segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O MISTÉRIO DE JESUS - BLAISE PASCAL





O MISTÉRIO DE JESUS

Tradução de Brito Broca e Wilson Lousada. 
Fonte: Clássicos Jackson.

Jesus sofre em sua paixão os tormentos que os homens lhe infligem; mas na agonia sofre os tormentos que a ele mesmo se impõe: Turbare semetipsum. É um suplício de mão não humana, mas todo-poderosa, e é preciso ser todo-poderoso para suportá-lo.

Jesus procura algum consolo, ao menos em seus. três mais queridos amigos, estes dormem; pede que suportem um pouco com ele, e estes o abandonam com uma negligência total, e com tão pouca compaixão que não podia impedi-los de dormir um momento.

E assim Jesus foi abandonado sozinho à cólera de Deus.
Jesus está só na terra, não somente para sentir e compartilhar a sua pena, mas para ter conhecimento dela: o céu e ele são os únicos que têm esse conhecimento.

Jesus está em um jardim, não de delícias como o primeiro Adão, onde se perdeu e com ele todo o gênero humano, mas num jardim de suplícios, de onde se salvou e com ele todo o gênero humano.

Sofre essa pena e esse abandono no horror da noite.
Creio que Jesus só se queixou essa vez; mas queixou-se então como se não pudesse mais conter a sua dor excessiva:  "Minha alma está triste até a morte".
Jesus procura a companhia e o alívio por parte dos homens. É um caso único em sua vida, parece-me a mim. Mas nada recebe, pois seus discípulos dormem.
Jesus estará em agonia até o fim do mundo: é preciso não dormir durante esse tempo.
Jesus no meio desse abandono universal e de seus amigos escolhidos para velar com ele, encontrando-os dormindo, zanga-se por causa do perigo a que se expõem, não ele, mas eles mesmos, e os adverte acerca da própria salvação e do seu bem com uma ternura cordial apesar da ingratidão deles, e os adverte de que o espírito é vivo e a carne fraca.
Jesus, encontrando-os ainda dormindo, sem que nem a consideração por ele nem por si próprios os tivesse retido, tem a bondade de não acordá-los e deixa-os em repouso.
Jesus ora na incerteza da vontade do Pai, e teme a morte; mas tendo conhecido essa vontade adianta-se em oferecer-se à morte:  Eamus. Processit. (João).
Jesus rogou aos homens, e não o escutaram.
Jesus, enquanto seus discípulos dormiam, operou a salvação deles. Deu-a aos justos enquanto dormiam, no nada antes de nascerem e nos pecados depois.
Pede uma só vez que o cálice seja afastado, e ainda com submissão; e duas vezes que venha, se preciso.
Jesus no tédio.
Jesus, vendo todos os seus amigos adormecidos e todos os seus inimigos vigilantes, entrega-se inteiramente a seu Pai.
Jesus não vê em Judas a sua inimizade, mas a ordem de Deus que ele ama, e a vê tão pouco que o chama de amigo.
Jesus se arranca dos discípulos para entrar na agonia: é preciso arrancar-se dos seus mais próximos e dos mais íntimos para imitá-lo.
Jesus estando na agonia e nos maiores sofrimentos, oremos mais longamente.
Imploramos a misericórdia de Deus, não com o objetivo de que nos deixe em paz com os nossos vícios, mas para que nos livre deles.
Se Deus nos desse mestres por sua mão, oh como precisaríamos obedecê-los de boa vontade I A necessidade e os acontecimentos os são infalivelmente.
—  "Consola-te, não me procurarias se já não me houvesses achado.
"Pensava em ti na minha agonia, por ti derramei certa gota de sangue.
"Ê tentar-me mais do que provar a ti próprio, pensar se farias bem tal ou tal coisa ausente: eu a farei em ti se ela chegar.
"Deixa-te conduzir pelas minhas regras; vê como conduzi a Virgem e os Santos que me deixaram agir neles.
"O Pai ama tudo o que faço.
"Queres que minha humanidade sangre sempre, sem que tu vertas lágrimas?
"A tua conversão é coisa minha, não temas, e roga com confiança como por mim.
"Eu te sou presente pela minha palavra na Escritura, pelo meu espírito na Igreja e pelas inspirações, pelo meu poder nos sacerdotes, pela minha oração nos fiéis.
"Os médicos não te curarão, pois por fim morrerás. Mas sou eu quem cura e torna o corpo imortal.
"Sofre as cadeias e a servidão corporais; eu só te livro agora da espiritual.
"Sou mais teu amigo do que este ou aquele; pois fiz por ti mais do que eles; e eles não sofreriam o que por ti sofri e não morreriam por ti durante as tuas infideli-dades e crueldades, como eu fiz, e. como estou pronto a fazer e faço, nos meus eleitos e no Santo Sacramento.
"Se conhecesses teus pecados, perderias a coragem."
—    "Eu a perderei então, Senhor, pois creio na malícia dos pecados, conforme vossa afirmação."
—    "Não, pois eu, de quem vens a saber isso, posso curar-te, e só por te dizer isso já é um sinal que te quero curar. À medida que os expiares, tu os conhecerás, e te será dito: Eis os pecados que te são perdoados. Faze pois penitência pelos teus pecados ocultos e pela malícia oculta daqueles que conheces".
—    "Senhor, eu vos dou tudo."
— "Eu te amo mais ardentemente do que jamais amaste as tuas imundícies, ut immimdus pro luto.
"Para mim a glória, e não para ti, verme e terra.
"Interroga teu director, quando as minhas próprias palavras te forem ocasião do mal, e de vaidade ou curiosidade".

— Vejo o meu abismo de orgulho, de curiosidade, de concupiscêneia.
Não há nenhuma ligação entre mim e Deus, nem entre mim. e Jesus Cristo justo. Mas ele se fez pecado por mim e todos os vossos flagelos recaíram nele. Ele é mais abominável do que eu, e, longe de desprezar-me, sente-se honrado que eu vá a ele e o socorra. Mas ele se curou a si mesmo, e me curará por mais forte razão. É preciso juntar minhas chagas às dele, e juntar-me a ele, e ele me salvará salvando-se. Mas não devo acrescentar outras no futuro.

Eriiis sicut dii sciente bonum et malum1.

Todo inundo faz o papel de Deus julgando: "Isso é bom ou mau" e afligindo-se ou alegrando-se demais com os acontecimentos.
Fazer as pequenas coisas como se fossem grandes, por causa da majestade de Jesus Cristo que as faz em nós, e que vive nossa vida; e fazer as grandes como se fossem pequenas e fáceis, por causa de sua omnipotência.
5 Parece-me a mim que Jesus Cristo só deixará tocar em suas chagas depois da sua ressurreição: Noli me fangere 2.  Só devemos nos unir a seus sofrimentos.
Deu-se para ser comungado como mortal na Ceia, como ressuscitado aos discípulos de Emaús, como subido aos céus a toda a Igreja.
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Notas
1      "Sereis como deus conhecendo o bem c o mal".   (Gênese, XII, 5).
2      "Não me toques".  (São João, XX, 17).

DÉCIMA PRIMEIRA CARTA

 
… Dir-vos-ei, pois, a que sinais, segundo os Santos Padres, podemos julgar se as repreensões partem de um espírito de piedade e caridade ou de um espírito de impiedade e ódio.

A primeira dessas regras é que o espírito de piedade induz sempre a falar com verdade e sinceridade; ao pas­so que a inveja e o ódio empregam a mentira e a calúnia: splendentia et vehementia, sed rebus veris, diz Santo Agostinho. 

Quem quer se serve da mentira obra pelo espírito do diabo. Não há direção de intenções capaz de rectificar a calúnia; e ainda que se tratasse de converter a terra toda não seria permitido manchar a inocência de ninguém; porque não se deve praticar o menor mal para alcançar o maior bem, e a verdade de Deus não necessita de nossas mentiras, dizem as Escrituras.

É dever dos defensores da verdade, afirma Santo Hilá­rio, dizer somente coisas verdadeiras. Por isso posso di­zer perante Deus que nada detesto mais do que ferir mesmo de longe a verdade; e sempre cuidei muito parti­cularmente, não apenas de não falsificar, — o que seria horrível, — mas de não alterar nem deturpar de modo algum o sentido de um trecho. De modo que se ousasse valer-me, a esse respeito, das palavras do próprio Santo Hilário, eu vos poderia dizer com ele: se dissermos coi­sas falsas sejam as nossas palavras consideradas infa­mes. Porém, se mostrarmos que são públicas e manifes­tas, não será sair da modéstia e da liberdade apostólicas censurá-las.

Mas não basta dizer coisas verdadeiras, é preciso ainda não dizer todas as coisas verdadeiras, pois não se deve transmitir senão aquilo que ê útil revelar e não o que po­deria ferir sem frutificar. E assim como a primeira regra é falar com verdade, a segunda é falar com discri­ção. 

Os maus, diz Santo Agostinho, perseguem os bons em obediência à cegueira da paixão que os anima; ao passo que os bons perseguem os maus com sábia e pru­dente discrição, assim como os cirurgiões consideram o que cortam enquanto os assassinos não olham onde asses-tam seus golpes. 

Bem sabeis, meus pais, que não repro­duzi as máximas de vossos autores que mais podiam sen­sibilizar-vos, embora o pudesse ter feito sem pecar contra a discrição, como não pecaram homens sábios e mui cató­licos, que assim agiram outrora. E todos os que leram vossos autores sabem tanto quanto vós mesmos a que ponto vos poupei; e ainda por cima, nada disse que se relacionasse com o que vos diz respeito pessoalmente, pois muito me magoaria qualquer referência a erros se­cretos e particulares ainda que deles tivesse provas. Pois sei que isso é peculiar ao ódio e à animosidade e que disso não se deve lançar mão a menos de necessidade imperiosa para o bem da Igreja. É, pois, evidente que não me fal­tou discrição no que fui obrigado a dizer com referência às máximas de vossa moral. Tendes assim maiores ra­zões para louvardes a minha moderação do que para vos queixardes de minha indiscrição.

A terceira regra diz que, ao valer-se da ironia, manda o espírito de piedade que só se a empregue contra os erros e não contra as coisas santas; ao passo que o espí­rito de chalaça, de impiedade e heresia escarnece do que há de mais sagrado. Já me justifiquei, a este respeito; e longe estamos de nos expor a tal vício quando só fala­mos das opiniões colhidas em vossos autores.
Finalmente, meus pais, para abreviar estas regras, vou dizer-vos apenas mais esta, que é o princípio e o fim das demais: o espírito de caridade leva a ter-se no coração o desejo de salvar aqueles contra quem se fala, e de ro­gar a Deus ao mesmo tempo que se censuram, os homens.

Devemos sempre, como diz Santo Agostinho, conservar a caridade no coração, ainda que pareçam rudes aos homens, e fustigá-los com aspereza dura mas benfazeja; porquanto a utilidade deve ser preferida à satisfação. Creio, meus pais, que não há nada em minhas cartas que não testemunhe ter eu tido esse desejo para convosco. E a caridade vos obriga, a crer que o tive efetivamente, pois que nelas nada vereis em contrário. Donde concluo que não podeis mostrar ter eu pecado contra esta regra nem contra nenhuma daquelas a que a caridade obriga. E, portanto, não tendes o direito de afirmar que a ofendi no que fiz.

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Pablo Picasso

Li-Sol-30
 Fonte:
 Clássicos Jackson.
 http://www.consciencia.org/o-misterio-de-jesus-blaise-pascal
http://www.consciencia.org/pascal-decima-primeira-carta
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres. 
 Sejam abençoados todos os seres.
 

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