O MISTÉRIO DE JESUS
Blaise Pascal
Blaise Pascal
Tradução de Brito Broca e Wilson Lousada.
Fonte: Clássicos Jackson.
Jesus sofre
em sua paixão os tormentos que os homens lhe infligem; mas na agonia sofre os
tormentos que a ele mesmo se impõe: Turbare semetipsum. É um suplício de
mão não humana, mas todo-poderosa, e é preciso ser todo-poderoso para
suportá-lo.
Jesus
procura algum consolo, ao menos em seus. três mais queridos amigos, estes
dormem; pede que suportem um pouco com ele, e estes o abandonam com uma negligência
total, e com tão pouca compaixão que não podia impedi-los de dormir um momento.
E assim
Jesus foi abandonado sozinho à cólera de Deus.
Jesus está
só na terra, não somente para sentir e compartilhar a sua pena, mas para ter
conhecimento dela: o céu e ele são os únicos que têm esse conhecimento.
Jesus está
em um jardim, não de delícias como o primeiro Adão, onde se perdeu e com ele
todo o gênero humano, mas num jardim de suplícios, de onde se salvou e com ele
todo o gênero humano.
Sofre essa pena e esse abandono no horror da noite.
Creio que Jesus só se queixou essa vez; mas queixou-se então como se não pudesse mais conter a sua dor excessiva:
"Minha alma está triste até a morte".
Jesus
procura a companhia e o alívio por parte dos homens.
É um caso único em sua vida, parece-me a mim. Mas nada recebe, pois seus
discípulos dormem.
Jesus
estará em agonia até o fim do mundo: é preciso não dormir durante esse tempo.
Jesus
no meio desse abandono universal e de seus amigos escolhidos para velar com
ele, encontrando-os dormindo, zanga-se por causa do perigo a que se expõem, não
ele, mas eles mesmos, e os adverte acerca da própria salvação e do seu bem com
uma ternura cordial apesar da ingratidão deles, e os adverte de que o espírito
é vivo e a carne fraca.
Jesus,
encontrando-os ainda dormindo, sem que nem a consideração por ele nem por si próprios
os tivesse retido, tem a bondade de não acordá-los e deixa-os em repouso.
Jesus ora
na incerteza da vontade do Pai, e teme a morte; mas tendo conhecido essa
vontade adianta-se em oferecer-se à morte: Eamus. Processit. (João).
Jesus rogou aos homens, e não o escutaram.
Jesus,
enquanto seus discípulos dormiam, operou a salvação deles. Deu-a aos justos
enquanto dormiam, no nada antes de nascerem e nos pecados depois.
Pede
uma só vez que o cálice seja afastado, e ainda com submissão; e duas vezes que
venha, se preciso.
Jesus no tédio.
Jesus,
vendo todos os seus amigos adormecidos e todos os seus inimigos vigilantes,
entrega-se inteiramente a seu Pai.
Jesus
não vê em Judas a sua inimizade, mas a ordem de Deus que ele ama, e a vê tão pouco
que o chama de amigo.
Jesus se
arranca dos discípulos para entrar na agonia: é preciso arrancar-se dos seus
mais próximos e dos mais íntimos para imitá-lo.
Jesus
estando na agonia e nos maiores sofrimentos, oremos mais longamente.
Imploramos
a misericórdia de Deus, não com o objetivo de que nos deixe em paz com os
nossos vícios, mas para que nos livre deles.
Se
Deus nos desse mestres por sua mão, oh como precisaríamos obedecê-los de boa
vontade I A necessidade e os acontecimentos os são
infalivelmente.
— "Consola-te, não me procurarias se já não me
houvesses achado.
"Pensava
em ti na minha agonia, por ti derramei certa gota de sangue.
"Ê
tentar-me mais do que provar a ti próprio, pensar se farias bem tal ou tal
coisa ausente: eu a farei em ti se ela chegar.
"Deixa-te
conduzir pelas minhas regras; vê como conduzi a Virgem e os Santos que me
deixaram agir neles.
"O Pai ama tudo o que faço.
"Queres
que minha humanidade sangre sempre, sem que tu vertas lágrimas?
"A
tua conversão é coisa minha, não temas, e roga com confiança como por mim.
"Eu
te sou presente pela minha palavra na Escritura, pelo meu espírito na Igreja e
pelas inspirações, pelo meu poder nos sacerdotes, pela minha oração nos fiéis.
"Os
médicos não te curarão, pois por fim morrerás. Mas sou eu quem cura e torna o
corpo imortal.
"Sofre
as cadeias e a servidão corporais; eu só te livro agora da espiritual.
"Sou
mais teu amigo do que este ou aquele; pois fiz por ti mais do que eles; e eles
não sofreriam o que por ti sofri e não morreriam por ti durante as tuas
infideli-dades e crueldades, como eu fiz, e. como estou pronto a fazer e faço,
nos meus eleitos e no Santo Sacramento.
"Se conhecesses teus pecados, perderias a
coragem."
— "Eu a perderei então, Senhor, pois creio na malícia
dos pecados, conforme vossa afirmação."
— "Não, pois eu, de quem vens a saber isso, posso
curar-te, e só por te dizer isso já é um sinal que te quero curar. À medida que
os expiares, tu os conhecerás, e te será dito: Eis os pecados que te são
perdoados. Faze pois penitência pelos teus pecados ocultos e pela malícia
oculta daqueles que conheces".
—
"Senhor, eu vos dou
tudo."
— "Eu
te amo mais ardentemente do que jamais amaste as tuas imundícies, ut
immimdus pro luto.
"Para
mim a glória, e não para ti, verme e terra.
"Interroga
teu director, quando as minhas próprias palavras te forem ocasião do mal, e de
vaidade ou curiosidade".
— Vejo
o meu abismo de orgulho, de curiosidade, de
concupiscêneia.
Não há
nenhuma ligação entre mim e Deus, nem entre mim. e Jesus Cristo justo. Mas ele
se fez pecado por mim e todos os vossos flagelos recaíram nele. Ele é mais
abominável do que eu, e, longe de desprezar-me, sente-se honrado que eu
vá a ele e o socorra. Mas ele se curou a si mesmo, e me curará por mais forte
razão. É preciso juntar minhas chagas às dele, e juntar-me a ele, e ele me
salvará salvando-se. Mas não devo acrescentar outras no futuro.
Eriiis sicut dii sciente bonum et malum1.
Todo inundo faz o papel de Deus julgando: "Isso é
bom ou mau" e afligindo-se ou
alegrando-se demais com os acontecimentos.
Fazer
as pequenas coisas como se fossem grandes, por causa da majestade de Jesus
Cristo que as faz em nós, e que vive nossa vida; e fazer as grandes como se
fossem pequenas e fáceis, por causa de sua omnipotência.
5
Parece-me a mim que Jesus Cristo só deixará tocar em suas chagas depois da sua
ressurreição: Noli me fangere 2. Só devemos nos unir a seus
sofrimentos.
Deu-se para ser comungado como mortal na Ceia, como ressuscitado aos discípulos de Emaús, como subido aos
céus a toda a Igreja.
___
Notas
Notas
1
"Sereis como deus conhecendo o
bem c o mal". (Gênese, XII, 5).
2
"Não me toques". (São
João, XX, 17).
…
Dir-vos-ei, pois, a que sinais, segundo os Santos Padres, podemos julgar se as
repreensões partem de um espírito de piedade e caridade ou de um espírito de
impiedade e ódio.
A
primeira dessas regras é que o espírito de piedade induz sempre a falar com verdade
e sinceridade; ao passo que a inveja e o ódio empregam a mentira e a calúnia: splendentia
et vehementia, sed rebus veris, diz Santo Agostinho.
Quem quer se serve da
mentira obra pelo espírito do diabo. Não há direção de intenções capaz de
rectificar a calúnia; e ainda que se tratasse de converter a terra toda não
seria permitido manchar a inocência de ninguém; porque não se deve praticar o
menor mal para alcançar o maior bem, e a verdade de Deus não necessita de
nossas mentiras, dizem as Escrituras.
É dever dos
defensores da verdade, afirma Santo Hilário, dizer somente coisas verdadeiras.
Por isso posso dizer perante Deus que nada detesto mais do que ferir mesmo de
longe a verdade; e sempre cuidei muito particularmente, não apenas de não
falsificar, — o que seria horrível, — mas de não alterar nem deturpar de modo
algum o sentido de um trecho. De modo que se ousasse valer-me, a esse respeito,
das palavras do próprio Santo Hilário, eu vos poderia dizer com ele: se
dissermos coisas falsas sejam as nossas palavras consideradas infames. Porém,
se mostrarmos que são públicas e manifestas, não será sair da modéstia e da
liberdade apostólicas censurá-las.
Mas não
basta dizer coisas verdadeiras, é preciso ainda não dizer todas as coisas
verdadeiras, pois não se deve transmitir
senão aquilo que ê útil revelar e não o que poderia ferir sem frutificar. E
assim como a primeira regra é falar com verdade, a segunda é falar com discrição.
Os maus, diz Santo Agostinho, perseguem os bons em obediência à cegueira da
paixão que os anima; ao passo que os bons perseguem os maus com sábia e prudente
discrição, assim como os cirurgiões consideram o que cortam enquanto os
assassinos não olham onde asses-tam seus golpes.
Bem sabeis, meus pais, que não
reproduzi as máximas de vossos autores que mais podiam sensibilizar-vos,
embora o pudesse ter feito sem pecar contra a discrição, como não pecaram
homens sábios e mui católicos, que assim agiram outrora. E todos os que leram
vossos autores sabem tanto quanto vós mesmos a que ponto vos poupei; e ainda
por cima, nada disse que se relacionasse com o que vos diz respeito
pessoalmente, pois muito me magoaria qualquer referência a erros secretos e
particulares ainda que deles tivesse provas. Pois sei que isso é peculiar ao ódio e à animosidade e que disso não
se deve lançar mão a menos de necessidade imperiosa para o bem da Igreja. É,
pois, evidente que não me faltou discrição no que fui obrigado a dizer com
referência às máximas de vossa moral. Tendes assim maiores razões para
louvardes a minha moderação do que para vos queixardes de minha
indiscrição.
A
terceira regra diz que, ao valer-se da ironia, manda o espírito de piedade que
só se a empregue contra os erros e não contra as coisas santas; ao passo que o
espírito de chalaça, de impiedade e heresia escarnece do que há de mais
sagrado. Já me justifiquei, a este respeito; e longe estamos de nos expor a tal
vício quando só falamos das opiniões colhidas em vossos autores.
Finalmente,
meus pais, para abreviar estas regras, vou dizer-vos apenas mais esta, que é o
princípio e o fim das demais: o espírito de caridade leva a ter-se no coração o
desejo de salvar aqueles contra quem se fala, e de rogar a Deus ao mesmo tempo que se censuram, os homens.
Devemos sempre, como
diz Santo Agostinho, conservar a caridade no coração, ainda que pareçam rudes
aos homens, e fustigá-los com aspereza dura mas benfazeja; porquanto a
utilidade deve ser preferida à satisfação. Creio, meus pais, que não há nada em
minhas cartas que não testemunhe ter eu tido esse desejo para convosco. E a caridade vos obriga, a crer que o tive efetivamente,
pois que nelas nada vereis em contrário. Donde concluo que não podeis mostrar ter eu pecado contra esta regra nem contra
nenhuma daquelas a que a caridade obriga. E, portanto, não tendes o direito de
afirmar que a ofendi no que fiz.
Pablo Picasso
Li-Sol-30
Fonte:
Clássicos Jackson.
http://www.consciencia.org/o-misterio-de-jesus-blaise-pascal
http://www.consciencia.org/pascal-decima-primeira-carta
Clássicos Jackson.
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Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.
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