segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A NOÉTICA



A noética (do grego nous: mente) é uma disciplina que estuda os fenômenos subjetivos da consciência, da mente, do espírito e da vida a partir do ponto de vista da ciência. Como conceito filosófico, em linhas gerais define a dimensão espiritual do homem.

1. Na filosofia

Apesar de ser uma disciplina de formulação recente, seu objeto e as metas que persegue já foram estudados por várias correntes de filosofia e fazem parte de todas as tradições esotéricas das religiões do mundo.[1] No oriente Buda disse que o mundo é criado por nossos pensamentos,[4] que a consciência está em toda parte e que a realidade e a vida são uma só, estando todos os seus elementos constituintes inextrincavelmente ligados por teias de interdependência.[5] Diversos povos indígenas ao redor do mundo compartilham dessa visão em alguma medida.

Na tradição ocidental, a noética foi fortemente influenciada pelas teorias dos filósofos da Grécia Antiga a respeito da consciência, do conhecimento e do eu. Deriva dos termos gregos nous, a mente, a alma racional, a inteligência; noema, o objeto ou foco de nous, e noesis, que significa estritamente o ato de pensar em si, e também uma compreensão global, completa e instantânea de qualquer questão sem o intermédio da articulação pela linguagem, equivalente ao insight moderno ou ao conceito de intuição. Noesis contrasta com o significado de dianoia, que remete ao conhecimento racional discursivo ou dialético

Para Platão noesis era superior à dianoia, sendo a mais elevada atividade mental possível, habitando a esfera do Bem e da Harmonia divinos, e trabalhando com axiomas e princípios, idéias, formas e causas primordiais. É o que possibilita o acesso ao mundo divino, transcendente, absoluto, além do raciocínio humano comum.

Aristóteles dizia que o nous compreende tanto a capacidade humana de questionamento acerca do fundamento do ser, como esse próprio fundamento, que é experienciado como o motor orientador das questões: "Acentuemos que toda a substância vem a ser a partir de algo com o mesmo nome". Da parte do nous humano, o conhecimento questionante, isto é, o ato noético, é a compreensão da sua participação no fundamento do ser, possível em virtude da participação do nous divino no nous humano, sendo a noesis a capacidade perceptiva ou cognoscente do homem que o distingue dos animais. 

Ainda para ele a experiência noética é aquela que transforma o cosmos primordial - onde todas as coisas são consubstanciadas numa unidade transcendente - no fundamento do ser e no mundo objetivo, múltiplo e diferenciado, chamando esse conjunto de ousia, tudo o que é "convincentemente real".[9] Tanto para Platão como para Aristóteles, nous expressava a irrupção do divino no processo da busca pelo conhecimento.[10] A partir da definição clássica, o elemento noético foi absorvido pela doutrina judaica. Fílon escreveu que o cosmos noético não é nada mais que o logos de Deus em sua atividade criativa, justificando sua tese a partir do que consta no Gênesis. Dali o conceito passou para os primeiros filósofos cristãos. Basílio e Gregório Magno se referiram ao noético como o mundo espiritual, ontologicamente superior ao mundo em que vive o homem, definição que foi adotada por seus sucessores.[11]
Segundo as definições de Viktor Frankl, fundador da Logoterapia,
"Homem e animais são constituídos por uma dimensão biológica, uma dimensão psicológica e uma dimensão social, contudo, o homem se difere deles porque faz parte de seu ser a dimensão noética. Em nenhum momento o homem deixa as demais dimensões, mas a essência de sua existência está na dimensão espiritual. Assim, a existência propriamente humana é existência espiritual. Neste sentido, a dimensão noética é considerada superior às demais, sendo também mais compreensiva porque inclui as dimensões inferiores, sem negá-las - o que garante a totalidade do homem".[3]
A dimensão noética seria, então, uma dimensão não-determinada, mas determinante; a dimensão da unicidade, da identidade mais profunda do ser humano, implicando também a transcendência livre, criativa e responsável das limitações. Frankl assinala que ela é necessariamente inconsciente, pois impulsiona a pessoa para fora e para além de si mesmo, onde a consciência do eu deixa de existir e todo o interesse se volta para o outro. A dimensão noética pode se manifestar de várias formas - no trabalho e no amor altruístas, na intuição verdadeira e na experiência religiosa.[3] Para Husserl, a noética, além de ser a dimensão espiritual, é o fator determinante na atribuição de significado à experiência. Ao animar o elemento material, entrelaçando-se em sínteses e continuidades múltiplo-unitárias, dá lugar à consciência de algo, de modo que em tal consciência pode "anunciar-se, demonstrar-se e determinar-se racionalmente a unidade da objetividade".[12] Também afirmou que somente a subjetividade transcendental possui um verdadeiro sentido, e que o mundo objetivo está na sua dependência.[13]Voegelin disse que o elemento noético aparece quando a consciência procura tornar-se explícita para si mesma e interpretar o seu próprio logos.[9]

2. Outras definições

Segundo Tulving, noética é uma das três formas de consciência: anoética, com uma atenção simples a estímulos externos; noética, que envolve atenção de representações simbólicas do mundo, e autonoética, que envolve a atenção do self e a experiência pessoal estendida no tempo.[14] Ronai da Rocha definiu como noético tudo que pertence ao intelecto ou mente humana: crenças, idéias, pensamentos e conceitos, e esta é uma das definições do termo para a Psicologia moderna, centrando sua atenção no aspecto cognitivo e sendo o elemento de contato do indivíduo com o mundo real exterior, possibilitando a formulação de juízos, abstrações, figurações e raciocínios coerentes e significativos.

Para Marc Halévy a noética é essencialmente a ciência do conhecimento. Não somente dos valores da epistemologia, dos mecanismos mentais e neurobiológicos descritos pelas ciências cognitivas, mas de maneira muito mais ampla, é o estudo de todos os aspectos do conhecer, da sua produção (criatividade), formulação (semiologia e metalinguagem), estruturação (teoria dos sistemas, paradigmas e ideologias), validação (critérios de pertinência, epistemologia) e proliferação de idéias (processos de apropriação e normalização) em seu sentido mais lato. Estuda também a dinâmica e os ciclos da vida, das idéias e das teorias, das condições de sua emergência, desenvolvimento, apogeu, decadência e extinção. Segundo Stratton, noética se refere a uma estrutura individual de conceitos, sendo o somatório de idéias, crenças e opiniões de cada um, e a forma pela qual tais conceitos se relacionam entre si e com o mundo externo.

3. A noética como ciência

3. 1. História

A noética moderna teve um precursor na figura de Charles Darwin, que procurou estudar a evolução das espécies numa perspectiva global e sintética, mas foi primeiro definida pelo psicólogo norteamericano William James, dizendo que ela descreve "estados de insight em verdades profundas inalcançadas pelo intelecto discursivo. Estes insights seriam revelações e iluminações cheias de significado, mas todas inarticuladas; como regra, elas trazem consigo um curioso senso de autoridade". Ele foi um dos pioneiros da valorização do potencial da transcendência humana no terreno do estudo científico da consciência, enquanto que mais ou menos ao mesmo tempo, na Europa, neurologistas como Jean-Martin Charcot e Pierre Janet definiam a hipótese psicogênica para sintomas físicos. Esta hipótese foi levada adiante por psicanalistas e médicos da escola de Viena como Freud e Jung, e por outros norteamericanos, desenvolvendo uma complexa teoria de psicologia dinâmica do inconsciente para demonstrar que os sintomas das doenças muitas vezes são simbólicos de causas de origem física e/ou psíquica, lançando as bases em torno de 1930 da moderna psicossomática.

Outras contribuições foram as descobertas da Física a respeito da natureza última da matéria, que levaram Niels Bohr a dizer que em se tratando do comportamento do átomo, só se pode usar a linguagem de uma forma poética, e resultaram na formulação da Mecânica Quântica por vários cientistas, e na Teoria da Relatividade por Albert Einstein, colocando por terra a concepção mecanicista do universo estabelecida por Isaac Newton e seus antecessores.[20] É interessante assinalar que Einstein observou que "a maior experiência que se pode ter é a do misterioso, que é a fonte de toda a beleza e do insight verdadeiros",[21] e que Bohr foi aparentemente inspirado pela pintura cubista e sua visão múltipla do espaço.

Outros cientistas como Einstein, Robert Oppenheimer, Wilhelm Reich e Thomas Edison, o foram pelos escritos teosóficos de Helena Blavatsky. Aliás a Teosofia teve um papel em nada desprezível no desenvolvimento da noética ao traçar um painel comparativo entre as várias religiões do mundo, antigas e modernas, aproximando o oriente do ocidente, e demonstrando que muito da filosofia e religião antigas tinham bases científicas e antecipavam descobertas da ciência moderna.] 

Teilhard de Chardin, ao descrever a evolução da vida, cunhou o termo noosfera, a esfera do pensamento e do espírito humano, um nível abstrato formado pelo conhecimento autônomo e organizado numa rede de conexões infinitas, uma boa previsão do fenômeno da internet e da noética contemporânea. Novos dados para a estruturação da noética vieram do filósofo Henri Bergson, líder da escola intuicionista, atribuindo à intuição um papel superior na aquisição de verdadeiro conhecimento.

Também a arte moderna ofereceu novas pistas para o entendimento da consciência e dos processos psicológicos. O recém-citado Cubismo, o Dadaísmo, o Surrealismo, a Action painting nas artes plásticas, o "fluxo de consciência" da literatura de James Joyce, o teatro do absurdo de Antonin Artaud, Alfred Jarry e outros, foram alguns dos elementos que delinearam formas alternativas de aproximação, descrição e interpretação da subjetividade e da realidade objetiva, subvertendo hierarquias consagradas e lançando novos paradigmas estéticos onde a negação do império do racionalismo era uma tônica.

Entretanto, com a ascensão da escola behaviorista de psicologia, com o progresso exponencial das ciências materiais e com a revolução tecnológica na medicina ao longo do século XX, a pesquisa da subjetividade caiu em relativo descrédito, e somente na década de 1960, com o surgimento dos movimentos de contra-cultura, foi que um estudo mais sistemático da noética começou a ganhar novo impulso. Parte dessa recuperação se deveu a estudos clínicos a respeito da influência de alucinógenos sobre a consciência, e à comprovação de benefícios obtidos por doentes que praticavam a meditação transcendental ou recebiam terapêuticas que incluíam a auto-sugestão, a visualização e a hipnose.

Na década de 1970 outros passos foram dados quando Robert Ader provou que o sistema imunológico de animais podia ser manipulado experimentalmente através de métodos de condicionamento comportamental, e quando David Spiegel documentou que pacientes de câncer tinham maior sobrevida quando participavam de grupos de apoio psicológico.[2] Também nessa época foi provado que as plantas possuem uma espécie de consciência, responsiva tanto a estímulos ambientais quanto a pensamentos humanos. Outros experimentos acusaram uma capacidade de leucócitos retirados de doadores e mantidos separados em laboratório de responderem da mesma forma que seus doadores que eram submetidos a estímulos definidos, sugerindo a existência de um elo invisível entre ambos, numa forma de biocomunicação à distância em nível celular que foi atestada para outros tecidos e organismos.

Nesta mesma década o Instituto de Ciências Noéticas (IONS) nos Estados Unidos iniciou suas atividades com um modesto programa de pesquisa sobre os mecanismos internos da resposta curativa, aceitando a premissa de que a consciência desempenha um papel importante nos processos de cura e na manutenção da saúde, numa época em que tal premissa era rejeitada pela larga maioria dos pesquisadores das áreas biomédicas.[2] Desde então a abordagem noética tem sido aplicada a uma grande variedade de tópicos de pesquisa, com resultados que desafiam as concepções do mundo mantidas pela ciência moderna ortodoxa. 

A própria ciência, elaborando sobre as descobertas da Física no início do século XX, chegou ao ponto de descrever a realidade através de quantificações relativas, redes de relações, infinitudes, intercâmbios matéria-energia, dimensões múltiplas e uma série de outros conceitos dificilmente definíveis pela lógica padrão, em muitos casos se valendo de metáforas para ilustrar idéias que são em essência intuitivas e caem fora do alcance da linguagem discursiva. Na opinião de O'Nuallaín parece que a Física moderna já não pode ser entendida sem o recurso a atos mentais remotos e autorreferentes, e assim não surpreende que muitos físicos apareçam como visionários ou semi-místicos.[25] É bem conhecido o caso de Fritjof Capra, autor de vários best-sellers, que traçou paralelos entre a visão científica do mundo e a filosofia oriental, sendo uma referência para a escola do Pensamento sistêmico.

A noética é uma disciplina científica ainda pouco divulgada, não possui ainda uma estrutura ou um corpo de conceitos básicos bem definidos, sequer seu nome é reconhecido em larga escala - ainda que sua abordagem integradora e multirreferenciada já esteja em uso por muitos pesquisadores treinados na ciência convencional, que não se autodefinem como "noéticos" - e enfrenta ainda muita resistência de setores conservadores, mas, por contemplar uma multiplicidade de pontos de vista simultaneamente, tem crescido rápido. Seu desenvolvimento acelerado é também fruto dos grandes avanços na tecnologia da informação, que ao obrigar a uma reestruturação das formas de armazenamento e distribuição de informação, tornou indispensável uma reflexão profunda a respeito da natureza, estrutura e procedimentos do próprio conhecimento em geral.

Recentemente a noética ganhou um destaque especial ao ser colocada como um dos temas principais do best-seller O Símbolo Perdido, de Dan Brown, que vendeu um milhão de cópias apenas no dia de seu lançamento.[28][29] Desde o seu lançamento, o website do Instituto de Ciências Noéticas registrou um aumento de 1200% no número de acessos, e o número de associados cresceu em 300% em comparação ao mesmo período do ano passado.[30] Contudo, como observou João Queiroz,
"Há uma explosão sem precedentes de estudos sobre consciência. Pesquisadores de muitas áreas — Computação, Etologia, Física e Matemática, Antropologia, Psicologia, Ciências e Neurociências Cognitivas, Filosofia, Linguística, etc. — organizam simpósios, periódicos, volumes e antologias, sites e cursos sobre o tema. Este parece, entretanto, ser o objeto de convergência pluri e interdisciplinar que mais produz divergência na recente História das Ciências. Multiplicam-se questões sobre definições e demarcações conceituais e terminológicas, sobre teorias, métodos, modelos, protocolos de investigação. Divergem, num mesmo departamento, visões gerais (general frameworks) sobre problemas básicos: como definir consciência?"
Colin Allen corroborou essa impressão dizendo que "a despeito da recente invasão de trabalhos filosóficos e neuropsicológicos sobre a consciência, muito permanece confuso sobre sua noção, incluindo, mesmo, se há tão somente uma única noção". Para Anthony Atkinson, "o conceito de consciência é notoriamente dificil de definir (...) porque se refere a um fenômeno heterogêneo."

 Fonte:    
Wapedia
http://wapedia.mobi/pt/No%C3%A9tica
Sejam felizes todos os seres. 
Vivam em paz todos os seres. Sejam abençoados todos os seres.

Nenhum comentário: