segunda-feira, 2 de agosto de 2010

8 – TERRA À VISTA - O SENTIDO DA ESPERA


João Batista Menzzomo
Parte Final

O SENTIDO  DA ESPERA

8.1 – O QUERUBIM E SUA ESPADA - O SENTIDO DA ESPERA
  Reportando-nos mais uma vez ao relato do Gênesis, quando Javé Deus viu que o homem havia comido do fruto proibido, ele colocou em frente à segunda árvore um querubim com uma espada chamejante, para impedir que o homem comesse também de seu fruto e vivesse eternamente.  Ou seja, existe um obstáculo a impedir que o homem conquiste a imortalidade. Presumivelmente, Cristo veio para levar o homem a aquele jardim mágico, para que ele possa colher da árvore da vida e viver eternamente. Cabe então um questionamento: Qual seria o sentido deste obstáculo?

  O sentido é o de que, em cada elo evolutivo, existe um tempo necessário e uma cultura a acumular, antes que o ser possa ir para o elo seguinte. Aqui também então é necessário que atinjamos certos requisitos antes que possamos nos perenizar, a nós e a toda a criação. Pois se fosse possível fazermos isso já no surgimento do ser humano, teríamos feito um mundo muito próximo ou mesmo igual ao encontrado, e não é este o desejo da natureza em evolução. Ademais, neste caso não haveria sentido em toda a história do homem. No entanto, nada é sem sentido, e o sentido da história é que o homem descubra, no decorrer dela, como efetivamente quer construir este mundo novo. Somente quando descobrir o que significa para ele felicidade, e somente quando puder construir no mundo mesmo uma imitação desta perfeição, o querubim – cuja espada é, simbolicamente, justamente a razão – baixará guarda e o deixará passar.  Descobriremos então que o mundo é mágico, e que tudo é possível para o homem.

  8.2 – EM QUE CONSISTE O MÁGICO
  Do ponto de vista da racionalidade presente, mágico é tudo aquilo que a ultrapassa, ou seja, tudo aquilo que se mostra impossível à luz da razão especulativa. Porém, a razão especulativa não é absoluta, antes se funda na lógica formal, a qual se mostra inadequada para descrever o mundo, em sua totalidade, do mesmo modo que a geometria euclidiana, que se apóia nela. Porém, o mundo em sua totalidade parece se adequar a algumas geometrias não euclidianas. Se pudermos conceber uma outra lógica, inerente a tais geometrias, que se adeqüe ao mundo como observado em sua totalidade, presumivelmente poderemos basear nela uma outra racionalidade. Justamente, esta outra racionalidade é a magia, pelo simples fato de ela ultrapassar a razão especulativa.

     Deste ponto de vista, a questão mágica é uma questão “de” lógica. Por outro lado, podemos dizer também que ela é uma questão lógica. Pois, se o ser humano anseia por algo mais do que o mundo como se apresenta – e é um fato que ele anseia – é lógico supor que ele terá em alguma medida de descobrir ou redescobrir a magia. Pois nada pode satisfazer nossos anseios de vida eterna e felicidade plena que não seja a magia.  Já que, do ponto de vista das “leis da natureza”, a realização de nossos anseios é impossível, só poderemos realizá-los numa “outra natureza”, que ultrapasse a primeira e seja, portanto, mágica. Por outro lado, se tal anseio foi posto no peito do ser humano, e ao que tudo indica é ele o agente do plano estipulado em outra esfera, podemos concluir que tal anseio prende-se a uma necessidade cara à natureza mesma. E ela só nos parece impossível por estarmos cegos pela razão especulativa. E se queremos vencê-la e recuperar a visão, teremos de sair da simples especulação, onde ela nos mantém presos, e partir para a ação.
 
8.3 – A NECESSIDADE DE AGIR
            O ser humano, desde que se tem noticia, vive sob a mais espessa ignorância.  Não sabemos quem somos, de onde viemos, para onde vamos. Sabemos que vamos morrer, e que isto se dará provavelmente logo, mas isso nós sabemos apenas por que observamos que tudo o que está vivo morre. Mas não sabemos ao certo o que nos aguarda após a morte, nem se existe algo que nos aguarda. E nem tampouco sabemos se é possível fugir da morte, e se nosso destino depois dela depende em alguma medida do que possamos fazer ou deixar de fazer enquanto vivos. Neste terreno, à luz da fria racionalidade, só podemos dizer, como Sócrates: só sei que nada sei.

Não obstante, apesar de não sabermos o sentido da vida e qual o nosso destino, nós acreditamos saber algo, e agimos como se soubéssemos. E isso se deve, por um lado, a uma necessidade que temos de possuir algum grau de certeza, mesmo que no fundo nossas certezas não possam ser assim consideradas, antes conduzem ao vazio se olhadas profundamente. No cotidiano de nossas vidas, preferimos deixar as dúvidas de lado e seguir adiante, agindo mais ou menos de acordo com nossos semelhantes e com o que preconiza a cultura da qual fazemos parte.

            Por outro lado, nossas pretensas certezas vêm da busca que alguns de nós fizeram, e ainda fazem, em nome do grupo, ainda que alguns sejam céticos quanto a isso e pensem poder viver sem estas certezas vazias. Pois nessa busca, acabamos encontrando algo, que acaba vindo para a cultura, tornando-se o seu fundamento, e do próprio mundo. No que tange à nossa vida e o que nos aguarda, nós não sabemos, mas a maioria acredita nas palavras de certos ícones, os quais pretensamente receberam orientação daquela instância alhures que a tudo comanda. Ou seja, exemplificando, se nunca falamos com Deus de forma real, nem estivemos em sua morada, a maioria dos cristãos acredita que Jesus Cristo já o ouviu, e também esteve lá e voltou para fundar a Igreja. Mas, sinceramente, será que acreditamos realmente nisso? E mesmo que acreditemos, será que a humanidade vai viver eternamente acreditando em algo que não vê com seus próprios olhos e ouve com seus próprios ouvidos?

            Ademais, mesmo que acreditemos e continuemos pela eternidade a fora a acreditar piamente nisso, devemos ao menos admitir que existem diversos pontos pouco claros no que nos transmitiram nossos ícones.  E este é um assunto por demais sério para que ajamos como crianças confiando cegamente no “pai”. Dizer isso não é uma afronta a Deus, pois, se ele existe, foi ele quem botou no homem a capacidade de duvidar e especular. Se ele não existe, então não estamos afrontando nada. E, numa terceira hipótese, a de ele existir, mas nos iludir e querer nos manter presos na ignorância, então é aconselhável que pensemos seriamente sobre o que fazer. Porém, se agimos seguindo o fluxo de nossa natureza essencial, não há o que temer, de modo que  este medo e reverência diante de um possível “Deus” é mais uma coisa que deve ser reputada à nossa imaturidade ou, o que é o mesmo, à nossa ignorância em relação à realidade essencial. Sob qualquer hipótese, é este desconhecimento que devemos temer.

            Então, tomemos aqui apenas alguns aspectos que não ficaram claros na mensagem de Jesus. Ele nos disse que voltaria em breve para redimir os vivos e os mortos, mas efetivamente não voltou até os dias de hoje. Ou nós não o compreendemos, ou ele não sabia detalhes de sua missão. De modo que hoje os cristãos continuam esperando a sua volta, mas ao mesmo tempo acreditam que poderão ser salvos após a morte pela crença nele, de acordo com os próprios ensinamentos de Jesus. Mas não ficou claro como isso seria possível concretamente. Onde está concretamente esta “morada do pai”? Está certo, para Deus tudo é possível. Se assim é, então perguntamos: por que ele precisa então que ajamos de determinada forma? Se ele de fato nos ama, e tudo pode, por que não fez logo um mundo perfeito, em que não tivéssemos “caído no pecado”? Ora, na hipótese de existir de fato um Deus, e ser de um modo ou de outro nosso criador, que deseja o melhor para nós, é possível que ele não tenha constituído um mundo perfeito por precisar que façamos certas escolhas, pois a evolução quer nos levar para um ponto diverso do que estamos. Neste caso, fica claro que o desenlace final desta história depende de uma ação do homem, caso contrário tudo já estaria resolvido.

            Não obstante, tudo isso são hipóteses, às quais não podemos ter certeza, a não ser que façamos algo para aferi-las concretamente. E temos motivos muito sérios para fazê-lo. Pois, poderíamos pensar: se está no futuro do homem viver eternamente; se tudo será possível para ele quando recuperar a magia e; se desejamos a felicidade plena, e ela só é possível se for com todos e para todos, a conclusão lógica é que todos ressuscitaremos após a morte, o nos reconciliaremos uns com os outros. Por isso, não necessitaríamos nos preocupar com o problema, pois, se não agirmos, outros depois de nós agirão.

Mas acontece que, em primeiro lugar, não sabemos se nossa tese está correta. Em segundo lugar, mesmo que ela esteja, não podemos saber se o ser humano vai descobrir e implementar de fato essa possibilidade, ou se vai deixá-la como mera possibilidade. Pois o ser humano tem um inimigo que está o tempo todo à sua espreita, e um dia fatalmente o vencerá: o tempo. E se não conseguirmos saltar para fora de sua lei antes que chegue este dia, é possível, ao menos em tese, que nossos belos anseios permaneçam como sonhos de uma espécie adolescente, que nunca amadureceu de todo. Neste caso, presumivelmente, tudo o que já existiu continuará existindo, mas num nível insuficiente para nossos anseios de vida em abundância, visto que o ser humano não terá conseguido fazer o seu resgate antes de desaparecer como espécie.

            Pois a espécie humana é uma espécie como outra qualquer. Como todas as espécies vivas, ela tem um nascimento, uma vida e uma morte. Ou seja, seria um contra-censo absoluto pensar que a espécie humana seja eterna, pois todas chegam um dia ao fim, o que significa que não conseguem mais se reproduzir e se extinguem, muitas vezes sem deixar sucessor. No nosso caso, se olharmos algumas coisas que estão acontecendo hoje, poderemos pensar que este fim pode estar mais perto do que imaginamos. Por exemplo, vemos na prática uma crescente queda da fertilidade da espécie humana. Isso é atribuído ao “stress” e outras causas, mas, se um ser extinto qualquer tivesse adquirido a consciência, provavelmente teria achado também explicações para o problema. Porém, ele se extinguiu por que acabou seu tempo de viver no planeta, e, repetimos, quando este dia chegar para o ser humano, não haverá fecundação “in vitro” nem nada que nos possa garantir uma continuação pelas “leis da natureza”. Antes que isso aconteça, seria aconselhável que nossa espécie descobrisse afinal se é possível fugir de tais leis, e isso exige ação, mais que especulação.

De modo que temos de deixar para trás nossa velha forma de viver, uma forma imatura, que fica a esperar que as coisas se resolvam, e sair para uma ação de descobrimento do que nos está oculto. Por exemplo, se não sabemos quem somos, temos de tentar descobrir. Se não falamos com Deus, temos de tentar falar com ele, e fazer com que ele efetivamente fale conosco. Se acreditamos que existe outra possibilidade, ou um lugar onde poderemos viver depois de mortos, temos de tentar ir efetivamente para lá, e depois voltar, da mesma forma que fomos ao mar, e ao espaço sideral, e voltamos para contar. Se Jesus pretensamente fez isso, por que não podemos nós mesmos fazê-lo?

            Ora, é porque nós não sabemos como fazer. Mas se alguém não sabe como fazer algo, ou é por que tal coisa não é possível, ou por que está fora de suas possibilidades, ou por que não tentou aprender. Se assim é, só poderemos descobrir qual é o nosso caso se tentarmos. E por que ainda não tentamos? Por que nós não sabemos como, ou porque não queremos, ou por que tememos, ou por que não podemos.

            Bem, como podemos perceber, estamos andando em círculos. Aliás, este círculo que simulamos acima é uma imitação da própria vida do ser humano, preso que estamos numa cadeia da qual somente poderemos sair por nossa própria vontade e ação. E para sair dela, precisamos romper o círculo.  E para rompê-lo, temos de agir, mais do que pensar. Mas para agir nós temos de compreender, pois ninguém sai a caminhar se não vê um chão seguro para fazê-lo. Tentemos compreender, inicialmente, como nós nos colocamos nesta cadeia, inadvertidamente.

            Justamente, nós nos colocamos nesta cadeia quando nos pusemos a caminho em direção a outro ponto evolutivo. Como bem disse Heráclito, antes mesmo que a filosofia existisse na forma que ela existe até os dias de hoje, o movimento é uma ilusão. Então, para nos pormos em movimento, tivemos de deixar para trás metade da realidade. Conseguimos com isso refletir essa mesma realidade, como num espelho, mas a imagem refletida é apenas uma cópia daquela realidade essencial.

A parte que resultou obstaculizada lá em nossa infância coletiva, desde aquele momento pressiona por voltar, de modo que a história do pensamento e da própria vida é a história desta interação do ser com o não-ser. A Idade Moderna nasceu justamente de um aprofundamento desta interdição. Mas depois que houve este aprofundamento, em Hegel a filosofia deu-se conta que o ser humano ia querer, mais dia menos dia, romper esta interdição. Por isso Hegel retornou a Heráclito, para tentar mergulhar para dentro daquela natureza fluida, que estava interditada. Mas seu mergulho foi apenas reflexivo, pois não era a hora nem o lugar de fazê-lo em toda a plenitude. Seguindo o curso dessa formulação de Hegel, depois dele toda a filosofia tentou buscar uma práxis, mas como ainda estava presa numa visão de bem e mal, muitas inventaram seu inferno particular, e acabaram redundando no fracasso. Outras, como as que surgiram de Husserl, apesar da intenção, não conseguiram de fato criar uma práxis que desafiasse o mundo, como se depreenderia de suas especulações, pois se tratava de homens “sérios”, que tinham uma imagem a zelar. E para desafiar de fato o mundo como se apresenta, teremos de desconstruir também o ego e a personalidade, pois eles são os tijolos com que construímos nossa “mentira coletiva”.

Hegel preconizou uma filosofia que era como o vôo do pássaro de Minerva, que somente ocorre ao entardecer, significando que ela vem apenas depois que a realidade já ocorreu. Na linha de Hegel, Heidegger, desconfiando que pudesse não ser exatamente assim, questiona se ela seria apenas a salvaguarda da rátio, e neste caso, estaria vinculada à própria razão. Contudo, na essência, filosofia é amor ao conhecimento, e tem forte componente intuitivo, o que dá a ela acesso direto ao abstrato, sede do ontem, do hoje e do amanhã. Diante do mundo ela nos põe no espanto, de modo que tentará sempre, e conseguirá, antecipar a realidade, ultrapassando a própria lógica formal e a razão especulativa.

Como já foi dito por alguém, quando falamos já entramos em contradição, o que mostra a limitação do discurso racional para descrever o mundo real. E vemos aqui como o próprio Hegel supostamente foi pego nesta teia. Pois ele antecipou a totalidade reflexivamente, uma totalidade que terá de acontecer como possibilidade que ultrapasse a simples reflexão. Esta possível antecipação de um previsível futuro em Hegel contradirá então sua própria formulação da filosofia, a mostrar que ele teve a intenção de voltar a Heráclito e a um conhecimento que compreendesse ser e não-ser, mas ainda estava demasiadamente preso nas garras daquela que nos cega, afastado da realidade essencial por sua especulação.

Se num passado nos separamos da natureza essencial e depois aprofundamos esta separação, quando criamos um espaço especulativo, isso era necessário para que descolássemos da mera natureza e inventássemos um caminho novo, como que uma “segunda natureza”. E tal descolamento acontece devido ao fato de a realidade viva conter junto o não-ser. Com nossa especulação nós, figurativamente, matamos tal realidade viva e dissecamos seu cadáver, mas ele é apenas uma sombra dela. Uma sombra, no entanto, que nos serve de guia. Mas agora nós queremos ir além, queremos novamente encarar a realidade viva, e para isso devemos saber o que fazer.

          Ora, em primeiro lugar temos de sair da simples especulação. Para isso, temos de acreditar que existe algo como o abstrato, e que é possível acessá-lo. No que tange a filosofia, ela construiu edifícios de metafísica, mas agora deve simplificá-los, em nome da ação. Também, no que tange a religião, temos de deixar de tratar o sobrenatural como sagrado, ou como algo inexistente, pois assim agindo nós o alçamos, ou reduzimos, quando na verdade ele deve ser posto em nosso nível, para que possamos interagir com ele de igual para igual. Isso deve ser feito sem o abandono da razão, antes pelo contrário, pois seu verdadeiro uso é justamente o de ser a arma do ser humano contra o desconhecido. Se temos de fazer este descobrimento do abstrato, do qual o descobrimento da América foi um ensaio, façamos como a Escola de Sagres, que acreditou na existência de um outro mundo depois do mar. Para chegar a ele, constituiu-se efetivamente como uma instituição, que levou em conta a especulação de seu tempo, mas simplificou-a no objetivo de cruzar o mar. Igualmente, ela levou em conta a religião, mas a agregou de forma pragmática ao seu próprio ímpeto de descobrir mundos. Por isso ela inscreveu a cruz em suas velas, como um escudo e um alento aos ousados tripulantes no longínquo mar.

          Em segundo lugar, por outro lado, temos de desafiar a razão especulativa, pois é ela que nos mantêm presos nesta sala de espelhos. Desafiar a razão significa, por exemplo, não ter medo de fazer filosofia como curiosidade. Não ter medo de supor disparates. Não ter medo do julgamento dos outros. E uma série de coisas que são todas fruto da razão especulativa, que espelha o mundo e também a nós mesmos, nos concedendo uma personalidade a qual nos pomos a defender, mas nós somos algo diverso dela, da mesma forma que tudo é diverso do que a razão descortina. Então, temos de deixar de temer pela nossa imagem e ousar deixar aflorar o que reside em nosso peito, nossos anseios, mesmo que eles pareçam impossíveis ou risíveis à luz da razão. De novo aqui, temos de fazer como a Escola de Sagres, que ao invés de desdenhar de si mesma e do povo português, em sua pobreza e em seu espírito messiânico, buscou sua própria autenticidade e não teve vergonha de se abraçar a ele. Desta forma, levou a Europa aonde nenhuma das “grandes potências” tinha levado.

Em terceiro lugar, nós temos de compreender tudo, numa nova totalidade, mas este compreender assume todas as formas possíveis. Temos de compreender todas as formas de pensar, e todas as formas de viver, mesmo as consideradas inadequadas. Temos de agregar tudo, nos pondo em concórdia com tudo. Pois, falando metaforicamente, existe um mecanismo que somente deixará a possibilidade mágica ressurgir quando conseguirmos novamente juntar tudo, como era antes que esta espada, a razão, esfacelasse o mundo numa imensidão de partes. Pois todas as diferenças e mesmo as desigualdades se originam em última instância dos efeitos da arma do ser humano por excelência, a razão, aplicada de forma cega. Para recuperar a visão e o uso correto da razão temos antes que “simular” um novo mundo, que a tudo acolha.

Assim, teremos de compreender o passado, o outro, a magia, o inimigo, ou seja – tudo, nos despindo de absolutamente todos os preconceitos. Somente com esta espécie de conc órdia universal poderá o ser humano canalizar a energia que abrirá novamente a possibilidade mágica. E mais uma vez temos de agir como a Escola de Sagres, que formou destemidos navegadores, ávidos por misturar terras e gentes.  Montados neste espírito e nesta ousadia dos lusos, que nascem à beira do fim, eles cruzaram o mundo e cruzaram seus genes com o mundo, e uma das coisas que eles fizeram foi o Brasil.

8.4 – QUEM NÃO GOSTA DO BRASIL?
Acima referimos a importância da cultura portuguesa neste possível novo descobrimento, o descobrimento do abstrato. E referimos mesmo, linhas atrás, que este é o sentido oculto do poema Mensagem de Fernando Pessoa, visto ele como um dos sinais que o abstrato nos enviou através da arte. E naquele poema, em seu início, a Europa está a olhar, debruçada e posta nos cotovelos, para o ocidente. Vejamos o final desta primeira parte do poema:
    “………………………………

    Fita, com olhar esfíngico e fatal
O ocidente, futuro do passado
    O rosto com que fita é Portugal”

  Se o poema é uma mensagem do abstrato, que veio através de Pessoa, o abstrato está a nos dizer que o futuro passa pela América.  E a América, como uma projeção da Europa (futuro do passado), possui ela mesma um Portugal: é o Brasil. Então, se falta cumprir-se Portugal, o futuro do passado que efetivará este cumprimento é o Brasil. Mas o que significaria fazer cumprir-se Portugal? Ora, seria liderar o mundo num novo e derradeiro descobrimento.

Isso concordaria de alguma forma com uma idéia antiga, de que o Brasil é o país do futuro. Esta impressão é mais do que um recurso usado nos chamados anos de chumbo, e se prende a uma sensação real que tem o brasileiro, e mesmo estrangeiros quando se referem ao Brasil. E coincidentemente, todas as necessidades que apontamos para que venha afinal esta possibilidade mágica de descobrir um mundo que está encoberto, parece que vicejam naturalmente neste país de alma tolerante e acolhedora, e onde toda a cultura se apresenta como uma fina mistura de todas as coisas.

  É que a Europa, como ser orgânico que é, tem um fim. No sentido de finalidade e também de desaparecimento. E estes dois sentidos se unem no sentido evolutivo: ela presumivelmente desaparecerá como modo de constituir o mundo, para dar lugar a uma nova forma de viver. E próximo ao seu fim desenvolve-se uma cultura da transição, que possibilita dar o salto para uma nova realidade, que por seu turno é, em algum sentido, um retorno ao passado. Como na evolução a realidade sempre é antecipada como um ensaio, a Europa efetuou o descobrimento de sua outra parte, a América, apenas parcialmente. Mas nesta simulação plantou no “futuro do passado” um novo Portugal. Da mesma forma que o primeiro, ele é pequeno frente ao concreto, mas se levantará quando se apresentar seu verdadeiro desafio: o descobrimento do abstrato. E se atentarmos bem, veremos que ele já está a se levantar. E quando ele estiver de pé, poderemos descobrir enfim um mundo que está oculto para nossos olhos, pois eles julgam a realidade e com isso a encobrem, em parte. Mas quando pudermos ver também com nossos ouvidos, um novo mundo, que está aqui mesmo, e agora, se revelará. Quem tem ouvidos para ouvir ouça.
Última Modificação: 18 jul, 2009.



Fonte:
QUEM TEM OUVIDOS
CONSCIÊNCIA .ORG

Sejam felizes todos os seres.
Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

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