quinta-feira, 25 de março de 2010

A PSICOLOGIA E A ARTE EM BERGSON



 
BERGSON
A PSICOLOGIA E A ARTE

A PSICOLOGIA E A ARTE (¹)
A arte, em sua significação mais ampla, consiste nisto: no poder ou aptidão, que pertence ao homem, de servir-se de meios ou de empregar processos no sentido de melhorar e aperfeiçoar as condições da natureza, para seu uso e bem-estar, ou apenas para emocionar-se agradavelmente. Assim definido o conceito, ficam compreendidas, ao mesmo tempo, as artes úteis, e as artes de efeito puramente estético ou belas artes. A estas últimas parece, segundo alguns, inteiramente estranho todo e qualquer pensamento de utilidade, e lembro-me de ter visto em certa parte se me não engano, em Spencer, esta definição: o belo é o que agrada sem ser útil. Aos que assim se manifestam, escapa a percepção do interesse superior da arte. O belo não é o que agrada sem ser útil, mas o que satisfaz a uma exigência superior do espírito; exigência cuja significação real é talvez de ordem transcendente, mas que não se torna por isto secundária, e tem, pelo contrário, relação imediata com o sentido mais alto da vida.

A arte do belo, se bem que não tenha uma utilidade imediata, pessoal ou material, não deixa por isto de ter uma utilidade de outra ordem, impessoal ou espiritual, mais profunda e elevada, e, sem dúvida, mais eficaz, correspondendo a um instinto superior que impulsiona a vida, e é a expressão de uma necessidade, por assim dizer, subconsciente, que sentimos, se bem que dela não tenhamos a clara percepção, nem o sentido exato.
A arte, assim entendida, é tudo o que pode causar uma emoção estética, tudo o que é capaz de emocionar suavemente a nossa sensibilidade, dando a volúpia do sonho e da harmonia, fazendo pensar em coisas vagas e transparentes, mas iluminadas e amplas como o firmamento, dando-nos a visão de uma realidade mais alta e mais perfeita, transportando-nos a um mundo novo e estranho, onde se aclara todo o mistério e se desfaz toda a sombra, e onde a própria dor se justifica como revelação ou pressentimento de uma volúpia sagrada. É, em conclusão, a energia criadora do ideal.


E como o ideal é o sonho da perfeição, e este sonho envolve toda a verdade e toda a justiça e toda a virtude e todo o amor; numa palavra, tudo o que há de mais alto e mais puro na natureza humana, — segue-se evidentemente daí que de todas as produções do espírito, a arte é a mais humana e a mais essencialmente espiritual. É assim que, ainda nas suas manifestações mais positivamente objetivas, como na arquitetura, nas artes decorativas, na estética hidráulica etc, o que emociona e transporta, o que produz efeito estético, é o elemento humano que aí se introduz. É de onde vem também o seu mais extraordinário poder: com se o destino da arte fosse animar a natureza, dar sentimento e percepção ao inconsciente, amor e piedade, comoção e paixão, ao próprio elemento morto que se fixou e esterilizou na dureza e na imobilidade da rocha. 

É deste modo que a arte dá linguagem às ondas e ao rochedo, às folhas das árvores e ao sopro do vento, à montanha e à planta, à nuvem e às estrelas. E até do silêncio e da paz inviolável e morta dos sepulcros, faz com que se evolem palavras misteriosas, como para provar–que ainda na rigidez gelada do cadáver, como na sombra e na mudez emocionante das catacumbas, palpita a vida.

A arte está para a psicologia como o instinto para a inteligência: a psicologia é a visão consciente, a arte uma como visão inconsciente, mas profética da nossa própria realidade. A primeira é ciência, porque é trabalho do espírito; a segunda é instinto, porque o artista obedece a uma inspiração, por assim dizer, subconsciente, como se o impulsionasse uma força irresistível e fatal, nascida das profundezas ignotas de seu ser mais íntimo e profundo.

A liberdade — eis realmente o fato decisivo que marca a separação absoluta entre o espírito e a matéria. Nos fenômenos da matéria dominam a mais absoluta necessidade e o mais inflexível determinismo; nos fenómenos do espírito o princípio que se deve reconhecer como lei primordial e tudo domina, é a liberdade. É a razão por que aí toda a previsão é impossível. Bergson deu como símbolo de sua concepção da vida esta fórmula eloquente: — Evolução criadora. E isto significa que a vida é uma evolução; mas significa também que essa evolução é ao mesmo tempo uma criação. E realmente viver é criar. Mas é preciso, além disto, reconhecer que criar é ser livre: o que só por si faz patente que há alguma coisa na vida que escapa a toda a determinação. É a razão por que toda a vida começa envolvida no mistério, e termina, do mesmo modo, envolvendo-se de novo no mistério. É como uma luz que brilhando um momento na escuridão do infinito, apenas deixa perceber a profundeza do abismo. Mas sempre que brilha, essa luz faz nascer a esperança de que se transformará em clarão que fará ver mais fundo e mais longe. É que a vida é força criadora: e por isto o que a caracteriza na sua evolução é o imprevisto. Assim cada fase nova que nela se apresenta, é uma coisa inteiramente neva e apresenta-se como se fosse uma criação do momento.

Vem daí que para cada um todo dia tem a sua surpresa. Mas também todo ato tem a sua influência direta sobre a evolução do caráter. De maneira que cada um é a todo momento criação de si mesmo. E tudo isto quer dizer que o homem é uma das modalidades do espírito, e como tal é força criadora.
Ê por isto que em auxílio do trabalho da ciência, sempre imperfeita, sempre deficiente e incompleta, necessário é que venha a inspiração da arte dando mais vigor e mais fé à orientação da inteligência, com a visão subconsciente, mas luminosa do instinto. É à arte, pois, que cabe fornecer o ideal que deve impulsionar o trabalho do espírito em sua jornada através do desconhecido. Vê-se assim que a arte, é, por essência, a energia criadora do ideal.

A arte é a energia criadora do ideal e tem precisamente por fim auxiliar a ciência psíquica na interpretação da verdadeira significação da vida e fornecer ao espírito princípios de inspiração e fontes de energia, para que se possa orientar com segurança e eficácia na direção do governo humano. E no dia em que a luz se fizer definitiva e completa sobre o mistério interior, a arte tornar-se-á desnecessária e deixará de ser, por falta de destino. Mas chegará esse dia?…

A PSICOLOGIA E A METAFÍSICA (1)

Já, em trabalho anterior a este, fiz sentir que se devem distinguir duas espécies de filosofia: uma filosofia pré-científica. — é a atividade mesma do espírito elaborando o conhecimento, o espírito mesmo investigando o desconhecido e produzindo as ciências; e uma filosofia super científica. — é o espírito partindo das ciências e procurando dar a interpretação do verdadeiro sentido da existência, ou lançar as bases de uma concepção do Universo. — É neste último sentido precisamente que a filosofia se chama metafísica, filosofia primeira, ou simplesmente filosofia como é mais corrente. É, pois, da filosofia assim entendida que sé trata aqui. A questão pode ser formulada nestes termos: que relação há entre a filosofia ou a metafísica e a psicologia?
Todo filósofo tem por necessidade natural, uma especialidade científica, e é sempre dessa especialidade científica que parte a sua inspiração filosófica. Assim Pitágoras era matemático; e deste modo era por símbolos matemáticos que se esforçava por interpretar o conjunto da existência. Os filósofos da escola jónica eram físicos e como físicos, era por ação das forças mesmas da natureza que procuravam explicar, não somente os elementos exteriores, ou os movimentos do cosmos, como ao mesmo tempo o pensamento e a vida.

A filosofia é a psicologia, a ciência do espírito. Tal é, por conseguínte> a nossa tese fundamental. Agora, a psicologia é que pode ser considerada de dois modos: no sentido comum e ordinário e no sentido transcendente. No primeiro caso a psicologia propriamente dita, a análise da atividade psíquica, tal como se verifica no homem, e, em menor escala, nos graus inferiores da pura animalidade; de onde a psicologia comparada cujo valor é hoje altamente reconhecido. No segundo caso é ainda psicologia, isto é, indaga ainda da significação e natureza do espírito; mas considerando este não somente em sua função puramente humana, mas em sua significação mais geral, confunde-se com a metafísica e não só trata de descobrir a relação que há ou deve haver entre o espírito e o todo universal, como ao mesmo tempo procura interpretar o próprio todo universal.

"O  Universo é uma máquina de fazer deuses"
Bergson

.Fonte CONSCIENCIA.ORG
Fonte: Farias Brito -O MUNDO INTERIOR (antologia
Raimundo de Farias Brito (1862-1917)
Uma antologia organizada por Gina Magnavita Galeffi. GRD-INL/MEC (1979)
Sejam felizes todos os seres.
Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

Nenhum comentário: