sábado, 11 de maio de 2013

AVE MARIA - PITÁGORAS -

                                       


Latin.png Latin text
Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum;
benedicta tu in mulieribus,
et benedictus fructus ventris tui, Jesus [Christus].
Sancta Maria, Mater Dei,
ora pro nobis peccatoribus,
nunc et in hora mortis nostrae. Amen.


Italian.png Italian translation
Ave Maria, piena di grazia, il Signore è con Te;
Tu sei benedetta fra le donne,
e benedetto è il frutto del seno Tuo, Gesù.
Santa Maria, Madre di Dio,
prega per noi peccatori,
adesso e nell'ora della nostra morte. Amen.

 German.png German translation
Gegrüßet seist du Maria, voll der Gnade, der Herr ist mit dir;
du bist gebenedeit unter den Frauen,
und gebenedeit ist die Frucht deines Leibes, Jesus.
Heilige Maria, Mutter Gottes,
bitte für uns Sünder,
jetzt und in der Stunde unseres Todes. Amen.

 French.png French translation
Je vous salue, Marie pleine de grâces
le Seigneur est avec vous.
Vous êtes bénie entre toutes les femmes et Jésus,
le fruit de vos entrailles, est béni.
Sainte Marie, Mère de Dieu,
priez pour nous pauvres pécheurs,
maintenant et à l'heure de notre mort. Amen. 


Portuguese.png Portuguese translation
Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco;
Bendita sois vós entre as mulheres,
E bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus [Cristo].
Santa Maria, Mãe de Deus,
Rogai por nós, pecadores,
Agora e na hora da nossa morte. Amém.

Chinese.png Chinese translation
文言文:
萬福瑪利亞, 滿被聖寵者,
主與爾偕焉, 女中爾為讚美,
爾胎子耶穌, 並為讚美。
天主聖母瑪利亞, 為我等罪人,
今祈天主, 及我等死候。亞孟。

白話文:
萬福瑪利亞,妳充滿聖寵,
主與你同在,妳在婦女中受讚頌,
妳的親生子耶穌同受讚頌。
天主聖母瑪利亞,
求妳現在和我們臨終時,
為我們罪人祈求天主。阿們。

 Slovak.png Slovak translation
Zdravas', Mária, milosti plná, Pán s tebou;
požehnaná si medzi ženami
a požehnaný je plod života tvojho, Ježiš.
Svätá Mária, Matka Božia,
Pros za nás hriešnych,
teraz i v hodinu smrti našej. Amen.

Korean.png Korean translation
은총이 가득하신 마리아님
기뻐하소서
주님께서 함께 계시니
여인중에 복되시며
태중에 아들 예수님 또한 복되시 나이다.
천주의 성모 마리아님
이제와 저희 죽을 때에
저희 죄인을 위하여 빌어 주소서. 아멘. 

 English.png English translation
Hail Mary, full of grace, the Lord is with thee;
blessed art thou among women,
and blessed is the fruit of thy womb, Jesus [Christ].
Holy Mary, Mother of God,
pray for us sinners,
now and at the hour of our death. Amen.

 Spanish.png Spanish translation
Dios te salve María, llena eres de gracia, el Señor es contigo,
bendita tú eres entre todas las mujeres
y bendito es el fruto de tu vientre Jesús.
Santa María, madre de Dios,
ruega por nosotros pecadores,
ahora y en la hora de nuestra muerte. Amén.

Portuguese.png Portuguese translation
Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco;
Bendita sois vós entre as mulheres,
E bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus [Cristo].
Santa Maria, Mãe de Deus,
Rogai por nós, pecadores,
Agora e na hora da nossa morte. Amém.



Página:214
LIVRO VI

PITÁGORAS
Os Mistérios de Delfos

Conhece-te a ti mesmo
 – e conhecerás o Universo e os Deuses.

Inscrição do templo de Delfos
O Sono, o Sonho e o Êxtase 
são as três portas para o Além, 
de onde nos vêm a ciência da alma 
e a arte da adivinhação.

A Evolução é a lei da Vida.
O Número é a lei do Universo.
A Unidade é a lei de Deus.
Página 215
PITÁGORAS
Os Mistérios de Delfos
I
A GRÉCIA NO SÉCULO VI
A alma de Orfeu atravessara como um divino meteoro o céu
tempestuoso da Grécia nascente. Com o seu desaparecimento, as trevas
a invadiram de novo. Após uma série de revoluções, os tiranos da
Trácia queimaram seus livros, derrubaram seus templos, expulsaram
seus discípulos. 

Os reis gregos e muitas cidades, mais preocupados com
a liberdade desenfreada do que com a justiça que decorre das puras
doutrinas, imitaram-nos. Quiseram apagar a lembrança do profeta,
destruir seus últimos vestígios, e o fizeram tão bem que, alguns séculos
depois de sua morte, uma parte da Grécia duvidava de sua existência.

Em vão os iniciados conservaram sua tradição durante mais de mil anos.
Em vão Pitágoras e Platão falavam dele como de um homem divino. Os
sofistas e os retóricos não viam nele mais do que uma lenda sobre a origem da Música. Ainda hoje os estudiosos negam decididamente a existência de Orfeu. Apóiam-se principalmente no fato de que nem Homero nem Hesíodo mencionam seu nome. 

Mas o silêncio desses poetas se explica, amplamente, pela proibição a que os governos locais submeteram o nome do grande iniciador. Os discípulos de Orfeu não perdiam ocasião de atribuir todos os poderes à autoridade suprema do Templo de Delfos e não cessavam de repetir que era preciso submeter as
desavenças entre os diversos Estados da Grécia ao conselho dos
Anfictiões. Isto incomodava tanto os demagogos quanto os tiranos.(pag.216)

Homero, que provavelmente recebeu sua iniciação no santuário de
Tir, e cuja mitologia é a tradução poética da teologia de Sanconiaton,
Homero, o jônio, pôde muito bem ignorar Orfeu, o dórico, cuja tradição
se mantinha tanto mais secreta quanto mais era perseguida. Quanto a
Hesíodo, nascido perto de Parnaso, deve ter conhecido seu nome e sua
doutrina através do santuário de Delfos. Mas seus iniciadores
impuseram-lhe silêncio, e com razão.

Orfeu, porém, vivia em sua obra.
 Vivia em seus discípulos e
naqueles mesmos que o negavam.
 Essa obra, qual seria? Essa alma viva, onde procurá-la? Seria na oligarquia militar e feroz de Esparta, onde a ciência é desprezada, a ignorância erigida em sistema, a brutalidade exigida como um complemento da coragem? Seria nas implacáveis guerras de Messénia, onde os espartanos perseguiram um povo vizinho até seu completo extermínio, ou os romanos da Grécia se prepararam na rocha tarpéia e nos lauréis sangrentos do Capitólio, precipitando num abismo o heróico Aristomeno, defensor de sua pátria?

 Ou seria talvez na democracia turbulenta de Atenas, sempre pronta a sucumbir na tirania?

Seria na guarda pretoriana de Psístrato ou no punhal de Harmônio e de
Aristógito, escondido sob um ramo de mirta? Seria nas inúmeras
cidades da Hélade, da Magna Grécia e da Ásia Menor, das quais Atenas
e Esparta oferecem dois exemplos opostos? Seria em todas aquelas
democracias e aquelas tiranias invejosas, ciumentas e sempre prestes a
se entredevorarem?

 Não. A alma da Grécia não está aí. Ela está em seus templos, em seus mistérios e em seus iniciados. Ela está no santuário de Júpiter em Olímpia, de Juno em Argos, de Ceres em Elêusis. Ela reina em Atenas com Minerva, ela resplandece em Delfos com Apolo, que domina e invade todos os templos com sua luz. Eis o centro da vida helênica, o cérebro e o coração da Grécia. Aí vão instruir-se os poetas que traduzem à multidão as verdades sublimes em imagens vívidas, os sábios que as propagam em dialética sutil.

O espírito de Orfeu 
circula por toda a parte 
onde palpita a Grécia imortal. 
Nós o encontramos nas competições de poesia e ginástica, nos
jogos de Delfos e Olímpia, instituições felizes imaginadas pelos
sucessores do mestre para reaproximar e fundir as doze tribos gregas.
Nós o tocamos com o dedo no tribunal dos Anfictiões, nesta assembléia
dos grandes iniciados, corte suprema e arbitral, que se reunia em Delfos,
grande poder de justiça e de concórdia, o único onde a Grécia encontrou
sua unidade, nas horas de heroísmo e de abnegação (1).(pag.217)

Entretanto, a Grécia de Orfeu, que tinha como intelecto uma pura
doutrina guardada nos templos, como alma uma religião plástica e como
corpo uma elevada corte de justiça centralizada em Delfos, essa Grécia
começara a periclitar desde o sétimo século. As ordens de Delfos não
eram mais respeitadas. Violavam-se os territórios sagrados. Isso porque
a raça dos grandes inspirados havia desaparecido. O nível intelectual e
moral dos templos decaíra.

 Os sacerdotes se vendiam aos poderes políticos.
 Os próprios Mistérios começaram a se corromper. 
O aspecto geral da Grécia havia mudado. 
À antiga realeza sacerdotal e agrícola sucediam, aqui, a tirania pura e simples, ali, a aristocracia militar, lá ainda, a democracia anárquica. Os templos tornaram-se impotentes para prevenir a dissolução ameaçadora. Necessitavam de uma ajuda nova.

Uma vulgarização das doutrinas esotéricas fazia-se necessária. Para que
o pensamento de Orfeu pudesse viver e se propagar com todo brilho, era
preciso que a ciência dos templos passasse às ordens laicas. Ela se
insinuou, pois, sob diversos disfarces, na mente dos legisladores civis,
nas escolas dos poetas, sob o pórtico dos filósofos. Estes sentiram, em
seu ensinamento, a mesma necessidade que Orfeu havia reconhecido
para a religião, a necessidade de duas doutrinas: uma pública, outra
secreta, que expusessem a mesma verdade, sob medidas e formas
diferentes, próprias ao desenvolvimento de seus alunos. 

Esta evolução deu à Grécia seus três grandes séculos de criação artística e esplendor intelectual. Ela permitiu ao pensamento órfico, que é ao mesmo tempo o impulso primeiro e a síntese ideal da Grécia, concentrar toda sua luz e se irradiar por todo o mundo, antes que seu edifício político, minado pelas dissensões internas, fosse abalado pelos golpes da Macedônia, para desmoronar, enfim, sob o punho férreo de Roma.

A evolução de que falamos teve muitos obreiros. Ela suscitou
físicos como Tales, legisladores como Sólon, poetas como Píndaro,
heróis como Epaminondas. Mas teve um chefe reconhecido como tal,
um iniciado de primeira ordem, uma inteligência soberana, criadora e
ordenadora: Pitágoras. Ele é o mestre da Grécia laica, como Orfeu é o
mestre da Grécia sacerdotal. Ele traduz e continua o pensamento
religioso de seu predecessor, aplicando-o aos novos tempos. Essa
tradução, porém, é uma criação, visto que ele coordena as inspirações
órficas em um sistema completo; fornece delas a prova científica em seu
ensino e a prova moral em seu instituto de educação, na ordem
pitagórica que a ele sobrevive.(pag.218)

Embora apareça em plena luz da História, Pitágoras permaneceu
sempre um personagem quase legendário. A principal razão disto está
na perseguição obstinada de que foi vítima na Sicília e que custou a vida
a tantos pitagóricos. Uns pereceram sob os escombros de sua escola
incendiada, outros morreram de fome num templo. A lembrança e a
doutrina do mestre somente se perpetuaram por meio de alguns
sobreviventes que conseguiram fugir para a Grécia. Platão, com
dificuldade e por um alto preço, obteve por intermédio de Arquitas um
manuscrito do mestre, que, aliás, escrevera toda sua doutrina com sinais
secretos e de forma simbólica. 

Sua verdadeira ação, como a de todos os reformadores, se exercia pelo ensinamento oral. Mas a essência do sistema consiste nos Versos Dourados de Ísis, no comentário de Hiérocles, nos fragmentos de Filolaus e de Arquitas, assim como no Timeu de Platão, que contém a cosmogonia de Pitágoras. Enfim, os escritores da Antigüidade estão repletos do filósofo de Crotona.

 São inesgotáveis; as historietas que pintam sua sabedoria, sua beleza e seu
poder maravilhoso sobre os homens. Os neoplatônicos de Alexandria,
os gnósticos, e até os primeiros Padres da Igreja citam-no como uma
autoridade. São preciosas testemunhas, nas quais vibra sempre a
poderosa onda de entusiasmo que a grande personalidade de Pitágoras
soube comunicar à Grécia, e cujos derradeiros ecos são ainda
perceptíveis oito séculos após sua morte.

Vista do alto, aberta com as chaves do esoterismo comparado, sua doutrina apresenta um magnífico conjunto, um todo solidário cujas partes estão ligadas por uma concepção fundamental. Encontramos nela uma reprodução racional da doutrina esotérica da Índia e do Egito, à qual deu a clareza e a simplicidade helênicas, acrescentando-lhes um sentimento mais enérgico, uma idéia mais nítida da liberdade humana. Na mesma época e em diversos pontos do globo, grandes reformadores divulgavam doutrinas análogas. Lao-Tsé saía, na China,do esoterismo de Fo-Hi.(pag.219)

O último Buda, Sáquia-Muni, pregava às margens do Ganges. Na Itália, o sacerdócio etrusco enviava a Roma um iniciado munido dos livros sibilinos, o rei Numa, que tentou refrear, por meio de sábias instituições, a ameaçadora ambição do Senado romano. E não foi por acaso que esses reformadores apareceram ao mesmo tempo entre povos tão diversos. Suas diferentes missões concorrem para um objetivo comum. Elas provam que em certas épocas uma mesma corrente espiritual atravessa misteriosamente toda a humanidade. De onde vem essa corrente? Do mundo divino que está fora de nossa vista, mas do qual os gênios e os profetas são os enviados e as testemunhas.

Pitágoras atravessou todo o mundo antigo antes de revelar sua
palavra à Grécia. Ele conheceu a África e a Ásia, Mênfis e Babilônia,
sua política e iniciação. Sua vida agitada assemelha-se a uma nave
lançada em plena tempestade. Soltas as velas, ela demanda o porto, sem
se desviar da rota, imagem da calma e da força no meio dos elementos
desencadeados. Sua doutrina é como uma noite fresca que sucede ao
ardor intenso de um dia sangrento.

 Ela evoca a beleza do firmamento
que pouco a pouco desenrola seus arquipélagos cintilantes 
e suas harmonias etéreas sobre a cabeça daquele que vê.
Tentemos separar uma e outra das obscuridades da lenda e dos
preconceitos da escola.

(1). O juramento anfictiônico dos povos associados dá a idéia da
grandeza e da força social dessa instituição: “Juramos jamais destruir as
cidades anfictiônicas, jamais desviar, seja durante a paz, seja durante a guerra, as fontes necessárias às suas necessidades. Se alguma potência ousar
empreendê-lo, marcharemos contra ela e destruiremos suas cidades. Se os
ímpios roubarem as oferendas do templo de Apolo, juramos empregar nossos
pés, nossos braços, nossa voz, todas as nossas forças, contra eles e seus
cúmplices.”(pag.220)

II
OS ANOS DE VIAGEM
No começo do sexto século antes de nossa era, Samos era uma das
ilhas mais florescentes da Jônia. A enseada de seu porto abria-se diante
das montanhas cor de violeta da quente Ásia Menor, de onde vinham
todos os luxos e todas as seduções. Numa larga baía, a cidade se
estendia sobre a margem verdejante e se dispunha em anfiteatro sobre a
montanha, ao pé de um promontório coroado pelo templo de Netuno.
As colunatas de um palácio magnífico sobressaíam.

Ali reinava o tirano Polícrates. Este, depois de ter privado Samos
de suas liberdades, dera-lhe o brilho das artes e de um esplendor
asiático. Hetaíras de Lesbos, chamadas por ele, tinham-se estabelecido
em um palácio vizinho ao seu e convidavam os jovens da cidade para
festas, onde elas lhes ensinavam as volúpias mais refinadas, temperadas
com música, danças e festins. Anacreonte, chamado por Polícrates a
Samos, para lá se dirigiu sobre um trirreme com velas cor de púrpura e
mastros dourados. 

E o poeta, 
com uma taça de prata cinzelada a mão,
fez ouvir diante desta alta corte do prazer 
suas odes acariciantes e perfumadas 
como uma chuva de rosas.
A sorte de Polícrates tornara-se proverbial em toda a Grécia. Ele
era amigo do faraó Amasis, que várias vezes o advertira que
desconfiasse de uma felicidade tão constante e que, sobretudo, dela não
se gabasse. Polícrates respondeu ao aviso do monarca egípcio, atirando
seu anel ao mar e dizendo: “Faço este sacrifício aos Deuses”. No dia
seguinte, um pescador levou ao tirano o anel precioso que encontrara no
ventre de um peixe. Quando o faraó soube disto, declarou que rompia
sua amizade com Polícrates, porque uma felicidade tão insolente atrairlhe-
ia a vingança dos Deuses.

Seja qual for a veracidade desta historieta, o certo é que o fim de Polícrates foi trágico. Um de seus sátrapas o atraiu a uma província vizinha, mandou matá-lo sob terríveis tormentos e ordenou que pregassem seu corpo numa cruz, no monte Micala. Assim os sâmios puderam ver, em um sangrento pôr-de-sol, o cadáver de seu tirano crucificado num promontório, diante da ilha onde ele reinara na glória e nos prazeres.(pag.221)

Mas voltemos ao princípio do reinado de Polícrates. Em noite clara, um jovem estava sentado numa floresta de agnus-cactus de folhas luzidias, não longe do templo de Juno, cuja fachada dórica a lua cheia banhava e cuja mística majestade fazia ressaltar. Há muito tempo um rolo de papiro, contendo um canto de Homero, estendia-se a seus pés. Sua meditação, iniciada no crepúsculo, durava ainda e se prolongava no silêncio da noite. Há muito tempo o sol se pusera, mas seu disco chamejante flutuava ainda diante do olhar do jovem sonhador como algo irreal. Seu pensamento vagava longe do mundo invisível.

Pitágoras era filho 
de um rico joalheiro de Samos
 e de uma mulher chamada Partênis. 
A Pítia de Delfos, consultada durante uma viagem, pelos jovens recém-casados, prometera-lhes “um filho que seria útil a todos os homens, em todos os tempos”, e o oráculo enviara os esposos a Sidon, na Fenícia, para que o filho predestinado fosse concebido, gerado e nascido longe das influências perturbadoras de sua pátria. Antes mesmo de seu nascimento, a criança maravilhosa fora dedicada por seus pais à luz de Apolo, na lua do amor.

O menino nasceu; 
quando completou um ano, 
sua mãe, atendendo ao conselho dos sacerdotes de Delfos,
 levou-o ao templo de Adonai, num vale do Líbano.
Lá, o pontífice o abençoou.
 Depois a família
voltou a Samos. O filho de Partênis era muito bonito, meigo, moderado,
pleno de senso de justiça. Somente a paixão intelectual brilhava em seus
olhos e imprimia aos seus atos uma energia secreta. Longe de contrariálo,
seus pais encorajavam sua inclinação precoce para o estudo da
sabedoria. Assim, ele pôde livremente conferenciar com os sacerdotes
de Samos e com os sábios que começavam a fundar, na Jônia, escolas
onde ensinavam os princípios da Física. Aos dezoito anos, recebia as
lições de Hermodamas, de Samos; aos vinte, as de Ferecides, em Siro. E
já conferenciara com Tales e Anaximandro, em Mileto. Estes mestres
tinham-lhe aberto novos horizontes, mas nenhum satisfizera. Entre seus
ensinamentos contraditórios ele procurava interiormente o liame, a síntese, a unidade do grande Todo.( Pag.222)

O filho de Partênis chegara, então, a uma dessas crises em que o espírito, superexcitado pela contradição das coisas, concentra todas as suas faculdades num esforço supremo para entrever o objetivo, para encontrar o caminho que leva ao sol da verdade, ao centro da vida.

Naquela noite quente e esplêndida, o filho de Partênis contemplava alternadamente a terra, o templo e o céu estrelado. Ela estava lá, sob seus pés, ao redor dele: Deméter, a terra-mãe, a Natureza que ele queria penetrar. Ele respirava suas emanações poderosas, sentia a invencível atração que o acorrentava ao seu seio, ele, o átomo pensante, como uma parte inseparável dela. Os sábios que ele consultara tinham-lhe dito:

 “É dela que tudo se origina. Nada vem do nada.
 A alma vem da água ou do fogo, ou dos dois.
 Sutil emanação dos elementos, ela deles escapa
 apenas para a eles voltar. Resigna-te à sua lei fatal.
Teu único mérito será o de conhecê-la 
e a ela te submeteres”.
Depois, ele contemplava o firmamento e as letras de fogo que as
constelações formam na profundeza insondável do espaço. Aquelas
letras deviam ter um significado. Pois se infinitamente pequeno o
movimento dos átomos, tem sua razão de ser, como o infinitamente
grande, a dispersão dos astros, cujo agrupamento representa o corpo do
Universo não o teria também?

 Sim! Cada um desses mundos tem sua lei própria, e todos juntos se movem conforme um Número e em harmonia suprema. Mas quem algum dia decifrará o alfabeto das estrelas? 

Os sacerdotes de Juno tinham-lhe dito: 

“Foi o céu dos Deuses 
que existiu antes da Terra.
 Tua alma vem de lá. 
Orai para que ela volte para lá”.
Esta meditação foi interrompida por um canto voluptuoso, que saía de um jardim às margens do Imbrasus. As vozes lascivas das lésbicas harmonizavam-se langorosamente com os sons da cítara. Alguns jovens respondiam entoando árias báquicas. A estas vozes se misturaram, de repente, outros gritos penetrantes e lúgubres, que partiam do porto. Eram rebeldes que Polícrates mandava embarcar para vender como escravos na Ásia. Açoitavam-nos com correias cheias de pregos, para amontoá-los sob os pontões dos remadores. Seus urros e blasfêmias se perderam na noite. Depois, tudo voltou ao silêncio.(pag.223)

O jovem sentiu um estremecimento doloroso, que reprimiu para
se recolher em si mesmo. O problema estava diante dele mais pungente,
mais agudo.

A Terra dizia: Fatalidade!
 O Céu dizia: Providência!
 E a Humanidade, que flutua entre os dois, 
respondia: Loucura! Dor! Escravidão! 

Mas, no fundo de si mesmo, 
o futuro adepto ouvia uma voz irrefutável 
que respondia às cadeias da Terra 
e aos clarões do céu com este grito: 
Liberdade!
Quem, pois, teria razão? Os sacerdotes, os sábios, os loucos, os
infelizes ou ele mesmo? 

Todas aquelas vozes diziam a verdade, cada uma delas triunfava em sua esfera, mas nenhuma lhe revelava sua razão de ser. Os três mundos existiam imutáveis, como o seio de Deméter, como a luz dos astros e como o coração humano. Mas somente aquele que soubesse encontrar sua harmonia e a lei de seu equilíbrio seria um verdadeiro sábio, somente ele possuiria a ciência divina e poderia auxiliar os homens. Na síntese dos três mundos está o segredo do Cosmos.

Ao pronunciar esta palavra – que acabara de encontrar –,Pitágoras se ergueu. Seu olhar fascinado fixou-se na fachada dórica do templo. O severo edifício parecia transfigurado sob os castos raios de Diana. Ele acreditou ver ali a imagem ideal do mundo e a procurada solução do problema. Pois, a base, as colunatas, a arquitrave e o frontão triangular significam para ele, subitamente, a tríplice natureza do homem e do Universo, do microcosmo e do macrocosmo coroado pela unidade divina, que é, ela própria, uma trindade.

O Cosmos, dominado e
penetrado por Deus, formava:
A Tétrada sagrada, imenso e puro símbolo,
Fonte da Natureza e modelo dos Deuses (1).
Sim, ela estava lá, oculta naquelas linhas geométricas: a chave do
Universo, a ciência dos números, a lei ternária que rege a constituição
dos seres, a do setenário que preside à sua evolução. E, numa visão
grandiosa, Pitágoras viu os mundos se moverem segundo o ritmo e a harmonia dos números sagrados. Viu o equilíbrio da Terra e do céu, mantido pela liberdade humana. Os três mundos, natural, humano e divino, se sustentam, determinando-se reciprocamente e representando o drama universal por meio de um duplo movimento, descendente e ascendente.(pag.224)

 Ele adivinhou as esferas do mundo invisível envolvendo o visível e animando-o sem cessar. Concebeu, enfim, a purificação e a liberação do homem, já nesta Terra, pela tríplice iniciação. Viu tudo isto, sua vida e sua obra, numa iluminação instantânea e clara, com a certeza irrecusável do espírito que se sente diante da Verdade. Foi um relâmpago.

Tratava-se, agora, de provar pela Razão o que sua pura Inteligência havia apreendido no Absoluto. E para isto era preciso uma vida de Homem, um trabalho de Hércules. Mas, onde encontrar a ciência necessária para levar a bom termo semelhante labor? Nem os cantos de Homero, nem os sábios da Jônia, nem os templos da Grécia seriam suficientes.

O espírito de Pitágoras, que logo encontrara asas, mergulhou em seu passado, em seu nascimento envolto em véus e no misterioso amor de sua mãe. Uma lembrança da infância voltou-lhe com uma precisão incisiva. Recordou-se de que sua mãe o levara, com a idade de um ano, a um vale do Líbano, ao templo de Adonai. Ele se reviu muito criança, nos braços de Partênis, no meio de montanhas colossais, de florestas imensas, onde um rio caía em catarata. Ela estava de pé, num terraço à sombra de grandes cedros. Diante dela, um sacerdote majestoso, de barba branca, sorria para eles, pronunciando palavras graves que ele não compreendia. Depois, várias vezes a mãe repetira-lhe aquelas palavras do hierofante de Adonai: 

“Mulher de Jônia, 
teu filho será grande pela sabedoria; 
mas lembra-te que, se os gregos possuem 
ainda a ciência dos Deuses,a ciência de Deus 
só se encontra no Egito”.
Aquelas palavras voltavam-lhe agora, juntamente com o sorriso
materno, a bela fisionomia do ancião e o estrépito distante da catarata,
dominado pela voz do sacerdote, em uma paisagem grandiosa como o
sonho de outra vida. Pela primeira vez ele adivinhava o significado do
oráculo. Muito ouvira sobre o saber prodigioso dos sacerdotes egípcios,
e seus formidáveis mistérios; mas acreditara poder abster-se deles.
Agora, entretanto, compreendia que era necessária aquela “ciência de
Deus” para penetrar a fundo na natureza, e que só a encontraria nos
templos do Egito. E foi a doce Partênis, com seu instinto de mãe, que o
preparara para essa obra, e o levara como uma oferenda ao Deus
soberano!.(pag.225)

Nesse instante tomou a decisão de ir ao Egito e lá receber a
iniciação Polícrates se gabava de proteger os filósofos tanto quanto os
poetas. Apressou-se a dar a Pitágoras uma carta de recomendação para o
faraó Amasis, que o apresentou aos sacerdotes de Mênfis. Estes só o
receberam a contragosto e depois de muitas dificuldades. Os sábios
egípcios desconfiavam dos gregos, que tachavam de levianos e
inconstantes. Tudo fizeram para desencorajar o jovem de Samos.
Contudo, o noviço se submeteu com uma paciência e uma coragem
inquebrantáveis às demoras e às provas que lhe impuseram. Ele sabia,
por antecipação, que somente chegaria ao conhecimento pelo total
domínio da vontade em todo o seu ser. 

Sua iniciação durou vinte e dois anos, sob o pontificado do grande sacerdote de Sonchis. Já narramos, no livro de Hermes, as provas, as tentações, os pavores e os êxtases do iniciado de Ísis, até a morte aparente e cataléptica do adepto e sua ressurreição na luz de Osíris. 

Pitágoras atravessou todas as fases que permitiam realizar, não como uma vã teoria, mas como um elemento vivo, a doutrina do Verbo-Luz ou da Palavra universal e da evolução humana através dos sete ciclos planetários. A cada passo daquela vertiginosa ascensão as provas se repetiam sempre mais terríveis. Ali, cem vezes correu risco de vida, sobretudo quando queriam levá-lo ao manejo das forças ocultas, à perigosa prática da magia e da teurgia.

Como todos os grandes homens, Pitágoras tinha fé em sua estrela. Nada
que pudesse conduzi-lo à ciência o desanimava, e o medo da morte não
o detinha, porque queria a vida do Além.

Quando os sacerdotes egípcios reconheceram nele uma força de
alma extraordinária e aquela paixão impessoal pela sabedoria, que é a
coisa mais rara no mundo, abriram-lhe os tesouros de sua experiência.
Foi entre eles que Pitágoras se formou e adquiriu sua têmpera. Foi lá
que pôde se aprofundar na matemática sagrada, a ciência dos números
ou dos princípios universais, da qual ele fez o centro de seu sistema,
formulando-a de uma maneira nova. (pag.226)

A severidade da disciplina egípcia nos templos fê-lo conhecer, por outro lado, a força prodigiosa da vontade humana sabiamente exercida e treinada, suas aplicações infinitas tanto no corpo quanto na alma. “A ciência dos números e a arte da vontade são as duas chaves da magia”, diziam os sacerdotes de
Mênfis; “elas abrem todas as portas do Universo”.

Foi, pois, no Egito, que Pitágoras adquiriu a visão elevada que permite perceber as esferas da vida e as ciências em uma ordem concêntrica, compreender a involução do espírito na matéria pela criação universal e sua evolução ou subida para a unidade por aquela criação individual que se chama o desenvolvimento de uma consciência.

Pitágoras atingira o ápice do sacerdócio egípcio e sonhava, talvez,
em voltar à Grécia, quando foi desencadeada a guerra na bacia do Nilo,
com todos os seus flagelos e arrastou o iniciado de Osíris em um novo
turbilhão. Há muito tempo os déspotas da Ásia tramavam a derrota do
Egito. Durante séculos, seus repetidos ataques haviam fracassado diante
da sabedoria das instituições egípcias, diante da força do sacerdócio e da
energia dos faraós. Mas o imemorial. reino, asilo da ciência de Hermes,
não devia durar eternamente. 

O filho do vencedor da Babilônia, Cambises, abateu-se sobre o Egito com seus exércitos inumeráveis e famintos como nuvens de gafanhotos, e pôs fim à instituição do faraonato, cuja origem se perdia na noite dos tempos. Aos olhos dos sábios era uma catástrofe, para o mundo inteiro. Até então, o Egito
defendera a Europa da Ásia. Sua influência protetora se estendia ainda
sobre toda a bacia do Mediterrâneo, sobre templos da Fenícia, da Grécia
e da Etrúria, com os quais o alto sacerdócio egípcio mantinha relações
constantes. Uma vez desmoronado esse baluarte, o Touro iria precipitarse,
de cabeça baixa, sobre as margens do mundo helênico.

Pitágoras viu, pois, Cambises invadir o Egito. Viu o déspota
persa, digno herdeiro das celeradas coroas de Nínive e Babilônia,
saquear os templos de Mênfis e de Tebas e destruir o de Âmon. Viu o
faraó Psamenit acorrentado e conduzido diante de Cambises, colocado
numa colina, ao redor da qual foram enfileirados os sacerdotes, as
principais famílias e a corte do rei. Viu a filha do faraó, vestida de
farrapos e acompanhada de todas as suas damas de honra, nos mesmos
trajes, e dois mil jovens ameaçados, com o cabresto ao pescoço, antes
de serem decapitados. Viu o faraó Psamenit reprimindo seus soluços
diante desta cena horrorosa; e o infame Cambises, sentado no trono, se
divertia com a dor de seu adversário abatido.(pag.227)

Cruel, mas instrutiva lição da História, depois das lições da Ciência! Que imagem da natureza animal desencadeada no homem, resultando neste monstro de despotismo, que esmaga tudo e impõe à humanidade o reinado do mais implacável destino por sua hedionda apoteose!

Cambises mandou Pitágoras à Babilônia, com uma parte do sacerdócio egípcio e ali o manteve confinado (2). Aquela cidade colossal, que Aristóteles compara a um país cercado de muros, oferecia então um imenso campo de observação. 

A antiga Babel, a grande prostituta dos profetas hebreus, era mais do que nunca, após a conquista persa, um pandemônio de povos, idiomas, cultos e religiões, em cujo seio o despotismo asiático erigia sua torre vertiginosa. Segundo as tradições persas, sua fundação remontava à legendária Semíramis. Fora esta, diziam, quem mandara construir seu recinto colossal, de oitenta e
cinco quilômetros de contorno; o Imgum-Bel, suas muralhas, onde duas
carruagens corriam de frente, seus terraços superpostos, seus palácios
maciços com relevos policrômicos, seus templos sustentados por elefantes de pedra e encimados por dragões multicores. Lá tinha-se sucedido a série de déspotas que escravizara a Caldéia, a Assíria, a Pérsia, uma parte da Tartária, a Judéia, a Síria e a Ásia Menor. 

Para lá Nabucodonosor, o assassino dos magos, arrastara em cativeiro o povo judeu, que continuava a praticar seu culto em um recanto da imensa
cidade na qual Londres caberia quatro vezes. Os judeus tinham até
fornecido ao grande rei um ministro poderoso: o profeta Daniel. Com
Baltazar, filho de Nabucodonosor, as muralhas da velha Babel
finalmente desmoronaram, sob os golpes vingadores de Ciro.

(pag.228) E Babilônia ficou por vários séculos sob o domínio persa.
Devido a essa série de acontecimentos anteriores, no momento em
que Pitágoras ali chegou, três religiões diferentes conviviam no alto do
sacerdócio de Babilônia; os antigos padres caldeus, os sobreviventes do
magismo persa e a elite do cativeiro judaico. O que prova que esses diversos sacerdotes se harmonizavam entre si pelo lado esotérico; é precisamente o papel de Daniel, que, sempre dando testemunho do Deus de Moisés, permaneceu primeiro-ministro sob Nabucodonosor, Baltazar e Ciro.

Pitágoras teve de alargar seus horizontes, já tão vastos, estudando
todas aquelas doutrinas, religiões e cultos, cuja síntese alguns iniciados
ainda conservavam. Ele pôde aprofundar na Babilônia os
conhecimentos dos magos, herdeiros de Zoroastro. Se somente os
sacerdotes egípcios possuíam as chaves universais das ciências
sagradas, os magos persas tinham a reputação de terem propagado a
prática de certas artes. Eles se atribuíam o manejo daqueles poderes
ocultos da natureza que se chamam o fogo pantomórfico e a luz astral.

Dizia-se que em seus templos as trevas advinham em pleno dia, as
lâmpadas se acendiam sozinhas, viam-se resplandecer os Deuses e
ouvia-se cair o raio. Os magos chamavam de leão celeste àquele fogo
incorpóreo, agente gerador da eletricidade, que sabiam condensar ou
dissipar a sua vontade, e de serpentes às correntes elétricas da
atmosfera, magnéticas da Terra, que pretendiam dirigir como flechas
sobre os homens. Tinham feito também um estudo especial do poder
sugestivo, atrativo e criador do verbo humano. Empregavam, para a
evocação dos espíritos, formulários graduados e copiados dos mais
antigos idiomas da Terra. Eis a razão psíquica que apresentavam para
isso: 

“Não mudai nada nos nomes bárbaros da evocação.
 Porque eles são os nomes panteísticos de Deus.
 São magnetizados pelas adorações
de uma multidão e seu poder é inefável” (3)
Essas evocações, praticadas no meio das purificações e das preces, eram, propriamente falando, o que se chamou mais tarde de magia branca.

Na Babilônia, Pitágoras penetrou nos arcanos da antiga magia. Ao
mesmo tempo, naquele antro do despotismo, viu um grande espetáculo:
sobre os destroços das religiões decadentes do Oriente, acima de seu
sacerdócio dizimado e degenerado, um grupo de iniciados intrépidos,
unidos, defendiam sua ciência, sua fé e, tanto quanto possível, a justiça.

(pag.229)
De pé diante dos déspotas, como Daniel na cova dos leões, sempre
preparados para serem devorados, eles fascinavam e domavam a fera do
poder absoluto, por meio de seu poder intelectual, e com ela disputavam
passo a passo o terreno.

Depois de sua iniciação egípcia e caldaica, o filho de Samos sabia
muito mais do que seus mestres de Física e do que qualquer grego,
padre ou leigo, de seu tempo. Conhecia os princípios eternos do
Universo e suas aplicações. A natureza descerrara-lhe seus abismos; os
pesados véus da matéria tinham-se dilacerado a seus olhos, para
mostrar-lhe as esferas maravilhosas da natureza e da humanidade
espiritualizada. 

No templo de Neit-Ísis, em Mênfis no de Bel, na Babilônia, ele apreendera muitos segredos sobre o passado das religiões, sobre a história dos continentes e das raças. Pudera comparar as vantagens e os inconvenientes do monoteísmo judeu, do politeísmo grego, do trinitarismo hindu. e do dualismo persa. Sabia que todas religiões eram raios de uma mesma verdade, filtrados por diversos graus de inteligência e para diversos estados sociais. Ele possuía a chave, isto é, a síntese de todas estas doutrinas na ciência esotérica. 

Seu olhar, abrangendo o passado, mergulhando no futuro, julgava o presente com uma singular lucidez. Sua experiência mostrava-lhe a humanidade
ameaçada dos maiores flagelos, pela ignorância dos sacerdotes, pelo
materialismo dos sábios e pela indisciplina das democracias. Em meio ao afrouxamento universal, ele via crescer o despotismo asiático. E daquela nuvem negra um ciclone formidável iria precipitar-se sobre a Europa indefesa.
Já era tempo de voltar à Grécia, para lá cumprir sua missão, começar sua obra.

Pitágoras estivera confinado na Babilônia durante doze anos. Para sair de lá era preciso uma ordem do rei dos persas. Um compatriota, Demócedes, médico do rei, intercedeu a seu favor e obteve a liberdade do filósofo.
(pag.230)
Pitágoras voltou então para Samos, após trinta e quatro anos de
ausência. Encontrou sua pátria esmagada sob o domínio de um sátrapa
do grande rei. Escolas e templos estavam fechados; poetas e sábios
tinham fugido, como um bando de andorinhas diante do cesarismo
persa. Pelo menos ele teve a consolação de recolher o último suspiro de
seu primeiro mestre, Hermodamos, e de reencontrar a mãe, Partênis, a
única que não duvidara de seu regresso. Pois toda a gente acreditava
morto o filho aventuroso do joalheiro de Samos. Ela, porém, jamais
duvidara do oráculo de Apolo; e agora compreendia que, sob as vestes
brancas de sacerdote egípcio, seu filho se preparava para uma elevada
missão. Ela sabia que do templo de Neit-Ísis sairia o mestre benfeitor, o
profeta luminoso, com o qual havia sonhado no bosque sagrado de
Delfos, e que o hierofante de Adonai lhe prometera, às sombras dos
cedros do Líbano.

Agora sobre as ondas azuladas das Cícladas um barco veloz
levava mãe e filho para um novo exílio. Com todos os seus haveres, eles
fugiam de Samos, oprimida e perdida. Iam para a Grécia. Não eram as
coroas olímpicas, nem louros do poeta que tentavam o filho de Partênis.
Sua obra era mais misteriosa e maior: despertar a alma adormecida dos
Deuses nos santuários; restituir ao templo de Apolo a força e o
prestígio; depois fundar, em alguma parte, uma escola de ciência e de
vida, de onde sairiam, não políticos e sofistas, mas mulheres e homens
iniciados, mães verdadeiras e heróis puros!
(1). Versos dourados de Pitágoras, tradução de Fabre d'Olivet.
(2). Jamblique lembra este fato, em sua Vie de Pythagore.
(3). Oráculos de Zoroastro recolhidos na teurgia de Proclus.

(pag.231)
III
O TEMPLO DE DELFOS. A CIÊNCIA APOLÍNEA.
A TEORIA DA ADIVINHAÇÃO. A PITONISA TEOCLÉIA
Da planície da Fócida, subia-se por campinas agradáveis que
seguem as margens do Plítios, e entrava-se num vale tortuoso, entre
altas montanhas. A cada passo ele se tornava mais estreito, a paisagem
mais grandiosa e mais desolada. Atingia-se, enfim, um círculo de
montanhas abruptas, coroadas de picos selvagens, verdadeiro funil de
eletricidade, castigado por freqüentes tempestades. Bruscamente, no
fundo da garganta sombria, aparecia a cidade de Delfos, como um ninho
de águia, sobre seu rochedo cercado de precipícios e dominado pelos
dois cumes do Parnaso. Ao longe viam-se cintilar as Vitórias de bronze,
os cavalos também de bronze e as inúmeras estátuas de ouro dispostas
em fila na via sagrada, como uma guarda de heróis e Deuses ao redor do
templo dórico de Fobos Apolo.

Era o local mais santo da Grécia. Lá profetizava a Pítia. Lá se
reuniam os Anfictiões. Lá todos os povos helênicos haviam erguido, em
torno do santuário, capelas que encerravam tesouros de oferendas. Lá,
procissões de homens, mulheres e crianças vindas de longe subiam a via
sacra, para saudar o Deus da Luz. A religião havia consagrado Delfos,
desde tempos imemoriais, à veneração dos povos. Sua localização
central na Hélade, seu rochedo, ao abrigo dos ataques e de fácil defesa,
contribuíram para isto. O Deus estava lá para tocar a imaginação; uma
singularidade lhe deu seu prestígio.

 Em uma caverna, atrás do templo,
abria-se uma fenda, de onde saíam vapores frios que provocavam,
segundo se dizia, a inspiração e o êxtase. 
Plutarco narra que em tempos muito remotos um sacerdote, estando sentado à beira daquela fenda, pôs-se a profetizar. No início julgavam-no louco. Mas à medida que suas profecias se foram realizando, deram atenção ao fato. Os
sacerdotes se apoderaram dele e consagraram o local à divindade. Daí a
instituição da Pítia, que se sentava sobre a fenda, sobre um tripé. Os
vapores que saíam do abismo provocavam-lhe convulsões, crises
estranhas e aquela segunda visão que se observa nos sonâmbulos
notáveis.(pag.232)

Ésquilo – cujas afirmações têm peso, pois era filho de um
sacerdote de Elêusis e ele mesmo um iniciado – nos ensina nas
Eumênidas, pela boca da Pítia, que Delfos tinha sido consagrado
primeiro à Terra, em seguida a Têmis (A Justiça), depois a Febe (a lua
mediadora) e, finalmente, a Apolo, o Deus solar. Cada um destes nomes
representa, no simbolismo dos templos, longos períodos e abrange
séculos. Mas a celebridade de Delfos data de Apolo. Júpiter, diziam os
poetas, tendo desejado conhecer o centro da Terra, soltou duas águias,
uma do levante e outra do poente. Elas se encontraram em Delfos.
De onde vem este prestígio, esta autoridade universal e inconteste,
que fez de Apolo o Deus grego por excelência e faz com que tenha
conservado, até para nós, um brilho inexplicável?

A história não nos diz nada sobre este ponto tão importante.
Interrogando-se os oradores, os poetas, os filósofos, eles apenas darão
explicações superficiais. A verdadeira resposta a esta questão
permanece segredo do templo. Procuremos penetrá-lo.

No pensamento órfico, Dionísio e Apolo eram duas revelações
diversas da mesma divindade. Dionísio representava a verdade
esotérica, o fundo e o interior das coisas, aberto somente aos iniciados.
Ele continha os mistérios da vida, as existências passadas e futuras, as
relações da alma e do corpo, do Céu e da Terra. Apolo personificava a
mesma verdade, aplicada à vida terrestre e à ordem social. Inspirador da
poesia, da medicina e das leis, era a ciência através da adivinhação, a
beleza através da arte, a paz dos povos através da justiça, e a harmonia
da alma e do corpo através da purificação.

 Numa palavra, para o iniciado, 
Dionísio significava nada menos do que o espírito divino
 em evolução no Universo; e Apolo, sua manifestação
 ao homem terrestre.
Os sacerdotes tinham feito com que o povo compreendesse isto por
meio de uma lenda. Contavam-lhe que no tempo de Orfeu, Baco e
Apolo tinham disputado o tripé de Delfos. Baco cedera-o de bom grado
ao irmão e se retirara para um dos cumes de Parnaso, onde as mulheres
tebanas celebravam seus mistérios. Na realidade, os dois grandes filhos
de Júpiter dividiram entre si o império do mundo. Um reinava sobre o
misterioso além; o outro reinava sobre os seres vivos.(pag.233)

Encontramos em Apolo o Verbo solar, a Palavra universal, o
grande Mediador, o Visnu dos hindus, o Mitras dos persas, o Hórus dos
egípcios. Mas as velhas idéias do esoterismo asiático se revestiram, na
lenda de Apolo, de uma beleza plástica, de um esplendor incisivo, que
lhes permitiu infiltrarem-se mais profundamente na consciência humana
como as flechas do Deus, “serpentes de asas brancas impelidas de seu
arco de ouro”, segundo Ésquilo.

Apolo irrompeu, da grande noite, em Delfos. Todas as deusas
saúdam seu nascimento. Ele anda, toma o arco e a lira. Seus cabelos
cacheados esvoaçam no ar, a aljava ressoa em seus ombros. E o mar
palpita e toda a ilha resplandece num banho de fogo e ouro.

 É a epifania da luz divina,
 que por sua augusta presença cria a ordem, 
o esplendor e a harmonia, dos quais a poesia
 é o maravilhoso eco.
O Deus segue para Delfos e fere com suas flechas uma serpente
monstruosa que assolava a região, saneia o país e funda o templo,
imagem da vitória daquela luz divina sobre as trevas e o mal. Nas
religiões antigas, a serpente simbolizava ao mesmo tempo o círculo fatal
da vida e o mal que dele resulta. Dessa compreensão advém o seu
conhecimento.

Apolo, matador da serpente, é o símbolo do iniciado que
traspassa a natureza com a ciência, domina-a com sua vontade e,
rompendo o círculo fatídico da carne, eleva-se no esplendor do espírito,
enquanto os destroços da animalidade humana se contorcem na areia.
Eis por que Apolo é o mestre das expiações, das purificações da alma e
do corpo. Salpicado com o sangue do monstro, ele expiou, purificou-se
num exílio de oito anos, sob os loureiros amargos e salubres do vale de
Tempe.

Apolo, educador dos homens, gosta de estar entre eles; sente-se
bem nas cidades, entre a juventude masculina, nos concursos de poesia
e oratória, mas ele aí fica só temporariamente. No outono, volta à sua
pátria, ao país dos hiperbóreos. É o povo misterioso das almas
luminosas e transparentes que vivem na eterna aurora de uma felicidade
perfeita. Lá estão seus verdadeiros mestres e suas amadas sacerdotisas.
(pag.234)
Com eles vive numa comunidade íntima e profunda: e, quando quer
fazer aos homens um dom real, envia-lhes do país dos hiperbóreos uma
das grandes almas luminosas e a faz nascer na Terra, para ensinar e
encantar os mortais. Ele mesmo volta a Delfos em todas as primaveras,
quando se entoam peãs e hinos. Chega, visível somente para os
iniciados, em sua brancura hiperbórea, num carro puxado por cisnes
melodiosos. Volta a habitar o santuário onde a Pítia transmite seus
oráculos e os sábios e os poetas a escutam. Então os rouxinóis cantam, a
fonte de Castália borbulha em ondas prateadas, os eflúvios de uma luz
ofuscante e de uma música celeste penetram no coração do homem e
nas veias da natureza.

Nesta lenda dos hiperbóreos manifesta-se em raios brilhantes o
fundo esotérico do mito de Apolo. O país dos hiperbóreos é o Além, o
empírico das almas vitoriosas, cujas auroras astrais iluminam as zonas
multicores. O próprio Apolo personifica a luz imaterial e inteligível, na
qual o Sol é apenas a imagem física e de onde decorre toda a verdade.
Os cisnes maravilhosos que o conduzem são os poetas, os divinos
gênios, mensageiros de sua grande alma solar, que deixam atrás de si
estremecimentos de luz e de melodia. Apolo hiperbóreo personifica,
pois, a descida do Céu sobre a Terra, a encarnação da beleza espiritual
no sangue e na carne, o afluxo da verdade transcendente por meio da
inspiração e da adivinhação.

Mas é tempo de soerguer o véu dourado das lendas e penetrar no
próprio templo. Como se praticava a adivinhação? Tocamos aqui os
arcanos da ciência apolínea e dos mistérios de Delfos.
Um laço profundo unia, na Antigüidade, a adivinhação e os cultos
solares. O culto do sol é a chave de ouro de todos os mistérios
considerados mágicos.

A adoração do homem ariano dirigiu-se, desde a origem da
civilização, ao Sol como fonte de luz, calor e vida. Mas quando o
pensamento dos sábios se elevou do fenômeno à causa, eles
conceberam, para além deste fogo sensível e desta luz visível, um fogo
imaterial e uma luz inteligível. Identificaram o primeiro com o princípio
masculino, com o espírito criador e a essência intelectual do Universo, e
a segunda com seu princípio feminino, sua alma formadora, sua
substância plástica. Esta instituição remonta a um tempo imemorial.(pag.235)

 A concepção que menciono mistura-se com as mais velhas mitologias.

 Ela circula nos hinos védicos sob a forma de Agni,
 o fogo universal que penetra todas as coisas. 
Desabrocha na religião de Zoroastro, cujo culto de Mitras representa a parte esotérica. Mitras é o fogo masculino e Mitra, a luz feminina. Zoroastro diz, formalmente, que o Eterno criou, por meio do Verbo vivo, a luz celeste, semente de Ormuz, princípio da luz material e do fogo material. 

Para o iniciado de Mitras, o Sol é apenas um reflexo grosseiro daquela luz. Em sua gruta escura, com a abóbada pintada de estrelas, ele invoca o sol da graça, o fogo do amor, vencedor do mal, reconciliador de Ormuz e de Arimã, purificador e mediador, que habita a alma dos santos profetas. Nas criptas do Egito, os iniciados procuram este mesmo Sol, sob o nome de Osíris.

 Quando Hermes pede para contemplar a origem das coisas, inicialmente sente-se mergulhado nas ondas etéreas de uma luz deliciosa, onde se movem
todas as formas vivas. Depois, imerso nas trevas da matéria espessa,
ouve uma voz e nela reconhece a voz da luz. Ao mesmo tempo, um
fogo irrompe das profundezas. Logo o caos se organiza e se ilumina. No
livro dos mortos dos egípcios, as almas vagam penosamente em direção
àquela luz na barca de Ísis. Moisés adotou plenamente esta doutrina, no
Gênese: “Eloim disse: faça-se a luz; e a luz se fez”. 

Ora, a criação dessa luz precede a do Sol e das estrelas. Isto quer dizer que na ordem dos princípios e da cosmogonia, a luz inteligível precede a luz material. Os gregos, que dramatizaram e vazaram na forma humana as idéias mais abstratas, exprimiram a mesma doutrina no mito de Apolo hiperbóreo.

O espírito humano chegou pois, pela contemplação interna do
Universo, do ponto de vista da alma e da inteligência, a conceber uma
luz inteligível, um elemento imponderável que servia de intermediário
entre a matéria e o espírito. Seria fácil mostrar que os físicos modernos
se aproximaram insensivelmente da mesma conclusão, por um caminho
oposto, isto é, buscando a constituição da matéria e vendo a
impossibilidade de explicá-la por si mesma. Já no século XVI,
Paracelso, estudando as combinações químicas e as metamorfoses dos
corpos, chegara a admitir um agente universal e oculto, mediante o qual
elas operam. (pag.236)

Os físicos dos séculos XVII e XVIII, que conceberam o
Universo como uma máquina morta, acreditaram no vazio absoluto dos
espaços celestes. Entretanto, quando se reconheceu que a luz não é a
emissão de uma matéria radiante, mas a vibração de um elemento
imponderável, teve-se de admitir que todo o espaço está repleto de um
fluido infinitamente sutil, que penetra todos os corpos e pelo qual se
transmitem as ondas de calor e luz. Voltava-se assim às idéias da Física
e da teosofia grega.

