quarta-feira, 27 de maio de 2015

ENTRE O CÉU E A TERRA -ORIGEM DA FÉ E DA MORTE



 Vídeo 33 min.
Entre o Céu e a Terra - Mario Sérgio Cortella.
tvbrasil


No Entre o Céu e a Terra, Mário Sérgio Cortella 
falou sobre milagre e as várias formas de interpretá-lo
 de acordo com cada religião.

Mario Sergio Cortella é filósofo, escritor
 educador, palestrante e professor universitário. 

Um COMENTÁRIO do vídeo
"Deus não existe!
Deus não existe.
 Ele é Ele mesmo pra além de toda essência e existência. 
Portanto, arguir acerca da existência de Deus é o mesmo que negá-Lo.   Deus não existe. Ele é. Eu existo. Pois existir não é algo que seja pertinente ao que É. Existir é o que se deriva do que sendo, É de si e por si mesmo.   Deus não existe. 
O que existe tem começo. Deus nunca começou. Deus nunca surgiu. Nunca houve algo dentro do que Deus tenha aparecido.   Deus não existe. Se Deus existisse, Ele não seria Deus, mas apenas um ser na existência.   Se Deus existisse, Ele teria que ter aparecido dentro de algo, de alguma coisa, e, portanto, essa coisa dentro da qual Deus teria surgido, seria a Coisa-Deus de deus.  
 Existem apenas as coisas que antes não existiam. 
Existir surge da não existência. Deus, porém, nunca existiu, pois Ele é.   
Sim, dizer que Deus existe no sentido de que Ele é alguém a ser afirmado como existente, é a própria negação de Deus. Pois, se alguém diz que Deus existe, por tal afirmação, afirma Deus, e, por tal razão, o nega; posto que Deus não tem que ser afirmado, mas apenas crido.  

 Deus É, e, portanto, não existe. 
Existe o Cosmos. Existem as galáxias. 
Existem todos os entes energéticos. Existem anjos. 
Existem animais e toda sorte de vida e anima vivente. Existem vegetais, peixes, e organismos de toda sorte. Existem as partículas atômicas e as subatômicas. Existe o homem. Etc. Mas Deus não existe. Posto que se Deus existisse dentro da Existência, Ele seria parte dela, e não o Seu Criador. 

  Um Criador que existisse em Algo, seria apenas um engenheiro Universal e um mestre de obras cósmico. Nada, além disso. Com muito poder. Porém, nada além de um Zeus Maior.   Assim, quando se diz que Deus está morto, não se diz blasfêmia quando se o diz com a consciência acima expressa por mim; pois, nesse caso, quem morreu não foi Deus, mas o “Deus existente” criado pelos homens. Tal Deus morreu como conceito. 

Entretanto, tal Deus nunca morreu De Fato,
 pois, como fato, nunca existiu — exceto na mente de seus criadores.  
 Assim, o exercício teológico, seja ele qual for, quando tenta estudar Deus e explicar Deus, tratando-o como existente, o nega; posto que diz que Deus existe, fazendo Dele um algo, um ente, uma criatura de nada e nem ninguém, mas que também veio a existir dentro de Algo que pré-existia a Ele, e, portanto, trata-se de Algo - Deus sobre o tal Deus que existe. 

A Escritura não oferece argumentos acerca da existência de Deus. Jesus tampouco tentou qualquer coisa do gênero. Tanto Jesus quanto a Escritura apenas afirmam a fé em Deus, e tal afirmação é do homem e para o homem — não para Deus —; pois se fosse para Deus, o homem seria o Deus de Deus, posto a existência de Deus dependeria da afirmação e do reconhecimento humano. Tal Deus nem é e nem existe; exceto na mente de seus criadores.   Deus não existe.

 O que existe pertence ao mundo das coisas que existem OU não existem. Deus, porém, não pertence a nada, e, em relação a Ele, nada é relação.   Defender a existência de Deus é ridículo. Sim, tal defesa apenas põe Deus entre os objetos de estudo. Por isto, dizer: “Deus existe e eu provo” — é não só estupidez e burrice; mas é, sem que se o queira, parte da profissão de fé que nega Deus; pois se tal Deus existe, e alguém prova isto, aquele que apresenta a prova, faz a si mesmo alguém de quem Deus depende pra existir... e ou ser.   

O que “existe”, pertence à categoria das que coisas que são porque estão. Deus, porém, não está; posto que Ele É.   Ser e estar não são a mesma coisa, como o são na língua inglesa. O que existe pertence ao que é apenas porque está. Deus, entretanto, não está porque Ele É.   “E quem direi que me enviou?” — perguntou Moisés. “Dize-lhes: Eu sou me enviou a vós outros!” — disse Ele.  

 Desse modo, Deus não diz “Eu Estou”, mas sim “Eu Sou”. Ora, um Deus que está, não é, mas passou a ser. Porém o Deus que É, mas não está; não pertence ao mundo das coisas verificáveis; posto que Aquele que É, não está; pois se estivesse, seria —, mas não Seria Aquele de Quem procedem todas as existências, sendo Ele apenas um ele, e não Ele; e, por tal razão, fazendo parte das coisas que existem — mas sem poder dizer Eu Sou!   Jesus também falou da sutileza do ser em relação ao estar. 

Quando indagado acerca da ressurreição pelos saduceus (que não criam em nada que não fosse tangível), Ele respondeu: “Não lestes o que está escrito? Eu sou o Deus de Abraão, eu sou o Deus de Isaque, eu sou o Deus de Jacó. Portanto, Ele é Deus de vivos, e não de mortos; pois para Ele todos vivem”. 

Assim, os que vivem para sempre são os que são em Deus, e não os que estão existindo. A vida eterna não é existir pra sempre, mas ser em Deus.   Assim, para viver eternamente eu tenho que entrar na dissolvência da existência, a fim de poder mergulhar naquilo que está pra além do que existe; posto que É.  

 A morte pertence à existência. A vida, porém, se vincula ao que não existe, pois, de fato É. O que existe carrega vida, mas não é vida. A vida, paradoxalmente, não pertence ao que é existente, mas sim ao que É.   

Quando falo de vida, refiro-me não às cadeias de natureza biológica que constituem a vida dentro da existência. Mas, ao contrario, ao falar em vida, refiro-me ao que é para além da existência constatável.   Portanto, Paul Tillich tem razão quando diz:

 “God does not exist. 
He is being itself beyond essence and existence. 
Therefore to argue that God exists is to deny him”.   
Ora, usando uma gíria de hoje, eu diria: Tillich tem razão quando diz: “Deus não existe!” — pois é isto que hoje se diz quando algo está pra além da existência: “Meu Deus! Esse cara não existe!”. Assim é com Deus: Não existe! Pois é de-mais! Um beijo pra você! 

De Abraão à Moisés - a invenção de Deus
Versão para impressão Jean Bottéro



A História real, 
o modo como ela verdadeiramente aconteceu, 
nem sempre coincide com a História contada, 
sobretudo quando o narrador já tem uma ideia na cabeça.

Ninguém poderia contestar a distância, diametral, entre as duas histórias, ou a possibilidade de remontar desta àquela, hoje que estamos todos amplamente informados, não digo sobre as astúcias, mas sobre os meios e o método geral que, sob o nome de criminalística, policiais e juízes de instrução praticam habitualmente, para encontrar, sob a letra das palavras, a realidade objetiva das coisas. 


Os historiadores são os policiais e juízes de instrução do passado.
Exceto pelo fato de que tratam apenas com testemunhas desaparecidas, de que não pretendem absolutamente informar a Justiça e de que não têm nada a esperar em suas investigações, a não ser a possibilidade de conhecer a verdade - prerrogativa e dignidade de todo homem normal -, pode-se confiar neles.

O que a bíblia nos relata sobre as origens e os primeiros tempos do povo de Israel nos fornece uma eloquente ilustração do choque entre essas duas Histórias. Em primeiro lugar, como ela conta o nascimento e os primeiros passos de Israel? 

Em grandes pinceladas, sigamos esse relato, 
concentrado principalmente em seus dois primeiros livros, o Gênesis e o Êxodo.

Apenas dois protagonistas se encontram em cena: o povo de Israel, por vezes em sua multidão anônima, mais frequentemente na pessoa de seus líderes, sobretudo os mais eminentes: Abraão, depois Moisés; e Deus - pois a bíblia é uma obra acima de tudo religiosa, e só se interessa realmente, no fundo, por esse lado sobrenatural das coisas.

"Saia de sua terra e da casa de seu pai"
Deus, que aí tem o nome de Javé (voltaremos a isso), é um personagem único e transcendente: a bíblia defende com zelo em toda parte o monoteísmo absoluto. Por outro lado, se Javé intervém - percebemos isso rapidamente, pois o encontramos em cada inflexão do relato -, é porque existem, d'Ele com Israel e de Israel com Ele, laços particulares, inexistentes com qualquer outro grupo de homens: Criador, Organizador e Animador de tudo no Universo, a começar pelo próprio Universo, Ele Se ocupa com uma diligência particular, e quase exclusiva, do povo de Israel; repete-se isso em todos os tons: é o povo d'Ele, Sua propriedade privada de certo modo.

E um dos propósitos essenciais da bíblia, em seus primeiros relatos, é expor e explicar como as coisas aconteceram, desde "o Princípio".

São os onze primeiros capítulos do Gênesis que tomam assim os acontecimentos a partir do princípio absoluto: como que para traçar, antes de tudo, o quadro geral cujo primeiro plano será ocupado pelo "povo eleito".


Deus primeiro criou o mundo e os homens,
 mas como Suas exigências são acima de tudo morais,
 os homens rapidamente o decepcionaram pela má conduta. 
Ele decide então "apagar tudo para recomeçar", se posso dizer assim, eliminando-os por meio do Dilúvio, à exceção de um espécime escolhido, do qual pensa tirar, dessa vez, uma descendência mais adequada do Seu ponto de vista. Mais uma vez Ele se desiludirá - os autores da bíblia têm uma triste ideia dos homens! 

Assim, quando a nova humanidade se corrompe a ponto de propor-se, por meio da gigante torre de Babel, a escalar o céu, como que para violar Sua residência, Ele toma, por fim, a decisão de reduzir Sua escolha e de preparar para Si, em meio a essa humanidade, um povo apenas, mas inteiramente à parte, que, "eleito" por Ele, lhe será reservado, respondendo, para sempre, à Sua expectativa, e sendo-lhe devotado por completo. Esse "povo de Deus" será Israel.

Javé volta, pois, seu olhar para a descendência de Sem,
 o primogênito do sobrevivente do Dilúvio, Noé: 
é dessa cepa que Ele fará nascer Abraão, 
o Fundador, o Ancestral e o Pai do futuro "povo eleito". 
Esse povo não passaria, inicialmente, de um punhado de indivíduos, uma família, um clã, daqueles seminômades, pastores erráticos, dos quais uma boa imagem aproximativa, atualmente, nos seria fornecida pelos beduínos do Oriente Médio - ao menos o que ainda resta deles.

Para essas pessoas, é sempre considerável a autoridade do Primeiro, do Ancestral, do Fundador, mesmo depois de sua morte. Entre os descendentes de Abraão, que conservam a lista exata na memória, completa e ordenada, de seus ancestrais, remontando até ele, "Pai e Herói, que dá a vida e recebe as honras", ele será incessantemente citado, referido, celebrado com um verdadeiro culto.

Assim, os doze capítulos do Gênesis (XII-XXIV) que se seguem ao momento em que seu nome aparece pela primeira vez, giram em torno de Abraão, Ancestral e Criador do futuro "povo eleito" que Deus prepara para Si. Para executar Seu desígnio, Ele toma de repente as coisas em mãos.

Parte então para buscar Seu homem bem longe, no final da Mesopotâmia, em seu local de nascimento, a célebre cidade de Ur. O que não tem nada de inverossímil: a partir do fim do terceiro milênio a.e.c. - se não temos o menor indício para "datar" esses acontecimentos, há alguma verossimilhança de que tenham girado em torno da primeira metade do segundo milênio antes de nossa era -, as grandes cidades mesopotâmicas se viram frequentemente cercadas, fora dos muros, por tendas e acampamentos de pastores seminômades, que tinham vindo refugiar-se ou instalar-se naquele país planturoso, entre o Tigre e o Eufrates.

 Todos haviam chegado do Nordeste, das franjas setentrionais do grande deserto sírio-árabe, concentração tradicional, desde antes da História, de toda uma população semítica de pastores, cujos laços com a Mesopotâmia eram estabelecidos pelo curso do Eufrates, seguindo a jusante ou a montante.

Logo que os dois personagens-chave da história aqui contada aparecem juntos, salta aos olhos que o encontro entre Abraão e Javé tenha sido decidido por este em função do grande desígnio que havia concebido, e cuja realização, que se daria por etapas, estava em tempo de ser deflagrada.

Deus se dirige então a Abraão:

Saia de sua terra, 
do meio de seus parentes e da casa de seu pai,
 e vá para a terra que eu lhe mostrarei./ 
Eu farei de você um grande povo, e o abençoarei;
 tornarei famoso o seu nome, de modo que se torne uma bênção./
 Abençoarei os que abençoarem você 
e amaldiçoarei aqueles que o amaldiçoarem.
{Gênesis XII, 1-3)


Seria  esta 
 " A Grande Israel" 
A Terra Prometida ?

Em outros termos, é desse reles beduíno perdido no fundo do Oriente Médio que Deus quer tirar Seu povo. Ele não quer criá-lo e colocá-lo em qualquer lugar, mas na outra extremidade do país, em uma terra por Ele escolhida, e à qual Ele aparentemente se apega tanto quanto ao próprio povo. É, portanto, para lá que Ele dirige inicialmente Abraão. 

Este obedece sem fazer perguntas:
não se discute com Deus.


Abraão partiu conforme lhe dissera Javé (...)/ 
Abraão levou consigo sua mulher Sara, (...)
 todos os bens que possuíam e os escravos que haviam adquirido em Harã. 
Partiram para a terra de Canaã (esse é o nome que se dava então à Palestina), 
e aí chegaram. (Gênesis XII, 4-5)
A primeira parada deles foi em Siquém (não longe da futura Samaria). E ali Javé explicou a Abraão que ele estava no final de sua longa caminhada. Concede-lhe então aqueles territórios em volta para que fizesse com que ali nascesse e se desenvolvesse seu povo, para sempre:

Erga os olhos, e aí, do lugar onde você está,
 olhe para o norte e para o sul, para o oriente e para o ocidente./
 Eu darei toda a terra que você está vendo, a você e à sua descendência, para sempre./ 
Tornarei a sua descendência como a poeira da terra: 
quem puder contar os grãos de poeira da terra,
 poderá contar seus descendentes. (Gênesis XIII, 14-16)

E, como que para comprometer-se solenemente e garantir assim a Abraão a terra e a posteridade prometidas, Javé recorre a um procedimento então comum e em toda parte praticado no antigo Oriente Médio: o que era chamado de "Aliança" (XV), cerimônia que supostamente ligava de maneira estreita e duradoura pessoas e destinos de dois contratantes.

Constantemente, conforme o esperado, Abraão se comporta como perfeito fiel e devoto de Javé, e apenas Dele: como perfeito monoteísta. Em tudo o que nos é relatado sobre ele e, depois, sobre seus filhos, jamais se invocam aqueles "deuses estrangeiros", não há o menor vestígio do politeísmo que governava em toda parte os espíritos e corações. Apenas com Ele Abraão dialoga, ouvindo-o e respondendo-lhe, com uma obediência sem reserva, que qualificaremos até mesmo de "louca", uma vez que estará pronto para sacrificar-lhe seu mais precioso bem, seu "primeiro" filho! É apenas a Javé que ele consagra um culto, erigindo-lhe, aqui e ali, altares para oferecer-lhe sacrifícios... 


Em compensação,Javé não cessa de reiterar
Sua solene promessa territorial e política:
 é dele, no país em que evolui e que desde então lhe pertence, 
que nascerá o "povo eleito".

No relato detalhado que nos é feito de sua vida e da vida de seus filhos, esse culto e essas promessas constituem o centro e a base, em meio a uma quantidade de anedotas manifestamente extraídas de um longo e copioso folclore.

Os dados mais decisivos, nessa obstinada perspectiva de construção e crescimento do "povo eleito", estão naturalmente reservados aos filhos de Abraão, que durante muito tempo foram esperados dele em vão, e que Javé lhe concede, afinal, quando ele já estava em "idade avançada".

 O primeiro, Ismael, nasceu de uma escrava, que Sara, sua esposa, lhe havia "dado" - em virtude de uma prática então aceita e bastante conhecida no Oriente Médio (e que figura até mesmo, aproximadamente em 1750 a.e.c., no "Código" de Hamurábi) - para "substituí-la na maternidade", se assim podemos dizer.

Mas Ismael, de certa maneira "lateralmente" nascido, jamais contará na progenitura legítima de seu pai: ele partirá para o deserto, para ali fundar certo número de tribos "beduínas", que jamais farão parte do "povo eleito".

Quando a esposa de Abraão, Sara,
 lhe dá enfim um "filho autêntico", Isaac, 
sua linhagem é assegurada, e o povo escolhido começa a existir... 

O próprio Jacó, filho e sucessor de Isaac, 
trará à luz os doze filhos que, em Israel, desde então lançado à existência, 
estarão, cada um, à frente de um clã, de uma "tribo"
como se dizia, cuja reunião devia compor o "povo eleito" em sua plenitude.

O "povo eleito" e a terra prometida

Quando Sara morre, e depois Abraão, e são enterrados em Hebron, no túmulo que ele havia adquirido, o grande desígnio de Deus, concebido "desde o Princípio", e por longas etapas, encontra-se inteiramente realizado, e Seu povo, Israel, lançado. Sempre nômade e em movimento, com seus rebanhos, ao sabor das pastagens, em toda a extensão do território que "lhe pertence", no quadro político tribal que assegura desde então sua coesão, resta-lhe enfrentar a História, para assumir e manter o lugar que lhe será atribuído por seu Deus.

No final do Gênesis e no início do Êxodo, 
a situação dos israelitas inicialmente se degradou.
 Coagidos por fomes episódicas, os mais expostos entre eles
a essas calamidades tiveram que se refugiar e até mesmo se instalar duradouramente no Egito, na região do Delta, mais ao seu alcance. 

Inicialmente bem acolhidos (como relatam nossas fontes bíblicas, as únicas disponíveis), sua vida de metecos tornou-se difícil quando os autóctones começaram a maltratá-los e a tomá-los como escravos.


 Sionismo 2015


Está se cumprindo a "Promessa de Javé"
através  dos genocídios, desde 1948?

Sionismo - 2015


É então que vai abrir-se, na história do "povo eleito", em sua "terra prometida", um grande capítulo inesperado que mudará muitas coisas, ainda que nossas fontes, limitando-se à narração, não o clareiem tanto quanto esperaríamos, talvez por estarmos, em função do recuo, mais conscientes do que elas da importância única dos acontecimentos. Como acima, na falta de documentos necessários, ainda somos incapazes de datá-los com suficiente precisão: estimaríamos que se situam no máximo no início do século XIII a.e.c.

Entre os israelitas assim perseguidos, e ainda mais nostálgicos "de seu país" e de seus irmãos, surgirá um homem cuja obra e influência superarão em altura, em profundidade e em inovação as de seus ancestrais. Abraão havia fundado apenas um povo; esse homem irá criar todo um mundo: um sistema religioso que, pouco a pouco, conquistará o Ocidente, senão a Terra inteira.


Moisés, pois esse é seu nome, nascido no Egito, parece rapidamente ter-se erguido contra a opressão de seu povo. Ele teve até mesmo que fugir por algum tempo para o país de Madian, na outra extremidade da Península do Sinai, do lado de Eilat. Em seu retorno, como se houvesse, nesse meio- tempo, meditado profundamente e construído para si todo um sistema, ele vai propô-lo a seus congêneres, apresentando-se como enviado de seu Deus e - aliás é o caso de todos os grandes inovadores religiosos - convencido de sê-lo.


Inseparável e entrelaçado, trata-se de um duplo projeto cujos detalhes nos são dados, aqui e ali, no livro do Êxodo, e a realização nos seguintes: o Levítico, o livro dos Números, o Deuteronômio e, enfim, Josué...


No plano político, Moisés, com a ajuda de seu Deus, quer libertar seu povo de uma vida miserável: "Por isso, desci para libertá-lo do poder dos egípcios e para fazê-lo subir desta terra para uma terra fértil e espaçosa, terra onde correm leite e mel" (Êxodo III, 7) - terra que, por nostalgia, ele vê como faustuosamente opulenta...


Mas, sobretudo, pretende inculcar-lhe sua própria visão, inteiramente nova e imprevista, do Deus dele: 



"O Senhor Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, 
o Deus de Isaac, e o Deus de Jacó", 
em nome de quem ele fala, e que, "não tendo esquecido Seu povo", quer agora reuni-lo em sua "terra prometida": pois é somente aí, livre e independente, ocupando o terreno que lhe fora atribuído desde Abraão, que ele será verdadeiramente, entre os outros povos da terra, o "povo de Javé".


"Não tenha outros deuses além de mim"

Para dar uma visão de conjunto do pensamento religioso de Moisés, cujos detalhes estão dispersos ao longo do texto do Êxodo, é preciso primeiramente ressaltar que ele sempre se proclama firmemente apegado ao "Deus dos Pais". É a Ele. e apenas a Ele, que Israel deve permanecer fiel, repelindo todos os outros:



 "Não tenha outros deuses além de mim. 
[...] porque eu, Javé seu Deus, sou um Deus ciumento.. "(Êxodo XX, 3-4).

 Moisés rejeitava absolutamente, portanto, aquele politeísmo que animava todas as religiões então conhecidas, no Oriente Médio e em toda parte. Só deixava ao seu povo a escolha do "henoteísmo"como dizem os historiadores das religiões: isto é, sem negar a existência dos outros deuses, o desinteresse em relação a eles e o apego exclusivo a um único.


Observemos, que, em poucos séculos, sob a pressão dos acontecimentos da história de Israel e de sua reflexão aprofundada, do henoteísmo assim proposto por Moisés surgirá o monoteísmo absoluto, segundo o qual só existe absolutamente um Deus, e os outros não passam de fantasmas.


Móisés não rejeitava com menos força essa outra base das religiões de então que era o antropomorfismo. Os deuses dos outros, os mais poderosos, os mais imponentes, os mais magníficos, tinham todos figura humana. Seus fiéis os haviam imaginado e construído a partir de si próprios, e as imagens e estátuas que faziam deles só podiam acusar essa semelhança. Moisés não entendia que se pudesse ver e tratar assim o "Deus dos Pais":


Não tenha outros deuses além de mim./ Não faça para você ídolos, nenhuma representação daquilo que existe no céu e na terra, ou nas águas que estão debaixo da terra./ Não se prostre diante desses deuses, nem sirva a eles... (Êxodo XX, 4-5)


Não havia imagens próprias para figurar e conhecer o "Deus dos Pais": mas unicamente um nome, Javé, e apenas desse nome era possível tirar a ideia que se devia fazer d'Ele. Era, naquele tempo, uma evidência comum que o nome deixasse entrever a natureza da coisa nomeada: por meio de uma dessas "etimologias populares" e ingênuas, com que se pensava poder aprender bastante e que eram consideradas apodícticas, em virtude do princípio, universalmente aceito, de que toda assonância tinha sentido, Moisés identificava o nome de Javé com a forma verbal da terceira pessoa do masculino singular do termo corrente que designava o "ser", a "existência". "Javé" significava, portanto - traduzindo ao mesmo tempo tudo o que se podia saber e tudo o que bastava saber d'Ele -, "Ele é", em outros termos "Ele é real", mas também, "Ele está aí", "Ele está presente" e, dessa forma, pronto para intervir e socorrer suas ovelhas.


Não havia mais nada a saber, e não se podia, realmente, saber mais nada! Mas isso já não bastava para fundar o laço indivisível e profundo pelo qual se era fiel a Ele, pelo qual Ele era sentido e demonstrado como o próprio Deus de cada um? 



Ele ocultava zelosamente sua própria natureza,
 reduzindo-a, como fazia Seu nome, à "existência": 
"Eu sou aquele que sou!" (Êxodo III, 14).
Não apenas os devotos de Javé, aqueles que compunham seu povo, deviam afastar d'Ele toda imagem - que seria sempre enganosa, rebaixando-o ao nível dos outros deuses, figurados com base no modelo humano - como também, logicamente, Moisés excluía que lhe devotassem um culto semelhante ao deles: antropomórfico e nada vendo além do fornecimento de presentes, oferendas, alimentos e "sacrifícios", cada um mais faustuoso do que o outro - como se fazia aos grandes desse mundo!


 O que Javé exigia não eram aquelas riquezas ostentatórias e inúteis, com as quais não tinha o que fazer: Ele exigia para Seu culto apenas a obediência integral à Sua vontade, essencialmente "moral": acima de tudo preocupada em assegurar a seus fiéis uma vida e uma conduta probas e retas, na justiça e na concórdia.


Dá testemunho disso o que chamamos de "Decálogo", que Deus em pessoa, conta a bíblia (Êxodo XXIX 12), havia escristo em "tabuletas de pedra": o detalhe das obrigações essenciais que ligavam Israel a seu Deus, cláusulas de uma Aliança reiterada e definitiva, solenemente celebrada {Êxodo XXIV):



Honre seu pai e sua mãe...
 Não mate. Não cometa adultério. Não roube. 
Não apresente testemunho falso contra o seu próximo. 
Não cobice a casa do seu próximo; nem a mulher do próximo,
 nem o escravo, nem a escrava, nem o boi, nem o jumento... (Êxodo XX, 12-17)

Essa "Lei", imposta por Deus é voluntariamente aceita por Seus fiéis no momento da Aliança, selava entre eles um laço e um acordo definitivos ao mesmo tempo que fundava a religião dos israelitas: por isso, sobretudo, eles se haviam tornado, desde então, o "povo de Javé". Enquanto respeitassem seus compromissos, Ele os apoiaria, prestaria socorro, os ajudaria eficazmente - Ele não era "todo-poderoso"? -  em todos os seus projetos, a começar pelo retorno à sua casa, à sua "terra prometida", e depois em sua transformação progressiva em um verdadeiro "povo", com seu território, independência, orgulho, multidão e instituições: aquele povo, em suma, que Deus havia concebido, desejado e preparado para Si "desde o Princípio".


Foi de fato Moisés, e apenas ele, quem concluiu esse empreendimento de fôlego inaugurado por Abraão e quem realmente pôs em marcha, com sua religião particular, apartada de todas as outras, o "povo eleito" rumo à sua "terra prometida". E foi ele o primeiro a imaginar e construir seu sistema religioso, tão inesperado e novo, diametralmente afastado de todos os outros então em vigor. Não aceitou um Mundo criado e governado por um punhado de super-homens, mais gloriosos, certamente, na imaginação de seus devotos, mais poderosos e inteligentes do que nós, até mesmo imortais, porém, afinal de contas, à nossa medida, somente um pouco mais alongada... E introduziu na religiosidade o sentido profundo do Mistério e da Transcendência "absoluta", até então totalmente desconhecidos. Enfim, ele queria um Deus cujo papel essencial fosse impor aqui embaixo a honestidade, a retidão, a igualdade, a justiça, a concórdia.


Foi um dos maiores gênios religiosos que um dia viveram e ensinaram. Confesso, falando apenas por mim e como historiador das religiões, que se o venerável Abraão me enternece - sabem-se, aliás, dele poucas coisas, e tão envolvidas em uma impenetrável bruma folclórica! -, ele não consegue me fazer vibrar: vejo-o apenas como o primeiro de uma longa, ampla e rica linhagem. Mas conheço outros nesse papel! E como não tem o senso de sua "paternidade", como teria um beduíno, um semita, inseparáveis de sua genealogia, ele me toca pouco. Moisés, em compensação, me empolga por sua personalidade gigante e sobre-humana, como quando, tendo entrado ao acaso na igreja de São Pedro Acorrentado, em Roma, encontrei-me subitamente fulminado por sua prodigiosa estátua feita por Michelangelo!



O que teria sido da descendência de Abraão,
 se Moisés não houvesse intervindo?
Resta um pequeno problema que deve ter intrigado o leitor. É indiscutível que o nome de Javé e, consequentemente, a própria ideia de Deus, que Moisés dele retirou e difundiu -       a bíblia, lida ingenuamente, mostra muito bem isso - são a descoberta própria desse grande homem. Sem que saibamos exatamente quando e como, onde e em que circunstâncias ele a fez: é esse o seu mistério pessoal... pois Javé, como tal, nos é desconhecido no Oriente Médio antigo. Há, desde os primórdios do segundo milênio a.e.c., ao redor da Mesopotâmia, especialmente, um deus Ia, ou Iahou - ou talvez também Ea; mas não há nenhuma peça em nosso dossiê que nos autorize, por enquanto, a ligá-lo a Javé.


Quem era o "Deus dos pais"?

Se foi mesmo Moisés quem "descobriu" Javé - e se ele refletiu o bastante sobre esse nome para tirar dele o extraordinário aprofundamento religioso pelo qual, com provas, o estimamos responsável -, como é possível que, "revelado" somente nos primeiros capítulos do Êxodo, esse mesmo nome figure explicitamente, nós o lemos, mais um pouco em toda parte no texto anterior do Gênesis, "desde o Princípio"?


É preciso, pois, crer que ele foi introduzido ali a posteriori. Dito de outra maneira, que a história de Israel, ao menos quanto a esse ponto, não se desenrolou tal como contada na bíblia, mas que em dado momento, alguém - nunca saberemos quem ou quando - nela interveio para modificar alguma coisa, e certamente com uma ideia na cabeça.


Ele terá concebido, e terá apresentado o período antigo da História de Israel, anterior a Moisés, como se houvesse ocorrido depois dele, e como se a identidade do "Deus dos Pais" e de Javé fosse conhecida desde sempre - se isso é verdade, torna a narrativa do Êxodo totalmente controversa, e não poderemos mais aceitá-la sem discussão.


De resto, uma vez que estamos nas interrogações, quem era então esse "Deus dos Pais"? Contrariamente ao uso universal, no Oriente Médio antigo, ele só é nomeado por seus fiéis, digamos, por sua "função", nunca por seu nome: ao passo que todos os deuses, como os homens, tinham cada um o seu nome, regularmente utilizado quando se tratava de um deles. Javé seria desde então para ele um nome e, portanto, um programa novo; mas seu nome anterior jamais nos é revelado, o que é bastante suspeito. É preciso apresentar a questão ainda com mais franqueza: qual era, em suma, a religião dos "Pais" de Abraão e de seus sucessores, até a vitória do "projeto" de Moisés?


Uma vez que, antes deste último e de seu ensino, não se podia ser "henoteísta", e que o monoteísmo ainda estava distante, eles tinham que ser politeístas como todos os seus contemporâneos, semitas ou não, dos quais temos alguma noção nessa época. E é exatamente dessa forma, na verdade, que é mais verossímil e correto imaginá-los, antes de sua "conversão" a Javé.


O "Deus dos Pais", no singular, tem valor coletivo, e cobre, ao final das contas, o panteão dos israelitas antes de sua entrada na religião de Moisés. Os antigos semitas, sabemos bem disso, nunca procuraram, em seu politeísmo, a multidão dos deuses: na Mesopotâmia, para fazer com que a aceitassem, foi preciso nada menos do que a poderosa influência suméria: cerca de mil, se não um pouco mais, dos deuses da religião deles têm um nome sumério! O "Deus dos Pais" era então apenas a designação coletiva dos deuses, em quantidade provavelmente bastante modesta, adorados pelos primeiros israelitas. Não temos muitos detalhes em relação a eles, mas poderíamos hipoteticamente afirmar seus nomes com verossimilhança, na medida em que sabemos que eram mais ou menos comuns a todos os antigos semitas.


Somos, portanto, forçados a supor que os primeiros israelitas - antes da chegada de Moisés, a começar, naturalmente, pelo Pai deles, Abraão em pessoa - eram politeístas e compartilhavam uma religiosidade comum com os outros semitas e não semitas do Oriente Médio, e que, se eles mudaram de religião, abandonando todo um panteão de divindades antropomórficas por uma única, que absolutamente não o era, e apenas por Javé, foi pela intervenção de Moisés.


E permaneceram fiéis a Ele, ao menos como povo, quando voltaram para perto dos seus, para o seu "país", que eles haviam deixado para "descer" ao Egito, onde se viram confinados; e quando se transformaram, com o passar dos anos e dos séculos, em um povo organizado, autônomo, em um reino, mais tarde cindido em dois, continuaram a sentir-se diferentes de todos os outros homens, pela proteção singular de seu Deus e sua mútua Aliança, da qual sempre fizeram, e o fazem até hoje, sua altivez e orgulho: um povo à parte de todos!


Nessas condições, era quase inevitável que, em sua imaginação, eles vissem, naquilo em que se haviam transformado, não apenas o efeito da proteção e da ajuda de Javé através de toda a sua história, como também - considerada a excepcional altitude de seu Deus, a profundidade de Seus pontos de vista, Sua autoridade soberana - que esse mesmo Javé não poderia não ter previsto, desejado e decidido tudo o que havia sido realizado. É por isso que postularam, de saída, a promessa divina de uma terra, de uma posteridade, de um futuro.


É aí que reside todo o sentido da história antiga de Israel, que transparece na bíblia se a lermos ao mesmo tempo com o próprio espírito no qual foi escrita - um espírito exclusivamente religioso e pio - e com a preocupação, "policial", de reencontrar, nas entrelinhas da narração, a realidade do passado verdadeiro. Os autores da bíblia não eram historiadores, preocupados primeiramente com a objetividade escrupulosa de seu relato, mas crentes, devotos, orgulhosos de seu excepcional privilégio de fiéis do Deus único e universal.


Se tivermos um pequeno senso da história, que nos permita acima de tudo ouvir o que nos é contado como se estivéssemos na pele dos narradores, não será muito difícil compreender e admitir que a "terra prometida" e o "povo eleito" não foram uma invenção, mas um ato de fé: não um desejo de enganar, mas apenas de compartilhar um belo sonho.



Versão para impressão 
Jean Bottéro

Os Hebreus e a Invenção do Pecado



Jean Bottéro


Se acreditarmos no folclore bíblico, o crime é um hábito inveterado do homem. Ele ritmou e comandou inicialmente a mais velha "história", a "era mítica" que mais de uma mitologia antiga imaginou, das origens do mundo até o momento em que, por meio de retoques mais ou menos amplos ou brutais, a imagem do universo e do homem foi levada ao estado que todos conhecemos, de memória universal, e começou a funcionar como desde então sempre funcionou.


Segundo a mitologia dos hebreus, o primeiro Homem que apareceu aqui embaixo - incitado por sua Mulher, que fora enganada pela Serpente - desobedeceu a Deus e comeu do Fruto proibido. É preciso que uma insubordinação como essa tenha sido tomada como um ato criminoso monstruoso, como uma verdadeira revolta, se julgarmos pelo terrível e definitivo castigo que implicou: a Mulher foi definitivamente condenada às dores do parto e à tirania do Homem, e este, a só poder subsistir ao preço de um trabalho extenuante (Gênesis III).


Dos primeiros filhos do casal, expulso para sempre de sua beatífica morada original, Caim assassina seu irmão Abel, do qual tem ciúmes, e este também é banido e condenado a uma vida errante e amedrontada.


Entre os descendentes do assassino surge uma espécie de besta, Lamec, que se gaba de ser muito mais sanguinário que Caim: "Por uma ferida, eu matarei um homem, e por uma cicatriz matarei um jovem. Se a vingança de Caim valia por sete, a de Lamec valerá por setenta e sete" (IV, 23).


Depois disso, ao longo das gerações, o crime se difunde em toda parte, de tal maneira que Deus fica desapontado ao ser obrigado a constatar "que a maldade do homem crescia na terra e que todo projeto do coração humano era sempre mau" (VI, 6). E decide aniquilá-lo com o Dilúvio, excetuando apenas o único justo, o único irrepreensível: Noé, salvo do cataclismo, com sua família, em sua "arca" flutuante (VI, 15; VIII).


Passado o Dilúvio, Cam, segundo filho do herói, ultraja gravemente seu pai - de acordo com as ideias que se tinham então das coisas - ao contemplá-lo totalmente nu e comprazendo-se na embriaguez: esta curiosidade doentia devia constituir, por si mesma, um novo crime, um imperdoável atentado, para que Noé maldissesse o culpado a ponto de fazer dele o pai de gerações de escravos (IX, 20s).


Enfim, os homens, novamente espalhados sobre a terra, conspiram para nada mais nada menos que afrontar Deus em pessoa, alçando-se assim para falar à Sua altura por meio de uma torre que lhes permitirá "(chegar) até o céu", simples "começo de seus empreendimentos" maléficos, como se nada mais pudesse freá-los na devastação de todos os interditos e na progressão do crime. É por isso que, confundindo e multiplicando suas línguas, Deus os condena a não mais se entenderem uns aos outros, o que os predispõe a agredirem-se e matarem-se (XI).


E essa sucessão arcaica, original e obstinada dos crimes passados, portando em germe os crimes futuros, sem número e sem termo, que leva Deus, como desalentado diante da súcia malfeitora e perversa dos homens, a preparar, unicamente para Si, uma comunidade restrita, que será, como Noé em seu tempo, a única justa, inocente e irrepreensível: Seu povo particular, que jamais deveria decepcioná-lo. Assim parte Ele para longe, no início da "era histórica", para buscar Abraão e trazê-lo ao teatro em que pretende vê-lo viver e proliferar-se para tornar-se o pai do povo de acordo com Seu coração (XI, ls).


Vê-se que, antes mesmo do início da história, o passado mais antigo do mundo, na mitológica bíblica, não passou de uma seqüência de catástrofes, comandadas a cada vez por crimes e pela repressão deles: pela reação legítima de Deus diante dos atos celerados dos homens.


As coisas infelizmente não se detiveram aí, e o relato bíblico foi obrigado a registrar, no decorrer dos tempos "históricos", uma nova e interminável série de ações criminosas, ora duramente castigadas, ora sem punição discernível, e até mesmo no seio do "povo de Javé". 


Basta reler os detalhes das abominações de Sodoma e de sua destruição (XIX); do ciúme de Sara, que obriga Abraão a expulsar Agar, mãe de seu filho Ismael, sob o risco de condená-los à morte com esse afastamento e esse abandono (XXI, 9s); do estupro de Dina por Siquém e da cruel vingança de Simeão e Levi (XXXIV); e assim sucessivamente, em uma longa litania, prolongada até o fim da bíblia. Sequer o rei ideal, o nobre e sedutor Davi, escapa, quando, depois de ter olhado do alto de seu terraço uma mulher "muito bonita" tomando banho e tê-la violentamente desejado e tornado mãe, livra-se hipocritamente do marido, fazendo com que o coloquem no centro de uma batalha sangrenta (II Samuel XI).


Tudo se passa como se, desde a primeira revolta criminosa do pai de todos os homens, a Má ação, com demasiada frequência alçada a este superlativo que é o Crime, houvesse entrado em nossa natureza, tornando-se conatural a nós, infectando todos os homens, até mesmo os do "povo eleito". Como observará muito mais tarde Coélet, filósofo que via as coisas de cima, "Deus fez o homem correto, mas o homem inventa muitas complicações" (Eclesiastes VII, 29).


Entretanto, não são o termo e a ideia de crime que dominam a bíblia, mas os de pecado, cujo alcance não é de maneira alguma o mesmo. Como se, para além do horror, da selvageria, da violência, do excesso e da vergonha de cada crime relatado, se quisesse destacar, como verdadeira razão de sua reprovação, seu caráter de "pecado": isto é, de recusa de obedecer a Deus, de rebelião contra Sua vontade e, portanto, contra Sua pessoa. Na bíblia, a gravidade do crime não é tomada pelo lado de seu caráter ignóbil, insuportável e atroz, como espetáculo condenável, mas do lado de Deus, a quem, simples e miserável criatura, o homem resiste por meio de tal ato e contra quem se insurge e desafia. 


Antes de ser aos nossos olhos um crime, a ação criminosa, na bíblia, é primeiramente condenada por Deus pelo fato de ser rebelião e "pecado". Consumado o adultério e assassinado o marido, Davi vê chegar a ele um daqueles intratáveis representantes da fidelidade a Javé, que se consideravam "enviados" por Ele, e que o censura violentamente, como o rei que é, por seu excesso criminoso, pelo fato de ser reprovado por Deus: "Então por que você desprezou Javé e fez o que Ele reprova?" (II Samuel XII, 9).



A religião de Israel, 
da qual a bíblia é ao mesmo tempo a carta de fundação 
e o dossiê de história, via, quanto a esse assunto, 
as coisas sob um ângulo bastante particular.

Os hebreus eram semitas e faziam, portanto, parte de um grupo cultural determinado, um dos mais antigos conhecidos, atestado, na Mesopotâmia, o mais tardar desde os primórdios do terceiro milênio, por sua linguagem, que revela obrigatoriamente uma cultura própria. Do ponto de vista religioso, o que sabemos sobre eles nos leva a pensar que tinham uma ideia bastante elevada da natureza e do papel dessa espécie de mundo sobrenatural que toda religião, de uma maneira ou de outra, sobrepõe ao nosso nível visível e palpável, a fim de nos fornecer a razão de ser de nossa existência e de seus grandes movimentos.


Na Mesopotâmia, via-se nele a projeção magnificada da classe política, que, nesse país, havia desde sempre assumido uma forma estritamente monárquica. Como tais, os deuses haviam criado os homens para desempenhar em relação a eles o mesmo papel dos súditos para com seu rei: prover com seu trabalho todas as necessidades deles, análogas às nossas - alimentação e bebida, roupas e ornamentos, edifícios para moradia, existência agradável e festiva -, que lhes eram asseguradas sob a forma de estátuas e imagens nos templos a eles erigidos. 


Nisso residia o essencial do culto que lhes era consagrado e, uma vez que nos haviam inventado e posto no mundo com esse objetivo preciso, eles não pediam mais. Mas também desempenhavam, em relação aos humanos, o papel do soberano e de seus auxiliares para com os súditos: tudo o que, para os homens, constituía uma obrigação ou uma defesa emanava da vontade deles, e quem quer que infringisse uma delas se tornava passível de um castigo, o qual tomava a forma desses aborrecimentos, males ou infortúnios que vêm de repente - inexplicavelmente - sombrear ou abalar nossa existência, e que ali encontravam sua justificação.


Temos apenas uma ideia bastante vaga da primeira religiosidade dos israelitas, que apareceram somente em meados do segundo milênio a.e.c. Ao modo deles, mais modesto e menos intelectualmente sistematizado, visto seu estado de nômades rudes, com certeza evocavam de maneira vaga e em pequeno formato o afresco amplo e multicolorido do panteão e do sistema mesopotâmicos.


Entretanto, no início do século XIII a.e.c., um deles, conhecido com o nome de Moisés, quis ao mesmo tempo dar- lhes um país que fosse deles - aquele que chamamos de "Palestina" - e ligar esse novo destino "nacional" a uma forma religiosa inédita que, em sua alma aberta e ardente, havia elaborado. Num mundo, porém, universalmente politeísta, ele preconizava que seu povo não devia se preocupar com os outros deuses, mas ligar-se a um só, de nome Javé, ao qual deveria permanecer para sempre e exclusivamente fiel, pois Ele protegeria Seu povo ainda frágil e asseguraria o sucesso de suas ambições territoriais e políticas. E para que esse Deus reservado aos hebreus permanecesse separado das outras inúmeras divindades veneradas pelos povos, não se devia tentar figurá-lo, representa-lo por meio de imagens ou estátuas: bastava saber que ele existia e daria a mão ao seu povo. Recorrendo a uma formalidade usual entre os antigos semitas, Moisés havia realizado e imaginado, entre Javé e seu povo, um verdadeiro pacto de Aliança: o povo se comprometia a permanecer ligado exclusivamente a seu deus, e esse último a apoiá-lo, contra ventos e marés.


Nova e admirável "invenção" de Moisés, decididamente à contracorrente de tudo o que se fazia em toda parte, o apego de seu povo ao seu deus não se manifestaria, como ocorria entre outros povos, inclusive mesopotâmios e outros semitas, por meio de um serviço de bens e provisões materiais - templos magníficos, roupas e ornamentos de valor, oferendas cotidianas e pluricotidianas de alimentos e outros subsídios -, mas unicamente pela conduta e obediência exclusiva, alienatória e total a uma espécie de "código moral", algo como aquele que a bíblia conservou para nós e que chamamos de "Decálogo":



Eu sou Javé seu Deus (...)/ 
Não tenha outros deuses além de mim./ 
Não faça para você ídolos (...)/
Não se prostre diante desses deuses, nem sirva a eles, porque eu, Javé seu Deus, sou um Deus ciumento (...)/
Não pronuncie em vão o nome de Javé seu Deus, 
porque Javé não deixará sem castigo aquele 
que pronunciar o nome dele em vão./
 Lembre-se do dia de sábado, para santificá-lo./
 Trabalhe durante seis dias e faça todas as suas tarefas./ 
O sétimo dia, porém, é o sábado de Javé seu Deus. (...)/
Honre seu pai e sua mãe(...)/
Não mate./ Não cometa adultério./ Não roube./ 
Não apresente testemunho falso contra o seu próximo./
 Não cobice a casa do seu próximo, nem a mulher do próximo,
 nem o escravo, nem a escrava, nem o boi, nem o jumento,
 nem coisa alguma que pertença ao seu próximo. (Êxodo XX, 2-17)

Essa polarização ética de toda a atividade religiosa desenvolveu um sentimento agudo das obrigações de cada um, e do alcance delas. Num tempo em que o mundo - e muito menos esse povo alienado - ainda não estava, nem de longe, "desencantado" - e em que a religião acompanhava e recobria todo o campo da atividade humana, ainda mais entre aqueles que sentiam o "sobrenatural" tão profundamente mesclado à sua história - qualquer infração do "código moral" e daquilo que ele implicava, em detalhes, para além de suas grandes rubricas, qualquer transgressão, era estimada e julgada de saída em virtude do critério fundamental que a ligava à vontade de Deus e às obrigações para com Ele baseadas na Aliança e em seu pacto fundador. 


Conforme essa vontade e esse "código", tal ação era regular e própria do que Deus esperava de Seu povo; caso contrário, em qualquer que fosse o domínio da conduta, ela constituía antes de tudo um pecado, e era primeiramente por esse viés que suscitava reprovação e condenação.


A prioridade de um critério e de uma proscrição desse tipo foi, ao longo dos séculos, consideravelmente reforçada na consciência dos israelitas pela evolução de seu próprio destino e pela explicação que dela era dada pelos fiéis mais sobejos de Javé, aqueles que eram chamados de "profetas", por vocação renhidos defensores do integrismo religioso. Dilacerado, após um momento de glória, por terríveis dissensões internas e tristes fracassos políticos, o povo de Israel se via, o que era ainda pior, como vítima regular e impotente das impiedosas invasões conquistadoras empreendidas pelos formidáveis mesopotâmios. 


Ora, repetiam desafiadoramente os "profetas", isso tudo era apenas o castigo prometido por Javé às incessantes transgressões - é preciso dizer, humanamente inevitáveis - que os israelitas acumulavam contra seu Deus. Egoísmo e rapacidade de uns contra os outros, preferência pelos baixos prazeres da vida, maldades e atentados cada vez maiores, perversão do espírito para justificar a qualquer preço a má conduta, soberba e vaidade, desonestidade e injustiça, além de outros crimes, eram primeiramente condenados apenas por Deus, isto é, dito de outra maneira, como insultos e pecados dirigidos a esse tirano divino:


Ai daqueles que juntam casa com casa e emendam campo a campo, até que não sobre mais espaço e sejam os únicos a habitarem no meio do país./



 (...) Ai daqueles que madrugam 
procurando bebidas fortes e se esquentam com o vinho até o anoitecer./ 
Em seus banquetes, eles têm harpas e liras, 
tambores e flautas, e vinho para suas bebedeiras (...)/

 Ai dos que arrastam a culpa com cordas de bois,
 e o pecado com tirantes de uma carroça (...)/ 
Ai dos que dizem que o mal é bem, e o bem é mal, 
dos que transformam as trevas em luz e a luz em trevas, 
dos que mudam o amargo em doce e o doce em amargo!/
Ai dos que são sábios a seus próprios olhos e inteligentes diante de si mesmos!/ Ai dos que são fortes para beber vinho 
e valentes para misturar bebidas,/
 Dos que absolvem o injusto a troco de suborno
 e negam fazer justiça ao justo! (Isaías 8-23)
Era esse o tom do discurso "profético", e pode-se compreender sem dificuldade como ele podia obliterar inteiramente o campo da consciência ao implantar nele a ideia central do pecado. 


Quaisquer que fossem os efeitos propriamente judiciários dos delitos e dos crimes da alçada do poder "civil" (a bíblia praticamente não aborda esse tema), a conduta tinha apenas um único juiz, supremo e sem recursos: Deus. E o peso, o perigo, o prejuízo, a abominação das más ações e dos crimes tinham menos importância que sua ignomínia essencial, a recusa de obedecer-lhe, que o obrigava, uma vez que Ele era absolutamente justo, a vingar-se sem falta, infligindo Ele mesmo a seus autores o castigo merecido: o infortúnio.


As coisas foram tão longe que um verdadeiro crime, aos nossos olhos, podia, comandado por Deus, ser tomado como uma ação admirável, heroica... É o sentido da história do assassinato de seu filho, exigido de Abraão por Deus: 



"Deus pôs Abraão à prova, e lhe disse (...)/
 'Tome seu filho, o seu único filho Isaac, a quem você ama, 
vá à terra de Moriá e ofereça-o aí em holocausto, 
sobre uma montanha que eu vou lhe mostrar!"' (Gênesis XXI, 1-2). 
É claro, como é dito com todas as letras, que Deus queria apenas "pôr à prova" a obediência e a devoção de Abraão, mas este partiu imediatamente, sem pestanejar, para executar essa ordem atroz, e se seu braço se deteve no final, no momento em que erguia a faca para matar o filho, não é menos verdade que ele havia aquiescido sem delongas, sem dizer palavra, sem hesitar, àquela ordem tão objetivamente criminosa.


Tudo se passa como se, na bíblia, do começo ao fim, a exclinica unidade de peso na balança das ações humanas houvesse sido, não o sentimento do "Direito", escrito ou não, mas a Vontade de Deus, desse ser pintado pela mitologia hebraica como um tirano divino, mesquinho, vaidoso, incoerente com seus próprios objetivos e também incompetente por criar uma raça de seres imperfeitos que mesmo incessantemente castigados, voltam a "ofender" e a cometer "crimes" pecando contra sua vontade; e como se, por mais terrível, inumano, odioso ou atroz que fosse, o crime houvesse assumido e conservado sua significação intrínseca de ato a ser condenado e evitado sobretudo a partir de sua qualidade de pecado.





Incorporada, 
por meio da mensagem do cristianismo,
à própria raiz de nossa civilização, 
semelhante convicção pesou bastante na formação
 de nossa consciência e nesse extraordinário "senso do pecado" 
que a invadiu, ainda que se desvie com demasiada frequência
 na direção de um certo juridismo, tão distante da religiosidade autêntica...


Deus e o mal, da mesopotâmia à bíblia


Jean Bottéro

O "mal" que aqui constitui "problema" não é o que chamamos de "mal moral": o "vício", a imoralidade, a maldade, a perversidade, ainda que sejam, aos olhos dos cristãos, os mais deploráveis; é o infortúnio, o sofrimento, físico ou moral, a impossibilidade de obter ou de conservar o que se ama ou de se livrar do que se detesta. O animal atingido não tem outro recurso a não ser a paciência. Mas o homem, quando está infeliz, não pode impedir a si mesmo de se fazer perguntas, sobretudo a mais importante delas: Por quê?

No plano utilitário, uma curiosidade como essa é legitimada pela busca de um remédio: se tenho um severo ataque de dor ciática, tomo um comprimido e a dor se atenua, ou desaparece. Mas, de acordo com a gravidade do mal, é no plano religioso que esse "por quê?" se impõe com mais força, insistência ou angústia. 

A partir do momento em que é possível remeter tudo o que se passa aqui embaixo a uma causa sobrenatural, ao mesmo tempo inteligente e onipotente; a partir do momento em que se pensa ter diante de si, mesmo invisível, um interlocutor responsável ao qual se pode perguntar "por quê?", ainda que ele não responda, que não responda nunca, e deixe ao interrogador a preocupação de encontrar a resposta - eis o verdadeiro "problema do mal", aquele em que penso aqui: o mais pesado, assustador, intolerável, a ponto de poder atingir com um golpe mortal a fé na existência do Interlocutor sobrenatural em questão.

 Quem não se recorda do grande monólogo de Ivan Karamazov, diante do insuportável sofrimento dos filhos?: "Não me recuso a admitir Deus, apenas lhe devolvo respeitosamente meu bilhete!"

Mesmo que se venha a detectar a causa imediata do mal de que se sofre e que se consiga encontrar um remédio para ele, resta sempre a questão, aquela que torna o problema verdadeiramente lancinante e intolerável: por que eu? Por que este mal se abateu sobre mim, aqui e hoje? Por que a causa universal de tudo, aquela que dirige o mundo e sem a qual nada pode ser feito aqui embaixo, por que ela fez com que esse infortúnio me atingisse, justo a mim?

Um problema como esse já assombrou outros, antes de nós. E em particular, para permanecer na linha de um pensamento religioso, aos homens autores da bíblia. Sem falar das freqüentes alusões dispersas que nela encontramos, sobretudo em um de seus livros, o de Jó, que se consagrou expressamente a ele.

Mas se a bíblia trouxe ao mundo uma revolução, uma considerável transformação religiosa, ela não é, nesse domínio, um princípio absoluto: em história, a grande lei é a de que "Há sempre alguma coisa antes!". Quando, em 1872, descobriu-se pela primeira vez um documento mesopotâmico que trazia um relato do Dilúvio inteiramente comparável ao dela, palavra por palavra, detalhe por detalhe, e, contudo, anterior a ela, começou-se a imaginar que devia haver algo a aprender sobre o "pré-bíblia", sobre as fontes da bíblia, naquele país, cujos arquivos exumamos sob a forma de meio milhão de documentos, legíveis e inteligíveis - entre os quais um grande número recobre os problemas e os próprios textos da bíblia, tais como, entre outras, as questões da origem do mundo e da mais antiga história do homem desde seu aparecimento. Ocorre, justamente, que nessa massa de documentos figuram também alguns dedicados ao problema que nos é colocado pela existência do mal.

Sumérios, acadianos e aramaicos

Deveria haver algum interesse em conhecê-los, não por eles próprios, talvez, mas pelo fato de mostrarem que se a mesma questão cardeal trabalhou o espírito dos antigos mesopotâmios de um lado, e, de outro, o dos autores da bíblia, estes a resolveram de maneira completamente diferente. Talvez essa diferença permita compreender que se os israelitas de fato receberam muito dos mesopotâmios antigos, sua visão religiosa era radicalmente distante demais para que se pudesse dizer, como não se deixou de fazê-lo, às vezes ingenuamente, que "a bíblia nasceu na Mesopotâmia".

Em primeiro lugar, é indispensável situar essa Mesopotâmia famosa e ainda tão pouco conhecida fora do círculo imperceptível de seus especialistas, e sobretudo seu sistema religioso, em cujo interior se colocava o problema que nos ocupa.

Mesmo que os antigos habitantes deste país (mais ou menos recoberto pelo Iraque contemporâneo, e cuja história podemos acompanhar desde o fim do quarto milênio a.e.c.) tenham recebido muito de uma população provavelmente imigrante - da qual conhecemos a língua e muitos escritos, mas nada além disso - os sumérios, esses desapareceram de maneira relativamente rápida, desde o fim do terceiro milênio a.e.c., no máximo, não deixando ali mais do que aqueles que haviam inicialmente aculturado e que chamamos acádianos ou acádios, em outros termos: semitas.

A civilização e a religião, na Mesopotâmia antiga, eram, portanto, a despeito da contribuição suméria, profundamente semíticas: pertenciam àquela grande e venerável família linguística e cultural que devia, sucessivamente, a partir do fim do terceiro milênio a.e.c., dar origem aos "acádios", aos que chamamos de "cananeus", depois aos aramaicos e, mais tarde, aos árabes. Os velhos mesopotâmios, por suas raízes semíticas, compartilhavam, pois, um certo número de tradições e traços de mentalidade com os semitas ulteriores e, entre eles, os hebreus, autores da bíblia, e provenientes do ramo "cananeu". Esse parentesco é capital: ele explica muitas das convicções e reações comuns que assinalaremos entre mesopotâmios e israelitas.

No plano religioso, os mesopotâmios eram decididamente politeístas e antropomorfistas. Isto é, haviam imaginado, bem acima do mundo - para governá-lo e desempenhar nele o papel de causa primeira universal -, toda uma sociedade de seres sobrenaturais: deuses, que representavam a própria imagem, magnificada e embelezada, muito mais poderosos e inteligentes do que eles, e subtraídos à morte. Eles haviam tomado aqui embaixo, como modelo para esses deuses imaginados, não as "pessoas comuns", insuficientemente reluzentes, mas as mais notáveis, a alta classe dos governantes - o rei, sua família e sua corte de altos e não tão altos funcionários.

E como os semitas, em geral, sempre partilharam uma viva e poderosa convicção sobre a ingerência universal dos deuses na marcha do mundo e dos homens, estava-se persuadido, na Mesopotâmia, de que esses mesmos deuses desempenhavam em relação a nós - de maneira mais grandiosa, naturalmente! - o papel do rei para com seu povo, cujo comportamento ele regulava por meio de decisões coercivas. Portanto, tudo o que, positiva ou negativamente, comandava a conduta dos homens, em todos os domínios da vida - o direito, o ritual, a moral, e até as rotinas folclóricas, irracionais, mas que nos sentimos na obrigação de seguir -, supostamente emanava da vontade diretiva e "legislativa" dos deuses. 

E da mesma forma que o príncipe castiga toda desobediência às suas ordens, os deuses puniam as infrações aos seus comandos: pois tratava-se de revoltas intoleráveis contra sua autoridade, de menosprezo de sua vontade; em uma palavra, de pecados. Essa noção de pecado, ligada de perto, aparentemente, às representações tradicionais dos semitas, já tinha amplo espaço na consciência dos mesopotâmios, como mais tarde na bíblia.

Uma Sanção de nossas faltas

Foi por meio do apelo a essa noção que primeiramente se tentou, nesse país, responder ao "porquê" do infortúnio: sempre em virtude da mesma analogia. Se infrinjo uma ordem do rei, ele pode dar a seus representantes a missão de me infligir um castigo. Da mesma maneira, se cometi um pecado, os deuses têm boas razões para me punir. Essa era a primeira explicação que os antigos mesopotâmios davam para o infortúnio. Todos os males que nos acontecem eram, aos olhos deles, sanções de nossas faltas, justamente decretadas pelos deuses e executadas por seus "agentes", que haviam sido imaginados sob a forma de "demônios", também eles seres sobrenaturais, de silhueta incerta, inferiores aos deuses e superiores aos homens, e cujo papel era de ordem, digamos, "policial".

É de se notar que semelhante raciocínio explicativo, tal como frequentemente o vemos, mais ou menos detalhado, em nossos textos cuneiformes, era feito a posteriori. Em outros termos, para um homem desafortunado, bastava, para justificar seu infortúnio, para lhe conferir uma razão última, recorrer a esta dialética mitológica: "Se sofro, é porque sou castigado pelos deuses; se eles assim me puniram, foi porque pequei contra eles." Mas se os deuses mesopotâmicos eram necessariamente justos, e se era preciso, a qualquer preço, salvaguardar sua justiça fornecendo, do lado do homem desafortunado, um motivo legítimo do mal do qual este padecia, eles não deixavam por isso de ser soberanamente livres e, como os reis, podiam muito bem, por razões próprias, dispensar a si mesmos de reagir diante das faltas dos homens. É por isso que não se podia raciocinar a priori: "Se cometi um pecado, devo forçosamente esperar expiá-lo." Partia-se do infortúnio para concluir a respeito da falta que supostamente o teria provocado.

Mas o que ocorria quando o desafortunado não tinha a menor lembrança de ter transpassado ordens divinas? Isso acontecia, necessariamente! Nesse caso, também havia meios de "salvaguardar a justiça dos deuses": considerando-se o número quase infinito de todas as obrigações e proibições impostas pelos senhores do mundo, sempre era possível invocar uma delas, quase imperceptível ("Não há homem isento de pecado", dizia-se), e mesmo esquecida, inconsciente, ou ainda (em um país em que o regime jurídico admitia a responsabilidade familiar) cometida por um próximo!

Essa maneira de raciocinar tinha algo de frágil e simplista, uma vez que, afinal de contas, a falta explicativa era, em muitos casos, postulada: "Devo ter cometido um pecado!" Afinal, se alguém estava mergulhado em um sofrimento ou infortúnio excessivos, tendo consciência apenas de pecadilhos irrisórios, não tinha razões para reputar injusta a severidade exagerada dos deuses? E como "salvar" a justiça deles do espetáculo de notáveis celerados nadando em felicidade - pois isso também se via com muita frequência! - diante de pessoas honestas e cruelmente tratadas?

Eis um belo exemplo das reações de tais vítimas. É o último grande rei de Nínive, o famoso Assurbanipal, que, por volta de 630 a.e.c., depois de ter evocado todos os seus préstimos, lança este lamento:

Fiz bem aos deuses e aos homens, aos mortos e aos vivos. (...) Então, por que doenças e tristezas, dificuldades e danos não me abandonam? Discórdias no país, perturbações e fracassos de toda sorte estão constantemente em meu encalço. Mal-estares do corpo e do coração me encarquilham inteiro. Passo o tempo a lamentar e a suspirar. Mesmo no dia da grande Festa, fico desesperado. (...) Oh, meu deus, semelhante sorte, reserve-a aos ímpios, e deixe-me re-encontrar a fortuna! Até quando você vai me maltratar dessa maneira, como alguém que não respeita nem deuses nem deusas?

Que pecado afinal cometi?

Assim, no país, com o tempo, vozes foram se elevando no sentido de exigir, para o problema do mal, uma solução religiosa mais nuançada, mais aceitável, que levasse em conta "justos sofredores" e "maus felizes".

Desses protestos restam-nos alguns ecos literários. No decurso do tempo, foram compostas, no país, algumas obras (poéticas, embora, na Mesopotâmia, o lirismo fosse em geral bastante fleumático) que propunha, por menos que possamos lê-las e compreendê-las, essa nova "resposta", melhorada, que parece ter-se disseminado, e depois se imposto, ao menos no segundo milênio a.e.c.

Algumas palavras, somente, sobre as duas mais antigas. Uma delas foi composta em língua suméria, sem dúvida perto do fim do terceiro milênio a.e.c., em cerca de 40 versos. A outra, em língua acadiana, deve ser das proximidades do segundo quarto do milênio seguinte: ela conta com menos da metade dos versos, e chegou a nós com enormes lacunas. Ambas apresentam "um homem" que, face a face com "seu deus", lamenta seus infortúnios e suas penas. É claro que reconhece-se culpado por seus pecados, o que salva a doutrina vigente; mas suas faltas não lhe parecem ter importância e gravidade proporcionais ao rigor de seu castigo, o que ressalta a insuficiência da doutrina. Ele implora, então, ao deus a quem se dirige, para livrá-lo. E esse deus, no final, o livra de fato e lhe restitui a felicidade. Essa dupla aventura, que resumo aqui, ganhará todo o seu sentido quando nos debruçarmos sobre o terceiro poema, o mais significativo.



Intitularam-no O Justo sofredor, por referência implícita e, em minha opinião, errônea, ao livro bíblico de : a situação é completamente diferente! Trata-se de um longo monólogo, de cerca de 500 versos., repartidos em quatro tabuletas. Para expor sua tese, não por meio de abstrações mas bastante concretamente, o autor, desconhecido, decidiu materializá-la em uma história, a qual fez com que o paciente detalhasse e da qual quis reforçar a credibilidade ao apresentar este último, com todo o seu séquito, como um personagem conhecido (mas não por nós!) na Babilônia no último terço do segundo milênio a.e.c., época de origem do poema. 

De acordo com o grande movimento religioso "reformista" daquele tempo, que havia levado que se colocasse à frente dos deuses e do mundo Marduk, o líder sobrenatural da cidade, é declaradamente a ele que o autor do poema faz com que o queixoso se dirija.

Não se deve procurar aqui a grande literatura. Não apenas o texto tende a ser raso e prolixo em geral (inconveniente que não é excepcional nas "belas-letras" mesopotâmicas), como o autor parece ter sido tomado por uma aflitiva preocupação de sistematização, e até mesmo de geometrização: certamente porque queria pôr sob os olhos dos leitores uma demonstração, mais do que um verdadeiro relato. Seu plano é simples, e mesmo simétrico: nas duas primeiras tabuletas, o paciente conta seus infortúnios; nas outras, sua libertação.

Os infortúnios se dividem em duas categorias: na primeira tabuleta, tudo o que é degradação social - perda dos favores do rei, da situação, da fortuna, da consideração, e desprezo dos concidadãos; na segunda, o acúmulo de males propriamente físicos e a extraordinária coleção de doenças - todas gravíssimas -, quase cômica pela quantidade, que levam o autor ao tema da morte. Das duas últimas tabuletas, muito mais lacunares, resta, contudo, o bastante para nos fazer compreender que a libertação - inesperada, depois de tantas provações e inúteis orações, é decidida de maneira brusca e espontânea, no pior momento, pelo deus soberano, Marduk - realizou-se (ainda a sistematização ingênua!) no sentido inverso da chegada dos males: primeiramente desaparecem os que atingem o corpo, um após o outro; depois os mal- estares de ordem social! Por fim, de volta às graças de seu deus, o paciente se vê novamente no grande templo de Marduk, na Babilônia, realizando uma espécie de peregrinação devota de gratidão, ao longo da qual, à medida que avança, recebe graças acumuladas.

Esperar os favores divinos

Eis aqui ao menos alguns trechos da primeira parte: a degradação social.

Eu que tinha os lábios loquazes me tornei surdo-mudo,/ Minhas sonoras gritarias foram reduzidas ao silêncio,/ Minha cabeça, que era erguida, inclinou-se até o chão.../ Após ter-me pavoneado altivamente, aprendi a esgueirar-me pelos cantos.../ Minha cidade me tratou como inimigo,/ E, tornado-me hostil, meu país se encheu de cólera contra mim!

Em seguida, a degradação física:

Meus olhos se encarquilhavam, mas sem ver;/ Meus ouvidos se abriam, sem ouvir:/ O esgotamento se apoderou de meu corpo,/ E uma comoção se abateu sobre mim./ A paralisia tomou meus braços,/ A exaustão sobreveio aos meus joelhos,/ Meu esqueleto se desenhava, coberto apenas com minha pele.../ Minha tumba estava aberta, minha pompa fúnebre, organizada.

No início da segunda tabuleta, e entre as duas crises, o paciente recorda primeiramente seus inúteis pedidos de ajuda ao seu deus:

"Eu gritava para meu deus, e ele recusou-me o rosto;/ Eu implorava à minha deusa, e ela sequer erguia os olhos..."

Depois disso, ele deixa escapar o que constitui aos seus olhos o verdadeiro "problema do mal": diante da certeza da justiça dos deuses e de seu deus, o que mais o tortura é que ele se vê assim castigado a despeito de sua piedade e de seu comportamento exemplares:
Os Loucos - Vincent van Gogh

Como alguém 
que jamais houvesse assegurado libações ao seu deus,/
 Jamais houvesse inclinado piamente seu rosto, nem praticado a prostração,/ De cuja boca se houvessem afastado orações e preces,/ 
Que houvesse esquecido a festa de seu deus,/
Negligenciado as celebrações mensais,/ 
E que, por incúria, houvesse abandonado o culto,/
 É assim que sou tratado: como um homem mau punido.

Ele detalha, então, todos os seus atos pios, que, normalmente, deveriam ter atraído para ele as boas graças dos deuses. No entanto, tais atos não o protegeram dos maus tratamentos destes, isto é, daquilo que, em virtude da velha "lei" comumente admitida, que explicava o infortúnio pelo pecado, se assemelhava exatamente a uma punição de faltas. 

A perturbação e a confusão de seu espírito diante de semelhante anomalia são tão grandes que ele acaba por se perguntar se a lógica dos deuses não estaria invertida: o avesso da nossa - pois então tudo ficaria claro:

É claro, eu acreditava 
que meu bom comportamento fosse agradável aos deuses!/ 
Mas será, talvez, que o que estimamos louvável/
 Não é ofensivo para eles?/

E que o que julgamos blasfematório/ 
Talvez seja para eles um prazer?
E em favor dessa interpretação, ele evoca a doutrina, ou antes a convicção, compartilhada por todos os semitas, da superioridade radical dos deuses, que vai a ponto de torná-los incompreensíveis para nós:

"Quem jamais saberá o que querem os deuses, no céu?/ Quem compreenderá o que ruminam os deuses, no inferno?/ Como os habitantes da terra penetrariam o plano divino?"

Aí residiria um promeiro aspecto da nova resposta para o problema do mal: a saber, que não há resposta, pois ela é reservada aos deuses e, por natureza, inacessível aos homens. Veremos que, levada ao absoluto, essa transcendência do sobrenatural, no livro de Jó, constitui justamente a chave do mistério. Aqui, diríamos que o autor a teve em mãos, mas sem o poder de usá-la, nem sequer de reconhecê-la, pois em uma região antropomorfista e politeísta como a da Mesopotâmia, nada podia ser absoluto. Assim, o autor do poema se limita, para responder ao problema que apresentou, ao fato de que, uma vez que os deuses se encontravam por natureza - à maneira dos reis em relação ao seu povo - bem acima de nós, inacessíveis e imunes, por isso, às nossas inquisições e recriminações, a única coisa que podemos dizer diante da conduta deles em relação aos homens que parecem castigar, mesmo sem que haja razão para isso, é que ela é desconcertante e que não temos que julgá-la. Na verdade, não se trata de uma explicação, mas quase de uma tautologia.

Há, contudo, outra coisa no poema: outro aspecto de sua resposta, complementar a esse que acabo de ressaltar. Encontramo-lo precisamente no princípio, nos primeiros versos, como se a história contada na seqüência devesse ser apenas sua aplicação ou demonstração:

Glorifico o sapientíssimo Senhor, o deus razoável,/

Que se irrita, à noite, mas que, chegado o dia, se acalma:/ Glorifico o senhor Marduk!/ Como a tormenta de um ciclone, ele envolve tudo com sua cólera;/ Depois, seu hálito se faz benfazejo, como o zéfiro da manhã!/ Irresistível, inicialmente, é seu furor, é catastrófica, sua ira;/ Depois seu coração volta atrás, sua alma se corrige!

O que quer dizer isso, senão que os deuses, Marduk à frente, são, afinal de contas, como os homens, e mais ainda como os reis, que, livres de toda coerção, passam constantemente do preto ao branco? Deve-se, pois, saber que são capazes, sem nenhum outro motivo a não ser o humor ou a vontade, de se deixar bruscamente levar às piores violências e crueldades; depois, da mesma maneira incontrolável, estão prontos para as bondades mais admiráveis. E a longa história contada no poema não é uma impressionante ilustração dessas reviravoltas? Inicialmente vítima sem razão aparente das sevícias de Marduk, sem que nada - preces, súplicas, rituais - pudesse salvá-lo, o paciente, de repente, e sem outra razão, se vê libertado pelo mesmo Marduk, cujo "coração", nesse meio-tempo, "havia voltado atrás", cuja "alma se havia corrigido". Assim compreendemos melhor o sentido da obra inteira.

As sombrias cavernas do além
Por trás dessa aventura e do opúsculo a ela consagrado, oculta-se o que o autor pretendia trazer: ao mesmo tempo uma lição e o complemento da "resposta ao problema do mal" que queria ensinar. Uma resposta racional é impossível, pensa ele; não é sequer preciso buscá-la, trata-se do segredo dos deuses, inacessível. Por outro lado, quando o infortúnio nos atinge, mais do que quebrar a cabeça para explicá-lo, por meio do pecado ou de outra maneira, só nos resta esperar pacientemente, com resignação, o infalível retorno da fortuna. Trata-se, de uma só vez, de uma exortação ao fatalismo e de uma lembrança da evidência de que "após a tempestade vem a bonança". Era igualmente esse o ensinamento, a partir de então mais bem compreendido sob essa luz, dos dois opúsculos mais antigos, consagrados ao mesmo problema: o infeliz, inicialmente maltratado sem motivo, era, no fim das contas, libertado sem razão.

A prova de que semelhante explicação do infortúnio acabou aprovada e admitida, na Mesopotâmia, ao menos na alta classe (nada temos e nada sabemos das reações da multidão, analfabeta e silenciosa diante de nós), está no fato de que ela também se encontra, sutilmente, no fundo da quarta e última obra relativa ao mesmo problema do mal.

Os assiriólogos a chamaram, de maneira um tanto imprópria em minha opinião, de Teodiceia - a "justificação dos deuses a respeito da existência do mal". Ela deve ter sido composta na virada do segundo para o primeiro milênio a.e.c. Conhecemos o nome do autor e sua qualidade de membro do clero, pois introduziu tais informações em seu texto por meio de acróstico; mas nada além disso. Diferente, contudo, do autor de O Justo sofredor, trata-se de um excelente escritor, de linguagem original e poderosa, e com vigorosa argumentação, ainda que o resultado nos pareça decepcionante.

Em 27 estrofes de 11 versos cada, ele escreveu um diáogo no qual duas partes discutem com grande cortesia, mas sem fazer rodeios. De um lado, aquele que podemos chamar de "queixoso", e que, bastante discreto em relação aos detalhes de seus infortúnios, deixa claro que, depois de uma prática constante da piedade e da virtude, e sem ter nada a censurar a si mesmo, tem várias razões para queixar-se de sua sorte, desde a mais tenra juventude. É ele quem toma primeiramente a palavra e quem encerra o debate, no fim. De outro lado, seu interlocutor, anônimo, tem a aparência daqueles velhos com reputação de "sábios", grandes repetidores de sentenças e truísmos. O queixoso não apenas sustenta fortemente suas críticas, como as baseia, com toda evidência, unicamente nos fatos, constatados por sua própria experiência e pelos olhares agudos que tem sobre o mundo - e ele não é gentil!

Em meio a toda a literatura mesopotâmica, jamais encontrei algo mais negro, ácido e forte quanto à censura do que se passa aqui embaixo, nenhuma reprovação tão ferina do mal universal, tolerado pelos deuses:

Aqueles que não fazem caso algum dos deuses, seguem o caminho da fortuna. Mas quem implora a eles com fervor só tem pobreza e miséria.../ Lancei meu olhar sobre o mundo: tudo anda às avessas:/ Os deuses não barram o caminho ao diabo!/ Um pai reboca penosamente seu barco, no canal,/ Enquanto seu primogênito se compraz no leito./ Um filho de rei se reveste de farrapos,/ Mas um filho de maltrapilhos é suntuosamente vestido.../ E eu, que sempre servi os deuses, o que ganhei com isso?/ Eis-me aqui aviltado diante de um insignificante qualquer,/ E, rico e opulento, um fedelho me despreza.../ Exalta-se a palavra do prepotente, habituado ao assassinato,/ E esmaga-se o modesto que jamais cometeu uma má ação!/ Enchem-se de ouro os baús do tirano. Mas esvazia-se a despensa do pobre...

A esses dados factuais, relatados com veemência, o sábio, seu interlocutor, replica apenas com vagos "princípios", com aqueles aforismos que correm as ruas, com aquelas máximas gastas que não têm muita relação com as vituperações do queixoso. Ele o lembra de que "apenas a piedade lhe devolverá a fortuna", que seu futuro será melhor mesmo que não se mantenha apegado aos deuses, e que, além disso, a prosperidade dos maus é transitória e será prontamente substituída pelo infortúnio. E repete-lhe o axioma favorito dos semitas, e em particular dos mesopotâmios: "o plano dos deuses é tão distante quanto o âmago do céu; dominá-lo é impossível: não o compreendemos". Ele vai ainda mais longe quanto a esse aspecto, afirmando que foram os deuses-criadores, em pessoa e deliberadamente, que "dotaram os homens, ao criá-los, de uma inteligência confusa,/ Outorgando-lhes o erro no lugar da verdade!/ É por isso que tanto se proclama a fortuna do rico".

Se seguirmos a discussão na ordem, salta aos olhos que os argumentos do sábio não fazem o mínimo efeito sobre os do sofredor, que insiste, cada vez mais, em seus vitupérios, como se permanecesse sempre seguro de si, diante de explicações tão frágeis. Espera-se, portanto, que, para concluir, ele rechace definitivamente o autor de tais tolices, e o mande embora humilhado. Bem, não é de modo algum o caso, e essa é a surpresa final da Teodiceia: sem explicação ou refutação, sem o menor meio-termo, abandonando de uma só vez sua veemência e indignação, o revoltado apela subitamente, com humildade, para os deuses, esperando deles, com a cabeça baixa, a abolição de seu infortúnio. Eis as suas últimas palavras:

"Que meu deus possa ainda, após ter-me abandonado, socorrer-me,/ E que minha deusa, que se distanciou, tenha novamente piedade de mim!"

Apesar de tudo o que havia afirmado antes no sentido contrário, ele volta, pois, sem explicações, à grande lei, posta e explicada em O Justo sofredor, da alternância divina: curvando a cabeça, ele espera que seu deus "volte atrás", que "se corrija". Em outros termos, a lição final que os autores dos três escritos anteriores queriam inculcar, e mais explicitamente o de O Justo sofredor, a resposta deles de certa forma definitiva ao problema do mal, e até mesmo do mal universal, era a seguinte: quando o infortúnio advém, a única atitude inteligente é esperar pacientemente sua fatal evacuação e substituição, ao sabor da vontade dos deuses, pela fortuna, renunciando a compreender as razões de seu advento. Trata-se de um segredo divino.

É claro que isso não vai longe. Mas ainda que nos consideremos, como eles gostavam de repetir, demasiado débeis para compreender o que fazem e querem os deuses, só podemos nos decepcionar com essa recusa tímida e inesperada de ir mais longe, e com esse fatalismo infantil que, em matéria de explicação religiosa do mal, constitui, no entanto, a última palavra dessa poderosa, inteligente e grandiosa Mesopotâmia, primeira edificadora de nossa civilização ocidental, que ainda nos surpreende por tudo o que inventou e trouxe ao mundo, a começar pela incomparável revolução da escrita.

Podemos, agora, nos demorar um pouco sobre a bíblia: para nós, ela não é exótica e distante como a Mesopotâmia, e meu propósito é acima de tudo ressaltar como, em presença do mesmo problema do mal, e a partir de pressupostos comuns, os autores da bíblia reagiram de maneira tão radicalmente diferente, e por quê.

A razão fundamental dessa divergência reside, a meu ver, em uma concepção completamente diferente do divino. Os hebreu eram semitas, como os mesopotâmios. Sentiam também a necessidade de colocar, acima do universo, para governá-lo e constituir sua indispensável causa primeira, todo um mundo sobrenatural, cuja superioridade, digamos transcendência, lhes era tão patente quanto para os mesopotâmios.

Como eles, estavam convencidos de que essa causa suprema intervinha em toda parte, não apenas no funcionamento e na vida do universo e deles mesmos, mas também em seu próprio comportamento; e imputavam-lhe todas as obrigações e proibições que nele intervinham. Como eles, consideravam toda desobediência a tais comandos uma revolta contra o divino, um desprezo, um pecado que merecia punição.

A partir de premissas em suma idênticas, o que comandou reações tão diferentes foi o fato de que os hebreus não tinham absolutamente a mesma representação que os mesopotâmios da ordem sobrenatural das coisas: eles não eram nem antropomorfistas nem politeístas; recusavam-se a ver o divino como uma projeção magnificada de si mesmos e a imaginá-lo disperso em um número mais ou menos grande de personalidades sobrenaturais. O criador de sua religiosidade e de seu povo, Moisés, incutira neles o que os historiadores das religiões chamam de henoteísmo, forma superior do politeísmo que consiste não em negar a existência de uma pluralidade de pessoas divinas, mas em escolher uma delas para ligar-se exclusivamente, afastando ao mesmo tempo todas as outras do campo de sua religiosidade.

Para associar de maneira mais estreita e definitiva seu povo a esse deus escolhido, que tinha o nome de Javé, Moisés havia recorrido a um velho costume, familiar aos antigos semitas, que consistia em criar um laço particular entre pessoas privadas ou públicas, por meio de um procedimento dito de "aliança". Por meio dessa aliança, Javé, de certo modo, adotara Israel como seu povo particular, comprometendo-se a apoiá-lo contra todos os seus inimigos e a ajudá-lo eficazmente em todos os seus empreendimentos;

Os Hebreus, por sua vez, havia jurado não apenas que se afastaria, para sempre, dos outros deuses, mas que consagraria unicamente a Javé seu apego religioso e seu culto; e seus fiéis, diferentemente de todos os outros povos de então, renunciariam a todo tipo de representação imagética de Javé - como que para afirmar a radical diferença dele em relação a todos os outros deuses - e a toda a faustuosa ostentação de riquezas materiais no culto - a fim de se concentrar na obediência completa e exclusiva à vontade moral de Javé: eles o adorariam por meio de uma conduta reta e honesta, e não pela exibição dos próprios dons. Semelhante revolução, inaugurada por Moisés, constituiu, de fato, na história religiosa da humanidade, uma transformação completa dos valores e das práticas.


Um monoteísmo absoluto


Foi sobre essas bases que se formou, em alguns séculos, o que chamamos de monoteísmo: a saber, a convicção de que Javé, o deus que foi escolhido primeiro e preferido entre todos os outros, era na verdade o único, o absolutamente único, para o universo inteiro. Esse monoteísmo absoluto, enunciado pela primeira vez no Deuteronômio (IV 35; século VII a.e.c), implicava uma concepção absoluta da transcendência reconhecida ao Divino por todos os semitas. Enquanto aos olhos dos mais avançados entre eles, os mesopotâmios, o universo aparecia constituído como uma espécie de enorme esfera única, que encerrava em si tudo o que existia - tanto o mundo sobrenatural quanto o material, tanto o criador quanto a "criatura" -, o monoteísmo, absoluto, implicava a existência de duas esferas ontológicas completamente separadas uma da outra: a do Deus único, do Criador, e a da criatura, sobre a qual o Criador podia agir, mas a partir da qual não se podia absolutamente ter acesso a ele. Em outros termos, como diríamos em nossa linguagem, o divino não era "maior", "mais imenso", "mais imensamente poderoso" que todas as criaturas, ele era de outra ordem.

A segunda consideração que deve ser levada em conta para que se observe a que ponto os autores da Bíblia estavam afastados dos outros semitas, inclusive dos mesopotâmios, está no fato de que a aliança particular com Israel fora firmada entre Deus e um povo: foi o povo hebreu que Javé prometeu apoiar em seus empreendimentos (vitória sobre os inimigos, estabilidade política, prosperidade comum...), e era primeiramente como membros de um povo devotado unicamente a Javé que deviam agir os hebreus, que viviam, portanto, sob o regime da responsabilidade coletiva.

Entretanto, eles descobriram pouco a pouco, a partir do século VII a.e.c., a responsabilidade individual: "Naqueles dias", proclama Jeremias (XXXI, 29), "não se ouvirá mais dizer: os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos são os que se embotaram. Mas cada um morrerá na sua iniqüidade." Mudança considerável e diametral! O castigo prometido para os pecados - por esse Deus único e absoluto é, portanto, justo, que não podia deixar de infligi-lo sem renunciar a ser ele mesmo e a respeito do qual não se poderia mais raciocinar de outra forma que não a priori ("pequei, portanto devo ser punido, com o mal ou o infortúnio") -, desde então, passava do coletivo para o singular: não era mais o povo, mas cada um de seus membros, que deveria sofrer a justa sanção de sua falta.


História do verdadeiro "justo sofredor"


Algo poderia colocar temíveis dificuldades práticas: nas coisas dos homens, os fatos sempre são mais ricos do que as leis por meio das quais queremos enquadrá-los. Um povo tem futuro, e sempre é possível projetar nele a realização de promessas e ameaças; mas um indivíduo morre rapidamente e, para os hebreus, assim como para todos os outros semitas e contemporâneos deles, depois da morte de um homem só restava dele sua sombra incerta, seu fantasma etéreo, destinado sem julgamento discriminatório a um modo de torpor e de sonolência indefinidos nas sombrias cavernas do Embaixo, do inferno, desde então inacessível ao bem e ao mal, à fortuna e ao sofrimento - e, portanto, insensível a tudo: impunível e "irrecompensável". Recompensa ou castigo deveriam, portanto, realizar-se durante a curta existência aqui embaixo do justo ou do mau.

Foi assim que se colocou, e se encorpou, sobretudo a partir da metade do primeiro milênio a.e.c., o problema do mal em Israel. Permanecia certo e indiscutível que todo pecado contra Javé deveria ser a priori punido por meio de um mal físico ou moral, de um infortúnio, de uma catástrofe, e na própria pessoa do pecador. Mas como e quando? Uma vez que se via a cada dia (como se observara na Mesopotâmia) pessoas honestas, virtuosas e justas sendo perseguidas e desgraçadas, e francos criminosos tomando-se prósperos e beatos.

Foram dessas discussões, das quais temos vários lampejos, aqui e ali, na bíblia, que surgiu o livro de Jó (século V ou IV a.e.c., provavelmente). Nada sabemos sobre seu autor. Mas basta lê-lo para se dar conta de que não se trata apenas de um dos mais poderosos e prodigiosos poetas, mas de um pensador religioso de primeira grandeza.

O livro não é inteiramente dele. Não somente, com o tempo (como é o caso de alguns livros bíblicos), algumas inserções foram feitas, como também, e sobretudo, ele comporta, no início e no fim, um enquadramento em prosa, em uma língua e um ritmo particulares, que parece com o conto popular. É bastante possível que o autor em pessoa tenha retido esse relato, que devia correr em seu tempo, não apenas porque certamente acreditava que fosse verdadeiro, mas sobretudo porque lhe fornecia a situação ideal para se lançar sobre o problema do mal sob sua forma mais aguda, mais escandalosa - o verdadeiro justo sofredor e, portanto, castigado -, e para apresentar o que lhe parecia a única explicação plausível para ele, na lógica de sua religião.

Tratava-se, com efeito, nesse texto de um certo Jó, um homem a um só tempo rico, feliz e religiosamente perfeito, irrepreensível, uma vez que Javé em pessoa, orgulhoso dele, o reconhecia e o declarava em alta conta. Diante da incredulidade de Satanás, seu grande "adversário", que estava persuadido de que Jó só se apegava a seu deus por interesse, e não por devoção sincera, Javé abandonou-o a ele. E em pouquíssimo tempo, o infeliz se viu despojado de todos os seus bens e filhos, reduzido à miséria e, atingido também em seu corpo, a coçar suas feridas sobre um monte de lixo, sem uma palavra de protesto e sempre apegado a seu deus, enquanto até mesmo sua mulher o havia aconselhado: "Amaldiçoe a Deus e morra de uma vez!" (II, 9).

Eis, portanto, o problema do mal apresentado em todo o seu rigor: como justificar o sofrimento de um homem que o próprio Javé sabe e proclama que é isento de todo pecado, justo e irrepreensível, e que não deveria, portanto, ser assim castigado, uma vez que o infortúnio é sempre apenas um castigo? De um lado, no decorrer do diálogo que compõe o livro, Jó não para de protestar sua inocência - e sabemos que ele diz a verdade! De outro lado, os três amigos que vieram encontrá-lo não cessam, alternadamente, de mostrar-lhe que a explicação de sua degradação é simples, conforme ao axioma teológico segundo o qual somente é infeliz aquele que mereceu seu infortúnio pecando: Jó é, portanto, culpado - e sabemos que eles estão errados! A discussão se prolonga, em vão, como todas as discussões humanas.


"Vou tapar a boca com a mão" (XL, 4)


Mas no fim Javé intervém e dirige-se a Jó, que, mais de uma vez, com veemência, lhe havia perguntado: por quê? E o que diz ele ao tomar a palavra "no meio de uma tormenta", como para fazer-se acompanhar do fenômeno natural que mais evoca sua formidável potência? Eis o início de seu discurso:

Quem é esse que escurece o meu projeto com palavras sem sentido?/ Se você é homem, esteja pronto: vou interrogá-lo, e você me responderá./ Onde você estava quando eu colocava os fundamentos da terra?/

Diga-me, se é que você tem tanta inteligência!/ Você sabe quem fixou as dimensões da terra?/ Quem a mediu com a trena?/ Onde se encaixam suas bases,/ Ou quem foi que assentou sua pedra angular,/ Enquanto os astros da manhã aclamavam e todos os filhos de Deus aplaudiam?/ Quem fechou o mar com uma porta, quando ele irrompeu, jorrando do seio materno?/ Quando eu coloquei as nuvens como roupas dele e névoas espessas como cueiros?/ Quando lhe coloquei limites com portas e trancas, e lhe disse:/ "Você vai chegar até aqui, e não passará. Aqui se quebrará a soberba de suas ondas?" (XXXVIII, 2-11)

Você já chegou até as fontes do mar, ou passeou pelas profundezas do oceano?/Já mostraram a você as portas da morte, ou por acaso você já viu os portais das sombras?/ Você examinou a extensão da terra? (XXXVIII, 16-18)

E assim sucessivamente, em 30 versos que passam em revista, em uma língua poderosa e esplêndida, cheia de incomparáveis imagens, o universo e seu povoamento de maravilhas inventadas, realizadas e dirigidas unicamente por Javé.

O que ele quer dizer? Entre os antigos semitas, os discursos eram preferencialmente mais sugestivos do que explicativos, um pouco como música, que é preciso sentir, mais que analisar, se quisermos receber a mensagem. Ao fim dessa longa tirada, na qual o autor se limita a pôr sob a responsabilidade de Javé o prodigioso espetáculo do mundo e o maravilhoso funcionamento da natureza, descritos com uma espécie de entusiasmo lírico admirável, e para os quais o homem em nada contribuiu e nem poderia fazê-lo, Jó compreende que nada mais lhe resta a não ser o silêncio:


JÓ : DE PORTINARI - 1943
Série Bíblica - Têmpera sobre tela - 219x179 cm

"Eu me sinto arrasado.
 O que posso replicar? 
Vou tapar a boca com a mão." (XL, 4)

E, com efeito, não há nada a dizer. O papel de Javé é único: ele mesmo se encontra em posição demasiado alta; sua ação é a um só tempo formidável e incomparável o bastante para que o único sentimento que se possa experimentar diante dele seja o de aprovação e admiração, o que quer que ele faça! Não temos que colocar-lhe questões, fazer-lhe perguntas, e esperar respostas que, de resto, não entenderíamos. A única resposta ao grande "por que" que nos é colocado nos lábios pelo problema do mal, sob sua forma mais aguda, é que não há por que, pois ele seria dirigido a um ser ininterrogável, que em nada se assemelha a nós, e que nos é totalmente ocultado por sua própria transcendência.

Jó foi o primeiro a ir até o fim dessa noção tão familiar aos antigos semitas. Ele compreendeu que Deus não é maior, mais sábio, mais forte do que nós, o que suporia que é grande, sábio e forte como nós. Ele é algo completamente diferente, pertence a uma ordem de grandeza completamente diferente, isolado em sua esfera própria, que o subtrai a nossos questionamentos, mesmo diante de um problema tão agudo e escandaloso como o do mal: o do sofrimento do Justo - e da mesma maneira o da fortuna do Mau. Não temos meio de compreendê-lo: de modo algum se assemelha a nós e, de resto, não seria Deus se nos fosse compreensível e, portanto, acessível, o que o rebaixaria ao nosso nível. Resta-nos, portanto, apenas nos deixarmos levar por ele, onde e como ele quiser, admirando-o ainda mais na medida em que tudo o que faz, mesmo contra nós, nos excede completamente e não poderia ser mudado.

No livro de Jó, a transcendência tomou todo o seu sentido, pois, na visão dele, como na visão bíblica, não estamos mais diante de divindades múltiplas e antropomórficas, simplesmente alçadas à sua máxima grandeza por nossa imaginação, mas de um Deus absolutamente único, não muito maior do que nós, mas sem nada em comum conosco, de uma ordem completamente diferente da nossa.

Creio que, no plano religioso de um monoteísmo absoluto que é tradicionalmente o nosso, não há outra resposta possível ao mal e ao problema que ele nos coloca. E se Jó pôde percebê-la e formulá-la, foi porque vivia precisamente em pleno monoteísmo, o único sistema a introduzir, na religião, o absoluto. Jamais os grandes mesopotâmios, aqueles colossos de inteligência, poderiam ter ido tão longe; o livro de Jó é um dos cumes do pensamento religioso - poderíamos dizer da metafísica religiosa.
Os loucos - Vincent van Gogh
A harmonia terráquea






Fontes:
tvbrasil
Saiba mais: http://tvbrasil.ebc.com.br/entreoceue...
Publicado em 16 de dez de 201- Licença padrão do YouTube
http://www.historia.templodeapolo.net/civilizacao_ver.asp?
 Sejam felizes todos os seres.Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

Nenhum comentário: