quarta-feira, 2 de novembro de 2011

UMA SÉRIE DE MARAVILHOSAS DEMONSTRAÇÕES SOBRE O UNIVERSO


(Catena Mirabilium Demonstratiorum De Summa Rerum)
G.W. Leibniz

A nº85 – 12 de dezembro de 1676

Nada é e não é ao mesmo tempo; ou algo é ou não é.3 Algo que é feito agora, diz respeito a coisas presentes. Mas, encarregar-se agora de algo que é ou passado ou futuro seria o mesmo que estar presente; mas nada é ao mesmo tempo presente e passado, por isso o que está feito não pode ser desfeito, nem algo deixa de ser futuro exceto quando se torna presente.

Não há nada sem uma causa, 
já que não há nada sem todos os requisitos
para que exista. 
O efeito total é equivalente à causa plena, já que deve haver alguma igualdade entre causa e efeito, que passa de uma para outra. Mas isso consiste nessa equivalência, nem pode uma outra perspectiva ser excogitada.

Há apenas um tipo de mundo, ou, não há entidades além dos corpos e mentes, isto é, o que sentimos, nem há quaisquer corpos exceto aqueles que estão a uma certa distância de nós. Pois se houvesse alguns, não se poderia dizer se agora existem ou não existem, o que é contrário ao primeiro princípio. Então, segue-se que nem todos os possíveis existem.

Que o espaço e o tempo são infinitos exige uma demonstração completa. Afirmar que há um tempo sem coisas é nada afirmar, porque a quantidade daquele tempo não pode ser determinada por qualquer sinal. Desde que a causa é equivalente ao efeito, não em perfeição mas em expressão, o encadeamento das criaturas não pode ter começado em algum tempo, mas antes houve sempre algo além de Deus, ou,

Deus sempre criou algo. 
 “Meu pai ainda não cessou seu trabalho”. 
(Deus sempre cria algo. "O Pai não cessa seu trabalho".)

Há uma grande diferença entre um tempo e uma linha. Um intervalo entre dois estados momentâneos, entre o que nada pôde interpor-se, não pode ser determinado de maneira alguma, nem pode ele ser dito como muitas coisas podem estar interpostas; pois por que deveria haver mais? Esse não é o caso do espaço, se por exemplo, um globo está vazio interiormente. Então, aquelas coisas que estão no tempo e entre as quais nada está interferindo, tocam-se. Esse não é o caso do espaço, devido à posição.

Que o espaço é infinito também é provado disto: que qualquer tamanho que seja assumido, não há por que não possa ser feito maior. Mas é evidente que nenhuma razão pode ser dada, já que há no espaço a maior homogeneidade, e sua existência não impede outras coisas. Que alguma coisa era para ser feita é evidente do fato de que alguma coisa foi feita e já que não há razão que determine ou limite seu tamanho, será ela tanto maior quanto possa ser, ou, absolutamente infinita.

O mesmo argumento também prova que não há vácuo, quer intercalado, quer grande, já que é possível para todas as coisas serem preenchidas. Pode-se também dar, de uma outra fonte, uma refutação especial de um grande espaço ultramundano, que é infinito e no qual há um mundo finito; pois essa matéria seria nele dispersa e nunca mais tornaria a ser unida. Admitindo-se a plenitude, os átomos estão demonstrados. Eles também são provados sem a plenitude, da simples consideração do fato de que tudo que é flexível é dividido em pontos.

Parece muito mais em acordo com a razão que corpos primitivos fossem todos esféricos, mas que suas direções sejam todas retilíneas. Corpos coesos originam-se do fato de que, se certos corpos são colocados juntos em um arco que está oco, isto é, cheio de uma matéria mais sutil, esse arco é quebrado com dificuldade porque os poros que são deixados por seus componentes são muito pequenos para serem penetrados pela matéria circundante, de tal forma como a preencher o espaço. Esses corpos estáveis podem ser reduzidos a uma forma globular de quase qualquer tamanho, porque deste modo eles obstruem os corpos circundantes tão pouco quanto possível e porque isso pode ser realizado sem serem quebrados. Assim,

todas as coisas vêm das esferas 
 
e mesmo se as esferas não fossem os elementos fundamentais, ainda haveria sempre um retorno a elas; assim, uma variedade de formas nos átomos seria inútil e, deste modo, é suficiente para todos os átomos serem esféricos.

A melhor prova de que um corpo difere do espaço ou extensão é derivada disso: que não se pode, da extensão unicamente, ou, da noção de comprimento, largura e altura, demonstrar a impenetrabilidade, isto é, demonstrar que duas coisas extensas não podem estar no mesmo lugar, ou, que é impossível para dois sólidos extensos serem congruentes um com o outro, isto é, serem sólidos cujos pontos, dado um deles, não guardam distância de algum ponto do outro.

Notas:
1. Summa Rerum parece significar, aqui, "a soma das coisas", isto é, o universo, em vez de "ser supremo"; 
2. Título atribuído por Leibniz; 
3. Uma afirmação dos princípios da contradição e do terceiro excluído.

Que um ser mais perfeito É possível
 
(Quos Ens Perfectissimum Sit Possibile)
G. W. Leibniz

Novembro (?) de 1676

Ao que parece, descobri uma demonstração de que o Ser mais perfeito ou aquele que contém toda essência, ou que possui todas as qualidades, ou todos os atributos afirmativos – é possível, ou, não implica uma contradição.

Isso será evidente se eu mostrar [ostendero] que todos os atributos (positivos) são compatíveis entre si. Mas, os atributos são ou analisáveis ou não-analisáveis; se são analisáveis, serão agregados daqueles nos quais são analisados. Logo, será suficiente ter demonstrado a compatibilidade de todos os atributos primários ou não-analisáveis, ou, daqueles que são concebidos per se. Porque, se os atributos individuais são compatíveis, também são muitos, e, por isso, são atributos compostos. Será, portanto, suficiente demonstrar apenas a inteligibilidade de um Ser que contém todos os atributos primários, ou, demonstrar que quaisquer dois atributos primários são compatíveis entre si.

Sejam esses atributos A e B. Se são incompatíveis, então a proposição “A qualidade A e a qualidade B não podem estar no mesmo sujeito” será necessária e, portanto, será ou uma proposição idêntica ou uma que é demonstrável. I) não pode ser uma proposição idêntica; porque, então, “Quando A é, B não pode ser” seria o mesmo que “A é A” ou “A é B” e, portanto, uma expressaria a exclusão da outra, e, assim, uma delas seria a negação da outra. Mas isso é contrário à hipótese, porquanto assumimos que todos os atributos são afirmativos; II) não é demonstrável; porque se fosse demonstrar-se, “quando A é, B não pode ser”, isto somente seria feito pela análise de um ou outro termo, ou de ambos. Isso é contrário à hipótese; porque as havíamos assumido como não-analisáveis. Logo, essa incompatibilidade não pode ser demonstrada. Portanto, não há incompatibilidade, e, então, quaisquer duas qualidades afirmativas são compatíveis e todas são compatíveis com todas. Logo, um Ser que possui todos os atributos é possível.

Ademais, parece que disto se pode provar que um Ser deste tipo, que é o mais perfeito, é necessário; porque não pode existir a menos que possua uma razão para existir, ou de si mesmo ou de outro. Mas não pode possuir essa razão de um outro, pois tudo que pode ser entendido em algo mais já pode ser entendido no mais perfeito Ser mesmo, quer porque o concebemos per se, quer porque não possui Ele nenhum requisito fora de si. Logo, ou ele pode não possuir razão para existir, e então é impossível, o que é contrário ao que havíamos demonstrado, ou ele terá uma razão para existir dele mesmo, e então será necessário. Todo atributo simplesmente afirmativo é infinito; ou é tão máximo quanto pode ser, ou contém todas as coisas que pertencem ao seu gênero. Há, necessariamente, muitos atributos afirmativos primários; pois se houvesse apenas um, apenas uma coisa seria compreendida. Parece que afecções negativas podem surgir apenas de uma pluralidade de atributos afirmativos – por exemplo, pensamento e extensão. Pois como é impossível para algo extenso ser pensado sem variedade, segue-se que certos modos de extensão são necessários, e que todos aqueles que foram, são, ou serão, podem ser pensados por um ser. Disto a origem e necessidade da modificação é evidente.

Pode ser facilmente demonstrado que todas as coisas são distinguidas, não como substâncias (isto é, radicalmente), mas como modos. Isso pode ser demonstrado do fato que, daquelas coisas que são radicalmente distintas, uma pode ser perfeitamente compreendida sem uma outra; isto é, todos os requisitos de uma podem ser compreendidos sem todos os requisitos de um outro serem compreendidos. Mas, no caso das coisas, isso não é assim; pois, já que a razão última das coisas é única e contém em si mesma o conjunto de todos os requisitos de todas as coisas, é evidente que os requisitos de todas as coisas são os mesmos. Então, também são as suas essências, dado que uma essência é o conjunto de todos os requisitos primários. Portanto, a essência de todas as coisas é a mesma, e as coisas diferem unicamente pelos modos tal como uma cidade vista de um ponto elevado difere daquela vista do plano. Se ao menos essas coisas são realmente diferentes que possam ser separadas, ou, de que uma possa ser entendida perfeitamente sem a outra, segue-se que nenhuma coisa realmente difere de uma outra, mas que todas as coisas são uma, exatamente como Platão argumenta no Parmênides.

A razão última de todas as coisas é a mesma.

Uma razão última 
é o conjunto de requisitos suficientes.

O conjunto 
de requisitos suficientes 
é a essência. 
Portanto, a essência de todas as coisas é a mesma. Requisitos parecem indicar a relação com a existência, os atributos com a essência. Atributo, afecção, propriedade, essência. Um atributo é um predicado que é concebido [concipitur] por si mesmo, ou, é não-analisável. Uma afecção é um predicado que é composto por atributos. Uma propriedade é uma afecção que contém todos os atributos. Uma essência é ...

Uma metafísica deve ser escrita com definições e demonstrações precisas, mas nada deve ser nela demonstrado além daquilo que, demasiadamente, não discorde das opiniões acolhidas [receptis]. De tal sorte, certamente, esta metafísica pode ser acolhida; e uma vez que tenha sido aprovada, então, se outros a examinarem mais profundamente, extrairão por si próprios as necessárias conseqüências. Além disso, pode-se, como um empreendimento separado, mostrar a essas pessoas, posteriormente, o modo de raciocinar sobre essas coisas. Nessa metafísica, será útil adicionar-se, aqui e ali, declarações abalizadas de grandes homens que raciocinaram de modo semelhante; especialmente quando essas declarações contêm algo que parece possuir alguma relevância possível para o esclarecimento da opinião.

Um “atributo” é um predicado
necessário que é concebido per se,
ou, que não pode ser analisado 
[resolvi] em vários outros. 
Uma “afecção” é um predicado necessário que pode ser analisado em atributos, ou, uma afecção é um predicado que pode ser demonstrado de um sujeito.
Uma “propriedade” é uma afecção recíproca, ou, uma afecção que contém todos os atributos de um sujeito, ou, do qual todos os seus outros predicados podem ser demonstrados.

Uma “essência” 
é tudo que é concebido em uma coisa per se,
isto é, o agregado de todos os atributos.

Um “acidente de uma coisa”
é um predicado contingente.



Li

Fonte:
LeibnizBrasil
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