Newton, que havia passado a vida inteira estudando os
movimentos dos corpos celestes, foi mais longe. Chamou a esse éter
sensorium Dei, ou o cérebro de Deus, isto é, o órgão pelo qual o
pensamento divino age no infinitamente grande e no infinitamente
pequeno. Externando esta idéia, que lhe parecia necessária para explicar
a simples rotação dos astros, o grande físico vogava em plena filosofia
esotérica. O éter que o pensamento de Newton encontrava nos espaços,
Paracelso havia encontrado no fundo de seus alambiques e denominara
luz astral.

Ora, este fluido imponderável, mas presente por toda a parte, que
penetra em tudo, este agente sutil, mas indispensável, esta luz invisível
a nossos olhos, mas que está no fundo de todas as cintilações e de todas
as fosforescências, um físico alemão constatou-os todos, numa série de
experiências sabiamente ordenadas. Reichenbach notara que indivíduos
de constituição nervosa muito sensível, colocados numa câmara
completamente escura, diante de um ímã, viam, nas duas extremidades,
fortes raios de luz vermelha, amarela e azul. Às vezes, estes raios
vibravam, num movimento ondulatório. Continuou suas experiências
com todas as espécies de corpos, principalmente com cristais. Ao redor
de todos esses corpos, os indivíduos viram emanações luminosas. E em
torno da cabeça dos homens colocados na câmara escura, viram raios
brancos; e de seus dedos saíam pequenas chamas. Na primeira fase do
sono, os sonâmbulos algumas vezes viam o seu magnetizador com aqueles mesmos sinais. A pura luz astral só aparece no alto êxtase, mas se polariza em todos os corpos, combina-se com todos os fluidos terrestres e desempenha funções diversas na eletricidade, no magnetismo terrestre e no magnetismo animal (1).(pag.237)

 O interesse nas experiências de Reichenbach está em ter chegado aos limites e à transição da visão física para a visão astral, que pode conduzir à visão
espiritual. Fazem entrever também as sutilezas infinitas da matéria
ponderável. Neste caminho, nada nos impede de concebê-la tão fluida,
tão sutil e penetrante que se torne de certa maneira homogênea ao
espírito e lhe sirva de vestimenta perfeita.

Acabamos de ver que a Física moderna teve de reconhecer um
agente universal imponderável para explicar o mundo, cuja presença
constatou mesmo, voltando assim, sem o saber, para as idéias das
teosofias antigas. Procuremos agora definir a natureza e a função do
fluido cósmico, segundo a filosofia do oculto em todos os tempos.
Sobre este período capital da cosmogonia, estão de acordo
Zoroastro e Heráclito, Pitágoras e São Paulo, os cabalistas e Paracelso.
Ela reina em toda a parte, Cibele-Maia, a grande alma do mundo, a
substância vibrante e plástica que manipula à sua vontade o sopro do
Espírito criador. Seus oceanos etéreos servem de argamassa entre todos
os mundos. Ela é a grande mediadora entre o invisível e o visível, entre
o espírito e a matéria, entre o interior e o exterior no Universo.

Condensada em massas enormes na atmosfera, sob a ação do Sol, ela aí
eclode em forma de raio. Bebida pela Terra, circula em correntes
magnéticas. Sutilizada no sistema nervoso do animal, transmite sua
vontade aos membros, suas sensações ao cérebro. Ainda mais: esse
fluido sutil forma organismos vivos semelhantes aos corpos materiais.
Pois serve de substância ao corpo astral da alma, vestimenta luminosa
que o espírito tece sem cessar para si mesmo. Conforme as almas que
reveste, conforme os mundos que envolve, este fluido se transforma,
afina-se ou se condensa. Não somente ele corporifica o espírito e
espiritualiza a matéria, mas também reflete, em seu seio animado, as
coisas, as vontades e os pensamentos humanos em uma perpétua
miragem. A força e a duração dessas imagens é proporcional à
intensidade da vontade que as produz. Na verdade, não há outro meio de
se explicar a sugestão e a transmissão do pensamento à distância, este
princípio da magia hoje constatado e reconhecido pela ciência (2).(pag.238)

Assim o passado dos mundos tremula na luz astral em imagens incertas,
e o futuro aí perambula com as almas vivas que o inelutável destino
força a descer à carne. Eis o sentido do véu de Ísis e do manto de
Cibele, em que são tecidos todos os seres.

Vê-se agora que a doutrina teosófica da luz astral é idêntica à
doutrina secreta do verbo solar nas religiões do Oriente e da Grécia. Vêse
também como essa doutrina se liga à da adivinhação. A luz astral aí
se revela como o médium universal dos fenômenos de visão e de êxtase,
e os explica. E ao mesmo tempo o veículo que transmite os movimentos
do pensamento, e o espelho vivo onde a alma contempla as imagens do
mundo material e espiritual. Uma vez transportado para este elemento, o
espírito do vidente deixa as condições corporais. 

A medida do espaço e
do tempo mudam para ele, que participa, de algum modo, da ubiqüidade
do fluido universal. A matéria opaca torna-se-lhe transparente. E a alma,
separando-se do corpo, elevando-se em sua própria luz, chega através
do êxtase a penetrar no mundo espiritual, a ver as almas revestidas, de
seus corpos etéreos e a se comunicar com elas. Todos os antigos
iniciados tinham uma idéia nítida dessa segunda visão ou visão direta
do espírito.

Temos o testemunho de Ésquilo, que atribui à sombra de Clitemnestra esta frase: 

“Olha estas feridas, 
teu espírito pode vê-las; quando se dorme,
 o espírito tem olhos mais penetrantes; 
à luz do dia, os mortais não abrangem 
um vasto campo com sua visão”.
Acrescentamos ainda que esta teoria da clarividência e do êxtase
harmoniza-se maravilhosamente com as numerosas experiências
cientificamente praticadas pelos sábios e médicos deste século com
sonâmbulos lúcidos e clarividentes de todo tipo (3). Em conformidade
com estes fatos contemporâneos, tentaremos caracterizar brevemente a
sucessão de estados psíquicos, desde a clarividência simples até o
êxtase cataléptico.

O estado de clarividência, conforme demonstram milhares de
fatos constatados, é um estado psíquico que difere tanto do sono quanto
da vigília. Longe de embotarem, as faculdades intelectuais do
clarividente aumentam de maneira surpreendente. Sua memória é mais
exata, sua imaginação mais viva, sua inteligência mais desperta.(pag.239) 

Enfim,este é o fato essencial, desenvolve-se um sentido novo, que não é mais
um sentido corporal, mas da alma. Não somente os pensamentos do
magnetizador se transmitem a ele como no simples fenômeno da sugestão, o qual já sai do plano físico, mas o clarividente lê no pensamento dos assistentes, vê através dos muros, penetra em interiores na centenas de léguas, onde jamais esteve, e também na vida íntima de pessoas que não conhece. Seus olhos estão fechados e nada podem ver, mas seu espírito vê mais longe e melhor do que se os olhos estivessem abertos, parece viajar livremente pelo espaço (4).

Em sua palavra, se a clarividência é um estado anormal do ponto
de vista do corpo, é um estado normal e superior do ponto de vista do
espírito. Pois sua consciência tornou-se mais profunda, sua visão mais
larga. O eu permanece o mesmo, mas ele passou a um plano superior,
onde seu olhar, liberto dos órgãos grosseiros do corpo, abrange e
penetra um horizonte mais vasto (5). Deve-se notar que alguns
sonâmbulos, ao receberem os passes do magnetizador, sentem-se
inundados por uma luz cada vez mais brilhante, e que o despertar lhes
parece um penoso retomo às trevas.

A sugestão, a leitura do pensamento e a visão à distância são fatos
que já provam a existência independente da alma e nos transportam
acima do plano físico do Universo, sem dele nos desligar
completamente. Mas a clarividência tem variedades infinitas e uma
escala de estados diversos, muito mais extensa do que a da vigília. À
medida que nela se avança, os fenômenos se tornam mais raros e mais
extraordinários. Citemos apenas as etapas principais.

A retrospecção é uma visão dos acontecimentos passados
conservados na luz astral e reavivados pela simpatia do vidente. A
adivinhação propriamente dita é uma visão problemática das coisas do
futuro, seja por uma introspecção do pensamento dos seres vivos, que
contém em germe as ações futuras, seja pela influência oculta de
espíritos superiores que mostram o futuro em imagens vivas diante da
alma do clarividente. Os dois casos são projeções de pensamento na luz
astral. Enfim, o êxtase se define como uma visão do mundo espiritual,
onde espíritos bons ou maus aparecem ao vidente sob forma humana e
comunicam-se com ele.(pag.240)

 A alma parece realmente transportada para fora do corpo; parece que a vida quase o deixou e que se enrijece numa catalepsia vizinha da morte. Nada pode exprimir, segundo as narrativas dos grandes extáticos, a beleza e o esplendor dessas visões e nem o sentimento de inefável fusão com a essência divina, a que eles se referem como uma embriaguez de luz e de música. Pode-se duvidar da realidade destas visões, mas é preciso acrescentar que, se no estado médio da clarividência a alma tem uma percepção exata dos lugares
distantes e dos ausentes, é lógico admitir-se que, em sua mais alta
exaltação, ela possa ter a visão de uma realidade superior e imaterial.
 
Esta será, segundo nosso pensamento, uma tarefa para o futuro:
restituir às faculdades transcendentes da alma humana a sua dignidade e
sua função social, reorganizando-as sob o controle da ciência e sobre as
bases de uma religião verdadeiramente universal, aberta a todas as
verdades. Então a ciência, regenerada pela verdadeira fé e pelo espírito
de caridade, atingirá de olhos abertos as esferas onde a filosofia
especulativa vagueia, tateando de olhos vendados. Sim, a ciência tornarse-
á vidente e redentora, à medida que nela aumentar a consciência e o
amor à humanidade. E talvez, pela “porta do sono e dos sonhos” – como
dizia o velho Homero – a divina Psiquê, banida de nossa civilização e
que chora em silêncio, sob seu véu, retomará a posse de seus altares.

Seja como for, os fenômenos de clarividência, observados em
todas as suas fases por sábios e médicos do século XIX, lançam nova
luz sobre o papel da adivinhação da Antigüidade e sobre uma
imensidade de fenômenos aparentemente sobrenaturais, de que estão
repletos os anais de todos os povos. Certamente, é indispensável
distinguir o que pertence à lenda e à História, à alucinação e à visão
verdadeira. Mas a psicologia experimental de nossos dias nos ensina a
não rejeitarmos sumariamente os fatos que estão na possibilidade da
natureza humana, e a estudá-los do ponto de vista das leis constatadas.
Se a clarividência é uma faculdade da alma, já não se pode atirar pura e
simplesmente os profetas, os oráculos e as sibilas para o domínio da
superstição. A adivinhação pôde ser conhecida e praticada pelos templos antigos, com princípios fixos, para um fim social e religioso.(pag..241)

O estudo comparado das religiões e das tradições esotéricas mostra que
esses princípios foram os mesmos por toda a parte, ainda que sua
aplicação tenha variado infinitamente. O que desacreditou a arte da
adivinhação é que sua corrupção deu margem aos piores abusos, e suas
belas manifestações só foram possíveis em seres de grandeza e pureza
excepcionais.

A adivinhação, tal como exercida em Delfos, estava fundada nos
princípios que acabamos de expor, e a organização interior do templo
também correspondia a eles. Como nos grandes templos do Egito,
compunha-se de uma arte e de uma ciência. A arte consistia em penetrar
o longínquo, o passado e o futuro, pela clarividência ou pelo êxtase
profético; as ciências, em calcular o futuro segundo as leis da evolução
universal. Arte e ciência controlavam-se reciprocamente.

Nada diremos desta ciência, chamada genetliologia pelos antigos,
e da qual a astrologia da Idade Média é apenas um fragmento mal
compreendido, a não ser que ela supunha a enciclopédia esotérica
aplicada ao futuro dos povos e dos indivíduos. Muito útil como
orientação, sua aplicação permaneceu sempre bastante problemática. Só
os espíritos de primeira grandeza souberam dela fazer uso. Pitágoras
aprofundou-a no Egito. Na Grécia, era exercida com dados menos
completos e menos precisos. Ao contrário, a clarividência e a profecia
tinham avançado bastante.

Sabe-se que esta se exercia em Delfos por intermédio de mulheres
jovens e velhas, chamadas pítias ou pitonisas, que desempenhavam
papel passivo, de sonâmbulas clarividentes. Os sacerdotes
interpretavam, traduziam e ordenavam segundo uma interpretação
pessoal esses oráculos, freqüentemente confusos. Os historiadores
modernos viram na instituição de Delfos somente a exploração da
superstição, por um charlatanismo inteligente. Mas, além da adesão de
toda a Antigüidade filosófica à ciência divinatória de Delfos, vários
oráculos referidos por Heródoto, como aqueles sobre Creso e sobre a
batalha de Salamina, depõem a seu favor. Sem dúvida, esta arte teve seu
começo, sua florescência e sua decadência.(pag.242)  

O charlatanismo e a corrupção acabaram por se imiscuir. Testemunha disto foi o rei Cleômenes, que corrompeu a superiora das sacerdotisas de Delfos para
despojar Demarates da realeza. Plutarco escreveu um tratado onde
pesquisou as razões da extinção dos oráculos; e toda esta
degenerescência foi sentida como uma infelicidade por toda a sociedade
antiga. Na época precedente, a adivinhação fora cultivada com uma
sinceridade religiosa e uma profundidade científica que a elevaram às
alturas de um verdadeiro sacerdócio. No frontão do templo, lia-se a
seguinte inscrição: “Conhece-te a ti mesmo”. E esta outra, acima da
porta de entrada: “Que não se aproxime quem não tiver as mãos puras”.
Estas palavras diziam ao visitante que as paixões, as mentiras, as
hipocrisias terrestres não deviam ultrapassar os umbrais do santuário, e
que no interior a verdade divina reinava com uma seriedade terrível.

Pitágoras só foi a Delfos depois de ter passado por todos os
templos da Grécia. Estivera com Epimênides, no santuário de Júpiter
Idéon; assistira aos jogos olímpicos; presidira aos mistérios de Elêusis,
onde o hierofante lhe cedera o lugar. Por toda a parte fora recebido
como um mestre. Esperavam-no em Delfos. A arte divinatória
definhava e Pitágoras queria devolver-lhe sua profundidade, força e
prestígio. Vinha, portanto, menos para consultar Apolo do que para
esclarecer seus intérpretes, reanimar seu entusiasmo e despertar sua
energia. Agir sobre eles seria agir sobre a alma da Grécia e preparar seu
futuro.

Felizmente, ele encontrou no templo um instrumento maravilhoso, que um desígnio providencial parecia ter-lhe reservado.
A jovem Teocléia pertencia ao colégio das sacerdotisas de Apolo.
Originava-se de uma das famílias nas quais a dignidade sacerdotal é
hereditária. A atmosfera do santuário, as cerimônias do culto, os peãs,
as festas de Apolo pítio e hiperbóreo tinham alimentado sua infância.
Era daquelas jovens que têm aversão inata e instintiva por tudo o que
seduz as outras, e por isso não gostam de Ceres e temem Vênus. A
pesada atmosfera terrestre as inquieta e o amor físico, vagamente
entrevisto, parece-lhes uma violação da alma, uma quebra de seu ser
intacto e virginal. (pag.243) 

Ao contrário, são estranhamente sensíveis a correntes
misteriosas, a influências astrais. Quando a Lua incidia sobre os
sombrios bosques da fonte de Castália, Teocléia via deslizarem formas
brancas. Em pleno dia, ouvia vozes. Quando se expunha aos raios do
Sol levante, sua vibração mergulhava-a em uma espécie de êxtase, em
que ouvia coros invisíveis. No entanto, era insensível às superstições e
às idolatrias populares do culto. As estátuas deixavam-na indiferente e
tinha horror aos sacrifícios animais. Não falava a ninguém das aparições
que perturbavam seu sono. Sentia, com o instinto das clarividentes, que
os sacerdotes de Apolo não possuíam a suprema luz de que ela
necessitava. Estes, contudo, não descuidavam dela para convencê-la a
tornar-se Pitonisa. Ela sentia-se atraída por um mundo superior, do qual
não tinha a chave. Que deuses seriam aqueles que se apoderavam dela
mediante sopros e calafrios? Gostaria de sabê-lo, antes de consagrar-se
a eles. Pois as grandes almas têm necessidade de ver claramente, mesmo
quando se abandonam às potências divinas.

De que profunda comoção, de que pressentimento misterioso
deverá ter-se agitado a alma de Teocléia, quando viu Pitágoras pela
primeira vez e ouviu sua voz eloqüente repercutir entre as colunas do
santuário apolíneo! Sentiu a presença do iniciador que esperava e
reconheceu seu mestre. Ela queria saber. Ela saberia por ele; e este
mundo interior, este mundo que ela carregava consigo ele iria revelá-lo!
– Ele, por seu lado, com seu olhar seguro e penetrante, deve ter
reconhecido nela a alma viva e vibrante que procurava para tornar-se
intérprete de seu pensamento no templo e nele infundir um novo
espírito. Desde o primeiro olhar, desde a primeira palavra, uma corrente
invisível ligou o sábio de Samos à jovem sacerdotisa, que o escutava
sem nada dizer, bebendo suas palavras, fitando-o com os grandes olhos
atentos. Não sei quem disse que o poeta e a lira se reconhecem em uma
vibração profunda, aproximando-se um do outro. Assim se
reconheceram Pitágoras e Teocléia.

Desde o nascer do sol, Pitágoras mantinha longas conversas com
os sacerdotes de Apolo, chamados santos e profetas. Ele pediu que a
jovem sacerdotisa ali fosse admitida, a fim de iniciá-la em seu
ensinamento secreto e prepará-la para desempenhar sua missão. (pag.244)

Ela pôde então acompanhar as lições que o mestre dava todos os dias no
santuário. Pitágoras estava no vigor da idade. Trazia a veste branca
disposta à maneira egípcia; uma faixa púrpura cingia-lhe a larga fronte.
Quando falava, seus olhos graves e lentos pousavam no interlocutor e o
envolviam numa luz tépida. Em torno dele, a atmosfera parecia tornarse
mais leve e inteiramente intelectual.

As conversações do sábio de Samos com os mais altos
representantes da religião grega foram da maior importância. Não se
tratava somente de adivinhação e de inspiração, mas do futuro da Grécia
e dos destinos do mundo inteiro. Os conhecimentos, os títulos e os
poderes que ele adquirira nos templos de Mênfis e da Babilônia
conferiam-lhe a maior autoridade. Tinha o direito de falar como
superior e como guia aos inspiradores da Grécia. Fê-lo com a
eloqüência de seu gênio, com o entusiasmo de sua missão. Para que
melhor compreendessem, começou por narrar sua juventude, suas lutas,
sua iniciação egípcia. Falou-lhes do Egito, mãe da Grécia, velho como o
mundo, imutável como uma múmia coberta de hieróglifos, no fundo de
suas pirâmides, que possuía em sua tumba o segredo dos povos, dos
idiomas, das religiões. Desenrolou diante de seus olhos os mistérios da
grande Ísis, terrestre e celeste, mãe dos Deuses e dos homens; e,
fazendo-os passar por suas provas, mergulhou-os com ele na luz de
Osíris. Depois foi a vez da Babilônia, dos magos caldeus, de suas
ciências ocultas, de seus templos profundos e maciços, onde evocam o
fogo vivo onde se movem os demônios e os Deuses.

Ao escutar Pitágoras, Teocléia experimentava sensações
surpreendentes. Tudo o que ele dizia ficava gravado com letras de fogo
em seu espírito. Aquelas coisas pareciam-lhe ao mesmo tempo
maravilhosas e conhecidas. Aprendendo-as, acreditava recordar. As
palavras do mestre faziam-na folhear as páginas do Universo como em
um livro. Ela não via mais os Deuses sob suas efígies humanas, mas em
suas essências, que formam as coisas e os espíritos. Flutuava, subia,
descia com eles nos espaços. Às vezes, tinha a ilusão de não mais sentir
os limites de seu corpo e de se dissolver no infinito. Assim, sua
imaginação entrava pouco a pouco no mundo invisível; e as marcas
antigas que encontrava em sua própria alma diziam-lhe que era esta a
verdade, a única realidade. O resto era apenas aparência. Ela sentia que
em breve seus olhos interiores abrir-se-iam para contemplá-la
diretamente.(pag.245)

Daquelas alturas o mestre a trouxe bruscamente de volta à terra,
narrando as infelicidades do Egito. Depois de ter discorrido sobre a
grandeza da ciência egípcia, ele mostrou-a sucumbindo sob a invasão
persa. Narrou os horrores de Cambises, os templos saqueados, os livros
sagrados jogados à fogueira, os sacerdotes de Osíris mortos ou
dispersos, o monstro do despotismo persa concentrando sob sua mão de
ferro toda a velha barbárie asiática; as raças errantes semi-selvagens do
centro da Ásia e do fundo da Índia esperando somente uma ocasião para
precipitar-se sobre a Europa. Sim, esse ciclone que aumentava devia um
dia eclodir sobre a Grécia, tão seguramente quanto o raio deve sair de
uma nuvem que se condensa no ar. A Grécia dividida estaria preparada
para resistir a esse choque terrível? Ela nem sequer suspeitava disso. 

Os
povos não evitam seus destinos, e, se não vigiarem incessantemente, os
Deuses os precipitam. A sábia nação de Hermes, o Egito, não
desmoronara após seis mil anos de prosperidade? E a Grécia, a bela
Jônia, passaria mais depressa ainda! Chegará o tempo em que o Deus
solar abandonará este templo, cujas pedras os bárbaros derrubarão,
enquanto os pastores apascentarão seus rebanhos nas ruínas de Delfos...
Ante estas sinistras profecias, a fisionomia de Teocléia
transformou-se, exibindo uma expressão de pavor. Ela se deixou cair
por terra e, abraçada a uma coluna, olhos fixos, abismada em seus
pensamentos, parecia o gênio da Dor chorando sobre o túmulo da
Grécia.

“Mas estes, continuou Pitágoras, são segredos que devem ficar
sepultados no fundo dos templos. O iniciado atrai a morte ou a repele à
sua vontade. Formando a cadeia mágica das vontades, os iniciados
prolongam também a vida dos povos. Cabe a vós retardar a hora fatal,
cabe a vós fazer brilhar a Grécia, cabe a vós fazer resplandecer nela o
verbo de Apolo. Os povos são o que deles fazem os seus Deuses.(pag.246)

Mas os Deuses só se revelam àqueles que os invocam. O que é Apolo? O
Verbo do Deus único que se manifesta eternamente no mundo. A
verdade é a alma de Deus, seu corpo é a luz. Os sábios, os videntes, os
profetas são os únicos que a vêem. Os homens só vêem sua sombra. Os
espíritos glorificados, que denominamos heróis e semideuses, habitam
esta luz, em legiões, em esferas inumeráveis. Eis o verdadeiro corpo de
Apolo, o sol dos iniciados, e sem seus raios nada de grande se faz sobre
a Terra. Como o ímã atrai o ferro, com nossos pensamentos, com nossas
preces, com nossas ações, atraímos a inspiração divina. A vós cabe
transmitir à Grécia o verbo de Apolo; e a Grécia brilhará com uma luz
imortal!”

Foi com discursos semelhantes que Pitágoras conseguiu devolver
aos sacerdotes de Delfos a consciência de sua missão. Teocléia
absorvia-os com uma paixão silenciosa e concentrada. Transformava-se
a olhos vistos, sob a influência do pensamento e da vontade do mestre,
como sob um lento encantamento. De pé, em meio aos anciãos
espantados, ela desfazia sua cabeleira negra e a afastava da testa, como
se ali sentisse correr fogo. Já seus olhos, muito abertos e transfigurados,
pareciam contemplar os gênios solares e planetários, em suas órbitas
esplêndidas e intensa irradiação.

Um dia ela caiu espontaneamente num sono profundo e lúcido. Os
cinco profetas cercaram-na; ela permaneceu insensível à sua voz e ao
seu toque. Pitágoras aproximou-se e disse: “Levanta-te e vai onde meu
pensamento te enviar. Pois de agora em diante és Pitonisa!”
À voz do mestre, um tremor percorreu-lhe todo o corpo e a
soergueu numa longa vibração. Seus olhos estavam fechados; mas ela
via interiormente.
Pitágoras perguntou-lhe:
– Onde estás?
– Eu subo... subo cada vez mais.
– E agora?
– Nado na luz de Orfeu...
– O que vês no futuro? (pag.247)

– Grandes guerras... homens de bronze... brancas vitórias... Apolo
volta para habitar seu santuário e eu serei sua voz!... Mas, tu, seu
mensageiro... Ai! Ai! tu vais deixar-me... e levarás sua luz para a Itália.
A vidente, de olhos fechados, falou durante longo tempo com sua
voz musical, ofegante, ritmada. Depois, com um soluço, caiu como
morta.

Assim Pitágoras, vertia os puros ensinamentos no seio de Teocléia
e afinava-a como uma lira para o sopro dos Deuses. Uma vez exaltada a
esta altura de inspiração, ela tornou-se uma chama, graças à qual ele
pôde sondar seu próprio destino, desvendar o possível futuro, dirigindose
às plagas sem margem do invisível. Esta contraprova palpitante das
verdades que ele ensinava encheu os sacerdotes de admiração, despertou
seu entusiasmo e reanimou sua fé. O templo tinha agora uma pitonisa
inspirada, sacerdotes iniciados nas ciências e nas artes divinas. Delfos
poderia transformar-se num centro de vida e de ação.

Pitágoras permaneceu ali um ano inteiro. Foi só depois de ter
instruído os sacerdotes em todos os segredos de sua doutrina e de ter
formado Teocléia para o seu ministério que ele partiu para a Magna
Grécia.

(1). Reichenbach chamou este fluido de odylo. Sua obra foi traduzida
para o inglês por Gregory: Researches on magnetism, electricity, heat, light,
cristallization and chemical attraction. – Londres, 1850.
(2). Ver o Boletim da Sociedade de psicologia fisiológica, presidida por
M. Charcot, 1885. Ver, sobretudo, o belo livro de M. Ochorowicz, De la
Suggestion Mentale, Paris, 1887.
(3). Sobre esta matéria existe uma literatura abundante, de valor
bastante desigual, tanto na França quanto na Alemanha e na Inglaterra.
Citaremos aqui duas obras em que essas questões são tratadas cientificamente por homens dignos de fé: (pag.248)

1º Letters on animal magnetism, de William Gregory, Londres, 1850. –
Gregory era professor de Química na Universidade de Edimburgo. Seu livro é
um estudo aprofundado dos fenômenos do magnetismo animal, desde a
sugestão até a visão à distância e clarividência lúcida, em indivíduos
observados por ele mesmo, de acordo com métodos científicos e com
minuciosa exatidão.

2º Die Mystischen Erscheinungen der menschlichen Natur, von
Maximilian Perty, Leipzig, 1872. – M. Perty foi professor de Filosofia e de
Medicina na Universidade de Berna. Seu livro oferece um imenso repertório
de todos os fenômenos ocultos que têm algum valor histórico. O capítulo
bastante notável sobre a clarividência (Schlafwachen), volume I, encerra vinte
histórias de mulheres sonâmbulas e cinco de homens sonâmbulos, narradas
pelos médicos que os trataram. A história da clarividente Weiner, tratada pelo
autor, é das mais curiosas. – Ver também os tratados de magnetismo de
Dupotet, Deleuze e o livro extremamente curioso: Die Sherin von Prévorst, de
Justinis Kerner.

(4). Exemplos numerosos em Gregory: Letters, XVI, XVII e XVIII.
(5). O filósofo alemão Schelling reconheceu a importância capital do
sonambulismo na questão da imortalidade da alma. Ele observa que, no sono
lúcido, produz-se uma elevação e uma liberação relativa da alma em relação
ao corpo, como jamais acontece no estado normal. Nos sonâmbulos tudo
demonstra a mais intensa consciência, como se todo o ser estivesse
concentrado num foco luminoso que reúne o passado, o presente e o futuro.
Longe de perderem a memória, o passado se esclarece para eles, o próprio
futuro mesmo se revela às vezes num clarão intenso. Se isto é possível na vida terrestre – pergunta Schelling – não é certo que nossa personalidade espiritual que nos acompanha na morte, já está presente em nós atualmente, que ela não nasce nesta ocasião, que ela simplesmente é libertada e se revela assim que não está mais ligada ao mundo exterior pelos sentidos? O estado depois da morte é, pois, mais real do que o estado terrestre. Nesta existência, o acidental, se imiscuindo em tudo, paralisa em nós o essencial. Schelling muito simplesmente chama de clarividência o estado futuro. O espírito, desembaraçado de tudo que existe de acidental na vida terrestre, torna-se mais vivo e mais forte. O mau torna-se pior e o bom,melhor (pag.249).

Muito recentemente, M. Charles Du Prel sustentou a mesma tese, com
uma grande riqueza de fatos e de observações, num belo livro: Philosophie
der Mystik (1886). Ele parte do seguinte fato: “A consciência do eu não
esgota seu objeto. A alma e a consciência não são termos adequados. Não se
ajustam, pois não têm uma extensão igual. A esfera da alma ultrapassa em
muito a da consciência”. Há, então, em nós um eu latente. Este eu latente, que
se manifesta rio sono e no sonho, é o verdadeiro eu supraterrestre e
transcendente, cuja existência precedeu nosso eu terrestre, ligado ao corpo. O
eu terrestre é perecível; o eu transcendente é imortal. Eis por que São Paulo
disse: “Já nesta terra caminhamos para o céu.”



QUARTO GRAU – EPIFANIA
O adepto. – A mulher iniciada. – O amor e o casamento.

Acabamos de atingir, com Pitágoras, o apogeu da iniciação antiga.
Desta altura, a Terra parece inundada de sombra como um astro
agonizante. Dali descortinam-se as perspectivas siderais, desenrola-se,
como um conjunto maravilhoso, a visão de cima, a epifania do
Universo (9). Porém a finalidade desse ensinamento não era absorver o
homem na contemplação ou no êxtase. O mestre levara seus discípulos
a passear pelas regiões incomensuráveis do Cosmo, mergulhara-os nos
abismos do invisível. Da assustadora viagem, os verdadeiros iniciados
deviam voltar à terra melhores, mais fortes e mais preparados para as
provas da vida.

À iniciação da inteligência devia suceder à da vontade, a mais
difícil de todas. Pois trata-se agora de o discípulo deixar a verdade
descer no mais profundo de seu ser, de pô-la em prática durante a vida.
Para atingir este ideal, era preciso, segundo Pitágoras, reunir três
perfeições: realizar a verdade na inteligência, a virtude na alma, a
pureza no corpo. Uma higiene sábia, uma continência moderada deviam
manter a pureza corporal, necessária não como fim, mas como meio.

Todo o excesso corporal deixa um traço e uma nódoa no corpo astral,
organismo vivo da alma, e por conseguinte, no espírito. Pois o corpo
astral concorre para todos os atos do corpo material. É ele mesmo que
os executa, porque sem ele o corpo material não passa de uma massa
inerte. É preciso, portanto, que o corpo seja puro para que a alma o seja
também. É preciso, em seguida, que a alma, incessantemente iluminada
pela inteligência, adquira a coragem, a abnegação, o devotamento e a fé,
em uma palavra, a virtude, e da mesma faça uma segunda natureza que
substitua a primeira. (pag.294)

É preciso, finalmente, que o intelecto atinja a sabedoria pela ciência, de tal sorte que saiba distinguir em tudo o bem e o mal, e ver Deus tanto no menor dos seres como no conjunto dos mundos. A essa altura, o homem torna-se adepto e, se possui energia suficiente, entra na posse de faculdades e poderes novos. Os sentidos internos da alma se abrem, a vontade resplandece nos outros. Seu magnetismo corporal, penetrado dos eflúvios de sua alma astral, eletrizado por sua vontade, adquire um poder aparentemente
miraculoso. Às vezes, cura doentes pela imposição das mãos ou
somente por sua presença. Muitas vezes, penetra nos pensamentos dos
homens apenas com o olhar. Algumas vezes, em estado de vigília, vê
acontecimentos que ocorrem longe (10). Age à distância pela
concentração do pensamento e da vontade sobre as pessoas que estão
ligadas a ele por laços de simpatia pessoal, e lhes faz aparecer sua
imagem à distância, como se seu corpo astral pudesse transportar-se
para fora do corpo material.

 A aparição dos moribundos ou dos mortos aos amigos é exatamente o mesmo fenômeno. Só que a aparição que o moribundo ou a alma do morto produz geralmente, por um desejo inconsciente, na agonia ou na segunda morte, o adepto a produz em plena saúde e em plena consciência. Todavia, ele apenas o consegue durante o sono e, quase sempre, durante um sono letárgico, enfim, o adepto sente-se cercado e protegido por seres invisíveis, superiores e
luminosos, que lhe emprestam sua força e o ajudam em sua missão

Raros são os adeptos,
 mais raros ainda aqueles que alcançam este poder. 
A Grécia só conheceu três: 
Orfeu, na aurora do helenismo;
Pitágoras, em seu apogeu; 
Apolônio de Tiana, em seu declínio.
Orfeu foi o grande inspirado e o grande iniciador da religião grega; Pitágoras,
o organizador da ciência esotérica e da filosofia das escolas; Apolônio,
o estóico moralizador e o mágico popular da decadência. Mas em todos
os três, apesar dos graus e através das nuances, brilha o raio divino: o
espírito apaixonado pela salvação das almas, a indomável energia
revestida de mansidão e serenidade. Todavia, não vos aproximeis muito
dessas grandes frontes calmas. Elas queimam em silêncio. Sente-se sob
a fornalha uma vontade ardente, mas sempre contida.(pag.295)

Pitágoras representa para nós, portanto, um adepto de primeira
ordem, com o espírito científico e a fórmula filosófica que mais se
aproximam do espírito moderno. Mas ele não podia nem pretendia fazer
de seus discípulos adeptos perfeitos. Uma grande época tem sempre um
grande inspirador em sua origem. Seus discípulos e os alunos de seus
discípulos formam a cadeia imantada e propagam seu pensamento pelo
mundo. No quarto grau da iniciação, Pitágoras se contentava, pois, em
ensinar a seus fiéis as aplicações de sua doutrina à vida. Porque a
Epifania, a visão do alto, dava um conjunto de visões profundas e gerais
sobre as coisas terrestres.

A origem do bem e do mal 
permanece um mistério incompreensível
para quem não percebeu a origem e o fim das coisas.
Uma moral que não considera os supremos destinos do homem só será
utilitária e bastante imperfeita. Além do mais, a liberdade humana não
existe de fato para aqueles que são sempre escravos de suas paixões, e
não existe de direito para aqueles que não acreditam nem na alma nem
em Deus, e para quem a vida é um relâmpago entre dois nadas. Os
primeiros vivem na servidão da alma acorrentada às paixões; os
segundos, na servidão da inteligência limitada ao mundo físico.

Não acontece o mesmo com o homem religioso, nem com o verdadeiro
filósofo, e menos ainda com o teósofo iniciado, que realiza a verdade na
trindade de seu ser e na unidade de sua vontade. Para compreender a
origem do bem e do mal, o iniciado contempla os três mundos com os
olhos do espírito. Vê o mundo tenebroso da matéria e da animalidade,
onde domina o inelutável Destino. Vê o mundo luminoso do Espírito,
que para nós é o mundo invisível, a imensa hierarquia das almas
libertadas, onde reina a lei divina, e que são a Providência em ato. Entre
os dois, ele vê numa penumbra a humanidade, que mergulha, pela base,
no mundo natural e que toca, por seus pináculos, o mundo divino. Ela
tem por gênio: A Liberdade. Porque, no momento em que o homem
percebe a verdade e o erro, está livre para escolher: juntar-se à
Providência, cumprindo a verdade, ou tombar sob a lei do destino,
seguindo o erro.(pag.296)

 O ato da vontade unido ao ato intelectual 
é somente um ponto matemático, 
mas desse ponto brota o universo espiritual. 
Todo espírito sente parcialmente pelo instinto o que o teósofo compreende
totalmente pelo intelecto: que o Mal é aquilo que faz descer o homem
para a fatalidade da matéria; que o Bem é aquilo que o faz subir à lei
divina do Espírito. Seu verdadeiro destino é subir sempre, cada vez
mais alto e por seu próprio esforço. Para isto, porém, é preciso que ele
seja livre também para descer. O círculo da liberdade amplia-se até o
infinitamente grande, à medida que se sobe; e diminui, até o
infinitamente pequeno, à medida que se desce.

 Quanto mais o homem sobe,
 mais se torna livre, pois penetra
 mais profundamente na luz, e
mais força adquire para o bem. 

Quanto mais desce,
 mais se torna escravo;
 pois cada queda no mal diminui 
sua inteligência do verdadeiro 
e a capacidade do bem.
O Destino reina, portanto, sobre o passado; a Liberdade, sobre o
futuro; e a Providência sobre os dois, ou seja, sobre o presente sempre
existente, que se pode denominar Eternidade (11). 

Da ação combinada do Destino, da Liberdade e da Providência resultam os destinos inumeráveis, infernos e paraísos das almas.

 O mal, estando em desacordo com a lei divina, não é obra de Deus, mas do homem, e só tem uma existência relativa, aparente e transitória. O bem, estando de acordo com a lei divina, existe só real e eternamente. Nem os sacerdotes de Delfos e de Elêusis, nem os filósofos iniciados jamais quiseram
revelar essas profundas idéias ao povo, que poderia compreendê-las
erroneamente e abusar delas. 

Nos Mistérios, representava-se simbolicamente essa doutrina pelo esfacelamento de Dionísio. Porém um véu impenetrável ocultava aos profanos o que se chamava de os sofrimentos de Deus.

As maiores discussões religiosas e filosóficas
 rolam sobre a questão da origem do bem e do mal. 
Acabamos de ver que a doutrina
esotérica possui-lhe a chave em seus arcanos.(pag.297)

Existe outra questão capital, de que depende o problema social e
político; a da desigualdade das condições humanas. O espetáculo do
mal e da dor tem em si alguma coisa de assustador. Pode-se acrescentar
que sua distribuição, aparentemente arbitrária e injusta, é a origem de
todos os ódios, de todas as revoltas, de todas as negações. Ainda aqui, a
doutrina profunda traz em nossas trevas terrestres sua luz soberana de
paz e esperança. 

A diversidade das almas, 
das condições, dos destinos,
pode-se justificar efetivamente apenas 
pela pluralidade das existências e
pela doutrina da reencarnação. 
Se o homem nasce pela primeira vez nesta vida, como explicar os inúmeros males que parecem cair ao acaso sobre ele? Como admitir que há uma justiça eterna, uma vez que alguns nascem numa condição que arrasta fatalmente à miséria e à humilhação, enquanto que outros nascem afortunados e vivem felizes? 

Mas, se é verdade que vivemos outras vidas antes e que viveremos outras após a morte, se é verdade que através de todas essas existências reina a lei de recorrência e de repercussão – então as diferenças de alma, de condição,
de destino, apenas serão efeitos das vidas anteriores e aplicações
múltiplas dessa lei. 

As diferenças de condição provêm de um emprego desigual da liberdade nas vidas precedentes, e as diferenças intelectuais provêm de que os homens que atravessam a terra em um século pertencem a graus de evolução extremamente diversos. Estes graus se escalonam. desde a semi-animalidade das. pobres raças em regressão até os estados angélicos dos santos e até a realeza divina do gênio.

 Na realidade, 
a terra se assemelha a um navio, 
e nós todos que a habitamos,
a viajantes que vêm de países longínquos 
e se dispersam por etapas em
todos os pontos do horizonte. 
A doutrina da reencarnação dá uma razão
de ser, segundo a justiça e a lógica eterna, 
aos males mais assustadores e
às felicidades mais almejadas. 
O idiota nos parecerá compreensível se raciocinarmos que seu embrutecimento, do qual tem uma semiconsciência e com a qual sofre, é a punição de um emprego criminoso da inteligência em outra vida. Todas as nuances de sofrimentos físicos ou morais, de felicidade e de infelicidade, em suas inúmeras variedades, aparecerão como eflorescências naturais e sabiamente graduais dos instintos e das ações, das faltas e das virtudes de um longo passado, pois a alma conserva em suas profundezas ocultas tudo o que ela acumula em suas diversas existências. De acordo com a
hora e a influência, as camadas antigas reaparecem e desaparecem. E o
destino, isto é, os espíritos que o dirigem, proporcionam o gênero de
reencarnação, quanto a seu lugar e sua qualidade. Lísis exprime esta
verdade, ocultando-a sob um véu, em seus versos dourados:(pag.298)

Verás que os males que devoram os homens
São o fruto de sua escolha; e que esses infelizes
Procuram longe de si os bens cuja fonte carregam.
Longe de enfraquecer o sentimento de fraternidade e de
solidariedade humana, essa doutrina só pode fortificá-lo. Devemos a
todos ajuda, simpatia e caridade, pois somos todos da mesma raça,
embora em graus diversos. 

Todo o sofrimento é sagrado, 
porque a dor é o cadinho das almas. 

Toda a simpatia é divina, 
porque ela nos faz sentir, como que por um eflúvio magnético,
 a cadeia invisível que liga todos os mundos. 

A virtude da dor é a razão do gênio. 

Sim, sábios e santos,
profetas e divinos criadores
 resplandecem com uma beleza mais comovente
 para aqueles que sabem que também eles resultam 
da evolução universal. 

Esta força que nos espanta, quantas vidas, quantas
vitórias não foram necessárias para conquistá-la? Esta luz inata do
gênio, de quais céus já atravessados ela lhe vem? Não o sabemos. Mas
estas vidas existiram e esses céus existem. Não está, pois, enganada a
consciência dos povos. Os profetas não mentiram quando chamaram os
homens de filhos de Deus, enviados do céu profundo. Porque sua
missão foi requerida pela eterna Verdade, legiões invisíveis os protegem
e o Verbo vivo fala neles!

Há entre os homens uma diversidade que provém da essência primitiva dos indivíduos. Há uma outra, acabamos de dizê-lo, que provém do grau de evolução espiritual que eles atingiram. De acordo  com este último ponto de vista, os homens podem situar-se em quatro classes, que compreendem todas as subdivisões e todas as nuances.(pag.299)

. Na grande maioria dos homens, a vontade age sobretudo no
corpo. Podemos chamá-los de instintivos. São próprios não somente
para os trabalhos corporais, mas ainda para o exercício e o
desenvolvimento de sua inteligência no mundo físico;
conseqüentemente, para o comércio e a indústria;

. No segundo grau do desenvolvimento humano, a vontade e
portanto a consciência, reside na alma, ou seja, na sensibilidade
acionada pela inteligência, que constitui o entendimento. São os
anímicos e os passionais. Segundo seu temperamento, estão preparados
para se tornarem homens de guerra, artistas ou poetas. Na grande
maioria, os homens de letras e os sábios são desta espécie: vivem nas
idéias relativas, modificadas pelas paixões ou limitadas por um
horizonte pequeno, sem se elevarem até à Idéia pura e à Universalidade;

Numa terceira classe de homens, muito mais raros, a vontade
age soberanamente no intelecto puro; desembaraça a inteligência da
tirania das paixões e dos limites da matéria, o que dá a todas as suas
concepções um caráter de universalidade. São os intelectuais. Esses
homens constituem os heróis mártires da pátria, os poetas de primeira
ordem; finalmente, e sobretudo, os verdadeiros filósofos e os sábios,
aqueles que, segundo Pitágoras e Platão, deveriam governar a humanidade. Nesses homens, a paixão não está extinta, porque sem ela nada se faz; ela constitui o fogo e a eletricidade no mundo moral. Neles, porém, as paixões tornam-se servas da inteligência, enquanto que na categoria anterior a inteligência é, na maioria das vezes, serva das paixões;

O mais alto ideal humano é realizado por uma quarta classe de
homens, que, ao império da inteligência sobre a alma e sobre o instinto,
acrescentaram o da vontade sobre todo o seu ser. Pelo domínio e posse
de todas as suas faculdades, eles exercem o grande poder. Realizaram a
unidade na trindade humana. Graças a esta concentração maravilhosa,
que reúne todas as potencialidades da vida, sua vontade, projetando-se
nos outros, adquire uma força quase ilimitada, uma magia radiante e criadora.(pag.300)

Na história, estes homens receberam nomes diversos. São os
homens primordiais, os adeptos, os grandes iniciados, gênios sublimes
que transformam a humanidade. São de tal maneira raros que se pode
contá-los na história. A Providência semeia-os de tempos em tempos,
com longos intervalos, como os astros no céu (12).

É evidente que esta última categoria escapa a toda regra, a toda classificação. Mas uma constituição da sociedade humana que não considere as três primeiras categorias, que não proporcione a cada uma delas sua função normal e os meios necessários para se desenvolver, é somente exterior e não orgânica.

 Numa época primitiva, que remonta provavelmente aos tempos védicos, os brâmanes da Índia fundaram a divisão da sociedade em castas com base no princípio ternário. Mas, com o tempo, essa divisão tão justa e fecunda transformou-se em privilégio sacerdotal e aristocrático. O princípio da vocação e da iniciação deu lugar ao da hereditariedade. As castas fechadas acabaram
por petrificar-se, seguindo-se irremediavelmente a decadência da Índia.

O Egito, que conservou, sob o domínio de todos os faraós, a constituição ternária com as castas móveis e abertas, o princípio da iniciação aplicada ao sacerdócio, o princípio do exame em todas as funções civis e militares, viveu cinco a seis mil anos sem mudar de constituição.

 Quanto à Grécia, seu temperamento instável fê-la passar
rapidamente da aristocracia para a democracia e desta para a tirania. Ela
girou neste círculo vicioso como um doente que passa da febre à letargia
e volta à febre. Talvez tivesse necessidade desta excitação para produzir
sua obra inigualável, a tradução da sabedoria profunda mas obscura do
Oriente 

para uma
 linguagem clara e universal; 
a criação do Belo pela Arte, 
e a fundação da ciência aberta e racional 
sucedendo à iniciação secreta e intuitiva.
Ela deveu ao princípio da iniciação sua organização
religiosa e suas mais altas inspirações. Social e politicamente falando,
pode-se dizer que viveu sempre no provisório e no excessivo. Em sua
qualidade de adepto, Pitágoras tinha compreendido, do cume da iniciação, os princípios eternos que regem a sociedade e prosseguia, no plano de uma grande reforma, segundo essas verdades. Veremos dentro  em pouco como ele e sua escola naufragaram nas tempestades da democracia.(pag.301)

Dos puros pináculos da doutrina, a vida dos mundos se desenrola
de acordo com o ritmo da Eternidade. Esplêndida Epifania! Mas aos
raios mágicos do firmamento desvendado, a terra, a humanidade, a vida
abrem-nos também suas profundezas secretas. É preciso encontrar o
infinitamente grande no infinitamente pequeno, para sentir a presença
de Deus. Isto é o que sentiam os discípulos de Pitágoras, quando o
mestre lhes mostrava, para coroar seu ensinamento, como a eterna
Verdade se manifesta na união do Homem e da Mulher no casamento. 

A beleza dos números sagrados 
que eles tinham ouvido e contemplado no Infinito, 
iam encontrá-la no próprio coração da vida, 
e Deus emergiria para eles do grande mistério
 dos Sexos e do Amor.

A antigüidade compreendera uma verdade essencial, que as idades
seguintes menosprezaram. A mulher, para bem cumprir suas funções de
esposa e de mãe, tem necessidade de uma orientação, de uma iniciação
especial. Daí a iniciação puramente feminina, isto é, inteiramente
reservada às mulheres. Ela existia na Índia, nos tempos védicos, em que
a mulher era sacerdotisa no altar doméstico. No Egito, ela remonta aos
mistérios de Ísis. Orfeu organizou-a na Grécia. Até à extinção do
paganismo, vemo-la florescer nos mistérios dionisíacos, assim como
nos templos de Juno, Diana, Minerva e Ceres.

 Esta iniciação consistia em ritos simbólicos, cerimônias, festas noturnas, e depois em um ensinamento especial, ministrado por sacerdotisas mais velhas ou pelo grande sacerdote, e que tratava das coisas mais íntimas da vida
conjugal. Davam-se conselhos e regras sobre as relações sexuais, as
épocas do ano e do mês favoráveis às concepções felizes. Dava-se a
maior importância à higiene física e moral da mulher durante a
gravidez, para que a obra sagrada, a criação do filho, se cumprisse
segundo as leis divinas. 

Em resumo, 
ensinava-se a ciência da vida
conjugal e a arte da maternidade, 
que se estendia até muito além do nascimento. 
Até a idade de sete anos, os filhos ficavam no gineceu, 
sob a direção exclusiva da mãe, e onde o marido não penetrava.
 A sábia antigüidade considerava a criança uma planta delicada, que tem necessidade, para não se atrofiar, da quente atmosfera maternal. O pai a deformaria; eram necessários os beijos e carícias da mãe para desabrochar. Era necessário o amor forte, envolvente da mulher, que defendesse dos perigos externos esta alma que a vida assustava. Por cumprir em plena consciência estas altas funções, consideradas divinas pela Antigüidade, que a mulher era verdadeiramente a sacerdotisa da família, a guardiã do fogo sagrado da vida, a Vesta do lar. A iniciação feminina pode, portanto, ser considerada a verdadeira razão da beleza da raça, da força das gerações, da duração das famílias na Antigüidade greco-romana (13).(pag.302)

Estabelecendo uma ala para as mulheres em seu Instituto,
Pitágoras não fez mais que purificar e aprofundar o que já existia antes
dele. As mulheres iniciadas por ele recebiam, com os ritos e os
preceitos, os princípios supremos de sua função. Ele dava assim,
àquelas que eram dignas disso, a consciência de seu papel. Revelavalhes
a transfiguração do amor no casamento perfeito, que é a penetração
de duas almas no próprio centro da vida e da verdade. O homem, em
sua força, não é o representante do princípio e do espírito criador? 

A mulher, em todo o seu poder, não personifica a natureza na sua força
plástica, em suas realizações maravilhosas, terrestres e divinas? Pois
bem, quando esses dois seres chegarem a se penetrar completamente,
corpo, alma, espírito, eles formarão juntos um resumo do Universo. Mas
para crer em Deus a mulher tem necessidade de vê-lo viver no homem;
e para isto é preciso que o homem seja iniciado. Só ele é capaz, por sua
inteligência profunda da vida, por sua vontade criadora, de fecundar a
alma feminina, de transformá-la pelo ideal divino. E este ideal, a mulher
amada devolve-lhe multiplicado em seus pensamentos vibrantes, em
suas sensações sutis, em suas profundas adivinhações. Ela envia-lhe sua
imagem transfigurada pelo entusiasmo, torna-se seu ideal, pois o
realiza pelo poder de seu amor em sua própria alma. Por meio dela, ele
se torna vivo e visível, faz-se carne e sangue. Se o homem cria pelo desejo e pela vontade, a mulher, física e espiritualmente, gera por amor.

Em
seu papel 
de amante, esposa,
 mãe ou inspirada, ela não é menor,
 e é mais divina ainda, do que o homem. 
Pois amar é esquecer. A mulher que se esquece 
e que se entrega em seu amor é sempre sublime. 
Ela encontra nesse aniquilamento seu renascimento celeste,
 sua coroa de luz e irradiação imortal de seu ser.(pag.303)

O amor reina 
como senhor na literatura moderna, 
há dois séculos.
Não é o amor puramente sensual que se ilumina à beleza do corpo,
como nos poetas antigos. Não é o culto insípido de um ideal abstrato e
convencional, como na Idade Média. Não! É o amor ao mesmo tempo
sensual e psíquico que, deixado em total liberdade e em plena fantasia
individual, avança. Mais freqüentemente os dois sexos se guerreiam no
amor. Revoltas da mulher contra o egoísmo e a brutalidade do homem;
desprezo do homem pela falsidade e a vaidade da mulher; gritos da
carne, cóleras impotentes das vítimas da volúpia, dos escravos do
deboche. No meio disto, paixões profundas, atrações terríveis, tanto
mais poderosas quanto mais são entravadas pelas convenções mundanas
e instituições sociais. Daí aqueles amores plenos de tormenta, de
destruições morais, de catástrofes trágicas, sobre os quais se
desenrolam, quase que exclusivamente, o romance e o drama modernos.

Dir-se-ia que o homem, cansado, não encontrando Deus nem na ciência
nem na religião, procura-o perdidamente na mulher. E faz muito bem.
Entretanto, é só através da iniciação das grandes verdades que Ele o
encontra n’Ela e Ela n’Ele. Entre estas almas que se ignoram
reciprocamente e que se ignoram a si mesmas, que às vezes se deixam,
amaldiçoando-se, existe uma sede imensa de se penetrarem e de
encontrar nesta fusão a felicidade impossível. 

Apesar das aberrações e dos excessos que disso resultam, essa procura desesperada é necessária. Ela sai de um divino inconsciente e será um ponto vital para a reedificação do futuro. Porque quando o homem e a mulher se
encontrarem a si mesmos e um ao outro pelo amor profundo e pela
iniciação, sua fusão será a força radiante e criadora por excelência.

O amor psíquico, o amor-paixão da alma somente há pouco tempo
entrou na literatura e, por esta, na consciência universal. Mas tem sua
fonte na iniciação antiga. Se a literatura grega mal o deixa transparecer,
era por ser uma exceção raríssima. Isso também decorre do segredo
profundo dos mistérios. Todavia, a tradição religiosa e filosófica (pag.304)
conservou os traços da mulher iniciada. Por trás da poesia e da filosofia
oficiais, algumas figuras de mulheres aparecem meio veladas, mas
luminosas. Já conhecemos a pitonisa Teocléia, que inspirou Pitágoras.

Mais tarde virá a sacerdotisa Corina, rival muitas vezes feliz de Píndaro,
o qual foi o mais iniciado dos líricos gregos. Finalmente, a misteriosa
Diotima aparece no banquete de Platão, para fazer a suprema revelação
sobre o Amor. Ao lado dessas missões excepcionais, a mulher grega
exerceu seu verdadeiro sacerdócio no lar e no gineceu. Sua criação
própria foram justamente os heróis, os artistas, os poetas, dos quais
admiramos os cantos, os mármores e as ações sublimes. Foi ela que os
concebeu no mistério do amor, que os moldou em seu seio com o desejo
da beleza, que os fez desabrochar sob a proteção materna.

Acrescentemos que para a mulher e o homem verdadeiramente
iniciados, a criação do filho tem um sentido infinitamente mais belo, um
alcance maior do que para nós. Quando o pai e a mãe sabem que a alma
da criança preexiste a seu nascimento terrestre, a concepção torna-se um
ato sagrado, o apelo de uma alma à encarnação.

Entre a alma encarnada e a mãe, existe quase sempre um profundo
grau de semelhança. Assim como as mulheres más e perversas atraem
os espíritos demoníacos, assim também as mães ternas atraem os
espíritos divinos. Esta alma invisível que se espera, que está para vir e
que vem tão misteriosamente e tão seguramente, não será ela algo
divino? Seu nascimento, seu aprisionamento na carne será doloroso;
pois se entre ela e seu céu abandonado um véu grosseiro se interpõe, e
se ela deixa de lembrar, ah! ela não poderia sofrer menos! Por isso,
santa e divina é a tarefa da mãe, que deve criar para ela uma nova
morada, dulcificar-lhe a prisão e facilitar-lhe a prova. 

Assim, 
o ensinamento de Pitágoras,
 que começara nas profundezas do Absoluto pela trindade divina, 
terminava no centro da vida pela trindade humana.
No Pai, na Mãe e no Filho o iniciado sabia reconhecer agora o Espírito,
a Alma e o Coração do Universo vivo. Esta última iniciação constituía
para ele o fundamento da obra social concebida à altura e em toda a
beleza do ideal, edifício para o qual cada iniciado devia trazer sua
pedra.(pag.305)

(1). Orígenes acredita que Pitágoras tenha sido o inventor da
fisiognomonia.
(2). Katharsis em grego.

(3). Na matemática transcendental, demonstra-se algebricamente que
zero multiplicado pelo infinito é igual a Um. Zero, na ordem das idéias
absolutas, significa o Ser indeterminado. O Infinito, o Eterno, na linguagem
dos templos, marcava-se por um círculo ou por uma serpente a morder a
cauda. Isto significava o Infinito movendo-se por si mesmo. Ora, no momento
em que Infinito se determina, ele produz todos os números que contém em sua grande unidade e que governa numa harmonia perfeita.

Este é o sentido transcendente do primeiro problema da teogonia
pitagórica, a razão pela qual a grande Mônada contém todas as pequenas e
todos os números brotam da grande unidade em movimento.
(4). Encontra-se doutrina idêntica no iniciado São Paulo, que fala do
corpo espiritual.

(5). Como primeiro dessa série deve-se citar Fabre d'Olivet (Vers dorés
de Pythagore). Esta concepção viva das forças do Universo, atravessando-o
de alto a baixo, nada tem a ver com as especulações vazias dos puros
metafísicos, como, por exemplo, a tese, a antítese e a síntese de Hegel,
simples jogos do espírito.
(6). Em grego: Teleiótés.
 
(7). Certas definições estranhas, sob forma de metáfora, que nos foram
transmitidas que provêm do ensinamento secreto do mestre, deixam entrever,
em seu sentido oculto, a concepção grandiosa que Pitágoras tinha do Cosmo.
Falando das constelações, ele chamava a grande e a pequena Ursa de: as mãos de Réa-Cibele. Ora, Réa-Cibele significa esotericamente a luz astral que rola, a divina esposa do fogo universal ou do Espírito criador que, concentrando-se nos sistemas solares, atrai as essências imateriais dos seres, apodera-se delas e faz com que entrem no turbilhão das vidas. – Ele chamava também os planetas de os cães de Proserpina. Esta expressão singular só tem sentido esotericamente. Proserpina, a deusa das almas, presidia sua encarnação na (Pag.306) matéria. Pitágoras chamava os planetas de cães de Proserpina porque eles guardam as almas encarnadas como o Cérbero mitológico guarda as almas no inferno.

(8). A lei chamada Karma, dos brâmanes e budistas.
(9). Epifania ou visão do alto; autópsia ou visão direta; teofania ou
manifestação de Deus, são idéias correlatas e expressões diversas para marcar o estado de perfeição no qual o iniciado, tendo unido sua alma a Deus,
contempla a verdade total.
(10). Citaremos dois fatos célebres deste gênero, absolutamente
autênticos. O primeiro passa-se na Antigüidade e seu herói é o ilustre filósofomágico Apolônio de Tiana.

1º fato – Segunda visão de Apolônio de Tiana – “Enquanto esses
acontecimentos (o assassinato do imperador Domiciano) passavam-se em
Roma, Apolônio os via em Éfeso. Domiciano foi atacado por Clemente, ao
meio-dia. No mesmo dia, no mesmo momento, Apolônio discursava nos
jardins junto ao Xisto. De repente ele abaixou um pouco a voz, como se
tivesse sido tomado de um pavor súbito. Continuou o discurso, mas sua
linguagem não tinha a força de sempre, como acontece com alguém que fala
pensando em outra coisa. Depois calou-se como se tivesse perdido o fio do
discurso, olhou assustado para o chão, deu três ou quatro passos para frente e gritou: “Abate o tirano!” Dir-se-ia que ele via não a imagem do fato em um
espelho, mas o fato em si mesmo, com toda a sua realidade. Os efesianos
(Éfeso inteira assistia ao discurso de Apolônio) ficaram muito espantados.

Apolônio deteve-se, como se procurasse ver o resultado de um acontecimento
duvidoso. Finalmente, exclamou: “Coragem, cidadãos de Éfeso, o tirano foi
morto hoje. Eu disse hoje? Por Minerva! Ele foi morto no mesmo instante em
que me interrompi.” Os habitantes de Éfeso julgaram que Apolônio tivesse
perdido a razão. Desejavam ardentemente que tivesse dito a verdade, mas
temiam que algum perigo lhes resultasse desse discurso. . . porém logo os
mensageiros vieram anunciar-lhes a boa nova e testemunhar em favor do
conhecimento de Apolônio. O assassinato do tirano, o dia e a hora em que foi
perpetrado, o autor, todos estes detalhes estavam perfeitamente de acordo com (pag.307) aqueles que os deuses lhes haviam mostrado no dia de seu discurso aos efesianos.” – Vida de Apolônio por Filostrato, traduzida por Chassang.


2º fato – Segunda visão de Swedenborg. – O segundo fato relaciona-se
com o maior vidente dos tempos modernos. Pode-se discutir a realidade
objetiva das visões de Swedenborg, mas não se pode duvidar de sua segunda
visão, atestada por inúmeros fatos. A visão que Swedenborg teve, a trinta
léguas de distância, do incêndio de Estocolmo, teve grande repercussão na
segunda metade do século XVIII. 

O célebre filósofo alemão, Kant, mandou fazer uma investigação em Gothenburgo, na Suécia, cidade onde ocorreu o fato, e eis o que ele escreveu a uma de suas amigas: “O fato que segue pareceme ter a maior força demonstrativa e pôr fim a toda espécie de dúvida. 

Foi no ano de 1759. M. de Swedenborg, lá pelo fim do mês de setembro, num sábado, às quatro horas da tarde, voltando da Inglaterra, tomou a direção de Gothenburgo. M. William Castel convidou-o para sua casa, com um grupo de quinze pessoas. À tarde, às seis horas, M. de Swedenborg, que saíra, voltou ao salão, pálido e consternado, dizendo que naquele mesmo instante tinha grassado um incêndio em Estocolmo em Sudermaln e que o fogo se espalhava com violência na direção de sua casa... Disse que a casa de um dos amigos, cujo nome citou, já estava reduzida a cinzas, e que a sua própria estava em perigo. 

Às oito horas, depois de uma nova saída, disse com alegria: “Graças a Deus, o incêndio foi extinto na terceira casa antes da minha.” Nessa mesma noite, informaram disso o governador. No domingo pela manhã, Swedenborg foi chamado por este funcionário, que o interrogou a respeito. Swedenborg descreveu exatamente o incêndio, o começo, a duração e o fim. No mesmo
dia, a novidade se espalhou por toda a cidade, que muito se comoveu, tanto
mais porque o governador se ocupara do assunto e muitas pessoas se
preocupavam com bens e amigos. Na tarde de segunda-feira chegou a
Gothenburgo um estafeta que o comércio de Estocolmo havia despachado
durante o incêndio. 

Nessas cartas, o incêndio era descrito exatamente da
maneira como fora contado. O que se pode alegar contra a autenticidade deste acontecimento? O amigo que me escreveu examinou tudo isto, não somente em Estocolmo mas por cerca de dois meses em Gothenburgo, mesmo. Ele conhecia ali as famílias mais importantes e pôde se informar completamente na própria cidade, na qual vive ainda a maioria das testemunhas oculares, devido ao pouco tempo decorrido (9 anos), desde 1859.” – Carta à senhorita Charlotte de Knobloch, citada por Matter. Vie de Swedenborg.(pag.308)

(11). Esta idéia ressalta logicamente do ternário humano e divino, da
trindade do microcosmo e do macrocosmo, que expusemos nos capítulos
precedentes. A correlação metafísica do Destino, da Liberdade e da
Providência foi admiravelmente deduzida por Fabre d'Olivet, em seu
comentário aos Vers dorés de Pythagore.
(12). Essa classe de homens corresponde aos quatro graus da iniciação
pitagórica, e constitui a base de todas as iniciações, até a dos franco-maçons
primitivos, que possuíam algumas migalhas da doutrina esotérica. – Ver Fabre
d'Olivet, Les Vers dorés de Pythagore.
(13). Montesquieu e Michelet são quase que os únicos autores a
notarem a virtude das esposas gregas. Nenhum deles mostrou a causa que
indico aqui.(Pag.309)

V
A FAMÍLIA DE PITÁGORAS. A ESCOLA E SEUS DESTINOS
Entre as mulheres que seguiam o ensinamento do mestre, havia
uma jovem de grande beleza. Seu pai, natural de Crotona, chamava-se
Brontinos; ela, Teano. Pitágoras aproximava-se então dos sessenta anos.
Mas o grande domínio sobre as paixões e uma vida pura, consagrada
inteiramente à sua missão, haviam conservado intacta sua força viril. A
juventude da alma, aquela chama imortal que o grande iniciado haure
em sua vida espiritual e alimenta mediante as forças ocultas da natureza,
brilhava nele e subjugava a todos os que o cercavam. 

O mago grego não estava no declínio, mas no apogeu de sua potência. Teano foi atraída para Pitágoras pela irradiação quase sobrenatural que emanava de sua pessoa. Grave, reservada, ela procurara junto ao mestre a explicação dos
mistérios, que amava sem compreender. Mas, quando à luz da verdade,
ao doce calor que a envolvia pouco a pouco, ela sentiu sua alma
desabrochar do fundo de si mesma como a rosa mística de mil pétalas,
quando ela sentiu que essa eclosão vinha dele e de sua palavra,
apaixonou-se silenciosamente pelo mestre, com um entusiasmo sem
limites e com um amor ardente.

Pitágoras não tinha procurado atraí-la. Sua afeição pertencia a
todos os discípulos. Sonhava apenas com sua escola, com a Grécia e
com o futuro do mundo. Como muitos dos grandes adeptos, tinha
renunciado à mulher para entregar-se todo à sua obra. A magia de sua
vontade, a posse espiritual de tantas almas que ele formara e que a ele
permaneciam ligadas como a um pai adorado, o incenso místico de
todos esses amores inexprimidos que subiam até ele, e esse perfume
delicado de simpatia humana que unia os irmãos pitagóricos – tudo isto
substituía para ele a volúpia, a felicidade, o amor.

Um dia, meditava sozinho sobre o futuro de sua Escola, na cripta
de Proserpina. Viu então aproximar-se séria e resoluta, a bela virgem,
com quem jamais falara em particular. Ela ajoelhou-se diante dele e
abaixou a cabeça,suplicando ao mestre –a ele que tudo podia –que a
livrasse de um amor impossível e infeliz, que consumia seu corpo e
devorava sua alma. Pitágoras quis saber o nome daquele a quem ela
amava. Após longas hesitações, Teano confessou que era ele, mas que,
preparada para tudo, se submeteria à sua vontade. Pitágoras nada
respondeu. Encorajada por esse silêncio, ela ergueu a cabeça e lançoulhe
um olhar suplicante, de onde escapavam a seiva de uma vida e o
perfume de uma alma ofertada em holocausto ao mestre.(pag.310)

O sábio ficou abalado. Seus sentidos, ele sabia vencer, sua
imaginação, ele lançara por terra. Mas, o clarão daquela alma penetrara
a sua. Naquela virgem amadurecida pela paixão, transfigurada pelo
pensamento de um devotamento absoluto, ele tinha encontrado sua
companheira e entrevisto uma realização mais completa de sua obra.
Pitágoras fez a jovem levantar-se com um gesto comovido, e Teano
pôde ver nos olhos do mestre que seus destinos estavam para sempre
unidos.

Por seu casamento com Teano, Pitágoras apôs o selo da
realização à sua obra. A associação, a fusão das duas vidas foi
completa. Um dia perguntaram à esposa do mestre quanto tempo é
necessário a uma mulher para tornar-se pura após ter tido contato com
um homem. Ela respondeu: “Se for com seu marido, ela já está na
mesma hora; se for com um outro, não ficará jamais”. Muitas mulheres
argumentarão, sorrindo, que para dizer estas palavras é preciso ser
mulher de Pitágoras e amá-lo como Teano.

Elas têm razão. 

Não é o casamento 
que santifica o amor. É o amor
que justifica o casamento. 
Teano penetrou tão completamente no pensamento de seu marido que, após sua morte, ela tornou-se o centro da ordem pitagórica, e é citada por um autor grego como autorizada na doutrina dos Números. Ela deu a Pitágoras dois filhos: Arimneste e Telauges, e uma filha: Damo. Telauges tornou-se mais tarde o mestre de Empédocles e transmitiu-lhe os segredos da doutrina.

A família de Pitágoras foi para a ordem um verdadeiro modelo.
Chamaram sua casa de o templo de Ceres e seu pátio de o templo das
Musas. Nas festas domésticas e religiosas, a mãe dirigia o coro das
mulheres e Damo, o coro das jovens. Damo foi, em todos os pontos,
digna de seus pais. Pitágoras havia-lhe confiado alguns escritos, sob a
proibição expressa de mostrá-los a quem quer que fosse fora da família.

Depois da dispersão dos pitagóricos, Damo ficou em extrema pobreza.
Ofereceram-lhe então uma elevada quantia pelo precioso manuscrito.
Porém, fiel à vontade do pai, ela sempre recusou entregá-lo.
Pitágoras viveu trinta anos em Crotona.(pag.311)

 Em vinte anos este homem admirável adquiriu um poder tal que aqueles que o chamavam de semideus não exageravam. Seu poder era um prodígio. Nenhum outro filósofo obteve algo semelhante. Sua influência não se fazia sentir somente na escola de Crotona e em suas ramificações nas outras cidades das costas italianas, mas também na política de todos esses pequenos estados.
Pitágoras era um reformador
 em toda a acepção da palavra.
Crotona, a colônia aqueana, tinha uma constituição aristocrática. O
conselho dos mil, composto das grandes famílias, exercia o poder
Legislativo e supervisionava o poder Executivo. As assembléias
populares existiam, mas com poderes restritos. Pitágoras, que desejava
para o Estado ordem e harmonia, não gostava da opressão oligárquica
nem do caos da demagogia. Aceitando a constituição dórica, ele
procurou simplesmente introduzir nela uma nova organização. A idéia
era ousada: criar, acima do poder político, um poder científico, com voz
deliberativa e consultiva nas questões vitais, tornando-se a chave do
poder, o regulador supremo do Estado. Acima do conselho dos mil, ele
organizou o conselho dos trezentos, escolhidos pelo primeiro mas
recrutados só entre os iniciados. Eram agora em número suficiente para
a tarefa. Porfírio conta que dois mil cidadãos de Crotona renunciaram à
vida habitual e reuniram-se para viver em comunidade, com as mulheres
e os filhos, depois de terem entregue seu patrimônio ao grupo.

Pitágoras queria 
pois à frente do Estado um governo científico
menos misterioso, mas também tão elevado
 quanto o sacerdócio egípcio. 
O que ele realizou por um momento passou a ser o sonho de todos os iniciados que se ocuparam de política: introduzir o princípio da iniciação e do exame do governo do Estado, e reconciliar, nesta síntese superior, o princípio eletivo ou democrático com um governo constituído pela seleção dos inteligentes e virtuosos.(pag.312)

O conselho dos trezentos formou, então, uma espécie de ordem política, científica e religiosa, da qual Pitágoras era o chefe reconhecido. O indivíduo
alistava-se nele mediante um juramento solene e terrível de sigilo
absoluto, como se fazia nos Mistérios. Essas sociedades ou hetairias
estenderam-se de Crotona, onde se achava a sociedade-mãe, até quase
todas as cidades da Magna-Grécia, exercendo uma poderosa ação
política. A ordem pitágorica tendia também a tornar-se a cabeça do
Estado em toda a Itália meridional. Tinha ramificações em Tarento,
Heracléia, Metaponto, Regium, Himero, Catânia, Agrigento, Síbaris e,
segundo Aristóxene, até entre os etruscos. 

Quanto à influência de Pitágoras no governo destas grandes e ricas cidades, não se poderia imaginar nada de mais elevado, liberal e pacífico. Em toda a parte onde aparecia, ele restabelecia a ordem, a justiça, a concórdia. Chamado para junto de um tirano da Sicília, conseguiu, com sua eloqüência, que ele se decidisse a renunciar às riquezas mal adquiridas e abdicasse do poder usurpado. Quanto às cidades, ele as tornava livres e independentes,
depois de terem estado subjugadas umas às outras. Tão benéfica era sua
ação que, quando ele chegava nas cidades, diziam:

 “Não é para ensinar, mas para curar”.

A influência soberana de um grande espírito e de um grande
caráter, essa magia de alma e de inteligência excita invejas tanto mais
terríveis, ódios tanto mais violentos, quanto mais ela for inatacável. O
império de Pitágoras durava já um quarto de século. E o adepto
infatigável atingia a idade dos noventa anos, quando veio a reação. A
fagulha partiu de Síbaris, a rival de Crotona. Houve lá um levante
popular e o partido aristocrático foi vencido. Quinhentos exilados
pediram asilo em Crotona mas os sibaritas exigiram sua extradição.

Temendo a cólera de uma cidade inimiga, os magistrados de Crotona
iam atender àquela exigência, quando Pitágoras interveio. A suas
instâncias, recusaram a entregar aqueles infelizes suplicantes aos
adversários implacáveis. Diante desta recusa, Síbaris declarou guerra a
Crotona. Mas a armada de Crotona, comandada por um discípulo de
Pitágoras, o célebre atleta Mílon, derrotou completamente os sibaritas.

Seguiu-se o desastre de Síbaris, A cidade foi tomada, saqueada,
completamente destruída e transformada em deserto. (pag.313)


É impossível admitir que Pitágoras aprovasse semelhantes
represálias. Elas violentam seus princípios e de todos os iniciados.
Contudo, nem ele nem Mílon puderam refrear as paixões desencadeadas
de um exército vitorioso, atiçadas por antigas invejas e superexcitadas
por um ataque injusto.

Toda vingança, seja de indivíduos, seja de povos, provoca um choque em resposta às paixões desencadeadas. A Nêmesis desta foi terrível. As conseqüências recaíram sobre Pitágoras, e toda a sua ordem.
Após a tomada de Síbaris, o povo pediu a divisão das terras. Não contente de tê-la obtido, o partido democrático propôs na constituição uma mudança que retirava do Conselho dos Mil seus privilégios e suprimia o Conselho dos Trezentos, só admitindo uma única autoridade: o sufrágio universal. 

Naturalmente os pitagóricos que faziam parte do Conselho dos Mil opuseram-se a uma reforma contrária a seus princípios e que solapava pela base a paciente obra do mestre. Os pitagóricos já eram objeto daquele ódio surdo que o mistério e a superioridade sempre excitam na multidão. Sua atitude política sublevou contra eles os furores da demagogia, e um ódio pessoal contra o mestre causou a explosão.

Um certo Cílon tinha-se candidatado outrora à Escola. Pitágoras, bastante severo na admissão dos discípulos, recusou-o por causa de seu caráter violento e voluntarioso. O candidato recusado tornou-se um adversário rancoroso. Quando a opinião pública começou a voltar-se contra Pitágoras, aquele organizou um grupo de oposição aos pitagóricos, uma grande sociedade popular. Conseguiu atrair os principais líderes do povo e preparou nas assembléias uma revolução que começaria pela expulsão dos pitagóricos.

 Perante uma multidão agitada, Cílon sobe à tribuna popular e lê trechos extraídos do livro secreto de Pitágoras, intitulado: A Palavra Sagrada (hiéros logos). Os textos foram desfigurados e deturpados. Alguns oradores tentam
defender os irmãos do silêncio, que respeitam até os animais.(Pag.314)

Respondem-lhes com gargalhadas. Cílon sobe e torna a subir à tribuna,
procurando demonstrar que o catecismo religioso dos pitagóricos atenta
contra a liberdade.

“Dizer isto é pouco, acrescenta o tribuno. Quem é esse mestre,
esse pretenso semideus, ao qual se obedece cegamente e basta que dê
uma ordem para que todos os seus irmãos gritem: ‘O mestre disse!’ Não
é ele o tirano de Crotona e o pior dos tiranos, um tirano oculto? 

De que é feita esta amizade indissolúvel que une todos os membros das
hetairias pitagóricas, senão de desdém e de desprezo pelo povo? Eles
repetem sempre as palavras de Homero, ou seja, que o príncipe deve ser
o pastor de seu povo. Para eles, então, o povo não passa de um vil rebanho. Sim, a própria existência da ordem é uma conspiração permanente contra os direitos populares. Enquanto ela não for destruída, não haverá liberdade em Crotona!”

Um dos membros da assembléia popular, animado por um sentimento de lealdade, gritou: “Que se permita, pelo menos, a Pitágoras e aos pitagóricos que se justifiquem perante nossa tribuna, antes de condená-los”. Mas Cílon respondeu com altivez:

“Esses pitagóricos não vos roubaram o direito de julgar e decidir os negócios públicos? Com que direito eles solicitariam hoje serem ouvidos? Eles não vos consultaram quando vos despojaram do direito de exercer a justiça! Pois bem, chegou a vossa vez de atingi-los sem ouvi-los!”

Retumbaram aplausos em resposta a estas saídas veementes; os espíritos
se exaltavam cada vez mais.

Uma tarde, quando os quarenta principais membros da ordem estavam reunidos na casa de Mílon, o tribuno sublevou seus bandos. Cercaram a casa. Os pitagóricos, e o mestre entre eles, barricaram as portas. A multidão furiosa ateou fogo ao edifício. Trinta e oito pitagóricos, os primeiros discípulos do mestre, a nata da ordem, e o próprio Pitágoras pereceram; alguns nas chamas do incêndio, outros mortos pelo povo. Arquipo e Lísis foram os únicos que escaparam ao massacre (1)

Assim morreu aquele grande sábio, aquele homem divino, que tentara aplicar sua sabedoria ao governo dos homens. O assassinato dos pitagóricos foi o sinal para uma revolução democrática em Crotona e no golfo de Tarento.(pag.315

As cidades da Itália expulsaram os infelizes discípulos do mestre. A ordem foi dispersa, mas seus remanescentes espalharam-se pela Sicília e pela Grécia, semeando por toda parte a palavra do mestre. Lísis tornou-se o mestre de Epaminondas. Depois de novas revoluções, os pitagóricos puderam voltar à Itália, sob a condição de não mais constituírem um corpo político. Uma comovente fraternidade nunca deixou de uni-los; consideravam-se uma mesma e única família. Certo dia, um deles, na miséria e doente, foi recolhido por um estalajadeiro.

Antes de morrer, desenhou na porta da casa alguns sinais misteriosos e
disse ao hospedeiro: “Fica tranqüilo. Um de meus irmãos pagará minha
dívida”. Um ano depois, passando pelo mesmo albergue, um estrangeiro
viu os sinais e disse ao hospedeiro: “Eu sou pitagórico. Um de meus
irmãos morreu aqui. Dize-me o quanto devo por ele”. A ordem
sobreviveu durante duzentos e cinqüenta anos. Quanto às idéias, às
tradições do mestre, elas vivem até nossos dias.

A influência regeneradora de Pitágoras sobre a Grécia foi imensa,
exercendo-se misteriosa mas seguramente, em todos os templos por
onde ele passara. Vimo-lo em Delfos dar nova força à ciência
divinatória, reafirmar a autoridade dos sacerdotes e formar uma
pitonisa-modelo. Graças a essa reforma interior que despertou o
entusiasmo no próprio coração dos santuários e na alma dos iniciados,
Delfos tornou-se mais do que nunca o centro moral da Grécia. Isso se
comprovou durante as guerras médicas.

Trinta anos apenas tinham decorrido desde a morte de Pitágoras
quando o ciclone da Ásia, predito pelo sábio de Samos, veio estourar
sobre as costas da Hélade. Nessa luta épica da Europa contra a Ásia
bárbara, a Grécia, que representa a liberdade e a civilização, tem à sua
retaguarda a ciência e o gênio de Apolo. É ele que, com seu sopro
patriótico e religioso, agita e faz calar a rivalidade nascente entre
Esparta e Atenas. É ele que inspira os Milcíades e os Temístocles. Em
Maratona, o entusiasmo é tal que os atenienses acreditam ver dois
guerreiros, claros como a luz, combater em suas fileiras. Uns
reconheceram neles Teseu e Equetos; outros, Castor e Pólux. (pag.316)

Quando a invasão de Xerxes, dez vezes mais formidável do que a de Dario,
avança pelas Termópilas e submerge a Hélade, é a Pítia que, do alto de
seu tripé, indica a salvação para os enviados de Atenas e ajuda
Temístocles a vencer a batalha de Salamina. As páginas de Heródoto
tremem com sua palavra ofegante:

 “Abandonai as residências e as altas
colinas da cidade construída em círculo..., o fogo e o temível Marte,
montado em um carro sírio, arruinarão vossas torres... os templos
vacilam, de seus muros goteja um frio suor, de seu topo corre um
sangue negro... Devereis sair de meu santuário. Um bosque vos servirá
de muralha e de inexpugnável proteção. Fugi! Voltai as costas aos
infantes e aos cavaleiros inumeráveis! Oh! divina Salamina! Serás
funesta aos filhos da mulher!” (2)

No texto de Ésquilo, a batalha começa por um grito que se
assemelha ao peã, o hino de Apoio:

 “Logo o dia, com os corcéis brancos,
 espalhou sobre o mundo sua resplandecente luz.
 Nesse instante, um clamor imenso,
 modulado como um cântico sagrado, 
elevase nas fileiras dos gregos.
 Os ecos da ilha respondem 
com mil vozes vibrantes”. 
É de se admirar, portanto, que, inebriados pelo vinho da vitória, os helenos, na batalha de Micália, em face da Ásia vencida, tenham escolhido como brado de reunir as palavras: Hebe, a Eterna Juventude? Sim, o sopro de Apoio atravessa essas extraordinárias guerras dos medas. 

O entusiasmo religioso,
 que produz milagres domina
os vivos e os mortos, ilumina os troféus
 e doura os túmulos. 
Todos os templos foram saqueados, mas o de Delfos ficou de pé. A armada persa aproximava-se para espoliar a cidade santa. Todos tremiam. Porém o
Deus solar disse pela voz do pontífice:

 “Eu mesmo me defenderei!”
Por ordem do templo, a cidade é evacuada. Os habitantes se
refugiam nas grutas do Parnaso e só os sacerdotes permanecem à
entrada do santuário, com a guarda sagrada. A armada persa entra na
cidade silenciosa como um túmulo. Somente as estátuas olham-na
passar. Uma nuvem negra acumula-se no fundo do precipício. O trovão
ribomba e o raio cai sobre os invasores. Duas enormes rochas rolam do
cume do Parnaso e esmagam grande número de persas. Ao mesmo
tempo, clamores eclodem do templo de Minerva, chamas brotam do
solo sob os passos dos assaltantes. Diante destes prodígios, os bárbaros
apavorados recuam. Sua armada foge enlouquecida. O próprio Deus se
defendera (3).
Teriam estas maravilhas ocorrido, estas vitórias que a humanidade
conta como suas, teriam elas ocorrido se trinta anos antes Pitágoras não
tivesse surgido no santuário délfico para ali reacender o fogo sagrado? É
pouco provável. (pag.317)

Uma palavra ainda 
a respeito da influência do mestre 
sobre a filosofia.
 Antes dele, houve físicos de um lado, moralistas de outro.
Pitágoras fez entrar a moral, a ciência e a religião em sua vasta síntese.
Esta síntese não é senão a doutrina esotérica, cuja plena luz procuramos
encontrar no fundo da iniciação pitagórica. O filósofo de Crotona não
foi o inventor, mas o organizador luminoso destas verdades primordiais
na ordem científica. Portanto, escolhemos seu sistema como o quadro
mais favorável para uma exposição completa da doutrina dos Mistérios
e de verdadeira teosofia.

Aqueles que seguiram o mestre conosco terão compreendido que,
no fundo dessa doutrina, brilha o sol da Verdade-Una. Encontram-se
seus raios espalhados nas filosofias e nas religiões, mas o centro está lá.

O que será preciso para alcançá-lo? A observação e o raciocínio não são
suficientes. Necessita-se ainda, e acima de tudo, da intuição. Pitágoras
foi um adepto, um iniciado de primeira ordem. Possuiu a visão direta do
espírito, a chave das ciências ocultas e do mundo espiritual. Ele foi buscar, pois, na fonte primeira da Verdade. E como a essas faculdades transcendentes da alma intelectual e espiritualizada ele acrescentava a observação minuciosa da natureza física e a classificação magistral das idéias por sua elevada razão, ninguém melhor do que ele estava preparado para construir o edifício da ciência do Cosmo.

Na verdade,
 este edifício jamais foi destruído.
 Platão, que tomou a Pitágoras toda sua metafísica, teve dele uma idéia global, embora a tivesse exposto com menos rigor e nitidez. A escola alexandrina ocupou-lhe os pavimentos superiores. 

A ciência moderna tomou-lhe o rés-do-chão e consolidou-lhe os fundamentos. Numerosas escolas filosóficas, seitas místicas ou religiosas habitaram diversos de seus compartimentos. Mas nenhuma filosofia jamais abrangeu o seu conjunto. É este conjunto que nos propusemos reencontrar aqui, em sua
harmonia e unidade.(pag.318)

(1). Esta é a versão de Diógenes de Laércio sobre a morte de Pitágoras.
Segundo Dicearco, citado por Porfírio, o mestre teria escapado ao massacre
com Arquipo e Lísis. Mas teria caminhado de cidade em cidade, até
Metaponto, onde se deixou morrer de fome no templo das Musas. Os
habitantes de Metaponto pretendiam, ao contrário, que o sábio, acolhido por
eles, tinha morrido pacificamente em sua cidade. Mostraram a Cícero sua
casa, sua cadeira e seu túmulo. É de se notar que, muito tempo depois da
morte do mestre, as cidades que mais perseguiram Pitágoras, por ocasião da
reviravolta democrática, reclamaram a honra de tê-lo abrigado e salvado. As
cidades do golfo de Tarento disputavam as cinzas do filósofo com a mesma
obstinação com que as cidades da Jônia disputavam a honra de serem a cidade natal de Homero. Estes fatos são discutidos no minucioso livro de M.
Chaignet: Pythagore et Ia philosophie pythagoricienne.

(2). Na linguagem dos templos, o termo filhos da mulher designava o
grau inferior da iniciação. A mulher significava a natureza. Acima havia os
filhos do homem ou iniciados no Espírito e na Alma, os filhos dos Deuses ou
iniciados nas ciências cosmogônicas e os filhos de Deus ou iniciados da
ciência suprema. A Pítia chama os persas de filhos da mulher, designando-os
pelo caráter de sua religião. Tomadas ao pé da letra suas palavras não teriam
sentido.

(3). “Vê-se ainda no recinto de Minerva”, diz Heródoto, VIII, 39. – A
invasão gaulesa, que teve lugar 200 anos mais tarde, foi repelida de maneira
análoga. Lá também forma-se uma tempestade, o raio cai várias vezes sobre
os gauleses, o solo treme sob seus pés. Eles vêem aparições sobrenaturais. 

E o templo de Apolo fica incólume. Estes fatos parecem provar que os sacerdotes de Delfos possuíam a ciência do fogo cósmico e sabiam utilizar a eletricidade por meio de poderes ocultos, como os magos caldeus. – Vide Amédée Thierry, Histoire des Gaulois, I, 246.

 
 ENTRE IRMÃOS.NET
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Li-Sol-30
Fonte:
 http://www0.cpdl.org/wiki/index.php/Ave_Maria
 http://www.entreirmaos.net/wp-content/uploads/2011/10/Os-Grandes-Iniciados-Edouard-Schure.pdf

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