sexta-feira, 26 de julho de 2013

ENCONTRO COM TEILHARD DE CHARDIN - Pietro Ubaldi


 Johann Christian Bach - 6 Sonatas op 5 Sophie... 68min

04 - ENCONTRO COM TEILHARD DE CHARDIN

           I – Os Pontos Básicos
Quando, na vida, encontramos um indivíduo que tem as nossas idéias e sentimentos e passou pelas mesmas vicissitudes, sentimo-nos irresistivelmente atraídos para ele, movidos pelo sentimento de simpatia fraterna. Por este motivo falo de Teilhard de Chardin.

Os pontos de contato são três:
1) as teorias defendidas;
2) os sofrimentos morais causados pela dolorosa posição de incompreensão e condenação por parte das autoridades religiosas;
3) a paixão pelo Cristo, concebido racionalmente como ponto de convergência da evolução da vida.

Observemos os três pontos para compreender o pensamento e a nobre figura moral deste cientista, filósofo e crente, assim como o significado da sua obra perante a renovação atual do mundo. Este exame poderá levar-nos além do caso particular, para observações de caráter e interesse geral.
1) As teorias defendidas por Teilhard de Chardin e pelo autor.

Em Teilhard, encontramos os seguintes conceitos: transformismo, evolucionismo, estrutura orgânica do universo e tendência do ser a alcançar um estado cada vez mais orgânico, de unificação. O homem é um elemento consciente que existe em função de um todo organizado, destinado a tornar-se sempre mais consciente desse todo e dessa organicidade. A evolução é orientada, por um íntimo impulso telefinalístico, em direção a um ponto conclusivo: Deus. O fim supremo da existência é a convergência das diversas consciências individuais na consciência única e total do centro Ômega, último momento e fim da evolução: Deus. Teilhard não acrescenta nada mais. Mas isto implica e deixa entrever a possibilidade lógica de que este ponto possa ser também o Alfa de todo o processo que, para ser completo, deve conter ainda a sua contrapartida involutiva precedente, como demonstramos claramente no volume: O Sistema.

Continuemos escutando o que nos diz Teilhard. O universo está completamente impregnado de pensamento, que se torna cada vez mais patente com a evolução da vida, através da crescente complexidade estrutural que a matéria, desse modo, alcança. Eis um pan-psiquismo que é um pan-espiritualismo e um monismo, que pode parecer materialista, mas que não é, porque aqui o materialismo é impulsionado até tornar-se espiritualismo. O condenadíssimo evolucionismo darwiniano não é expulso, ao contrário, adotado, está implícito e, logicamente, enquadrado neste evolucionismo tão vasto que compreende também o espírito. A função da vida consiste em fazer surgir este espírito, avançando em direção a ele através de um transformismo biológico (o darwiniano), cuja função não é senão a de veste exterior e de um instrumento de expressão, experimentação e laboração de um outro transformismo mais substancial, de tipo psíquico, escondido na profundidade, que anima a forma.

Teilhard intuiu uns laivos de consciência incipiente mesmo nos graus ínfimos da existência, no plano físico do universo. Para ele, a matéria inorgânica é antes uma matéria previvente, e num sentido lato, preconsciente. A evolução levou esta consciência a revelar-se imensamente mais avançada e potente no homem. Ora, a organicidade do todo implica uma lógica e seria absurdo determo-nos neste ponto do caminho sem continuá-lo. Teríamos um fenômeno partido ao meio, que de repente pára, sem completar toda a sua trajetória e alcançar a necessária conclusão, ambas implícitas na lógica de desenvolvimento do próprio fenômeno. Que imensos horizontes nos abre para o futuro conceito, necessário, no prolongamento do processo evolutivo!

Hoje, portanto, um cientista nos confirma que a matéria está cheia de vida e a vida cheia de inteligência. Nós acrescentamos: Cristo pode ser proposto à ciência positiva como superbiótipo do futuro, supremo modelo que a raça humana poderá atingir com a evolução, e o Evangelho como a lei social da unidade coletiva repre-sentada pela super-humanidade do futuro.

Não obstante as tentativas humanas de conciliação, o Evangelho apresenta-nos Cristo e o mundo como dois inimigos inconciliáveis, os quais no entanto devem coexistir na Terra. Mas é necessário compreender o que entendia Cristo por mundo. Isto não significa ser Ele contrário à vida. Referia-se a um estado de fato, que o mundo estava e ainda está imerso num estado primitivo animal, pleno de egoísmos e lutas ferozes. Cristo condenava somente esta forma de vida inferior. A inconciliabilidade não se refere a um mundo de evoluídos e civilizados, pois, Ele quer transformar a humanidade atual, precisamente, num tipo mais avançado de vida, que o Evangelho chama de reino dos céus. Com um tal mundo Cristo está plenamente de acordo, justamente por isto, nele se realiza toda a Sua Lei. Veio para ensinar-nos este novo modo de viver, dando-nos as normas no Evangelho.

Voltemos a Teilhard. Vemos que, orientado assim, ele resolve o dualismo espírito-matéria, no qual parece encontrar-se dividida a obra de Deus num antagonismo bem-mal, Deus-Satanás, em que o Cristianismo se debateu durante milênios. Teilhard o resolve a favor do espírito, ao qual chega partindo do materialismo científico e levando-o até às suas mais audazes consequências; isto é, partindo da teoria da evolução para desenvolvê-la até atingir os seus mais altos resultados. Não nega a matéria como a ciência a viu, mas acrescenta o que a ciência não viu, a alma de um sopro espiritual que explica as suas funções, mostrando-nos as suas razões, e justifica a sua existência. Assim a torna transparente, luminosa de conceito, elevada de negação a expressão do pensamento de Deus. Tudo se fez e continua sendo feito por este pensamento. Isto representa a afirmação racional e a descoberta científica da sua presença em tudo o que existe, isto é, a imanência de Deus.

Fica assim esclarecido o sentido de todo o processo da evolução, numa síntese lógica e harmônica na qual concordam as verdades provadas pela ciência com os princípios finalísticos da concepção religiosa. Chega-se a uma conciliação de extremos opostos, a uma fusão orgânica, a uma unificação. Tudo isto pode parecer um materialismo místico, mas pode significar também as bases científicas do Cristianismo, que delas se aproveitaria porque atualmente não as possui, fato que o mantém fora do terreno positivo da ciência. Teilhard foi julgado, por alguns, um novo S. Tomás, cristianizador, não de Aristóteles mas de Marx e Darwin. Poderia, desse modo, ser sanada a cisão entre ciência e fé, para passarem da inimizade à colaboração. Muito teriam que dizer-se uma à outra. A fé teria, finalmente bases positivas, a ciência poderia ser iluminada e vivificada pelo espírito.

O evolucionismo darwiniano ficaria, mas só exteriormente, limitado à forma. Intimamente, é constituído pela evolução de um pensamento, é impregnado e orientado por um exato telefinalismo, nele imanente. Naquele evolucionismo, até agora entendido materialmente, há lugar de sobra, existe inclusive a necessidade da presença de um Deus, centro de um pensamento continuamente criador. Assim a matéria, de inimiga inerte do espírito, vincula-se, logo nos primeiros graus, ao processo universal da revelação do espírito, verdadeira e fundamental realidade do universo. O homem, no seu nível, faz parte deste processo. Num plano de existência muito mais alto, a evolução realiza-se no homem, através do homem que exprime uma fase dela, arrastando também o movimento de todo o processo, em direção a planos de existência cada vez mais altos.

O progresso social revela a sua mais profunda natureza, a de um processo biológico cuja direção o homem deve tomar, agora mais que nunca, guiando com a sua inteligência a evolução. Até hoje ela apenas realizou, por um jogo de determinismos estabelecidos e impostos pelas leis da natureza. Trata-se agora, não de aceitar passivamente a evolução, mas de conduzi-la, tornando-nos conscientes dos seus fins, como operários de Deus, seus colaboradores na obra de construção do nosso setor da existência. O homem não viverá mais à mercê das leis da natureza, mas, consciente e responsável, dirigirá o seu próprio destino .

Teilhard procura chegar a uma “Nova Teologia” em que tudo se santifica por meio da universal presença do pensamento de Deus imanente, sem que por isso seja negado o seu aspecto transcendental. Chega-se a uma “Santa evolução”, que corrige o velho criacionismo pueril antropomórfico, não mais adaptado à mente moderna. É um novo evolucionismo consagrado no altar de Deus. O mundo move-se e, ainda os que não o queiram, têm de mover-se por força. O transformismo substitui a velha imobilidade. Podemos ver o que há de verdade no panteísmo evolucionista, condenado sem discriminação. Mas que haverá de mais vital do que ver Deus por toda a parte e, através de uma visão evolucionista do universo, não poder concluir senão com a sua espiritualização?

Não poderá tudo isto conduzir-nos a um cristianismo, racionalmente mais aceitável para quem pense, e a um Evangelho mais demonstrado e convincente, ao mesmo tempo a uma ciência espiritualizada, mais nobre e santa?

Eis a vida levada à sua verdadeira essência. A substância da existência, a estrutura mais íntima do ser é de natureza psíquica, a vida é pensamento coberto de morfologia; a espiritualidade, base das religiões, é colocada no ápice da evolução. Cristo é um superego hoje transcendente, mas amanhã ponto de chegada para a raça humana, ponto no qual o egoísmo separatista, vigente na luta pela sobrevivência, será substituído pela solidariedade coletiva unitária do amor evangélico universal. Teilhard nos apresenta uma maravilhosa espiritualização do universo, elevada sobre bases científicas. O Evangelho representa uma transformação de leis biológicas e significa a imensa revolução operada pela passagem da vida de um nível de evolução a outro superior.

Quisemos reproduzir, em traços genéricos, o pensamento fundamental de Teilhard com a alegria de ver que ele corresponde plenamente ao nosso pen-samento, exposto na obra chegada até agora no seu 21o volume, em mais de 8000 páginas. Uma tal concordância de conceitos com os de um cientista de tão grande valor, com um cristão honesto e convencido, cheio de bondade e de cultura, significa que as idéias por nós sustentadas não podem estar nem cientificamente erradas, nem se-rem moral e teologicamente condenáveis, como já se pretendeu. Os escritos das duas partes são contemporâneos (Teilhard 1881-1955)1 , e apareceram sem que tivesse havido conhecimento recíproco, em ambientes e países completamente diferentes.

O mundo começa a compreendê-los só agora. Este fato parece mostrar-nos que o pensamento humano, na primeira metade de nosso século, quis exprimir os mesmos conceitos por estes dois caminhos, e em forma tão diversa, porque o mundo está chegando a uma nova maturação e deles tem necessidade. Tanto é assim que a religião mais conservadora prepara-se, com Teilhard, a examiná-los, pela necessidade de atualizar-se. Por isso, o seu caso é importante e desperta interesse; porque ser útil às religiões para alcançarem o nível das últimas descobertas científicas, perante as quais elas ficaram atrasadas.

Se as conclusões coincidem no conjunto, há, no entanto, uma diferença entre os dois casos, porque se desenvolveram em posições e com métodos diversos. Como religioso, Teilhard estava preso, a priori, às afirmações categóricas da sua fé, da qual não podia afastar-se, e a favor das quais, sem possibilidade de escolha, tinha de concluir seu trabalho a qualquer custo. Isto podia pesar sobre a interpretação dos fatos, tendendo a torcê-los num determinado sentido, em prejuízo da verdade objetiva. Ora, a investigação do cientista deve ser livre. A ela não se podem antepor e impor premissas axiomáticas.

Mais do que à descoberta se tende à conciliação, a objetividade está comprometida pelo preconceito, a realidade deve ser vista através de uma particular forma mental pré-estabelecida. O recinto dentro do qual se permite ao pensamento mover-se, para investigar e concluir, é limitado por barreiras. Tudo isto paralisa a investigação, e não é científico. Em nosso caso, pelo contrário, tínhamos a liberdade de chegar a qualquer conclusão que os fatos nos indicassem e exigissem de uma forma positiva. A nossa finalidade era apenas descobrir a verdade e não concordar com uma religião. Foi assim possível chegar a conclusões mais vastas, aceitáveis mesmo fora das religiões, até pelo materialismo ateu, apesar de serem de natureza ideal e espiritual.
 
Nos dois casos, as condições de trabalho e os métodos foram diferentes. Normalmente, parte-se da constatação positiva dos fatos, alcançada com a obser-vação e a experiência, construindo e verificando as hipóteses com as quais tratamos de explicá-los, para obter e fixar uma teoria provada por eles como verdadeira, ou seja, os princípios gerais segundo os quais os fenômenos observados funcionam. O pensador vai sempre subindo, do particular ao universal, eleva-se para conseguir uma visão de conjunto, mais vasta possível e assim mais apta a orientar-se-nos.

Em nosso caso o método seguido foi o oposto, pelo menos no princípio. Foi dedutivo e não indutivo. Procedeu-se do universal para o particular, em vez do particular para o universal, seguidos, assim desde o princípio, e não em busca de orientação. Não obstante, um segundo momento, os mesmos fatos, que para a ciência são um ponto de partida, nós, com o seu mesmo método de observação e experiência os examinamos, mas apenas para verificar se eles confirmam a visão geral e se ela corresponde a esses fatos. No primeiro caso a investigação é orientada só numa direção: fatos em direção à teoria. No segundo caso ela está orientada em duas direções: teoria em direção a fatos e vice-versa. Assim eles são utilizados para o controle da teoria, que não permanece assim como visão destituída de provas racionais, mas que, através dos fatos, demonstra-se ser verdadeira, respondendo à realidade.

Só com este segundo método, que chamamos intuição, se pode chegar a uma visão universal do todo, movendo-se com mentalidade positiva no terreno onde a ciência, com o seu método, não pode chegar; quer dizer: pode-se chegar ao terreno das maiores visões teológicas, obtidas com o único método possível, o da intuição. Trata-se de um vôo. Mas sem vôo não se alcançam os princípios universais da existência. Trata-se de um vôo que em seguida se baixa à Terra, trazendo a fotografia da visão obtida, colocando-a em contato com os fatos, para verificar se é verdadeira. Procedemos assim e vimos que se confirmam, de modo que podemos dizer: corresponde à realidade. Não havia outra maneira para obter-se uma síntese universal, para consegui-la, a ciência está ainda muito longe.

Teilhard se orientou, já se começa a raciocinar com a ciência sobre problemas espirituais, e com as religiões sobre problemas científicos. Poder-se-ia chegar ao ponto de admitir que o produto da revelação, contido no Cristianismo, deveria ser levado seriamente em consideração pela ciência, como hipótese de trabalho, para aceitar que os fatos demonstram corresponder à realidade. Assim, uma revelação, positivamente controlada, poderia ser aceita pela ciência. A última confirmação de cada verdade pode ser confiada somente a uma verificação que demonstre que os fatos funcionam, realmente, como essa verdade afirma. Apenas deste modo, as intuições ou revelações podem dar garantias de segurança.

O mundo, apesar de tudo, caminha e ninguém tem o poder de pará-lo. A teoria da evolução foi combatida, até há poucos anos, nos ambientes religiosos. Hoje, para a quase totalidade dos biólogos, a evolução é um fato estabelecido, universalmente aceito, não mais uma hipótese. A maior parte dos cientistas já não põe em dúvida que biologicamente o homem provém do mundo animal superior. A evolução não é fenômeno que possa ser limitado à vida, porque, numa visão universal, tudo e todas as formas de existência devem estar nela incluído, se não quisermos ficar fechados num único setor do fenômeno evolutivo, limitados a um só trecho do seu desenvolvimento.

Teilhard nos apresenta uma evolução universal, dividida em três grandes etapas: matéria, vida, espírito, como também o Prof. Marco Todeschini, de Bérgamo (Itália) falou de Psicobiofísica. O universo astronômico, com a matéria, oferece-nos a base física, constituindo a geoesfera, coberta nos planetas de revestimento vivente, representando a bioesfera, cuja função, através da vida, consiste na revelação da consciência, que constitui a nooesfera, novo revestimento de pensamento e consciência. Trata-se, pois, de três fases sucessivas, cada uma das quais se eleva sobre as precedentes, depois de alcançada e vivida.

Esse conceito de um crescente psiquismo e progressiva cerebralização do ser, reproduz em palavras científicas, o conceito da progressiva espiritualização cristã, da ascese da alma em direção a Deus. Encontramos o fio condutor de toda a evolução: ela é um caminho que conduz ao espírito. A cosmogênese inicia o processo que continua porque se prolonga na biogênese, esta, por sua vez, desemboca na noogênese. Assim, finalmente, pode-se compreender o significado do processo evolutivo, alinhado ao longo deste seu eixo principal, que nos mostra o início, o desenvolvimento, a meta, desde o princípio até o fim.

O ponto Ômega, de chegada, está hoje presente entre nós, em forma de ideal e está esperando a nossa evolução para realizar-se no futuro, O imenso trabalho que exige efetua-se em função desse futuro e representa o seu resultado, compensação de tantas das nossas fadigas, dores e perigos.

A escalada evolutiva, descoberta e provada pela ciência, vai em direção a Deus; com outras palavras, as religiões nos ensinaram. Agora já não vivemos e não ascendemos como cegos. Devido a tudo isto, tendo a ciência conseguido conhecer o caminho percorrido que nos trouxe até aqui, podemos deduzir qual será o de amanhã e até onde nos levará. No terreno das nossas conquistas espirituais, à fé das religiões, sucede agora a certeza científica.

Voltando à  comparação com a nossa obra e às suas concepções, constatamos que a cosmo-bionoogênese de Teilhard corresponde ao físio-dínamo-psiquismo de A Grande Síntese. Ele também tentou uma síntese ou fenomenologia do universo até no campo filosófico e teológico, ou, pelo menos, dos seus escritos transparece uma tentativa de orientação universal neste sentido. No entanto, concebeu os três momentos ao longo dos quais se desenvolve o eixo central da evolução, como matéria, vida e espírito; e não como: matéria, energia e espírito. Isto se explica, sobretudo, porque sendo geólogo e paleontólogo, não valorizou adequadamente, na economia do universo, a importância da física nuclear e do fenômeno da desintegração atômica, coisas que então acabavam de aparecer.

Teilhard passou da matéria à vida sem ver o termo intermediário, a energia, sem a qual não se explica a origem da vida por evolução. Ele não explica a passagem da química inorgânica à química orgânica, que representam formas exteriores e não a substância do fenômeno. Escapou-lhe a continuidade do processo evolutivo: matéria, desintegração atômica (base da gênese dinâmica), eletricidade que é forma de energia mais evoluída, da qual se passa à substância da vida, esta não é dada pela forma orgânica, mas pelo psiquismo que a constrói e rege, psiquismo de origem elétrica, como o demonstra a sua base de apoio, nervosa e cerebral.

Quando se escreveu A Grande Síntese, por volta de 1933, com uma física nuclear ainda no início, tais afirmações podiam parecer fantasia. Hoje, experimental-mente, procura-se provar a verdade da teoria das origens elétricas da vida. Em 1952 o químico americano S. L. Miller, pensando que a vida pudesse estar relacionada com a descarga elétrica do raio, tratou de reproduzir em laboratório as condições em que deveria encontrar-se a Terra antes que aparecesse a vida. Infelizmente não pôde adiantar suficientemente as suas experiências. Ora, o bioquímico inglês Cyril Pannamperuma, através das suas experiências, concluiu que a matéria inorgânica, sob a ação das descargas e raios cósmicos, pode transformar-se em matéria orgânica. O raio daria a energia necessária.

Existem, pois, algumas diferenças com Teilhard. O ponto novo e central, isto é, que a vida serve para desenvolver e revelar o espírito, foi captado também por ele e admitido plenamente: não é pequena a revolução dentro do Cristianismo. Com essa teoria, podemos acrescentar e explicar a tremenda lei da luta pela vida, que leva ao devorar-se recíproco. Ela, se bem que feroz, justifica-se como meio para o desenvolvimento da inteligência, processo iniciado desde os primeiros planos da existência, obrigando ao esforço para a defesa, e se revelando em forma cada vez mais evidente num processo de espiritualização, para o ser que mais avança no caminho da evolução.

Há ainda uma outra diferença com Teilhard. Falando de “nova teologia”, não atinge as primeiras origens do universo, da criação e suas consequências, como o resultado final de imensa obra. Continua sem explicação: como das mãos de um Deus sapiente, bom e perfeito, tenha saído o mal, a dor e a morte, como a Sua unidade possa ter sido (por Ele ou por outros?) despedaçada no dualismo em que existimos. Teilhard, no seu volume: L’activation de l’ernegie, chega a definir o mal como um efeito secundário, subproduto inevitável, no caminho do universo em evolução.

O problema do mal, diz ele, não se coloca já, porque é estatisticamente impossível que numa multidão de fenômenos, em vias de acomodação, procedendo por tentativas, como se desenvolve a evolução, não se verifiquem os casos incompletos, mal terminados, discordantes da ordem geral. Mas respondemos: o mal, a dor, a morte, não são incidentes menores da evolução aos quais não se dê importância, ao contrário, estão de tal modo profundamente radicados no fenômeno da existência, tentando comprometê-la a cada passo, que, para salvá-la desta ameaça, é necessária a presença contínua e atividade saneadora da potência criadora de Deus.

Teilhard, como sistema filosófico e teológico, portanto, deveria ser, pelo menos, completo, para esgotar o assunto. Mas ele era sobretudo cientista e, além disso, neste outro terreno, devido à sua posição eclesiástica, estava ligado a uma ordem estabelecida, da qual era difícil libertar-se e proibido de sair.

O significado e importância do pensamento de Teilhard está, sobretudo, na tentativa de aproximar o Cristianismo da ciência e assimilar suas conclusões, até ontem condenadíssimas. As religiões representam u’a massa enorme, a maioria das quais com uma forma mental elementar, lentíssima a compreender e evoluir. Cada alteração de pensamento deve ser feita com extrema prudência para não perder o equilíbrio, ultrapassando os limites da compreensão. Mas a evolução está hoje apressando o passo. Temos aqui um sacerdote acusado de panteísmo, monismo, materialismo, evolucionismo, darwinismo, marxismo e até comunismo, em muitos aspectos comparável a Rosmini, por isso o ouvimos falar e escutamos com interesse.

Eis, em ambiente eclesiástico, uma tentativa, semelhante à nossa, de realizar uma síntese, na qual se unem, como elementos complementares, os dois termos até agora em antítese, ciência e fé, matéria e espírito. A nossa tentativa foi, não obstante, mais livre, como pesquisa da verdade, porque, como já assinalamos, não estávamos obrigados a concluir conforme premissas já estabelecidas. Todavia, não se pode deixar de reconhecer em Teilhard um grande mérito: o de haver tratado de santificar o pecado de ser evolucionista (de que tantas vezes foi acusado), agora transformado em santa evolução. Estranho modo de avançar nas religiões, apesar de afirmarem que permanecem imóveis! Ao divino impulso da evolução não há conservadorismo que possa resistir.

Não se pode dizer que Darwin esteja errado, agora que a evolução se tornou um fato inegável. Ele é aceitável, porque a evolução pode ser considerada como um fato interior e a sua substância como um desenvolvimento de consciência; porque a sua mutação morfológica se julga com o transformar-se de uma veste exterior que acompanha uma evolução mais profunda, representando a sua verdadeira substância, ascensão espiritual em direção a um estado de perfeitíssima consciência, destinada a juntar-se a Deus. Assim a vida se move e dinamiza, transformando-se num caminho em direção a u’a meta; aparece a visão de um imenso destino que corresponde ao homem realizar no futuro.
 
A evolução se santifica, porque dela se vê também uma outra face, além da natural, a divina. O natural é aceito como elemento que conduz ao divino, o divino como levedura imanente e razão final do natural. O processo evolutivo é assim entendido em sentido lato, isto é, como um processo que faz avançar a matéria, transubstanciando-a espiritualmente, santificando-a, até no homem e acima dele, conquistando cada vez mais consciência; o alfa se reúne ao ômega, a criação volta ao criador. Desta maneira o crescimento geológico e biológico desemboca na noogênese, isto é, termina na vitória final do espírito puro – pensamento já expresso por Carrel quando fala de “emersão do espírito da matéria”.

O que consola é ver como um catolicismo que nos meus escritos colocou no “Index” estas idéias, hoje, se bem que por outras vias, prepara-se para aceitá-las. É constrangido pela lógica persuasiva dessas idéias e pela sua difusão nos ambientes culturais, para salvar-se do ateísmo em expansão, porque hoje se pensa mais; quem pensa, para aceitar, exige ser convencido, pois a verdade como é apresentada, não satisfaz mais a exigência da mente moderna. Não obstante, parte do “rebanho” é constituída por ignorantes e supersticiosos, outra parte de ateus que exteriormente são ótimos praticantes. É necessário ao catolicismo tornar-se mais convincente, para resolver o problema da sobrevivência de uma fé com ameaça de ser superada.

2) Os sofrimentos morais devido à dolorosa posição de incompreensão e condenação
Teilhard foi mandado para Nova York para lá morrer em condições de verdadeiro exílio, depois de uma vida cheia de amargura pela dificuldade cada vez maior de fazer conhecer os seus escritos. O seu problema é de consciência, é o de um cientista que, havendo descoberto outras verdades, procura levá-las para o terreno religioso a fim de iluminar os crentes, honestamente desejosos de conhecer algo mais além da fé e para ficarem convencidos.

Sem dúvida, vivemos num momento de transição evolutiva no qual a ciência avança vertiginosamente, com conhecimento, transpondo as portas do mistério. Muda a velha forma mental, o modo tradicional de apresentar as verdades de fé e as torna de difícil aceitação. Em Teilhard, o drama é duplo: o de ter de admitir, em consciência, mesmo não ortodoxas, as novas verdades que lhe apareceram e das quais estava convencido; e o de dever fazê-las conhecidas de todos os que tinham necessidades delas para sair da dúvida, da falta de fé, da insatisfação em que se encontra a mente moderna perante problemas insolúveis ou não resolvidos com clareza convincente. O drama foi devido à sufocação destes dois santos impulsos, sofrido em nome do bem, quando o bem é o progresso, é da lei de Deus.

Muitos não querem cansar-se, pensar, arriscar-se, preferindo permanecer seguros nas concepções tradicio-nais. Na própria preguiça, considera-se elemento per-turbador quem parece rebelde à velha ordem porque tem sede de luz, quer conhecer e fazer conhecer, subir e fazer subir, arde de uma contínua tensão espiritual que incomoda os que dormem quietos numa aquiescência passiva, que chamam fé e ortodoxia. A muitos não interessa um maior conhecimento e a conquista da verdade, só lhe serve grupo humano de que cada um faz parte, o seu poder terreno, o seu engrandecimento pela conquista de prosélitos. Entretanto, na vida, tudo se baseia na luta, e leva cada grupo humano a tomar uma posição de defesa, de encastelar-se no sectarismo, in-transigência, dogmatismo, qualidades necessárias para poderem resistir e sobreviver. O problema não é de religiões, mas de tipo biológico, porque esta é a lei da vida no seu atual grau de evolução.

Além e acima do universo físico, Teilhard viu, movido mais pela razão do que pela fé, o universo psíquico, isto é, o universo em nova dimensão, a do espírito, terreno supersensível das religiões. O cosmo, para ele, é um organismo funcionando e em evolução, orientado no sentido de fazer surgir e desenvolver a inteligência. Com isto ele realiza uma espiritualização da matéria e da ciência, estendendo assim ao infinito o terreno das religiões e fazendo delas um problema de interesse universal. Estas, em vez de fecharem, neste caso, as portas como perante um inimigo, deveriam abri-las para conseguir a sua imensa expansão. O problema para o cientista crente não é tanto o de compreender tudo isto, para ele evidente, mas o de fazer os outros compreendê-lo, para o evoluído o problema maior foi e será sempre o de fazer avançar os involuídos.

Como Santo Agostinho resumiu Platão e S. Tomás resumiu Aristóteles, cada um deles, formulando o Cristianismo segundo a linguagem do seu tempo; assim se espera que as religiões admitam, igualmente em seu favor, Teilhard formulando as mesmas verdades segundo a linguagem racional-científica de nosso tempo. Ele sentia a necessidade de realizar um exame crítico do pensamento teológico para atualizar-se perante as conquistas da ciência que o deixavam ficar para trás, enquanto as religiões, encaminhando-se para Deus, deviam estar logicamente na vanguarda, em vez se serem as últimas a chegar, arrastadas, a seu pesar, pelo progresso do pensamento laico. Estando em contato com Deus, em Quem se inspiram, as religiões deveriam ser as primeiras a compreender a verdade e não as últimas.

Quem sente, como Teilhard, tais exigências, sente também o dever de falar, oferecendo a sua contribuição. Se as religiões não entendem e resistem, ele a oferece à humanidade, esta tem necessidade para progredir, mesmo sem as religiões porque não querem interessar-se por tais problemas.

Teilhard costumava dizer: “se não escrevesse, sei que atraiçoaria”. Procuremos explicar o caso com duas imagens. Ofereceram a um homem uma semente preciosa para que plantasse no seu vaso, mas aquela semente não agradava àquele vaso porque era diversa das outras alí contidas, então, atirou-o num campo. No vaso, aquela semente poderia crescer defendida, mas em terreno limitado que a teria impedido de desenvolver-se. Teria permanecido como idéia fechada num ambiente restrito, sem poder expandir-se. No campo, pelo contrário, a semente pôde desenvolver-se livremente, até tornar-se uma grande árvore, dentro do vaso não podia acontecer. Foi portanto um bem para a semente ser lançada para fora. A idéia que ela representava só assim podia tornar-se e se tornou universal. Eis o que acontece quando um grupo humano de idéias restritas rejeita uma idéia fecunda, capaz de novos desenvolvimentos.

Outra imagem. Dois galos fechados numa gaiola estavam se bicando com o fim de se destruírem, um ao outro, cada um pensando: se venço, serei dono da capoeira. Não percebiam que os levavam ao mercado e que pouco depois acabariam os dois na panela. Assim se comporta as religiões rivais enquanto se avizinha o cilindro compressor do comunismo ateu, que se prepara para nivelá-las todas na mesma liquidação.

Que fazer?
Este é o grau de evolução da humani-dade atual, explicar não serve para nada. O nível de unificação, hoje alcançado, não vai mais além da família e de grupos particulares, sejam religiosos, econômicos ou políticos, sempre limitados em função de determinados interesses comuns. Grupos mais vastos, nacionais ou raciais, estão apenas em formação. Cada unificação, na Terra, não chega a alcançar senão o grau de partido ou castelo fechado, armado e em luta contra os vizinhos, em estado de guerra para não serem destruídos, cada um quereria fazer o outro para seu triunfo. Enquanto a humanidade não superar esta fase de sua evolução, deverá ficar submetida às leis de tal plano biológico inferior. O evoluído que trate de elevar-se a um nível superior, para funcionar com outras leis e segundo uma outra compreensão da vida. Abaixo de seu mundo será sempre um intruso, um solitário, um condenado, como foi Teilhard de Chardin.

Tal biótipo, devido à sua posição avançada en-contra-se fora dos grupos, porque o seu objetivo não é a defesa de nenhum deles, dentro dos quais se encontraria encerrado, mas o progresso da humanidade. O indivíduo, então, perante o grupo, pode escolher dois caminhos, segundo a sua própria natureza: o da liberdade ou da obediência. No primeiro caso pode seguir o seu ideal segundo a sua consciência, entregar-se na busca da verdade, pensar e falar livremente, cumprir a sua missão; porém, encontra-se isolado. Não tendo declarado sua adesão e obediência a qualquer grupo, não depende de ninguém, nem tão pouco recebe a defesa de que necessita para viver trabalhando pelo seu ideal. Se ele não se une aos fins de algum outro, ninguém está disposto a fazer-lhe gratuitamente o trabalho de protegê-lo. São estas as leis da vida no plano humano, é necessário ter a honestidade de reconhecê-las e declará-las tais quais são. Se esse indivíduo não pagar com sua submissão o seu pão, qualquer atividade intelectual lhe será impedida pela necessidade de ter, ele próprio de lutar pela existência.

No segundo caso não haverá esta necessidade e se gozará da vantagem de uma proteção que garante a vida e a tranquilidade para trabalhar. Mas, pensamento e atividade ficarão submetidos ao grupo ao qual se pertence. Deve-se, por isso, pensar e trabalhar no interesse do grupo que, por fornecer o pão, tem o direito de exigir obediência espiritual e física. Quem dá e protege o faz por interesse próprio e, portanto, tende a escravizar. Quem recebe deve dar em troca obediência. Isto porque ao trabalho espiritual é dado o valor zero no mercado das coisas humanas, de modo que a liberdade de pensamento e atividade correspondente é coisa permitida apenas a quem possua independência econômica.

Observando as coisas do lado oposto, vemos que o grupo não é culpado de tudo. Este, por sua vez, está empenhado na luta pela sua existência, por isso, deve fazer dos seus membros os seus soldados para manterem a sua unidade, defendendo-a dos assaltos exteriores. A ele não interessa a evolução, mas o mais urgente: a sobrevivência. A isto é constrangido pelas condições da vida terrestre. O evoluído, pelo contrário, antecipa a evolução e, em vez de conservar e consolidar as posições, tende a fazê-la avançar. Por esta oposição de intenções, é temido e combatido como um perigo. Não representa a conservação, mas a arriscada aventura do progresso, precisamente aquilo que os imaturos, acomodados na sua preguiça, não querem.

 O reformador, desejando implantar uma ordem nova, sacode as bases do castelo no qual o grupo se aninha, leva desordem às sua filas, fato do qual os inimigos estão prontos a se aproveitar. É necessário compreender que a vida é um estado de guerra pela sobrevivência.

 Urge, portanto, como primeira coisa, a defesa e só depois, como luxo de ricos, é admitida a evolução. Tais tentativas de avançar são deslocamentos perigosos, dissipação de forças em tentativas que debilitam o grupo, e são consideradas saltos na escuridão. Quem os provoca deve, portanto, ser eliminado.

Perante o idealista, atraído pelo céu, está a dura realidade da vida. Não é lícito esquecer, nem por um minuto, que se trata de uma luta desesperada. Para quem é especializado nessa luta e não sabe fazer outra coisa, poderá parecer que não é verdade. Mas para o idealista dotado de outras qualidades e dedicado a outros trabalhos, o problema é bem diverso. Quereria, desesperadamente, gritar: na Terra não há lugar para o ideal. A humanidade deveria ajudar estes indivíduos que trabalham pelo seu progresso. Mas com que a humanidade se importa? Ela tem outras coisas para fazer. Deve pensar em matar e destruir tudo com as guerras, em enriquecer, em gozar a vida.

O problema, que o caso de Teilhard nos fez recordar, é, principalmente de biologia e interessa à humanidade, porque constitui o problema de evolução da vida. O ideal, antecipação da evolução, realiza-se na Terra através de diversos tipos de instrumentos. Não nos interessa condenar ninguém, mas conhecer a técnica dessa realização. De um lado temos os mártires do ideal, do outro os administradores e usufrutuários do ideal. Os primeiros, pouquíssimos, trabalham pela conquista de posições mais avançadas; os segundos, a maioria, ocupam-se em conservá-las, utilizando-as para si.

Neste processo que vai desde o sacrifício do mártir à mecânica burocrática e ao parasitismo, o impulso do iniciador se desfaz, cansa-se, esgota-se, afundando-se no lodo humano, túmulo do ideal.
A massa, que forma o corpo da humanidade, é constituída por homens do segundo tipo. Lutam contra os do primeiro para reduzi-los ao seu nível. O inovador, por sua própria natureza e pela posição na qual esta o coloca, já fixou o seu destino de incompreensão, isolamento e perseguição. Ele terá de trabalhar em condições difíceis, porque não segue os interesses imediatos do grupo, aqueles que os componentes melhor vêem e sentem, e não os interesses superiores e longínquos, que não vêem e por isso não entendem.

 Para poder trabalhar em paz, deveria concordar com o grupo, mas teria que renunciar à sua iniciativa, à independência espiritual, ao seu ideal. O drama existe por que o mundo não quer ser incomodado e afasta os indivíduos que tratam de o fazer progredir. Este é o drama de Teilhard de Chardin. É fácil constatar, historicamente, que a humanidade, antes de santificar, dá-se o gosto de sa-crificar; trabalho nada espiritual da parte de quem o executa, mas, indubitavelmente, faz parte da técnica de santificação. Isto nos é demonstrado, em nosso tempo, pelo caso do Padre Pio de Pietralcina (Itália).

O que deve fazer então o indivíduo? Como se deverá resolver o caso e como o resolveu Teilhard? Se o mundo não quer ser salvo, o indivíduo, no entanto, deverá salvar-se a si mesmo. Para compreendermos, devemos referir-nos à moral positiva contida nas leis da vida. Primeiro de tudo, por que razão a autoridade possui o direito de condenar? Tê-lo-ia, se correspondesse a um critério da justiça. Mas não corresponde quando a condenação do que hoje se considera prejudicial fica contraditada pela aprovação de amanhã, quando o mesmo fato acaba sendo considerado benéfico. Este dizer e desdizer, à mercê das circunstâncias e das mudanças de opinião dos indivíduos que julgam, tem muito de provisório, incoerente e irresponsável, e não está de acordo com um tribunal de justiça. Será honesto aprovar somente uma idéia nova quando todos a aceitaram e, para defendê-la, não representa mais nenhum risco ideológico?

 Assim se chega sem perigo algum de enganar-se, mas é deprimente ser o último a chegar, arrastado pelos outros, a quem se deixa toda a responsabilidade das novas afirmações, a fadiga da pesquisa, a incerteza da tentativa, exceto o apropriar-se dos resultados quando tudo leva ao êxito.

Quem é imparcial, porém, justifica tudo isto. A vida se baseia na luta; o grupo tem necessidade de defesa para sobreviver. Luta contra as coisas novas para a sua conservação, nelas vê uma tentativa de destruição do passado sobre o qual se baseia a sua existência. Trata-se, portanto, de um caso de legítima defesa contra um perigo, u’a ameaça de morte. O direito de julgar e condenar se baseia em dois fatos:
 1) a posição do grupo perante o indivíduo é a do mais forte. Na Terra, basta isto para conferir o direito de estabelecer qual é a lei e, portanto, o de julgar. O grupo é mais forte porque é maioria perante o indivíduo que está isolado e é minoria, como é mais débil e não tem direitos.

 2) A necessidade em que o grupo se encontra de defender-se para sua conservação, e o sagrado direito de todos à vida.

E o indivíduo? Por que ele é minoria, por que não possui o poder que provém do número, porque está só? Para ele não haverá justiça, possibilidade de trabalhar, para realizar o ideal, e fazer progredir a vida?

O drama consiste no seguinte conflito: de um lado tal indivíduo, por intuição e raciocínio, compreende a importância e a verdade das suas novas afirmações, sendo honesto, sente que deve comunicá-las aos seus próprios semelhantes, para seu futuro progresso, viu e não pôde fazer outra coisa senão enunciar a nova verdade; o lado oposto, a autoridade encarregada da defesa dos interesses do grupo, preocupada pela sua conservação e pela conservação do grupo, mais do que pela pesquisa da verdade. Quer ficar fiel às coisas velhas nas quais baseia a sua posição, rejeita e condena cada novidade.

Os fins são opostos. O do reformador é o progresso, o do grupo, autoridade que o dirige, é continuar a viver com a menor fadiga e risco possíveis. Em virtude disto, é lógico que a autoridade imponha silêncio ao inovador. Assim o proíbem de falar e publicar, impedem-no de pensar, compreender e defender a verdade da qual está convencido. Então, as duas partes em conflito transformam-se em dois inimigos em luta, cada um com boas razões para agir à sua maneira. O inovador atenta contra a tranquilidade e segurança do grupo, que se defende. A autoridade atenta contra a liberdade do espírito, quer dentro do grupo, para deter ou torcer o pensamento, paralisando as mais nobres funções do ser. Isto não é senão um aspecto da luta entre o evoluído, este quer fazer progredir o mundo, e o involuído que não se deixa redimir com esse progresso.

Isto é contra Deus e pode ser feito em nome de Deus. É sufocação espiritual, é negação de ascensão, mas a autoridade pode fazê-lo porque é o mais forte e assim tem razão contra o indivíduo que, isolado, é mais débil. Por isso, deve submeter-se, apesar de lutar por um fim muito mais alto do que aquele pelo qual luta a autoridade. Todavia trata-se de duas funções, ambas necessárias, uma perante os homens por necessidade terrena, outra perante Deus por necessidade do ideal. Disto se deduz: se a autoridade, do seu ponto de vista, tem o direito de condenar, o condenado, do seu ponto de vista, tem o dever moral, perante Deus e a sua consciência, de não renegar o seu pensamento e de continuar a sua obra. Foi exatamente assim que agiu Teilhard. Mais acima quisemos simplesmente encontrar e expor as razões que justificam a sua conduta, para nos convencermos de que se trata de um bom exemplo. Baseamo-nos na observação das leis biológicas do grupo, que são verdadeiras para cada grupo, também para o religioso.

Teilhard obedeceu à autoridade, sofrendo em silêncio, mas sem nunca renunciar às suas idéias. Às almas simples do povo ele não ofereceu o escândalo da desobediência, que estamos mais dispostos a imitar, exemplo que a tantos oferece a oportunidade de sentir-se autorizados a seguir o caminho do mal. Para o homem do ideal, lançado em direção ao futuro, isto é martírio, mas a ignorância humana assim o exige. Ele o sabe e aceita. A posteridade depois julgará com outros critérios, e a autoridade tem tempo de entender e inverter o seu juízo. Hoje se vai reabilitando para ir utilizando o que pode ser útil e aceitar o que já não se pode deixar de admitir. Assim, vai-se desenterrando o condenado ao silêncio, com cautelosas sondagens da opinião pública, para ver até onde será possível atualizar-se sem perigo.

Aqui estamos só como observadores imparciais do fenômeno, para explicar-nos o seu funcionamento. Havia também um outro fato em Teilhard. Ele comia o pão da Ordem religiosa de que fazia parte e à qual estava moralmente comprometido de ficar fiel. Sendo honesto, sentia o dever de não se rebelar contra a família a que passara a pertencer, que o havia criado e agora o protegia no seu seio. Obrigações, práticas de dar e haver, pequena contabilidade terrena que, no entanto, os honestos levam em conta, porque receber sem dar em troca é explorar. Mas, nem todos têm um sentido tão perfeito de honestidade. Outros, feridos no orgulho, revoltam-se abertamente para satisfazer a própria reação pessoal. Passam, então, para outro grupo; conservando o mesmo espírito sectário, continuam lutando contra o grupo que primeiramente os hospedara. Trata-se de um homem de partido que, esteja de um lado ou de outro, permanece sempre igual, sem sair da sua velha forma mental.

Que acontece no espírito do inovador honesto, não obstante, respeita a autoridade? Quais são os seus direitos, as suas compensações? Para ele existe o caminho da paciência, do trabalho, do martírio, também, o da sua santificação.

Observemo-lo. Ele pode servir de exemplo e guia a quem se encontre em semelhantes situações.
Lemos no volume: O Jesuíta Proibido, de G. Vigorelli:

 “Não está ainda escrita a história secreta da “redução ao silêncio” de Teilhard de Chardin. Dos dois interlocutores um está sempre ausente; e, mesmo quando se faz presente, castiga, mas não entra no diálogo; a mão, a cada vez que castiga, se esconde (....). Drama sumamente cruel que durou mais de quarenta anos, mais ardente porque ficou coberto pelas cinzas”.

O seu confrade, Padre Pierre Leroy, no seu livro Pierre Teilhard de Chardin tel que je l’ai connu, testemunha:

 “Incompreendido e condenado ao silêncio, sofre de angústias, que algumas vezes o aniquilam (...). Com paciência suportava uma prova que esmagaria os corações mais fortes. Quantas vezes, na intimidade dos nossos encontros, tínhamos visto abatido (...). Sofria de crises de angústia, que mais tarde deveriam tornar-se mais agudas (...). Tinha crises de choro que o destroçavam.”

Continua Vigorelli: “(...) além do silencio, foi-lhe também imposto o exílio (...). Morria de dor por aquele exílio prolongado. Suplicou, muitas vezes, aos superiores um regresso, ainda que breve, à Europa, à França (...), as perseguições não cessavam (...). Não lhe era proibida qualquer tomada de posição teológica e filosófica, mas se chegou, depois do seu último afastamento de Paris, a negar-lhe também o livre exercício da sua atividade científica (...). Objetavam-lhe: “Porque levanta todos estes problemas e não se contenta a ensinar o catecismo? (...). Mas aqueles problemas não era Teilhard que os levantava, eram os seus contemporâneos a propô-los, e não podia iludi-los”.

“Morreu em 1955 em Nova York, seu último exílio depois de outros, longuíssimos (...). O seu enterro não foi acompanhado por mais de dez pessoas (...), ali ficou, uma vez mais no exílio e não foi ainda permitido trazer para sua pátria os seus despojos mortais (...).”

“Ele obedeceu e não se revoltou nunca; mas, ao mesmo tempo, Teilhard tampouco renunciou à sua verdade, negando-se a considerá-la uma heresia, porque a ciência a legitimava e demonstrava (...), obedecia, baixava a cabeça (...), mas não aceitou, na menor coisa, renegar as suas idéias ou sequer suavizá-las. A solução que Teilhard deu à crise foi: nenhuma ruptura; nem intolerância, nem desobediência, velhos recursos, táticas lesivas(...).

O importante era permanecer fiel às suas próprias ideias (...). As ideias devem esperar o seu momento apropriado. A paciência, se é secundada pela intrepidez, pode valer mais que a revolta. Teilhard não se revoltou, mas nunca se deteve. Não abdicou. Rejeitou qualquer compromisso (...).

Teilhard não foi nunca contra a Igreja: quem sabe se neste momento é a Igreja que não pode mais ir contra ele (...). “Não posso mudar”, dizia, e não mudou nunca: a esperança nunca o abandonou, nem a certeza, que um dia os seus adversários mudariam; um pouco de tudo isto já está acontecendo”.
Vimos, assim, com respeito a Teilhard, a sua vida de condenado, a sua atitude perante a autoridade.

Penetremos agora no seu espírito para compreender “os segredos mais profundos que se debatiam somente na sua própria consciência, num diálogo direto com Deus”. Em Teilhard existe uma “exaltação religiosa, até mesmo mística, que chega à exuberância, investe e transcende a sua obra, à qual ficou ligado toda a vida, se não lhe serviu de salvo conduto para a Igreja, seguramente o foi perante Deus”.

Que nos ensinam estes fatos relatados aqui? Diante do mundo: incompreensão, condenação, martírio. Diante das idéias, próprias, das quais em consciência se está convencido: fidelidade absoluta. Obediência, submissão, humildade, tudo de exterior e formal que o mundo exige; mas inviolável liberdade do espírito, tudo o que de interior e substancial o mundo não vê. Perante Deus: comunhão, exaltação, segurança. Qual é, portanto, o balanço de quem se encontra como Teilhard? Não passivo, está o ataque do mundo (o silêncio imposto, o exílio), a suportar com paciência, mas fazendo dele um meio de santificação.

Não existe nada tão grande como a inocência perseguida, que sofre para respeitar um ideal de ordem e disciplina. Este castigo tem valor e dá o seu fruto. É lógico, culpa e dano perante o mundo se transforme em virtude e recompensa perante Deus. Existe assim também o ativo dado pela própria santificação, pela afirmação da inviolabilidade da liberdade do espírito, e sobretudo por sentir-se puro perante Deus e pela satisfação de gozar no íntimo da própria consciência, do Seu consentimento, vizinhança e ajuda. É, segundo a sua natureza, revelando-se, que o indivíduo escolhe colocar-se do lado do mundo ou do lado de Deus.

Estes são problemas que não interessam à maioria, que não está nestas condições, mas que são graves e vivíssimos para o homem espiritual que nelas se encontra.

O que queremos conhecer bem é o ativo que leva tal indivíduo a viver, com que forças pode sustentar-se para resistir àquela sufocação de alma. Se o dever da obediência procura matá-lo nas suas mais altas inspirações, deve aceitar a sua morte espiritual, ou seja, consentir no seu próprio suicídio? Não. Ele tem dois imensos recursos para sobreviver, não obstante a renúncia espiritual e obediência que se lhe impõem: tem para si a inviolabili-dade do espírito, no qual nenhuma autoridade humana pode penetrar e a sua consciência tranquila perante Deus, convencida da própria retidão e inocência. Deste modo, traz consigo a sensação da presença de Deus e a segurança do Seu consentimento e ajuda. Sabe que existe um outro tribunal superior a todos os do mundo, uma justiça que não erra. Nesta confia e a ela se entrega. Vê-se possuindo uma riqueza de potência, de segurança e de paz que ninguém lhe pode tirar. Refugia-se em Deus e nenhum tribunal humano poderá alcançá-lo. Esta é a força do mártir: a derrota terrena, diante de Deus, é triunfo.

Há ainda mais. As leis da vida garantem, pois, o último triunfo do ideal, por ele, o homem espiritual se sacrifica. Diz o citado volume:

 “Depois de cinquenta anos de proibições e de admoestações, as idéias revolucionárias de Teilhard abrem caminho: O Concílio Ecumênico, que está em curso, no fundo e por necessidade, está entrando no sulco salutar daquelas idéias; e a Igreja terá tudo a ganhar e nada a perder, se se decidir a absolver Teilhard, depois de ser ignorado, contrariado, condenado (...). É um ato de liquidação a era constantiniana e do espírito sectário da Contra-Reforma (...). O concílio parece disposto a decifrar a ansiedade espiritual do homem de hoje (...). É um programa indubitavelmente teilhardiano”.
  
Quem conhece as leis da vida sabe que o fenômeno deve realizar-se deste modo, esta é a linha natural do seu desenvolvimento. Quando se submete a estas leis, e espontaneamente aceita tudo isto por convicção. A evolução deve ser o resultado de um esforço; a sua realização, o prêmio de uma fadiga. Esta pertence, por direito, ao mais evoluído que avança à frente dos outros, representando, por sua vez, a resistência a vencer, o obstáculo a superar, as trevas a iluminar.

O mundo está embaixo, na retaguarda da evolução; em direção ao alto se lança o evoluído, para a frente, avançando em direção a Deus distanciando-se do mundo. Não está do lado do mundo, mas do lado de Deus, que o espera, convida-o, impulsiona-o para diante, atraindo-o e ajudando-o. A grande força, a potente indenização do condenado, mesmo que o tenha sido em nome de Deus, é estar ao lado da verdade, do justo, de Deus; é encontrar-se ao lado da Sua Lei, esta determina que no fim o bem vence o mal, a afirmação domine a negação. A força de quem sofre lutando pela verdade é está: o indivíduo trabalha para avançar na direção que a evolução determina, sendo arrastado, em cheio, pela sua corrente. O idealista, hoje, condenado, sabe que a ele pertence o futuro. Leva consigo o impulso irresistível da divina vontade da evolução que exige a ascese.

 É, precisamente, através dele que tal impulso se realiza, conduzindo tudo e todos onde quer, isto é, em direção a Deus. Que poder têm os homens contra quem tem a seu favor as leis da vida e a ajuda de Deus? Quem alcançou o plano do espírito vive por cima do mundo. Nenhuma pressão ou submissão pode agora alterar tal estado de fato. Quem viveu tais experiências pode compreender o que estes conceitos significam.

Observando as coisas de outro ponto de vista, poder-se-ia perguntar: têm os tribunais humanos o direito de infligir dores a um inocente? Mesmo segundo as leis do mundo, não é abuso de autoridade? Isto se justifica pelo fato de que a sua função é a de defender o grupo e, na desesperada luta pela vida, não há lugar para a debilidade. O grupo reclama o seu direito à legítima defesa da sua existência e, portanto, é justo esmagar qualquer um que atente contra ele. As forças em defesa do inovador condenado não devem vir da Terra. Esta representa a parte inferior da existência, a parte negativa, adequada à resistência. Aquele indivíduo pertence, pelo contrário, ao céu, que representa a parte superior, mais vizinha de Deus, parte positiva e dinamizante. Neste caso, verifica-se o mesmo antagonismo que, imediatamente, estabeleceu-se entre Cristo, o maior dos inovadores em favor da evolução humana, e o mundo disposto a ser Seu inimigo, à redenção respondeu com a crucificação.

Para quem compreendeu a estrutura do fenômeno, tudo está, portanto, no seu lugar; cada um atua e com isso revela a sua natureza. Devido ao estado involuído da humanidade, não é possível obter-se coisa melhor. Certamente, amanhã, graças ao trabalho de mártires inovadores, o mundo será diferente. Isto lhes correspon-de o trabalho de transformar a humanidade com o seu próprio sacrifício. O caso de Cristo nos mostra que como, também com Ele, em idênticas condições, verificou-se o mesmo fenômeno: compreender a classe sacerdotal no momento em que se propõem as inovações. Mas, que mais pode pedir o condenado senão estar do lado de Cristo, ser tratado como Ele o foi, sofrer como Ele sofreu pelo progresso, que é redenção, junto a Ele, irmanado na mesma dor pela mesma causa? Que honra, que alegria, que amor existe maior do que este? Que se pode pedir mais?

Cada um reage segundo a sua natureza, demonstrando-a. O primitivo rebela-se contra a autoridade, atua imediatamente segundo a lei da luta, a lei do seu plano, manifestando a sua involução. O evoluído, ao contrário, pensa no “perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”, e obedece. Mas pode refugiar-se no céu, onde a autoridade não o alcança, perante o tribunal de Deus, onde os homens não são admitidos a julgar.

Uma humanidade, mais inteligente e civilizada, um dia, saberá evitar os conflitos dolorosos de consciência, saberá defender a fé, mais por convicção do que por obrigação, saberá abrir os braços, compreendendo os novos problemas e necessidades, a quem tem sede de verdade e honestamente a busca, em vez de afastar a quem pede mais luz. Tais casos, como o de Teilhard, não deviam mais poder surgir. Se eles se verificam, se o investigador honesto tem de refugiar-se em Deus, apelando a Ele, é porque há alguma coisa que não funciona no sistema atual. Por que sepultar, enterrar no silêncio, oprimindo as consciências, certos problemas novos que o mundo tem necessidade de resolver para poder continuar a crer como deseja, e não pode porque não chega a ver claro, como hoje a mente mais madura o exige? Não se pode impedir de pensar a quem tem cabeça, que não pode ser cortada somente porque a quem não a tem não lhe apetece pensar.

Quando pensar se torna uma coisa proibida, pensa-se então por conta própria, fora das religiões, que ficam a um canto como coisa inútil. Para elas isto significa falência e morte. O investigador honesto, por sua vez, está obrigado por consciência, para resolver os problemas que mais o preocupam, a discordar de quem entende a fé como inércia espiritual e a construir a sua religião.É condenado por delito de preguiça, no entanto, representa a levedura do espírito e é mais crente e religioso do que os ortodoxos. Obtém-se, com isto, um rebanho de adormecidos, agradáveis porque obedientes, mas passivos e inúteis perante Deus.

Um espírito antievolucionista pode representar as forças negativas, cuja função é de deter a ascensão em direção a Deus. Ficar quieto, abaixando todos ao nível dos mais inertes, pode constituir um delito contra a evolução espiritual, que devia ser a maior finalidade das religiões. É certo que se deve controlar e disciplinar para não gerar anarquia, mas, paralisar, mesmo em nome de Deus, é contra o próprio Deus. A função das religiões termina e elas atraiçoam o seu fim quando o indivíduo, para encontrar luz e compreensão, deve dirigir-se a outro lugar.

A autoridade é espiritualmente derrotada quando surge um conflito entre ela e a consciência, e o honesto se encontra convencido do seu dever de obedecer a Deus em vez de obedecer à autoridade humana. Não é lícito violar o sagrado direito de pensar e de procurar a verdade. Pode até mesmo acontecer: quem formalmente esteja fora de uma religião seja mais religioso e esteja mais próximo de Deus do que quem esteja dentro, em plena ortodoxia.

As reabilitações póstumas não podem sanear a condenação. Como são tardias, não servem para a obra do missionário, mas somente aos outros para seus fins. Aquele tem necessidade do consenso de seus contemporâneos, de uma ajuda em vida, de uma compreensão imediata do seu próprio tempo, que o mantenha na função de produzir. Acercar-se do próximo com compreensão pode ser uma forma de caridade cristã, de amor evangélico, sendo anti-cristão o contrário.

Nas religiões deveria existir uma seção de livres investigadores, uma espécie de laboratório para as experiências do espírito, um instituto de investigação religiosa. Diz Teilhard: “Estou preocupado com o fato de que à Igreja falta um órgão de investigação (diferente de tudo o que existe e se desenvolve à sua volta) (...). Esta investigação é uma questão de vida ou de morte (...). Fato que pode surpreender os teólogos na sua vida tranquila (...). Há, hoje, problemas que queimam, que ninguém coloca claramente, nem defronta senão nalguma conversa privada. Existem idéias, ainda em bruto e parcialmente equivocadas, mas libertadoras, que germinam e morrem no espírito de indivíduos isolados.

Necessitaria, penso, de um órgão para recolher, centralizar, purificar tudo isto; quase diria um “laboratório” dedicado a estas experiências (...). Isto para prevenir um cisma entre a vida humana natural e a Igreja.”

De fato, o cisma atual é o mais perigoso, porque não se apresenta na forma já conhecida, ou seja, com o surgir de uma nova religião inimiga que se pode combater como no passado, mas aparece com a morte do espírito e do sistema de todas as religiões, com o seu apagar-se no materialismo e na ciência, que simplesmente não as tomam mais em consideração. Assim, no meio da diferença geral, o pensamento dirigente não se interessa e as abandona.

O objetivo da intuição, antes mencionada, deveria ser, ao lado do reconhecimento da necessidade de conservar, também o da necessidade de progredir. Como na ciência, também nas religiões, a investigação deveria ser livre, não fechada e condenada. As várias doutrinas deveriam ter, como tudo o que existe, também uma porta aberta para o caminho da evolução. Seria necessário superar aquela psicologia morta, pela qual comodamente se afirma que todos os casos possíveis já foram vividos, que por experiência dos séculos a todas as objeções já foi dada resposta, de modo que tudo já está previsto e resolvido.

 O fato é que, enquanto as religiões procuram detê-lo, o pensamento humano caminha e, porque estas o querem deter, ele se pôs a caminhar por sua conta, fora das religiões que são deixadas para trás e esquecidas, com todo o devido respeito, no meio das coisas velhas que não servem mais e se põe no museu. Assim nasceu a indiferença, o materialismo, o ateísmo e outros males semelhantes. Os micróbios patogênicos estão por toda a parte; mas o seu ataque vitorioso depende da nossa predisposição e debilidade orgânica.

Ninguém pode fugir às leis da vida,
 que está pronta a liquidar tudo e não serve mais 
 para a função que cada um deve cumprir.

3) A paixão por Cristo, racionalmente concebido como ponto de convergência da evolução da vida.
Também em Teilhard encontramos uma concepção mais ampla de Cristo. Aparece-nos assim a visão de um Cristo universal, quase diria super-religioso, num sentido que está por cima do sectarismo separatista no qual tendem a dividir-se as religiões; um Cristo que, em vez de isolar-se numa delas em oposição às demais, tende a uni-las todas, sendo concebido com a forma mental da imparcialidade científica, em termos vastíssimos em relação com as leis biológicas, como ponto de convergência e última meta divina da evolução da vida.

Trata-se de um Cristo muito maior, eixo espiritual do mundo, alcançável tanto pelas vias do misticismo, quanto pelas vias da ciência, ponto Ômega desta como o é da fé, significado e conclusão da história, princípio, guia e cume da evolução, só hoje concebível desta maneira devido à atual maturação do pensamento humano. Um Cristo total, não só religioso, fechado no passado, mas também progressista, atual, social, um Cristo que aceita a luz que vem do pensamento científico e reconhece o caráter sagrado da investigação, nobilita-a e santifica, porque é santo todo o conhecimento, como função e produto do espírito; um Cristo que não está contra mas com a ciência, com a ânsia de saber, com o espírito da indagação, com a paixão de evoluir; um Cristo que agora se desenvolva em dimensões vastíssimas, dentro da mente humana, hoje apta a concebê-Lo com outras medidas, mais racional, presente, dinâmico, universal, unitário, síntese suprema de fé, de pensamento, de vida.

É necessário assim refazer o nosso conceito do Cristo, que permaneceu entre nós como imagem feita de matéria, o Cristo crucificado e morto, para recordar-nos, para vergonha nossa, daquilo que fizemos Dele. É necessário fazê-Lo sair dos esconderijos onde parece ter-se refugiado, escapando do mundo, e onde jaz coberto de pó, atrás dos utensílios do culto, a fim de que ressuscite vivo entre nós; um Cristo que está conosco em todas as horas, com Quem convivemos dia e noite, assiste a todos os nossos pensamentos e obras, toma parte em nossas alegrias e dores, não um Cristo com o qual nos encontramos em horas fixas, ou quando decidimos penetrar no recinto dos templos, onde o isolamos fora de nosso mundo.

Um Cristo imanente, próximo, que conosco enfrenta os nossos problemas e nos ajuda a resolvê-los, em vez de desaparecer transcendente nos céus, inalcançável na sua glória; um Cristo orientador da dinâmica da vida, operando junto de nós no imenso esforço criador da era moderna, potencializando-o com os Seus imensos valores espirituais. Um Cristo não mais monopolizado nas mãos dos seus ministros e fechado no âmbito de uma só religião; um Cristo a ser venerado, sem ter que litiga-Lo com as outras religiões, amar sob outras formas ainda que não ortodoxas; um Cristo que se avizinha dos espíritos com amor e não apenas para julgar e punir; que não os afasta com os raios da vingança; um Cristo feito de concórdia para fundir e não de rivalidade para dividir, é seguido porque convence e convence porque fala com compreensão à inteligência, em vez de apenas condenar como perseguidor de heréticos. Um Cristo refúgio de pureza, fora de toda a sujidade humana, mesmo daquela escondida sob as aparências de religião.

Eis algumas palavras de Teilhard de Chardin na sua Messe sur le Monde:

 “Já que, Senhor, aqui nas estepes da Ásia, eu não tenho nem pão, nem vinho, nem altar, elevar-me-ei por sobre os símbolos, até à pura Majestade do Real, e vos oferecerei, eu, vosso sacerdote, em cima do altar da terra inteira, o trabalho e a dor do  mundo (...). O meu cálice e a minha patena são a profundidade de uma alma amplamente aberta a todos os esforços que se estão elevando de todos os pontos do globo a fim de convergirem no espírito (...). A oferta que Vós, Senhor, verdadeiramente esperais, não é outra senão o engrandecimento do mundo agitado pelo transformismo universal”.
 
Cristo pertence a toda a humanidade, e nenhuma religião pode possuí-Lo com exclusividade. Não se pode isolar num templo particular, num grupo humano, porque Ele está no centro da biologia universal do espírito. É este Cristo de dimensões cósmicas, superior a todas as formas e dimensões humanas, situado no centro da vida.


 Todos os que querem afirmar uma verdade 
antes do tempo arriscam-se a descobrirem-se heréticos. "
Pierre Teilhard de Chardin


"Alma humana é feita para não estar sozinha."
Pierre Teilhard de Chardin

"Você não é um ser humano em busca de uma experiência espiritual. 
Você é um ser espiritual imerso em uma experiência humana."
Pierre Teilhard de Chardin

"Nós mesmos somos o nosso pior inimigo.
 Nada pode destruir a humanidade, mas a própria humanidade. "
Pierre Teilhard de Chardin
 


 http://www.ubaldi.org/obra/livros/a-descida-dos-ideais/capitulos/539
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres. 
Sejam abençoados todos os seres.

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