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RESUMO
RESUMO
1 . A GESTAÇÃO DO OCIDENTE E O CASULO DO MEDO
O presente livro é a exposição de uma ideia. A ideia exposta nos diz, entre outras coisas, que a Europa Ocidental é um ser orgânico, que se assenta e se nutre a partir de uma raiz dupla: por um lado ela é racional, pela raiz grega; por outro, ela é fundamentalista, pela raiz que se afunda em um passado envolto em névoas, mas cujo caminho até nós denominamos “tradição judaico-cristã”.
A primeira raiz se refere à sua gestação e nascimento, na Grécia da época de Parmênides e Sócrates, depois do qual ela saiu da caverna em que só via sombras, e como criança foi desbravar um mundo agora iluminado, mas ele não era exatamente como supunha. Este período da história da Europa corresponde aos impérios de Alexandre Magno e Roma. E justamente, para sair pelo mundo ela teve de andar e abrir o flanco, de modo que algo saiu do meio daquilo que ela não supunha e a paralisou de medo, tornando-se a sua segunda raiz.
A partir daí, as duas raízes da Europa trazem até ela duas seivas, que muitas vezes se apresentam como antípodas. No entanto, são como que as duas pernas que a fizeram andar e dominar o mundo. Por isso, as naus que saíram da Europa em direção ao Ocidente, e neste ato abriram a Era Moderna, eram artefatos da técnica e da racionalização do mundo – herança grega. Mas também costumavam ter cruzes em suas velas, ou no peito de seus ousados tripulantes, a denotar que não eram somente deste mundo. E na medida em que a Europa tinha tirado o divino das coisas – e por isso pode fazer ciência – estabelecendo um laço indireto, mas previsível com o sobrenatural, na forma do Deus único e seu filho, supliciado e morto naquela mesma cruz, ela pode desbravar o mundo e dominá-lo.
Então, o momento em que a Europa se formou como um ser adulto é justamente a época histórica da consolidação desta duplicidade: a Idade Média. Aqueles séculos que costumamos identificar como uma época de trevas correspondem na verdade a um período de espera, de reparação e preparação – uma espécie de adolescência – em que o ser orgânico que é a Europa esteve fechado num casulo. Por ser a confluência de duas raízes, as quais se colocaram mutuamente em cheque, ela teve de permanecer próxima à terra até se curar do medo que sempre se origina dessa perplexidade: o mundo nunca é como supomos. Mas depois que ela se curou e venceu o medo, pode romper o casulo e voar. E em seu vôo, construiu as plataformas e as naves que lhe permitiram arremessar os seus “colombos” em direção ao Ocidente, numa viagem rumo ao futuro, a qual conhecemos muito bem.
2. UMA NAVE INCANDESCENTE
A ideia igualmente nos diz que a Europa Ocidental, como ser orgânico que é, evolui e continuará a evoluir desde seu nascimento até sua morte, ou desaparecimento. Mas como costuma acontecer no movimento evolutivo, presumivelmente, o seu desaparecimento dará lugar a um novo ser, que partirá do ponto em que ela parou, e se alimentará de sua herança. De outra sorte, ela também surgiu daquilo que existiu em seu passado, e desapareceu. E se ela não tem presente com clareza aquilo que já foi, é devido a um esquecimento que acomete o ser quando ele sofre uma transição para um novo elo na cadeia evolutiva.
Da consideração do movimento evolutivo que se faz, na parte 2 do livro, com o uso inclusive de ferramentas matemáticas avançadas, até hoje exclusivas das ciências exatas, conclui-se, entre outras coisas:
1 – Quando um ser qualquer se aproxima de um ponto de transição, ele passa a imitar o ser correspondente ao elo seguinte da cadeia evolutiva. Porém, apesar de se assemelhar ao seu sucessor evolutivo, ele é intrinsecamente diferente, pois está no seu limite, enquanto o seu sucessor aí está iniciando sua caminhada. Usando uma imagem proposta no livro, o que ocorre assemelha-se a um sem número de balões, colocados um dentro do outro em ordem de tamanho. O passar do tempo e o acúmulo de experiências enche de ar o primeiro balão, que em determinado momento se aproxima do segundo e se confunde com ele, até explodir, doando seu ar ao seu “sucessor e evolutivo”, e assim sucessivamente. Exemplificando, um primata na eminência de tornar-se humano simula o raciocínio, mas isso é antes uma imitação, um ensaio, ou mesmo uma farsa. De qualquer modo, uma farsa necessária, que se tornará real no ser humano.
2 – A consciência surge no movimento evolutivo a partir do pensamento, visto este como o processamento de informações recebidas do meio externo, por um intelecto, gerando uma resposta. Neste sentido, todo o ser vivo pensa, ainda que não esteja consciente disso. A consciência, então, eclode apenas em determinado ponto do processo evolutivo e é justamente o seu surgimento que origina o ser humano, quando o pensamento torna-se consciente de si mesmo. Este “dar-se conta” do pensamento, que denominamos “consciência”, não ocorre como algo inusitado, antes é o resultado inexorável de um estreitamento da ligação entre o “dentro” e o “fora” do ser, no tempo, como matematicamente se demonstra.
Por outro lado, uma vez surgida a consciência, ela vai trazendo “para dentro” de sua iluminação cada vez mais aspectos da realidade, a qual se apresenta como intrinsecamente diferente do intelecto, apesar de com ele possuir analogias evidentes. E justamente, na descoberta de tais analogias entre realidade e intelecto, as quais constituem o que conhecemos como lógica, é que surge finalmente a razão, que a partir de seu surgimento passa a ser a marca do próprio ser humano, visto como “homo rationalis”. Porém, intui-se pela análise matemática que, no elo evolutivo representado pelo ser humano, a razão aparece apenas num segundo momento, como resultado da descoberta de um comportamento da realidade – uma lógica – que foi trazida para dentro da iluminação da consciência. Ou seja, se a consciência é o pensamento que se tornou consciente de si mesmo, a razão é a lógica tornada consciente.
3 – Uma vez que surge a razão, surge com ela o “discurso racional”, ou seja, a linguagem falada. E com ela um mundo de nomes e palavras, diverso do silencioso mundo da emergência do ser humano. Esta primeira transição, então, retira o ser humano de um estado primordial, onde possuía uma percepção diversa da dos dias atuais. Lá ele tinha, presumivelmente, uma percepção da realidade que é a mesma que tem o restante da natureza e as próprias crianças, na primeira infância. Tal abandono da percepção da primeira infância coletiva da humanidade seria justamente o que significa a “expulsão do paraíso”, da metáfora bíblica. Uma expulsão que todos voltamos a sentir, quando somos introduzidos pelos adultos, em nossa primeira infância, num mundo composto de coisas e palavras. E nós adultos, neste caso, quando oferecemos a racionalidade a nossas crianças, nos revestimos, ainda que de modo inconsciente, do papel da famosa serpente.
4 – O surgimento da razão, da mesma forma que dissemos em relação ao surgimento da consciência, está longe de se constituir em algo inusitado, antes é decorrência do próprio movimento evolutivo que conduz a natureza em geral, incluída a matéria inerte. E podemos vislumbrar, a partir da analise matemática feita, que cada elo evolutivo passa internamente por saltos iguais aos que fizerem surgir pensamento e razão. Exemplificando com o caso do ser vivo, o primeiro salto foi o de seu surgimento, a partir da matéria inerte. O segundo o do surgimento da consciência, quando aparece o ser humano num estado “antecedente da razão”. O terceiro salto, então, é o da eclosão da razão, quando surge o ser humano visto como “homo rationalis”. Inicia-se então um novo momento evolutivo, agora no âmbito coletivo, o qual terá igualmente de atravessar fases, obedecendo à mesma formatação.
Assim, o primeiro salto do homo rationalis foi o de seu surgimento, quando ele sofreu uma primeira inversão a partir do homem do estado “antecedente da razão”. Antes disso, a relação que o ser humano tinha com a natureza poderia ser reputada “mágica”, pois ela ultrapassava o que hoje consideramos “natural”. A primeira inversão ocorreu então como uma transição do silêncio original em que surgiu o ser humano para a constituição de um mundo de nomes e coisas: foi o surgimento da razão, que “expulsou o ser humano do paraíso” e o jogou na “fase mítica”, onde a relação com a natureza, que era direta, passou a ser mediada pela razão. O que era mágico adquiriu nomes e passou a fundamentar o mundo na forma de deuses e mitos.
Da fase mítica para a construção racional de mundo foi um segundo salto, que ocorreu concretamente no chamado “milagre grego”, quando a antiga lógica tornou-se a “lógica formal”, e a antiga razão tornou-se a “razão especulativa”, originando o modo ocidental-europeu de fundamentar o mundo, que veio a se tornar hegemônico após o final da Idade Média. De modo a demonstrar que também este ser que é a Europa não surgiu de modo inusitado, antes advém do antigo como resultado de um movimento evolutivo que a tudo arrasta. Por fim, presumivelmente, um novo salto levará a Europa e o ser humano para o seu fim, e o início de um novo elo.
Se considerarmos que a marcha da vida sobre a Terra se assemelha ao navegar de uma nave, poderíamos dizer que a Europa é uma nave que possui um farol: a razão especulativa a fundamentar o mundo. Mas, mais que ser o fundamento de seu mundo, o farol da nave ilumina o caminho que vai adiante e atrás, permitindo que a Europa olhe para o “outro”, e se ponha a caminho em sua direção, com seu brilho conquistando-o. E quando ela foca um aspecto do caminho, ela o ilumina, mas em contrapartida, põe o restante da realidade na escuridão. E, depois de a tudo iluminar, separadamente, existe um momento, próximo ao fim da Europa, em que o farol finalmente volta-se sobre si mesmo, numa simulação do passado, e a nave torna-se incandescente: é o ponto em que nascem os lusitanos. Quando chegamos neste ponto, é sinal que estamos próximos do fim, e que é hora de zarpar para outros mares.
5 – Por fim, deduzimos a partir da analise matemática, e da observação empírica, que todo o estado estável apresenta três dimensões “deste mundo” e uma outra que parece estar fora dele, e é de onde advêm as primeiras três. De modo que a última parece advir de fora do mundo para formá-lo, nas três dimensões, e quando se recolhe leva-as de volta para o “nada”, de onde advieram.
Exemplificando, as três dimensões do espaço parecem advir do tempo, cuja sede esta fora do mundo concreto, e com ele se fundem quando tal mundo concreto volta para o nada de onde teria vindo. Podemos entender então porque “ser é tempo”, segundo Heidegger. Vejamos outros exemplos.
No âmbito coletivo, a sociedade feudal se baseava em três poderes deste mundo, o dos senhores feudais, o dos servos e o do estado feudal. Os três afirmavam cada um ao seu modo o mundo medieval, de modo a sustentar o sistema a partir de três bases. Mas havia ainda um quarto poder, pretensamente de outro mundo: a Igreja. Durante o período de estabilidade do sistema feudal existia uma mentira que o envolvia, justamente a de ser a Igreja fundada em outro mundo. Pois ela estava misturada com os poderes do mundo, e era de fato quem os ungia. Mas quando a mentira se tornou verdade, no limite em que isso é possível no “mundo real”, a Igreja se separou dos poderes do mundo e a sociedade medieval conheceu o seu colapso.
Um colapso que fez surgir a sociedade moderna e o sistema capitalista. Que por seu turno se fundam em três visões de mundo, a saber: a da classe empresarial, a dos assalariados e a do estado moderno. Mas existe ainda um quarto poder e uma mentira. O quarto poder é a mídia e a mentira é que ela representa o interesse das pessoas em geral. Pois ela esta misturada aos poderes do mundo e é quem de fato os unge. Mas quando a mentira se tornar verdade, no limite em que isso é possível no mundo, a presente organização igualmente terá de encarar seu fim. E se olharmos o panorama atual, em que não podemos reconhecer claramente as diferentes visões de mundo, e em que a mídia corre em direção a tornar sua mentira verdade, poderemos intuir que este fim esta próximo. Mas no momento, apesar de percebermos que o mundo muda freneticamente, e intuirmos que estamos no limiar de uma grande transição, não sabemos dizer para onde vamos, em vista de certa cegueira.
3. UM CEGO A SE MIRAR NO ESPELHO
O surgimento do ser que é a Europa se deu numa primeira anunciação na Grécia dos tempos de Parmênides e Sócrates. Naquele ponto o ser humano já estava em alguma medida cego para a essência, que reside no silêncio. No entanto, este novo aprofundamento da racionalidade ampliou sua cegueira, e fez surgir como anunciação aquilo que se tornaria hegemônico aproximadamente 2.000 depois, e que denominamos “fase reflexiva”, na qual estamos imersos até os dias atuais.
Esta primeira anunciação da fase reflexiva se dá quando a razão fortalecida desbanca a construção mítica da realidade e passa a ser ela mesma o suporte do mundo. Porém, mais uma vez, ao contrário de ser ato inusitado, como se depreenderia da conhecida expressão “milagre grego”, a transição aqui também é largamente preparada. Percebe-se, no que tange à Grécia Antiga, que mesmo dentro da fase mítica a razão veio avançando no controle do mundo, até dar o salto que tomou de vez o controle. Na consideração da Ilíada e da Odisséia de Homero, duas obras permeadas por um intervalo de tempo, percebe-se que o caos da primeira evoluiu para uma organização das divindades, na segunda, sob o comando de Zeus, agora senhor do Olimpo. Porém, a razão em evolução queria mais, queria o controle total. E ela de fato o conseguiu, dando origem à forma como até hoje fundamentamos o mundo. E essa espécie de simulação da construção racional ocorrida dentro da fase mítica demonstra mais uma vez como, no movimento evolutivo, a realidade sempre é antecedida por uma espécie de simulação.
Se esta conquista de uma racionalidade mais avançada, que denominamos razão especulativa, deu ao Ocidente uma capacidade superior de lidar com o mundo, ela por outro lado ampliou a interdição do mágico. Se denominarmos “abstrato” aquilo que ficou interditado, em contraposição com o concreto, que passou a ser sinônimo de mundo real, podemos dizer que o ser humano, a partir do “milagre grego”, ampliou a sua cegueira em relação a tal abstrato, num processo que iniciou com os gregos e evoluiu até o amadurecimento desta terceira fase, com a eclosão da chamada Era Moderna. De tal sorte que o abstrato, que para os gregos ainda era real, como o é para todos os povos que se encontram na fase mítica, passou a ser, entre os modernos, sinônimo de uma realidade apenas virtual.
A inversão de mundo operada pelos gregos introduziu uma forma absolutamente nova de viver e pensar. Como costuma acontecer neste tipo de transição, a alteração não se restringe a apenas um aspecto, mas a um conjunto deles, que ocasiona uma mudança total e um esquecimento da forma antiga, relegada agora a uma condição inferior. Observamos, então, no caso da Grécia Antiga, o surgimento de todas as características presentes até os dias atuais, como a representação teatral, e desmistificação do mundo, bem como um aspecto que nos mostra de forma privilegiada como se deu esta nova interdição do mágico: a criação de um espaço especulativo e da própria filosofia.
Justamente, o surgimento da filosofia como a conhecemos até os dias atuais pode ser resumida na célebre frase de Parmênides: o ser é, o não-ser não é. Na medida em que a totalidade se mostrava incompreensível à luz deste aprofundamento da racionalidade, uma parte teve de ser deixada de lado, e surgiu então a filosofia, desde aquele momento, trilhando o caminho do ser, e recalcando o não-ser – outro nome do abstrato e do mágico – cada vez mais para o fundo de nosso esquecimento. De tal forma que aquele conselho de Parmênides, acolhido por Sócrates, tornou-se um rio que veio vindo desde o mundo antigo, passando pela Idade Média, e desta forma, “vindo nos criou”, para usar um verso de Fernando Pessoa.
De fato, apesar de muitas vezes não nos darmos conta, o conselho que nos deu Parmênides foi seguido por nós, ou por outros em nosso nome, por isso somos o que somos. Porém, se ele nos aconselhou a deixar de lado o não-ser, pois território pantanoso, em nenhum momento nos disse que o não-ser não existe. Antes pelo contrário, ao declará-lo perigoso, atestou sua existência. Mas estamos há tanto tempo neste caminho, e já andamos tanto nesta trilha, que acabamos nos esquecendo que o não-ser, que não é, apesar de não ser existe. De tal forma que nem mesmo conseguimos, nos dias de hoje, compreender como possa existir algo que “não é”. Na construção de um mundo sob o primado de uma razão que, em seu auge, se mostrou profundamente insensível em relação àquilo que não compreende, nos tornamos completamente cegos para a existência do não-ser, a tal ponto que a própria língua moderna evoluiu para uma identificação total entre o ser e o existir. Como um Fausto a se mirar no espelho, após subjugar o mundo o Ocidente olha para a imagem refletida, conquista de uma racionalidade superior, e só enxerga a si mesmo. Tornou-se completamente cego e intolerante para o substrato de toda a vida e de toda a realidade, o qual relegou para a inexistência de um “nada”.
Todavia, é possível que precisemos nos tornar cegos para que possamos novamente tocar o mundo, com as mãos. E justamente, o século passado testemunhou o surgimento de uma filosofia que concedeu ao nada um outro “status” e resolveu sair pelo mundo em busca das coisas mesmas: a chamada fenomenologia-existencial. Este tatear de cego em busca das coisas mesmas, no terreno da especulação filosófica, remete a filosofia novamente para o seu início, em Sócrates, e é o equivalente a um sem número de posturas diante da vida adotadas nos anos recentes, e o sinal de que estamos novamente na vizinhança daqueles perigosos e férteis pântanos do não-ser. E que, possivelmente, nos encaminhamos para descobrir aquilo que nós mesmos encobrimos, conduzidos em alguma medida pelo próprio encoberto, o qual algumas vezes denominamos “natureza”, outras vezes “Deus”, outras ainda “nada”. Se o ser humano deseja a liberdade – e ele deseja – deverá querer pôr finalmente luz sobre uma instância alhures que parece nos conduzir, e que advém para dentro da vida mesma e adquire nomes, e funda o próprio mundo.
Ademais, se é verdade que o estado futuro já se mostra no presente sob a forma de um ensaio, farsa ou simulação, é possível que já estejamos ensaiando o estado futuro, conduzidos em alguma medida por aquela instância que a tudo comanda. Tentemos então seguir o fluxo desta hipótese.
- CONTINUA
Fonte
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
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