Como
psicóloga e arteterapeuta, de base junguiana, tive alguns mestres que
considero geniais e que me inspiram sem parar: W. Reich, S. Freud, a
Gestalt, o Psicodrama... e, principalmente, o grande Carl Gustav Jung. E
uma das coisas mais interessantes na vasta teoria dele é a relação que
faz do processo terapêutico com a antiga Alquimia (que também é uma das
bases da Astrologia, especialmente no que se refere a teoria das
correspondências, e da Homeopatia, no que se refere ao método
explicativo). Abaixo alguns trechos sobre como Jung faz essa relação,
que foram escolhidos para um trabalho de grupo que fizemos (eu, alguns
colegas e o professor Carlos Bernardi) na faculdade. Vale a pena ler!
“O
que torna a alquimia
tão valiosa para a psicologia
é o fato de suas
imagens concretizarem
as experiências de transformação
por que passamos
na psicoterapia...”
“Cedo
percebi que a psicologia analítica coincidia de modo bastante singular
com a alquimia. As experiências dos alquimistas eram, num certo sentido,
as minhas próprias experiências, assim como seu mundo era meu mundo.
Foi, com efeito, uma descoberta marcante: eu encontrara a contraparte
histórica da minha psicologia do inconsciente”.
“A
real natureza da matéria era desconhecida do alquimista; ele tinha
meros indícios a respeito. Ao tentar explorá-la, projetou o inconsciente
sobre as trevas da matéria, a fim de iluminá-la... Enquanto fazia suas
experiências químicas, o operador passava por determinadas experiências
psíquicas que lhe pareciam ser o comportamento particular do processo
químico. Como se tratava de uma questão de projeção, ele naturalmente
desconhecia o fato de a experiência nada ter a ver com a própria
matéria. Ele experimentava sua projeção como uma propriedade da matéria;
mas sua experiência, na realidade, era do próprio inconsciente.”
(Jung, Psicologia e Alquimia)
Todo
o desconhecido e vazio é preenchido com projeções psicológicas; é como
se o próprio fundamento psíquico do investigador se espalhasse na
obscuridade. O que ele vê ou pensa ver na matéria são principalmente os
dados de seu próprio inconsciente projetados.
O
que torna a alquimia tão valiosa para a psicologia é o fato de suas
imagens concretizarem as experiências de transformação por que passamos
na psicoterapia; é uma anatomia da individuação.
O método de explicação da Alquimia é
(reparem a relação com os princípios da Homeopatia):
“O obscuro
pelo mais obscuro e o desconhecido
pelo mais desconhecido”
Teoria das correspondências (reparem na relação com a Astrologia):
Segundo
essa teoria qualquer coisa que aconteça em um plano da realidade produz
um efeito correspondente sobre outro nível da realidade. Todos os
mundos são paralelos e congruentes. Realizar uma operação no nível
físico causa impacto no nível espiritual.
Do
ponto de vista da alquimia interior, as operações físicas simbolizariam
o esforço que o ego deve fazer para compreender as experiências
imaginativas e integra-las em sua vida, as vezes um sonho ou uma visão
requer atuação no mundo material.
Extrair
significado de experiências interiores e aplicar suas lições a vida
exterior também corresponde a faceta física da obra. Não podemos
permanecer sempre em estado visionário (imaginativo) é essencial que o
individuo dê expressão física a tais experiências.
Os
dois mundos interior e exterior estão muito mais ligados do que podemos
perceber e o trabalho feito em um deles alimenta o trabalho do outro.
“o que está em cima é como o que está em baixo”
FASES DO PROCESSO ALQUÍMICO
1. NIGREDO
“Quando vires o negro alegra-te, pois é o início da tua obra”.
É o que acontece no início da análise: opostos entrando em guerra. O dragão está dentro do vaso hermético onde nada entra nem sai.
2. ALBEDO
Para os alquimistas o branco é a luz celestial, a clareza e o entendimento.
É a fase da análise em que já se compreende, mas de forma ainda intelectual.
3. CITRINITAS
O
amarelecimento vai ajudar a tirar a brancura da albedo, o monoteísmo do
branco, nos fazendo encarar o mundo sem vê-lo apenas como projeção.
Páginas, dentes ou dedos amarelados que remetem à putrefação ruína e decadência.
O amarelecimento não somente deteriora a psicologia branca da albedo como inicia a conversão do interior para o exterior.
4. RUBEDO
Leva
sempre a alguma meta. É quando se sai do intelecto e volta para o
mundo, para o corpo, para vivenciar o social; sai da esfera privada para
a pública; é o sol renascido; é o vermelho - só o sangue pode reavivar.
“Na linguagem dos alquimistas, a matéria sofre até que o nigredo desapareça, quando a aurora será anunciada pela cauda do pavão e um novo dia nascerá, o leukosis ou albedo.
Mas nesse estado de “brancura” não se vive, na verdadeira acepção da
palavra; é uma espécie de estado ideal, abstrato. Para insuflar-lhe
vida, deve ter “sangue”, deve possuir aquilo a que os alquimistas chamam
o rubedo, a “vermelhidão” da vida. Só a experiência total da vida pode transformar esse estado ideal do albedo
num modo de existência plenamente humano. Só o sangue pode reanimar o
glorioso estado de consciência em que o derradeiro vestígio de escuridão
é dissolvido, em que o diabo deixa de ter uma existência autônoma e se
junto à profunda unidade da psique. Então, o opus magnum está concluído: a alma humana está completamente integrada”.
Carl Gustav Jung
A escolha do momento oportuno
Para
os alquimistas toda pressa era motivada pelo demônio; apressar-se viola
a evolução gradual de acordo com o tempo. Viver de acordo com o tempo
faz diferença entre o sucesso e o fracasso.
“todos os que buscamos essa Arte
não podemos atingir resultados úteis
senão com um alma paciente, laboriosa e solícita
com uma coragem perseverante
e com uma dedicação contínua”.
“aqueles que possuem esse mistério
serão objeto de escárnio dos homens
e serão olhados com uma atitude de superioridade”
Isso
é o trabalho da psicoterapia: ninguém que se encontre fora dele
consegue entender, será desdenhado e ridicularizado, pelo ponto de vista
do coletivo convencional, quer de outra pessoa quer da própria sombra
de quem estiver envolvido.
Banho Maria
Maria
Profetisa, a primeira alquimista, nascida no século I ou II d.c.,
inventou um método de aquecimento suave e gradual, o banho maria. Usado
como metáfora alquímica, ele indica que o início da análise deve ser
lento. O analista deve ter a sensibilidade de perceber a temperatura
adequada para o paciente suportar conscientizar-se de seus complexos.
Os
alquimistas achavam que não tinham controle sobre as operações e que
não eram responsáveis por fazê-las funcionar. Eram, sim, responsáveis
por manter um fogo adequado, estimulando as substâncias em sua própria
transformação natural e orgânica. Isso corresponde ao papel do
terapeuta, sua atividade é controlar o calor do setting analítico, este
deve estar a uma temperatura precisa para que os processos interiores
comecem a ocorrer. Se o calor for excessivo, a obra se arruina e, se for
escasso, não consegue promover os processos necessários. Assim era a
regulação do calor para os alquimistas diante do processo de
transmutação do chumbo em ouro.
Na
alquimia,
sujeito e objeto se misturam.
O herói se relaciona com o
dragão
e chega a ser fecundado por ele ao invés de matá-lo.
A retórica
da alquimia
é como bem receber o dragão
(o inconsciente, o sintoma,
aquilo que fala);
não é a retórica do ego heróico,
mas do ego imaginal,
aquele que realmente
ouve o inconsciente.
Dragão Alquímico
Nenhum comentário:
Postar um comentário