos.Senta-se.)


SONHADOR.
Não, não estou sonhando...
Não vou perguntar
nem aos meus botões...
Esta delícia me basta.
É... nada deve ser acrescentado a quem ´já é feliz !


( SONHADOR abaixa a cabeça até os joelhos,prendendo as pernas com os braços. Fecha os olhos enquanto uma ventania espalha flores amarelas e brancas pelo palco. Naquele pequeno    turbilhão de flores . SONHADOR simula rolar enroscado sob a chuva de miúdos confetes prateados.
.18 - Muitas luzes movimentam a cena.Exagera-se agora a intensidade da luz, obrigando-o a tapar os olhos por longo tempo.Do foco maior sai o pequeno gênio FAÍSCA, vestido de prateados pingentes que lhe cobrem inclusive o rosto. Lépido,FAÍSCA movimenta-se meio desgovernado,esbarrando no SONHADOR , paralisado diante do excesso de luzes.)


FAÍSCA.
Não tenha medo
sou só uma faísca...
Sou uma faísca,uma fagulha
do corpo do meu pai.
Meu pai...ah,meu pai...
Ele tem muitos nomes,
mas é também aquele que não tem nome.


SONHADOR.
Ã?...fá...fá...

FAÍSCA
Meu pai tem muitas moradas
Esta é a mais singela.
É só um recanto de pouso
uma passagem dos viajantes...

Vem,segue-me.
Vem...vem... Vou lhe mostrar uma nova via
para a Cidade da Luz -
o altar do Livro Mágico
que mostra e transforma os desejos
na mais pura realidade. Vem !!!

Sou seu guia neste degrau da luz,confia.
Aqui estou para levá-lo a tudo que for capaz de sonhar
Aqui e agora a Inteligência lhe mostra
antes que possa piscar,
seja o belo ou o terrível...


SONHADOR.
Terrível?
Pode haver neste lugar maravilhoso
algo que seja terrível?

.19
FAÍSCA.
Há,infelizmente
crueldades titânicas...

SONHADOR.
Titãs... ouvi deles falar,
de sua força e coragem...

FAÍSCA.
De sua inteligência ,já ouviu?

SONHADOR
Oh,sim,do melhor dos Titãs...
do criador e protetor dos homens,
de Prometeu!

FAÍSCA.
Ora,ora,
o jovem bem sabe escolher!

É de Prometeu a página mais rica do Livro,
a mais bela e a mais terrível!

SONHADOR.
Deixa, esquece, quero também esquecer.


FAÍSCA.
Agora é tarde.
O Livro Mágico já se abriu
exato na página do seu desejo.


(Um fortíss
imo relâmpago,junto a um longo e tenebroso trovão arrebata e paralisa o SONHADOR ao ver PROMETEU acorrentado em um rochedo que encostava nas nuvens )


SONHADOR.
Meu Deus, que horror !
Não pode ser verdade...é cruel demais!


PROMETEU.
Oh,meu jovem não fica triste,vem...
Aproxima-te.

SONHADOR.
Posso...posso fazer alguma coisa...?
Deve haver algo que eu possa fazer para aliviá-lo...

.20
PROMETEU.
Já o fez,homenzinho...
amando- me ...guardando-me no seu coração.

Não fica triste por me ver nesta desdita
Vendo-o “decidi não mais chorar meus males.” (Ésquilo)
Tua presença é como um prêmio.
Um prêmio que adoro receber.

Orgulha-me a causa deste castigo
agora que aqui o vejo.
Faria outra vez se necessário fosse .

SONHADOR.
Há quanto tempo estás neste lugar acorrentado?


PROMETEU.
Seu calendário nem o pode conceber
Milhares de milhares de sóis já me beijaram
Sem conta foram os átomos
que exalei nestes eões de penas.


SONHADOR.
Tua beleza borbulha...


PROMETEU.
Gosto de mim, inteiro, exatamente como sou.
Amo-me e é por isto que sei amar...
amar a quem quer que seja,
Amando é que suporto a dor desta prisão...
Contenta-me saber e ver os átomos que exalo,
o ar segura e prontamente enfim levá-los
a mover outro corpo nascente,
outro prisioneiro da liberdade,
porta-voz de mim, a transferir fiel
os sonhos e as ideias que engendrei
ao longo deste cativeiro

Bailando, na energia ondulante
lá se vão eles ofertando vida,
oferecendo o melhor de mim.
Nos rios, nos mares, na terra ou na flor
vou sempre cantando e me dando com amor
21
Cada partícula de mim me retrata e me revela
e a cada inspiração o mundo em mim se abastece.
Sou um veio de vida e a vida me fortalece.

“ Não há embaixo ou em cima, grande ou pequeno,
nesta ou qualquer natureza” (Hermes)
que não seja gloriosamente igual. Tudo ,
absolutamente tudo é um grande corpo,
único,integrado, belamente projetado.

Não sobrevive quem ao participa
da continuação da vida.

Cada elemento existe
para compor o grande corpo sinfônico do Universo.

SONHADOR
O corpo dos homens...
O fogo...


PROMETEU .

" Os homens...Ah! Moldei-os.
Tornei-os racionais Dotados de inteligência

Amistosas foram minhas dádivas....
Não conheciam sinal seguro do inverno
Nem da primavera florida,
Nem do verão frutuoso...
Tudo faziam sem saber,
até que lhes ensinei
o orto dos astros
e seu obscuro poente.

Inventei para eles o número,
a ciência suprema,
a escrita que tudo recorda
arte-mãe de toda a cultura.” (Ésquilo)


SONHADOR.

Mãe cultura
recorda o número , ciência suprema...
22

PROMETEU.
“ Ninguém senão eu inventou
para os navegantes
os carros de asas de linho
que cruzam os mares”


SONHADOR.
Carros flutuantes, antes
Cidades móveis no oceano,
ondulantes...amo...


PROMETEU.

“ Quando alguém adoecia
não tinha medicamento algum,
definhavam carecidos de remédios
até que lhes ensinei
a composição dos específicos eficazes
que destroem as moléstias e devolvem o vigor”


SONHADOR.
Meu Deus!...


PROMETEU.
“ Descobri para eles os tesouros ocultos no seio da terra.
Bronze, ferro, prata e ouro
quem pode reclamar a descoberta antes de mim?
Posso contar tudo resumido:
todas as artes os mortais devem a Prometeu”        (Ésquilo)
EU !


SONHADOR.

Oh, grandioso...
meu amo amoroso...


PROMETEU.
Meu amado filho,meu tesouro!
Venha, querido
aproxima-te e veja.
Doravante, verás com tal precisão,
que das aventuras não saberás dizer
quais são vividas nos eões dos tempos
da primeira aurora,
ou de deslumbrantes , só as atinge agora!

Não te percas dividido
dividindo,catalogando
o ordinário que acontece.
Entrega-te inteiro, te oferece
Abra a cadeia que te prende o desfrutar.

Viva . Vive intensamente este momento
Ocasião igual talvez só se repita
quando o Sol recomeçar
o novo giro em outra era.

Vamos filho, solte as amarras,
não desperdices um micro-fragmento
de cada grandioso segundo
enquanto inteiro e atento vive.

Vem querido, te aproxima
aproxima-te mais e seja
aquele que levará para sempre
a glória de mergulhar infante,
num mar de luz triunfante.

Vem filho, vem depressa
beija-me esta lágrima de alegria,
a única que deixei sair...

Vem, meu encantado humano sonhador,
joia prima de milenar espera
um sol ainda não nascido,
- meu libertador!


(-Explode junto com as luzes uma Música Triunfal.
SONHADOR sobe no rochedo e beija os olhos de PROMETEU todo iluminado. ( As correntes se rompem barulhentas ) PROMETEU rodopia abraçando-se,para depois envolver e beijar longa amorosamente o SONHADOR.
Quase voando,em êxtase sai.Extremamente emocionado SONHADOR recosta-se no rochedo,onde estivera preso o seu amigo, e, ao beijar a pedra,vê num foco de luz azulada,um livro em cuja capa se lia:
“AO JOVEM SONHADOR”.

Chorando de alegria,aperta o livro ao peito,como se ali o quisesse introduzir. Emocionado,toca de novo a rocha , medita atento. Uma sonata linda encerra então o PRIMEIRO ATO . )-

FECHA A CORTINA.
.24


SEGUNDO ATO.

CENÁRIO.

(( Pendem do teto, num arco em torno de todo o cenário,largas e finas faixas de tule verdes e de todos os tons de azuis,predominando o azul turquesa.
As faixas estão salpicadas de estrelas,esferas e triângulos feitos de
pedaços de espelhos,quais fractais,que refletem e ampliam o colorido.
Ao fundo central está em pé uma réplica de estádio redondo de quatro
degraus também de espelhos,que ao ser girado sobre uma fina roldana se
abrirá formando um belo tapete de círculos concêntricos à direita do palco.
Logo atrás da cortina de tule aparece um painel reproduzindo uma cascata
ou mesmo uma montagem rústica de uma fonte,onde as águas podem ser de
minúsculos confetes de papéis celofane e prateado descendo por uma rampa, qual rio rente a folhagens.

-Abre o pano enquanto os primeiros acordes da ária da ETERNIDADE ressoam triunfais, num prelúdio comovente. Majestosa,ao centro do palco,
irradiando estrelas e raios - luzes por todo o ambiente:)


ETERNIDADE.
É preciso querer sonhar.
Sonhar...ser...caminhar.
Subir os degraus da consciência
com ciência do bem - amar.

Fazer chorar do céu
pingos de luz ,sementes de todos os rios
e iluminar as faces  sulcadas  de prantos
para engendrar veredas  floridas.

Sonhar...ser... caminhar.
Realizar a liberdade que transporta
a quinta-essência do desejo
e desfrutar a alegria de ser
uma continuidade melódica,
acorde que canta e realiza
a função essencial do Universo,
esta gigantesca e maravilhosa
máquina de fazer deuses!...............(Henri-Luis Bergson)

( Um turbilhão de luz movimenta a cena.ETERNIDADE dá um passo a frente, olha para SONHADOR e canta com intimidade,atenta ao vê-lo acariciar o livro que brotou da rocha iluminada.)
.25


ETERNIDADE.
Guarda no peito o seu tesouro
Abraça suave, viandante
Abarca seu horizonte
Vive!

Nenhum obstáculo impede-o de avançar,
de caminhar solene, vá !

O mundo todo sorri
A vida é um espetáculo!


( De novo as luzes se agitam levando a radiante ETERNIDADE.
Os véus do cenário também  se agitam ondulantes,despertando a atenção e atraindo-o para a réplica do estádio. Olha-a , toca-a de leve com as mãos, depois, delicadamente pousa os pés na borda rente ao chão e ela gira por este toque até se aquietar na horizontal,quando então desce um degrau e nele se assenta meio deslumbrado e pensativo .)


SONHADOR.
Lindo...
O céu refletido nos degraus
revelam outros céus no chão...

Lá, na mais distante imagem azul que me reflete,
lá, no fundo estou tão vibrante
quanto neste degrau que agora piso.
Pareço ter voltado ao ovo,
dentro dele caminhando
para rever a origem.

Aqui,neste ovo cósmico
sou excelência que me faz sedento
de abranger a mim e ao mundo
que me permitiu nascer.

Eu, dentro do universo,
o enredo de minha semente,
traçando a própria rota
na rede de céus onde reside
a essência do verso que sou...
- Eu sou...Sou !
26
Mergulhado na prisão efêmera,
em plena e fundamental realidade.
Navego ao sopro da luz...
Nave... livre.......Liberdade!

Liberdade !
Prenda-me em suas malhas
e deixe que cantando esta prisão poética,
reestruture-me fielmente,
rompa as asas , no âmago do ovo,
que de novo se abre para a luz!

Libertar-me em suas asas
e voar mais livre,estar liberto
para ternamente libertar


( As luzes vibram e ETERNIDADE entra toda feliz.)


ETERNIDADE.
Se a semente encara sorrindo o chão,
encontra o céu...

Se ali ergue a cabeça, abre seu coração...
encontra o chão
repleto  de  estrelas  germinando céus...

A Unidade se revela
no mistério do renascimento,
no retornar inefável
da simplicidade tangível
estimulando o despertar glorioso.

Viver em dó...ré...fá...
lá... ao sol, em si !

Corpos, substância, substratos
sob o ritmo da luz dançam harmônicos
o maravilhoso refulgir
em nova e miraculosa vida.

A sementinha de luz
mostra-se ao ser total –
destemida mergulha em si mesma
como diante do espelho original.

É o Cosmo concebendo, florescendo radiante
em mim...em mim...em mim...!

Canto a vitória da essência
cumprindo-se, coroando o poema
da sagrada potência no seio da vida.

Em mim...por mim...para mim !


( Antes que termine sua ária,ETERNIDADE sai.
SONHADOR,abraçando o livro, levanta-se, desce o degrau e empolgado diz:)


SONHADOR.
Maravilhoso.
A vida é o mais belo absurdo!

Nada escapa de ser...
Nada ?
Será que o nada é só nada
nada mais que nada?
Ah, mas isto é absurdo!
Ai... Céus...


( SONHADOR distrai-se com esta afirmação,cambaleia,cai e rola para o centro do disco-escada de espelhos.
Lentamente os degraus se desfazem pousando no chão,formando um tapete de círculos concêntricos bem no meio do palco. O forte allegro domina a cena, enquanto os degraus cedem espaço para receberem ondas de luz azul.Depois do grande susto,em pé,abre os braços e se entrega à nova surpresa :
- As faixas de tule se movimentam e surgem as NINFAS vestidas com vaporosas túnicas e a bela grinalda de fios de estrelinhas prateadas,cobrindo toda a túnica. Graciosas, as NINFAS giram se mostrando, em um arco ,para  entoarem o suave coro angelical, saudando a chegada de ORFEU . Ele entra solene numa túnica branca, orlada  nos punhos, barra e decote com fitas douradas,à moda egípcia. Na fronte,uma faixa de púrpura prende uma estrela cintilante.)


CORO ESTELAR.
Vi...vi...vi...vida...
vi...vida...vi...

(hipnotizado,SONHADOR se aproxima de ORFEU vindo lento, estendendo os braços)


ORFEU.
Vem...”Sobre  teu  corpo reine e brilhe a inteligência”.............(Pitágoras)
Ó átomo...pó de estrela ,
amável semente gloriosa!

28
SONHADOR.
De novo o encanto imprime a primavera
e sobre mim irradia.

ORFEU.  (apontando para a almofada).
O Universo é um lindo jardim
em eterna Primavera.
Cada flor é uma estrela
ou uma constelação.

Venha, senta-te comigo nesta almofada celeste.
( Enquanto os dois falavam as NINFAS se juntam conduzindo a bela almofada
florida.Colocam-na no centro do disco e lépidas voltam a formar o arco ao
fundo central do palco. Os dois se sentam e pouco depois a almofada gira
(disco central giratório ) sob as luzes até que o cenário fica na penumbra.
Rápido desce um painel que esconde os efeitos azuis. Surge telão cinzento.
A música vai sumindo e fica no ar apenas uma ou outra nota entre murmúrios 
do CORO ESTELAR,logo após ressoar delicados sininhos.)


ORFEU. (apontando para o painel cinzento ).
Veja, aí está, amigo
o que há pouco queria saber.

.
SONHADOR
Oh...
Não estou vendo nada...


ORFEU.
Está sim, repara bem...
Estás  vendo  o Nada!


CORO ESTELAR.
Ele está vendo o Nada
Nada...Nada...Nada...


SONHADOR.
O Nada ?
Danadinho do Nada, me pegou!
Justo quando eu procurava
um argumento plausível
a justificar sua  não-existência.

Engraçado... tropecei no nó dos meus pensamentos
e rolei...vindo parar aqui...
Ah, o Nada deve ser...
um saco invisível, cheio de si,
transbordando de nada...
29

ORFEU
É,....” quem pretende falar
verdadeiramente do Nada
tem necessariamente
que deixar de ser científico...”                (Heidegger)

SONHADOR
E não se importar se ao final
não tiver dito de novo
absolutamente nada!
Não é mesmo?
Ah...ah....

(Abraçados,os dois, sorriem felizes)


SONHADOR.
Acho que gosto do Nada...

ORFEU.
É possível,pois “ o Nada nunca se vulgariza.
Ele  está  mergulhado
nas profundezas do insondável
mas é o berço de todos os possíveis.

Aí no Nada nasceu a essência da Realidade
o substrato de todas as coisas existentes.

Esse Silêncio Plenitude
que se cala como única atitude
necessária e suficiente
para que a Realidade não lhe revele
em seu oposto se manifeste.”            (Tao)


( Doravante o CORO ESTELAR repetirá em segunda-voz sempre junto com o solista,conferindo mais força e colorido ao que é cantado.)
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CORO ESTELAR.
O Nada é o berço, o substrato
de todas as coisas existentes
- Silêncio Plenitude.


SONHADOR.
Gosto do Nada...
pois sou apaixonado pelo absurdo.


CORO ESTELAR. ( fogosas, brincando em  trinados).
Apaixonado pelo absurdo
Surdo...surdo...surdo..ur...


SONHADOR.
Falando sério...
O Nada deve ser um oceano, harmonioso...estável...
uma grande pausa,num silêncio profundo...


ORFEU.
“ O Nada é uma treva luminosa.
Tem poderosas atitudes  sem atos;
Retém os sons da vida ao redor
e os transforma no silêncio pleno
do que ainda não existe.”         (Tao)


SONHADOR.
Ele  deve  se  bom,
pois do Nada tudo surgiu,
até Deus...


ORFEU.
“ Do abismo do Nada nasce a Vida.
Ele não interfere na Natureza
Não impede a primavera de  florir
o outono de amadurecer
e deixa que o verão e o inverno
realizem seus ciclos.

O Nada serve a Vida sem nada pedir.
Somente o real pode realizar
e o faz na vastidão do Nada.”.............(Tao) 


CORO ESTELAR.
Nada é uma treva luminosa , osa...osa...
Retém os sons da vida ao redor, dor..dor...
no silêncio pleno do Nada, nada...ada...
Do Nada surgiu até Deus, eus...eus...
Eus... eus... eus...infinitos eus...

Do abismo do Nada nasce a vida, ida..
O Nada serve a Vida sem nada pedir, ir...
Somente o real pode realizar, ar...ar...ar...
e o faz na vastidão do Nada.
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(Jogos de luzes entrecortam ligeiros o palco )

ORFEU.
“ Ele não é algo coisificado
É o berço do nascimento supremo
e é o  leito para o repouso inefável.” .............(TAO)
“ Mas o grande mistério do mundo,
o grande mistério da Vida só será  decifrado
quando os homens  compreenderem
a verdade do Nada.”.............................. (Heidegger)


SONHADOR.
Engraçado, pois eu penso que na verdade
nada existe que seja realmente nada.
É pelo menos um mar grandioso,infinito e bom.
Afinal,foi o berço de Deus!
E deus não caberia  num  bercinho qualquer!

E se não tivesse o Nada,
como haveria Deus de surgir? Hein ?


ORFEU.
Vamos deixar o Nada na santa paz , vamos à Vida !


CORO ESTELAR.
É o berço do nascimento supremo
e o leito  para o repouso inefável.

O grande mistério do mundo
A verdade do Nada
Um mar grandioso, infinito e bom. Om...om...om...


( Instantaneamente fecha a cortina que nada mostrava e tudo volta ao colorido anterior,agora vibrando sob feixes de luz azul e alguns traços
lilases ).


ORFEU . ( fala ).
É preciso duvidar, questionar
Só quem duvida pode aprender.


SONHADOR.
Duvidar?
Oh... não gosto de duvidar das pessoas
Não gosto de  duvidar  do  que vejo e gosto.

Duvidar...
Como duvidar que um quadrado não é um quadrado
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CORO ESTELAR.
Só quem duvida pode aprender.


ORFEU.
Um quadrado só  se  mantém simples quadrado
enquanto estiver em repouso.


CORO ESTELAR.
Um quadrado só  se  mantém, em repouso.


ORFEU.
Mas se uma força o empurra,
deste movimento virá a transformação,
pela perda dos ângulos,
daí em diante toma a forma circular.

Ativo, em rotação, agora age como meio energético de um novo sistema,
podendo tornar-se um poderoso instrumento...


SONHADOR.
Quadrado rolante...mutante...quadrado  redondo!


ORFEU.
Lapidado no movimento,
o corpo quadrado agora é esfera.

“ Até ao infinito se estende
sua nova capacidade de se relacionar”.............. (Platão)
E, se infinitamente seguir em movimento,
dispersa-se em poeira...

Todo o mundo é produto da necessidade.
Agindo e reagindo um  cosmo  se forma, da poeira...


CORO ESTELAR.
Ativo, em rotação
até ao infinito se estende
sua nova capacidade de se relacionar.

Todo o mundo é produto da necessidade
Agindo e reagindo um cosmo se forma, da poeira...
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SONHADOR.
A água...
líquida , sólida ou gasosa
é sempre ela mesma,certo?


ORFEU.
Meio certo !
Na verdade,para cada estágio
manifesta-se sua íntima natureza,
que é,ao deslocar-se,assumir aspectos distintos

“ Com tal freqüência e de tal modo
que fica impossível dizer se ela é  isto
que corre nos rios,ao qual chamamos água,
ou aquilo, de igual estrutura visível, dourado
- fonte de calor e que dança ondulante
aquecendo seu próprio corpo impermanente,
o que chamamos fogo.”....................(Platão)

No corpo do mundo alimenta os sóis
No corpo do homem fulgura luminoso
nas águas mansas  do seu olhar...

“ Ora é água,ora é chama
está sempre dentro e fora de tudo que existe,
tão logo se imponha  a necessidade e o seu poder.”


CORO ESTELAR.
A água...íntima natureza
que corre nos rios
doura-se no calor
de  seu próprio corpo impermanente.

No corpo do mundo alimenta os sóis
No corpo do homem fulgura no seu olhar

No corpo do mundo alimenta os sóis
No corpo do homem fulgura no seu olhar.


( SONHADOR levanta-se, roda de braços abertos e aproximando-se de ORFEU,insiste:)


SONHADOR.
Por acaso, entendi bem,
que a água incolor,insípida,
também pode transformar-se
em algo ardente,colorido,portador de luz;
algo que brilha e é energia,
é enchente e  é vazante
condutora  e  combustível,latente concentrador
conceptivo  que autogera o seu próprio concerto?
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ORFEU.
Eu não poderia definir melhor...


CORO ESTELAR.
Ora é água, ora é chama
Está sempre dentro e fora de tudo que há.

Portador de luz; brilha e é energia
É enchente e vazante,condutora e combustível
Latente concentrador conceptivo,
que autogera seu próprio concerto!


SONHADOR .. ( fala)
Meu Deus... então é verdade!

ORFEU .
O que é verdade?


SONHADOR.
O arco-íris!


CORO ESTELAR.
verdade!...Verdade!...Verdade...!  O ARCO-ÍRIS !

( Magnífica ária entra com tal potência ,como se as portas do céu se  rompessem, espalhando faíscas de luzes em turbilhão.
- - Um imenso arco-íris se impõe durante a música de quase
- três minutos. O arco-íris é todo formado de miçangas e
- papéis brilhantes .
- - Enquanto dura a ária, o arco-íris se desintegra,lentamente,
- escorrendo pelo lado direito do palco.
- - As miçangas descem como água e vão cair perto de
- algumas pedras amontoadas no chão,formando a cachoeira.)


SONHADOR.
Veja, o arco-íris se desmancha,
escorre como água...e desliza, pousado no chão...


(Junto à montagem de pedras, aparece uns fios de água (tranças de papel celofane salpicadas de miçangas) ao alto e dali saem  vozes ,murmúrios entre
acordes delicadíssimos até tornar-se um belo “ Andante” ,suave quanto o deslizar de águas sob o sol.
-Instalada a música, As NINFAS vão surgindo da cascata, uma após outra - Num crescendo entoam  dançantes.ORFEU E SONHADOR sentados assistem o coro.

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As NINFAS estão com vestidos transparentes, grinaldas de flores e pérolas pendentes,da cabeça aos pés.Em grupo ou sozinhas elas recitam graciosas,chegando mais à frente..)


NINFAS / CORO AQUÁTICO.
Radica na simplicidade, o alicerce da vida
Viver é tudo reconciliar
sem vestígio de luta.

NINFA.
Tudo retorna ao mar da existência
à procura da superfície onde respirando a luz
embebe-se de ser,vigor e virtude.


CORO AQUÁTICO.
É a grande lei!

Lei do retorno,sinuoso,
desde o primeiro nascimento dadivoso
Desde que foi convocado
a ser, ser  vivente,  ente ou gente.


NINFA.
Nada existe ou nasce por acaso...


C.AQUÁTICO.
É a grande lei...grande lei...bela  lei
Torna...retorna...

Retorna tão ágil
que quando pensa,pensa que é nova;
que tudo de velho, ´é tão recente
como seu mergulhar na aparência
que agora a domina

Agindo,vivendo esbarra na grandeza
da memória intocável da Natureza.

Envolta nos véus do esquecimento
aos poucos desvenda as pequenas coisas,
revive as menores delícias

Exalta-se a cada passo da conquista,
vive e canta como quem  repete a canção
para melhor fixá-la...entoá -la.


36.
NINFA.
...e ter mais desenvoltura
na hora de soltar de verdade
todo brilho,toda voz.


Coro AQUÁTICO dança unido á frente dos dois, sentados  na
almofada giratória – A solista canta seu verso mais à
frente,salientando-se das demais num gracioso movimento.)


NINFA.   ( Quase falando)
Pensa que cria.
Pensa que descobre e só lembra...


C.AQUÁTICO.
Relembra, revive  e cada vez mais aflora
o anseio de mais caminhar,
aprender a se perpetuar.

somos...somos...som...om...om
Somos cromossomos - cromo-somos do som...om...om...


NINFA.
Sou...
Sou vida e sou eu.
Sou, claro!
No claro da luz sempre sou vida...


C.AQUÁTICO.
Vivemos!


NINFA.  (girando)
A vida...é a luz
A luz é a vida da vida !


C.AQUÁTICO . (girando)
Vivemos...
Vivemos por causa e em busca da luz...


NINFA . (à frente)
Preciso da luz para viver
e a luz precisa de mim,
para em mim realizar
a maravilha de ter (ser?)
sua razão de existir.


C.AQUÁTICO.
Perpetuamo - nos.
Nós nela e ela em nós
37


NINFA.
Sem a luz mergulho no silêncio dinâmico do nada
enquanto ela, ao deixar-me,
sedenta flutua à procura de outro ser
para se abrigar,crescer
e novamente se manifestar.


C.AQUÁTICO.
Nova  mente manifestar
manifestar no ar...ar...ar...
A luz transmite o mais íntimo de nós...


NINFA.
É a luz em mim que canta como fui
como sou,onde quer que eu esteja.


C.AQUÁTICO.  (girando)
No regato...
Na cascata que cai em busca do mar
ou...ou...na cor ardente da chama
que clama por mais brilhar!


NINFA.
E se esta chama escolhe uma pedra
pra nela esconder...repousar...


C.AQUÀTICO.
A pedra depressa a retém...


NINFA.
Aprisiona o que em mim
um dia me fez vibrar.
Então...de novo pareço dormir.


C.AQUÁTICO . (agita-se exultante)
Mas quando a luz pousa,é pega ou mergulha
num corpo pensante,
então  revivemos , dançamos a delícia de ter e ser
a mais bela morada

A mais bela morada!


NINFA.
Ah, como é bom ser de verdade
quem  a gente verdadeiramente é.


C.AQUÁTICO.
Voltar ao lar e ser este mesmo lar!
Ser o pilar da construção
de seu novo reino ...amado...unido.
Ser...pura e simplesmente ser!


NINFA.
Participar da expansão do universo,
prover a conservação eterna do bebê da vida.
promover a alegria de criar em união...


C.AQUÁTICO.
Delícia,que delícia...
Poder viver acima do fogo de qualquer inferno,
no espontâneo esplendor de qualquer céu
instalado nos corações destinados a crescer!


NINFA.
Eu, fonte renascida canto a beleza,
canto a beleza da transmutação da vida (constante)
no seio da divindade,
beijada pela liberdade
embriagadora da descida.


C.AQUÁTICO.
Renascida...serena beleza da vida
Renascida liberdade embriagadora da descida...

( Relâmpagos e azuis entrecortam o cenário .
- ETERNIDADE entra toda majestosa )


ETERNIDADE.
Oh...
Ainda que não fosse o que sou
bastaria esta cantiga
sentida , antiga, inocente
para justificar meu existir;
- para feliz oferecer meu seio augusto,
meu regaço aconchegante, fértil, maternal
a cada semente de luz
forjada no fogo sagrado,
dançante em todos os seres.

Eis que vejo, sinto e consagro !


A fonte jorra mais brilhos e o CORO AQUÁTICO
ondulante cala o suavíssimo murmúrio. Até a música faz
uma grande pausa sob o piscar de muitas luzes. )


ETERNIDADE.
Ouça o Silêncio !......

Canta e rola a fonte do sonho colhido
nos olhos brilhantes sedentos por compreender...

( ETERNIDADE sai de mansinho ).


SONHADOR.
A água... o fogo... a vida !
O fogo é a vida da água !


ORFEU.
As musas das águas
soltaram a voz no fogo latente
despojaram com graça a mágica das cores
e ternas deixaram a doçura escorrer
unidas num corpo de novo poder.

“ Realidade...nela retumba o coro dos astros.
Gemem as sete cordas da lira celeste,
veios de luzes onde brotam
as sementes dos mundos .” ....        (Hermes)


(Vibram as luzes dinamizando a cena )

ORFEU.
Vibram plangentes as asas da poesia
concebendo a verdade
que a Inteligência irradia

O amor delicioso reina nas profundezas da terra
e nas alturas dos céus estrelados
Maravilhoso !
Veja no sopro das coisas o fogo indômito,
flutuante semente de luz.

Vibram as sete cores em todos os seres
em todas constelações
na poeira de sóis e mundos.

“ Cada Sol é um pensamento de Deus,
cada  planeta  um  modo  desse  pensamento “..............(Hermes)
É para conhecer e realizar o sonho divino
que nasce e vive a humanidade

Realidade... nela reverbera o coro dos astros...


SONHADOR.
Amigo, como encontrar esta realidade e dela desfrutar ?
Quero descobrir o véu desta bondade...
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C.AQUÁTICO.
Gemem as sete cordas da lira celeste
veios  de  luz  onde  brotam
as sementes dos mundos.

Inspirados na plangente epopeia
a Inteligência irradia...
Vibram as sete cores
na poeira de sóis e mundos...

- É para conhecer o sonho divino
que nasce e vive a humanidade.


ORFEU.
Descobrir o véu da Realidade
E ver o sonho transmutando em verdade...


SONHADOR.
A realidade dos homens...calamidade...
Ai ,como sofrem os homens,
depois que largam os seios de suas mães...

Crescem medrosos,violentos,
mergulhados em tramas sangrentas,
amordaçados pela ignorância...

A história dos homens se faz e se renova
a partir do ódio e da intolerância,
paixão,agonia em desesperada ânsia...

O homem precisa urgente se encontrar...
superar esta crise eterna de civilização!


ORFEU.
Ó amigo, veja!

Alguns segundos de penumbra e logo após todo o cenário
se colore de violeta , entre ondas luminosas sugerindo infinito.
ORFEU pega sua lira e dedilhando -a canta sereno.)


ORFEU.
“ É para conhecer o sonho divino
que nasce e vive a humanidade”                       ( Hermes)

Olha, Realidade e sonho se confundem e se revelam...
Aqui, na lira está a resposta
A lira é como um Grande Laboratório
A lira comanda o movimento das estrelas
É o farol e a escada dos homens que ascendem...


SONHADOR.
É dela que saem os seres da Terra?

ORFEU.
É onde se plasma, se molda
a pureza distinta de todos os fluxos
sumos regeneradores – o pronto socorro –
forjado pela Inteligência
que comanda a matéria...


SONHADOR.
Os homens precisam urgente
de um corpo mais poderoso.
- um corpo que abarque o si mesmo
de modo afável, útil e amoroso.


ORFEU.
Não há segredo...
A Natureza não pede mais que uma olhadela
ao interior que se rebela,
ardente pra se mostrar...

Quer libertar-se da escuridão
aprisionada na fronte infante
cativa do pecado - da ignorância...

E é só tirar a cancela...abrir a janela...
desintegrar o ferrolho...do olho do coração.
Só !

SONHADOR.
Só?

C.AQUÁTICO.
Ai,como sofrem os homens
depois que largam os seios de suas mães...
A história dos homens se faz
de falsas paixões, agonias
desesperadas ânsias...

Urgente os homens precisam
superar esta crise eterna de civilização!
É para conhecer o sonho divino
que nasce e vive a humanidade!


ORFEU.
No coração dos homens foi colocado um tesouro
Uma réplica tão possante quanto esta lira.

Bom é depressa descobri-la
afiná-la e do seu brilho
saborear a beleza, naturalmente
mergulhar na pureza da inocência...

SONHADOR.
Lapidar o diamante vivo...


ORFEU.
E realizar em Terra,
dentro de um corpo de carne
ainda nesta geração, Agora,
ao nascer desta Nova Era
o que todas as raças sonharam.


SONHADOR.
E o que todas as raças sonharam?


ORFEU.
Compreender o poder
e ver com maturidade
sua mais bela verdade!


C.AQUÁTICO.
No coração dos homens
foi colocado o tesouro,
esta lira de ouro...

Mergulhar na ciência
na pureza e inocência
e realizar, agora,
o que todas as raças sonharam:
- Ver com maturidade
sua mais bela verdade!


SONHADOR.
Colher o diamante vivo...


ORFEU.
E realizar na Terra
dentro de um corpo de sonho,
prisioneiro aparente da morte,
sua herança,seu destino.
43

SONHADOR.
A morte, velada verdade?


ORFEU.
A ilusão da morte,
nefasto subproduto da ignorância,
gerador de medo e violência
que engendra todos os males ;
afasta os homens
da vereda projetada à grandeza
da felicidade de ser liberto.

.
SONHADOR.
Mas os homens morrem de medo de morrer...


ORFEU.
Continuarão morrendo enquanto temerem a morte.

E matarão uns aos outros,
engrossando as paredes entre si
até descobrirem a fraternidade leal
onde está sua meta real
e todos os seus bens preciosos.

É lá... o oásis do Bem
onde não tem sede a morte
nem dores ou doenças,
numa eterna alvorada
horizonte da criatura amada.

C.AQUÁTICO.
A ilusão da morte
engendra todos os males
Distancia os homens
da felicidade de ser liberto.


SONHADOR.
Que deve fazer o homem
para perder o medo da morte?


ORFEU.
Olhá-la e ver que é um problema,
que já traduz em si a solução.


SONHADOR.
Solução?
Haveria solução na Morte?


44
ORFEU   (segredando risonho )
A morte é como o bicho-papão,
amedronta só aos que dela fogem...

E só quem não aprendeu a viver
ou não acredita na vida,mantém-se temeroso
diante da perspectiva de desaparecer...


SONHADOR.
Mas a Morte mata !
Leva a pessoa...


ORFEU.
A morte mata a Vida
e leva-a para onde?

Esqueceu-se que “ na Natureza
nada se perde, tudo se transforma? “       ( Lavoisier)

A Morte  que  teme  só  pode  matar a morte.
Quando não houver na Terra
quem lhe dê crédito,
só restará a si própria...

E sua determinação sendo matar,
sobrará apenas ela mesma
para ser a próxima e última vítima.

Escuta e assimila com atenção;
Toda alma viva está destinada
à eterna ressurreição!

C.AQUÁTICO.  ( brincalhonas ,em alvoroço )
A morte é um bicho papão...papão...papão...
Quem não acredita na vida é bobão... bobão.. ão...ão...

SONHADOR.
Mas...e as doenças... a violência...
como desenraizar tão profunda inclinação?

ORFEU.
As doenças se instalam na oscilação,
na ânsia da falta de zelo...da ignorância.

Venha o homem compreender e piamente aceitar
que ele é duplamente pó, sem similar:
Seu corpo é pó da terra
Sua alma... pó de estrela!

Ninguém há de ser pó indefinida-mente

Há que se unir, combinar.
Cooperar para merecer existir e,
existindo festejar a maravilha de ser.


SONHADOR.
Igual a gota d’água
que agora corre na fonte
depois de compor e entoar
a beleza volátil de um arco-íris,
que todos respirando incorporam,
reproduzem , nos atos vida a fora?


ORFEU.
“ A Harmonia consiste
em estabelecer tal acordo
que nada possa ser acrescentado,
retirado ou modificado,
sem que ela seja destruída

Não se pode acrescentar
beleza a Beleza, ordem a Ordem.”      (Leonardo da Vinci)

E quem ousaria cogitar
tornar mais perfeita a Perfeição ?


SONHADOR.
A música...a..


C.AQUÁTICO.
Homem duplamente pó
Há que se unir, combinar
Cooperar para merecer festejar
a maravilha de ser...
A maravilha de merecer
ser pó de estrela... ela...
Conhecer beleza ,festejar... ar...ar... ar...
A música...


Uma música sideral,autêntica poesia vai se fazendo ouvir
entre reflexos de contornos estonteantes.Por longos minutos a
luz brinca no palco.SONHADOR quase desmaia aos primeiros
acordes,em meio à profusão de cores luminosas e musicais.
- - Rápida névoa cromática inunda e vibra no palco.
- Entusiasmado ele grita : )


SONHADOR.
- A música, a arte, a matemática !


ORFEU.
Veja as leis matemáticas
elas governam a Natureza.
Dão origem e composição
a creação bela e harmônica

Dela resulta a proporção equilibrada
ajustável das diferenças,
agregando o ideal comum de abarcar a vida
organizando e expandindo os mundos.


SONHADOR.
Creação bela e harmônica...


ORFEU.
A Música!
Que é a Música
senão a mais poderosa força-viva
capaz de mover céus e terras?


SONHADOR.
Se a Música é tão poderosa
capaz de mover céus e terras
por que não pode remover
os males, os temores dos homens?


ORFEU.
A Música expande, revela
iguala, une e nivela
sem dor , sem massificar
a composição de tudo que há.
47
É inesgotável fonte de preciosos recursos
o dadivoso Engrama – Razão Tonal da Quinta Pura,
o Engrama de Deus,que tudo move, expande e depura.


SONHADOR.
Meu Deus, a Música...


ORFEU.
A Coma Divina está escrita
nas leis físicas e matemáticas,
dispondo o Universo, no Intervalo,
à própria natureza da simplicidade do som.

Na quinta Pura está a razão tonal
a soma, o Soma , o néctar suficiente
expresso na equação (3:2) elevado a 12 (2:1) elevado a 7,
capaz de despertar consciências, projetando vidas
para a imortalidade,harmoniosamente...

A progressão harmônica pode levar o homem
a desvendar-se, desde a origem...

SONHADOR.
Deus...fonte da Música!
A nascente da Nova Raça

ORFEU.
Sim, o remédio dos homens
sempre esteve em suas mãos!


SONHADOR.
A Música está em toda parte.
Ela vibra por todos os poros do Planeta.


ORFEU.
Assim como todos os poros dos homens
são receptáculos de sinfonias.


C.AQUÁTICO.
O remédio do homem
sempre esteve em suas mãos
A Música vibra nos poros dos homens,
receptáculos de sinfonias.


SONHADOR.
Então... é só recompor...


ORFEU.
Para realizar na Terra,
dentro de um corpo de carne,
ainda nesta geração,
ao nascer da Nova Era
o que todas as raças sonharam.

Praticar o estudo da síntese da cor
do ritmo individual, extraindo o sumo,
a essência da cor do som
da energia vital!


SONHADOR.
E colocá-la numa cápsula,
numa ampola injetável?


ORFEU.
A Música é energia criadora,
nave mestra,movente ponta de lança
onde aparece domina envolvente
- abre sementes de espaço,
novas paragens – berçários de estrelas...
49
Evolve a sensibilidade dos corpos,
na inteligência faz-se ascensão...

Regente, organiza, compõe
os universos em cada ser vivente,
sem distinção de reinos,
neles promovendo a composição ideal
em tonalidade expressiva, ímpar deleite.

Música, o alimento essencial de tudo que nasce.

É a voz presente de Deus
- Presente ondulante no som que propaga
abrindo fronteiras,veredas,sementes...mentes...entes

A Música é a Rainha das Artes!


SONHADOR.
Música,vereda de novas dimensões...mentes...entes

ORFEU
É Deus revelado no fogo da beleza
Deus duplamente mostrado:
Na luz e na Harmonia da sua voz!

- ( Em dueto cantam : )

ORFEU e SONHADOR.
Deus...musical Palavra –Viva
Eternamente presente,
Gerador da Luz e de Potências.

As luzes dançam festivas no cenário em fios e respingos
lilases,violetas,enquanto os dois em êxtase desenvolvem unidos em 
movimentos que sugere fusão de corpos dinâmicos,
mutantes,sincronizados . Ora ORFEU, ora SONHADOR
ou ambos estão se mostrando em gestos delicados,sob
uma ária sublime. O clima de sonho é reforçado por
rapidíssimos focos azuis e rosas,valorizando o contraste
da penumbra pingada de luz. )


50
ORFEU e SONHADOR.
Deus, Luz sonora
Luz viva, fonte da inteligência

Palavra – viva, eterna aurora
provedor inesgotável
exalando cores,gerando sinfonias.
Vibra, coordenando mundos
executando a Vida.

Deus,vida da Música,
Música,nave de Deus!


ORFEU.
A Inteligência ativa
e a vida no homem
torna-o uma música
E cada vida embebida do saber de sua partitura
torna-se voz de Deus!


SONHADOR.
Encher uma cápsula com a voz de Deus...


ORFEU.
Combinar as essências das cores
suas virtudes enraizadas nos sons;
Colhendo a medida de cada intensidade,
frequência, peso, propriedades.
- Achar os valores numéricos reais
ponderá-los numa média
pelo Cálculo Diferencial Integral
E destilar através dos filtros
da Matemática Pura...

Buscar nos sons suas cores,
bases e modos correspondentes
da Matriz , Geratriz
na média do ritmo das dores.

Chegar a fiel sincronicidade
extraindo a semelhança dos tons...


SONHADOR.
O ritmo...a cor...
a matemática...
Ritimática!

51
ORFEU.
Transportar a leitura matemática
para escala musical,
daí, reproduzindo a somática
do coração e do mental.
- Mover o vórtice do bulbo na árvore cerebral...
Combinar os pulsares de cada órgão, prazerosamente !

- Ritmática!
A cor da música apropriada para cada mal
devolve o milagre do ritmo harmônico ideal.

C.AQUÁTICO.
É só recompor...
a realizar na Terra a Ritmática...
o sonho que todas as raças sonharam

Realizar o estudo da energia vital
tocar o vórtice do bulbo na árvore cerebral mola mestra de tudo que aspira o Bem.

A Música diretora
da inteligência criadora...
Organiza , orienta
a composição ideal
a tonalidade real,
verdadeira razão do existir.

Música , o alimento da Natureza
É a voz de Deus refazendo,
renovando o tesouro de ser.
Música ,musa...a Arte das Artes!

É Deus revelado no fogo da Beleza
promovendo a vida faz-se voz da Luz
Ideal...Mental...Real...

ORFEU.
Cada música que bebe em si mesma
bebe na fonte original

Cada homem que descobre a sua partitura,
vê aberto o seu caminho
e bebendo na fonte a pureza
embriaga-se de beleza
nela se incorporando.

Este, encontra a realização de Deus em si
e em toda parte...bondade...beleza e arte...
Torna-se pleno, bem-aventurado!

SONHADOR.
Ai quem nos dera assimilar profundo
e praticar deveras esta arte
no nosso chão, no nosso mundo...

ORFEU.
Não exige nenhuma intervenção divina.
Basta que a ciência humana
hoje, seja aplicada num único e mesmo fim.

Tudo já foi descoberto.
Agora é só montar o edifício
com todos os tijolos e argamassas existentes
e desfrutar da bondade no mosaico do saber.
53
A Natureza em sua sábia ciência revelou-se,
- A Ritmática  já  está na mão dos homens.

Cabe a eles decidir:
Preservar-se e crescer ou...aniquilar-se.

SONHADOR.
Ritmática !
Chegou a hora da União
da bondade com a verdade!


ORFEU.
Que vai coroar com dignidade
as obras dos homens!

SONHADOR e ORFEU se abraçam longamente,
enquanto a música glorifica o amor fraternal.
- - Um abraço longo e belo entre raios de luzes
- multicores,sob a regência de extrema emoção.
- - Um forte acorde apaga rapidamente a luz,
para que ORFEU saia do palco,sorrateiro.Logo em
seguida, música e luz retornam e SONHADOR
observa surpreso,que não mais abraça ORFEU e sim,
aperta ao peito o Livro que PROMETEU lhe dera.
- - Recuperado da surpresa, SONHADOR rodopia
- chorando de felicidade,que expressa dançando em meio
- aos feixes de luzes agitadas .Ainda sob forte atuação
- musical,vê seu Livro subir, voar (pelos barbantes)
- enquanto caem estrelinhas e flores pelo cenário.
- - SONHADOR enfim olha para seus pés e vê de novo
- surgirem fitinhas coloridas e esvoaçantes no seu
- calcanhar. – Fascinado quase grita:)


SONHADOR.
Um arco-íris mora no meu calcanhar!

Fantástico!...

Posso disto duvidar?
devo duvidar desta ventura?
Duvidar que todas as maravilhas
de todos os reinos, o arco-íris contém?

Ah, o Arco-íris...
Pensar que ele é apenas a outra metade
da beleza do mistério revelado
nos milhares de corpos de todos os seres
que formam e habitam o nosso planeta...

.54

Não há porque os homens buscarem outras moradas,
outras estrelas noutros mundos do universo,ainda não!

Aqui, nesta nossa Terra tão linda,
neste imenso e aconchegante útero,
nave de riquezas profundas...

Tantos mistérios dormitam inexplorados:
- nas entranhas dos mares, nos ares...,
Neste chão abençoado há que brotar a semente
do que formos capazes de sonhar...

A felicidade, a verdade humana
está e se revela no limite,
na mega Aliança Divina
eternizada nos sete tons...

Baila no ritmo visível
da mágica sinfônica, o nosso Arco-íris,
a ponte magnífica, que nos levará um dia
a brilhar feito as estrelas!


As luzes reverberam tal qual a música, imprimindo
o emocionante “ gran-finale” junto a conclusão
do SONHADOR e termina por se juntar numa única
faixa de luz amarela tracejada qual código de barra
onde respingam pérolas de luzes simetricamente,que
ao enrolar-se das laterais até o meio,mostra o arco-íris
de confetes desintegrar espalhando-se no cenário.

Sob a chuva multicolorida na desintegração do arco de
luzes, os atores dançam faceiros, à moda russa em roda
ondulante,mantendo ao centro ETERNIDADE, regendo
alegre a dança da despedida. Por três vezes os atores em
arco fecha-se ondulante e abrindo-se vem à frente receber
os aplausos ,com cabeças solenemente encurvadas, cheias
de flores, pérolas e estrelas !)


F I M ?
Fecha a cortina.

Gustav Mahler - Symphony No. 1  O TITÃ
- Bernstein · Vienna Philharmonic Orchestra - 55 min.


SUITE " O TITÃ "
( ESBOÇO )

SINFONIA No 1 - Em ré maior 
Compositor:
: GUSTAV MAHLER

Parece loucura, mas foi numa tarde comum, 
enquanto eu pintava ouvindo repetidas vezes a Sinfonia No 1 - Titã, de Mahler,
quando sem mais nem menos , me vi diante dum palco ,amando ver cada movimento,absurdamente real, num colorido espetacular, 
esta representação que agora descrevo.

PERSONAGENS:
- Nove dançarinos :
dois homens , sete mulheres
- Três Titãs:
- o Vermelho
- o Azul
- o Amarelo
- Velho Zeus


CENÁRIO.
Paisagem de deserto
- Pedras de vários tamanhos, empilhadas e espalhadas
- Alguns galhos modestamente floridos entre flores faíscantes
- Os dançarinos vestem algo como tangas ocres em longos panos
enrolados do joelho até a cabeça, prendendo-lhes os
braços,imitando múmias ou fetos,quase encobrindo os olhos.

- Os Titãs vestem faixas brilhantes, cada qual de uma cor, em tons
pastéis, contornando o peito e com as pontas descendo até aos tornozelos.

- Do Velho Zeus só se vê a enorme barba branca, entre tufos de nuvens
ao alto, no último plano do palco.

PRIMEIRO ATO.
1' movimento - Langsam; Schleppend
& 2' movimento - Kräftig bewegt
http://www.youtube.com/watch?v=lFFgzziZrpk
http://www.youtube.com/watch?v=GIweGXA-zF0
-9:45

CENA.
- Um silvo profundo e longínquo inicia e anuncia o nascer de um novo dia.
Muito do que parecia ser pedra espalhada no deserto,lentamente se mexe,
espreguiça forçando o levantar cambaleante.
- Desajeitados os nativos ensaiam em mímica os primeiros passos, apalpam-se,
descobrindo o corpo, as pernas, depois os braços tentando sincronizá-los
em movimentos rudes de marionetes curiosas.
- Contorcem-se para livrarem-se das faixas que os prendem ,
trombando -se, caem, rolam uns sobre os outros recomeçando novos e
mais ousados toques. Agora mais ágeis experimentam passos e gestos
firmes,cadenciados,repetidos e imitados pelo grupo ora unido,ora .
disperso no entusiasmo de encontros , trombadas irritantes e enlaces .
amorosos até que amigáveis se guiam,caminham e se ajudam.

- A música distante colore com melodia de amanhecer num crescendo e a dança intensifica em ligeira agitação

- Sombras nublam cenário adormecendo-os .a imitar embalo de dias e
noites de sonhos e ao toque da luz recomeçarem dinâmicos e confiantes.

- Predominavam até agora os gestos instintivos que evoluem, ganham leveza;
vai-e-vens que delineiam o aguçar da sensibilidade nascente.

- Repetem o ensaio, lentos,até que surge entre raios festivos,os três Titãs, de .passos largos,certeiros e dominantes. O Titã de faixa amarela empunha uma tocha acesa.

- Á entrada dos Titãs, alvoroço, medo e correria para se esconderem atrás .
dos arbustos e das pedras que os Titãs vão retirando , deixando os nativos .
apavorados.

- Numa dança super nova, os Titãs aos poucos vão conquistando os
nativos,presos em suas faixas apertadas.

- Amigáveis, os Titãs dançam em volta da fogueira feita com a tocha e .
aos poucos os nativos vão perdendo o medo do fogo. Dançando mais .
íntimos, os Titãs desenrolam suavemente as faixas amarradas nos corpos .
dos efêmeros, libertando os braços presos nas faixas.

- Devagar,meio tímidos se contorcem,giram,se miram, num crescendo rodopiam alegres,se abraçam festivos.

(Debaixo das faixas, tangas e saiotes ao joelho, quase transparentes )
- Por longos minutos se olham, se apalpam e se enamoram.

- Os Titãs ensinam-lhes novos passos e todos se entregam febrilmente ao .
comando da música. Dos gestos saem trabalhos e em conjunto constroem a .
cidade em módulos ou blocos de pedras,abrindoespaço, desenrolando enormes faixas estampadas de bosque, prédios, fábricas , imponente metrópole, entre danças frenéticas, delírios, correria e novíssimos prazeres embriagadores,apaixonados,quase insanos.

" O Primeiro Ato" é composto dos dois primeiros movimentos :

* Lamgsam; Schleppend
( devagar,vagaroso,lento,compassado;moroso -
lentamente,aos poucos, pé ante pé - arrastado;lânguido)

* Kräftig bewegt
(robusto,forte,substancioso, brioso,reforçado -
agitado,movimentado,encapelado,comovido,emocionado)

O andamento lânguido desenvolve-se para o brioso e emocionado,
longo o bastante para plasmar o mistério da origem e o alçar da
vontade de continuar descobrindo, desenvolvendo a força humana
e a coragem de se jogar à beleza do ritmo da alegria terrestre.
Escolados pelos Titãs, os homens vão modificando o cenário, agora
mais claro,enquanto dançam construindo moderna metrópole.
Unidos,montam uma forte escada,degrau por degrau,símbolo e caminho
de acesso aos céus. ( O cenário é montado rápido no gestual dançante )

Agora os homens já sabem construir organizados,obras de artes que
intensificam seus prazeres super novos. Sentem-se poderosos e audazes
tentam subir e rolam na escada que os levará às estrelas.

- Do alto, o velho Zeus que a princípio se divertia com a "dança" dos
pequenos, começa a se inquietar, sentir-se ameaçado e enfurecido
com os acertos da criatura. Irado, descontrola-se produzindo inúmeros
relâmpagos saídos das suas ventas que se transformam em tempestade.
Num lapso de cólera, conclui ser melhor eliminar as ameaças freqüentes
capazes de invadir seus poderosos sítios, seus segredos, sua majestade.

Com a vaidade ferida,o soberano deus dos céus, decide eliminar
os homens e suas obras.
Ameaçador, Zeus pisa na escada.

FECHA O PANO.

SEGUNDO ATO.

3o movimento - Feierlich und gemessen
http://www.youtube.com/watch?v=lFFgzziZrpk
O Titã - Radeir (Esboço-ost.180x140) 2010)

CENÁRIO.
Estão no palco grandes faixas azuladas reproduzindo moderna cidade
.Bem ao centro destaca-se a forte escada montada no ato
anterior, a esbarrar nas nuvens, onde Zeus se escondia e agora
irado, pisa resoluto.
Relâmpagos anunciam a ira divina.

CENA.
- Os homens assustados se armam e se empilham, unidos para
lutar e um dos Titãs, o que veste a faixa amarela, o mais corajoso e
sábio, toma para si o encargo de representar e defender a todos.

- Comovido, melódico o Titã começa a "cantar" agradecendo a Vida,
a união das criaturas, as conquistas diárias ao longo dos séculos. Relata poético, diante de Zeus, uma série de momentos árduos que lhes valeram os promissores avanços e conquistas.

Canta na dança a alegria de vencer as tempestades do meio e de si mesmos.
Recria solene cada frase poética captada na beleza deste mundo inculto.
Exalta as maravilhas descobertas nesta natureza.
Canta a mansidão dos rios, a imensidão dos mares, a serenidade
e a silenciosa quietude do carvalho altivo, oferecendo cor, frescor e .
segurança.
Dança cantante a delicadeza das milhares de flores dos caminhos, as belas formas seus distintos perfumes e da maravilha dos frutos coloridos e doces.

Fala da magia das cores, da música - canta a poesia que os nativos
conseguiram a duras penas, colher e recolher nos paradoxos dos
incontáveis enigmas.

Numa cena de extrema beleza o Titã , solene, sobe os degraus e descreve
em dança tântrica a batalha para organizarem-se na busca da razão de existir - Ser

No quarto degrau, ao meio da escada, quase junto de Zeus, o Titã repete
a magnífica cena , (e imitada na união e desdobramento dos corpos nas
laterais ) insistindo, tentando convencê-lo a cantar também, a se
unir neste coro sagrado para eternizá-lo com sua majestosa aprovação.

Insensível e irado Zeus estica o braço na direção ao peito do Titã e
dali pega um fio brilhante, cor de rosa , que ele, Zeus, vai puxando irado, em gestos largos e bruscos, contrastando com leveza dos passos e gestos do Titã, insistente para lhe comover.

Tomado de suprema inveja, fulgura dentro da súbita noite um vendaval
zoando entre raios e trovões estrondosos, enquanto o furor de Zeus
retumba e arranca de vez o fio brilhante da vida do Titã que finalmente
cai fulminado .

O caos impera derrubando a cidade ,transformando-a em escombros sobre
os corpos que repetiram incessantes a dança tântrica .

FECHA CORTINA.


TERCEIRO ATO.

4o movimento - Stürmisch bewegt
(Tempestuoso, fogoso agitado,movimentado.emocionado)
http://www.youtube.com/watch?v=lFFgzziZrpk

CENÁRIO.
A destruição do ato anterior,destacando a escada de sete degraus ao fundo, entre as nuvens.

Zeus, no alto da escada lança um olhar fulminantemente vazio para baixo.
Olha para suas mãos, observa o brilho faiscante retirado do peito do Titã
e num largo gesto comovido empurra forte contra seu próprio peito, como querendo guardar ali a espiral de luz ,o motor da vida, poder e beleza do Titã.

E num lampejo de soberana consciência, constata o terrível silêncio, ao ver o
Titã vencido, inerte, incapaz de produzir o menor ruído , o mais leve movimento melódico...
Desesperado , Zeus gira, mostra-se inteiro, arranca sua enorme túnica branca e dourada, joga-a para cima espalhando uns turbilhãozinhos de estrelas que caem a cobrir o Titã desfalecido aos pés da escada.

Num gigantesco desesperado furor, Zeus vê seu estado real, estupidamente grave e a impiedosa arrogância. Dá-se conta do grande erro . Alucinado esbraveja ao mesmo tempo que uma explosão bombardeia o palco.
Ás últimas faíscas Zeus está de braços caídos - medita, se contorce
de arrependimento - destruíra sua mais bela obra.

Reflete angustiado: ( um côro distante canta seus pensamentos)
- Quem agora iria temê-lo, alegrá-lo ou adorá-lo?
- Quem reacenderia sua sede de poder no reinar?
- Um rei todo poderoso...sem vassalos!

Zeus vê o quanto fugiu dos seus propósitos embasados na razão e nas artes...
Atormenta-o ver endurecida sua sensibilidade e lucidez ao invejar pequenos
conquistadores de raras alegrias. Detém-se em lembrar a superioridade e a
nobreza das criaturas e conclui que só há uma maneira dele se perdoar,
só um modo e meio dele não mais merecer o próprio descomunal desprezo:

- Ele, Zeus, silenciosamente.... nascerá !

E virá nas mesmas condições que impôs às criaturas
Andará pelos mesmos caminhos escuros e pedregosos.
Buscará vencer os mesmos obstáculos das diversas naturezas.

E vai tentar recolher desta caminhada,sem sua "coroa de poder",
a mesmíssima beleza que viu brotar das criaturas indefesas e valentes,
desbravadores de si mesmo .

Num gesto de grande realeza, retira de sua cabeça a brilhante coroa,
arranca as enormes e pomposas barbas e solenemente começa a descer a
escada. Ao pisar o terceiro degrau, perde o equilíbrio e continua a descida
rolando entre raios e trovoadas.

Relâmpagos e cores desgovernados inundam o palco festejando a descida de
mais um ser que se dispõe a nascer.

- As luzes apagam num breve intervalo, depois , bem tênues a mostrar um corpo encolhido qual feto rente às pedras na escuridão.

Aos poucos é iluminado por uma e outra faísca, gerando nele pequenos movimentos.
Esforça-se, tenta livrar-se das amarras ,contorcendo com dificuldade.
O crescimento dele pode ser visto pelo alongamento gestual sempre mais amplo.
Com dificuldade Zeus espreguiça medindo seus limites e rompendo por fim a
imaginária envoltura, ensaia o primeiro sentar cambaleante, enquanto um surdo silvo vindo da escuridão mais densa ao fundo do palco o focaliza, iluminando-o e estimulando-o a levantar-se e seguir na direção do fio de luz azul. que o acordou.

Rápidos clarões.
Abrindo os olhos, assusta-se com a claridade forte avermelhada que lhe bate no rosto.
Tem medo e para vencê-lo contorna com os braços o novo corpo, se protegendo e neste toque vibra de prazer.

Por longo tempo olha cada membro do seu novo corpo, se apalpa carinhoso.
Demonstra o prazer do toque e se repete mais enérgico e confiante.

Devagar levanta, mira ao redor e avista um fio d'água ,toca-a saltitante e brincando se banha.
Todo molhado, dominando seus movimentos, gesticula meio dançante, meio brusco como quem trabalha e luta.

Luta contra o medo da noite, o calor do dia, o cansaço e o sono.
Recomeça arduo trabalho e interminavelmente e sofre.

Sofre abandono, perdas, lutas vãs e descobre quão difícil é sobreviver na natureza sob variações climáticas, nas tempestades que o obrigam a refugiar-se as pressas . Sofre por querer avançar,vencer-se e o buscar a paz inexistente.

Longos momentos de exaustão.
De vez em quando luzes fortes entrecortam o silêncio da impotência reconhecida.

Vai e vem, pula e dança , descansa e luta.
Desperta, levanta a cabeça a procura de ajuda e extático medita olhando o céu.
Volta à fonte, banha-se sereno e vai-se impregnando da música deliciosa que o chama para nova realidade.

Caminha meditativo, acaricia as pedras e empolgado colhe entre a folhagem uma pequenina flor nascida perto do fio d'água, que lhe inspira grande ternura.
Ama-a intensamente e afinal sorri rodopiando feliz
A custo contém-se segurando a florzinha, girando e abraçando a minúscula prenda e num gesto de máxima alegria, ajoelha, adora-a , beija-a e a levanta ao céu.

É agora um homem integrado, reconciliado com a vida e dança a alegria de viver.
Sua felicidade chega aos céus que se abalam movidos pela força da alegria.
Delira dançando sua felicidade de estar aqui,nesta terra tão rústica
.
Relâmpagos insistentes jorram numa profusão de raios e uma chuva de flores
coloridas descem por todo o palco.

Reconciliado consigo mesmo, caminha-se confiante para a escada, sobe meio dançante e ao chegar no quarto degrau , contempla o mundo.

As luzes seguem agora a seqüência do arco-íris e quando chega ao violeta,
vê-se Zeus sentado em posição de lótus , em meditação, formando com a união dos dedos um triângulo junto ao peito.

O quarto degrau da escada é mais largo - um patamar no meio dos sete
degraus, e , em recolhimento, lentamente sobem do chão contornando-o ,
enormes pétalas de lótus rosada , tranparentes , leitosas delicadas.
Zeus sentado , ergue os braços e em dança tântrica suave dentro da flor
que lentamente se fecha até formar um gigante botão de lótus iluminado

A enorme flor recebendo foco de luz rosada, volta à cor branca original
radiando luzes ondulantes , e uma intensa luz azul formando um oceano em sua base
( Faixas azuis de plástico transparente, respingadas de tons prateados,
ondulam como mar na base da flor)

Do chão junto da enorme flor de lótus, aos poucos vão subindo raios de luz como se dela saíssem, formando um radiante Sol.
Ao chegar o último feixe de luz a sinfonia solta os últimos acordes.
Encerra a música e por vinte segundos, só fica o Homem-Sol no mais belo silêncio! ( dentro do Lótus branco iluminado.)

Fecha a Cortina.
FIM ?
 
Fonte:
RADEIR
Autoria: Adeir T.Reis - 1980
Libreto para Sinfonia - 1987
Sejam felizes todos os seres.
Vivam em paz todos os seres. Sejam abençoados todos os seres.

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