domingo, 11 de março de 2012

SEMANA DE 22 E MODERNISMO: UM FRACASSO NACIONAL - Jardel Dias Cavalcanti



                                                     Terça-feira, 6/3/2012
                    Semana de 22 e Modernismo: um fracasso nacional
                                   Jardel Dias Cavalcanti








 
Marx dizia que ser radical é ir à raiz do problema. Pretendo fazer isso em relação ao nosso Modernismo. Só um nacionalista xenofóbico pode dispensar a capacidade crítica de reavaliação de sua própria cultura. 
 Creio que já passou da hora 
de parar de jogar enfeites comemorativos
 sobre o suposto modernisno de nossa arte. 
 
A aprovação convencional que continua até nossos dias é de causar espanto. Não que a crítica não tenha feito em alguns momentos sua parte, como no caso de Ronaldo Brito, Tadeu Chiarelli, Jorge Coli, Carlos Zilio e outros.

Mas parece que as observações desses críticos não chegaram ainda ao grande público, que acha graça nas pinturas prá lá de medianas de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari e parte da obra de Anita Malfatti. 





Em geral, 
quando um artista é canonizado,
 parece que a atividade crítica se anula. 
Quem 
ousaria dizer 
que parte da pintura de Van Gogh, 
como alguns dos girassóis, feitos às pressas 
e sobre efeito de álcool e absinto, 
deveria ser esquecida (enquanto outras obras 
realmente geniais deveriam ser admiradas)?;
 
 quem questionaria o valor da Mona Lisa, uma obra que mostra os defeitos do desmazelado método de execução de Da Vinci, onde um rosto e mãos são desafortunadamente inconsistentes, enquanto uma obra do mesmo artista, como Senhora com Arminho é tão perfeita como uma pintura poderia ser e não está no centro das atenções?

Quem criticaria o teto da Capela Sistina de Michelângelo, obra simples e crua se comparada com o Juízo Final, da mesma capela, e outras obras do artista? 
Sem querer questionar 
o valor da pintura da Capela, podemos parafrasear Dr. Johnson
 e dizer que "não é bem feita, mas fica-se surpreso 
que tenha chegado a ser feita".

Com o modernismo brasileiro não é diferente. Questionar nosso capenga e caipira espírito pseudo-revolucionário parece o mesmo que cuspir na hóstia. Salvo as primeiras obras de Anita, na exposição de 1917, e a primeira exposição de Lasar Segall, pouco de realmente revolucionário aportou na terra brasilis. 
Se olharmos atentamente as pinturas modernistas brasileiras e a compararmos com o que se fazia na Europa, o que vamos ver é uma espécie de "forma fora do lugar", ou seja, uma pretensão dos artistas brasileiros em atualizar nossa forma (nos tornarmos cubistas, futuristas, surrealistas) e ao mesmo tempo manter as preocupações nacionalistas, com temas para lá de conservadores (como procissões religiosas do interior paulista, paisagens idílicas tropicais, cenários tupiniquins para inglês ver, mulatas sensuais que são verdadeiros clichês da sensualidade mulata nacional etc).


 
O que vivemos, 
segundo Ronaldo Brito,
 foi um regime de inadequação, 
pois enquanto na Europa a arte estava em guerra declarada 
contra a tradição, estávamos em busca 
da identidade nacional. (**)
 
 O fracasso de Di Cavalcanti em 
"situar sua pintura tosca 
e seu traço ilustrativo dentro dos complexos
 espaços da nova arte", 
 
diz Brito, é sintoma dessa inadequação. Enquanto na arte européia se buscava a afirmação de uma diferença irredutível, aqui se buscava a mesmice na "suposta" identidade nacional.

Mesmo Anita, continua Brito, "comparada aos expressionistas nórdicos, escandinavos ou germânicos, parecia uma artista lírica ingênua. Não dispunha, de saída, do enorme arsenal imaginativo daqueles povos.
 O universo de Munch
 possui uma carga metafísica 
compreensivamente estranha aos estudos 
psicológicos de Anita".(*)


A brasilidade, esta entidade  
sobredeterminantemente fantasmática, 
segundo Brito, "impunha aos nossos artistas
 aquilo que a modernidade européia desde Manet repudiava, 
o primado do tema, 
a sujeição da pintura ao assunto".

 
O resultado é um quadro para lá de medíocre e programático como "Os operários", de Tarsila, em que a artista (tocada pelo marxismo da época?) retrata todas as classes sociais e raças enfileiradas frente às chaminés de uma fábrica. O sentido do quadro é mais que claro: apesar das diferenças de classe e raça, somos todos membros da classe operária, afinal estamos na frente da canhestra representação de uma fábrica para nos identificar. Esse quadro deveria ter sido criado como ilustração para panfletos socialistas da época e não para parar em um museu.

Para nossos modernistas "seria impossível descer às camadas mais profundas da visualidade", pois seu apego à ideologia da brasilidade não deixava que seguissem os avanços do Cubismo, Fauvismo, Futurismo, Suprematismo, que são predominantemente visuais. Nossa arte foi literária demais para ser moderna. O filtro da brasilidade anulava as conquistas realmente modernas das artes plásticas do início do século XX.



Paradoxalmente bucólica, 
Tarsila não conseguiu entender
 o manifesto Futurista, publicado no Le Figaro
 que Oswald trouxe de Paris debaixo do braço,
 em primeira mão para São Paulo.
 
 Não é de se estranhar, pois a própria Tarsila, em carta a Mario de Andrade, diz que voltou de Paris com as bolsas cheias de perfume e nenhuma informação artística.

A iconografia modernista vai se valer da figura do homem brasileiro, em sua representação popular, em suas manifestações festivas e místicas, no trabalho, na expressão de sua sensualidade e em sua miséria. Eis o repertório de Tarsila, Anita, Di Cavalcanti e Portinari. O pior é que é nessa taxonomia que se vai definir o sentido da brasilidade, que irá contaminar todas as leituras do Brasil, principalmente no nosso cinema, sempre criando sua estética sob as lentes dessa ideologia.


 
Na observação de Carlos Zilio, "nos trabalhos de Tarsila, por exemplo, os fios elétricos e as estradas de ferro são sempre acompanhados por palmeiras e por outros elementos capazes de situar uma cidade brasileira. 
Este tipo de preocupação é totalmente estranho ao tratamento que a arte francesa daria ao mesmo assunto, onde o centro do interesse seria o fenômeno da civilização industrial como um todo, abstraída de qualquer conotação nacional".



 
Portinari não acata 
as reflexões plásticas do Cubismo, 
ao contrário, se alia a estética muralista mexicana, 
com sua arte política, valorizando, mais do que a própria arte,
 as preocupações com o tema do trabalho e da miséria.
Em Di Cavalcanti sobressalta a mulata, em seu lirismo e sensualidade, como características da brasilidade, representando nossa languidez, nossa mistura racial-cultural, nossa sensualidade primitiva (no sentido freudiano, diz Carlos Zilio). No seu livro A querela do Brasil, diz Zilio sobre a obra de Di Cavalcanti: 
"Seu desenho 
é o aspecto mais comprometedor de seu trabalho, 
demonstrando uma carência de recursos 
e uma redução um tanto esquemática da forma,
 como se pode ver pela interpretação 
que faz da mulher da fase clássica de Picasso. 
(...) Os piores exemplos
 da obra de Di Cavalcanti
 conjugam essas deficiências: desenho esquemático,
 simplismo cromático e realismo".

 
Segundo avaliação de Zilio, a consequência da ideologia nacionalista no nosso modernismo é que nossa arte se reduziu à temática e a pintura se tornou narrativa e tradicional, enfeitada com um verniz moderno. O que nos obriga a dizer que nossos modernistas não conseguiam se apropriar das questões estruturais da arte moderna, a não ser nos seus procedimentos apenas aparentes. 
Não conseguiram compreender a radicalidade do Modernismo, preso que estavam ao desejo de criar um estilo brasileiro, posição conservadora que prevê, no fundo, um ideal de cultura a ser preservado.(*) O contrário do que praticava a vanguarda européia.

Segundo Jorge Coli, "ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, em que um setor muito importante da produção artística voltou-se para os motivos da modernidade real que então ocorria (Hopper, Bellows, Wood, Marsh, entre tantos, sem intenções de fabricar uma identidade nacional), os pintores brasileiros ou buscavam uma essência daquilo que concebiam como brasilidade ou desembocavam em estereótipos." (Revista Bravo, 03/2008).



Exemplo claro da força 
que o debate nacionalista operava 
sobre a obra dos artistas brasileiros 
é o quadro Tropical de Anita Malfatti (1917),
 que antes se chamava Negra Baiana
 
Segundo a leitura de Tadeu Chiarelli, no ensaio publicado em Arte brasileira na Pinacoteca, o que se percebe na artista é um recuo em relação às investigações formais por causa de sua tentativa de fixar protótipos, "nesta pintura, ao invés de tratar de questões intrínsecas à pintura - o que fazia em suas obras norte-americanas-, Malfatti opera questões extrínsecas à obra, utilizando-se do seu trabalho pictórico para emitir valores de nacionalidade e/ou regionalismos. (...) 
A necessidade de descrever
 a etnia da retratada parece levar a artista 
a refrear seu ímpeto expressivo. 
Nessa figura Malfatti já parece uma artista diferente 
 daquela que, não fazia muito tempo,
 atuara com ímpeto vanguardista".
É o mesmo Chiarelli que chama a atenção para a instrumentalização da história de nosso modernismo, de caráter triunfalista, por parte de Mário de Andrade e outros modernistas históricos, que impedem o debate sobre o questionamento das razões que levaram nossos artistas a abandonarem as experiências ligadas à vanguardas históricas e abraçar a tradição.
 Seria medo de se macular 
a história ideal do modernismo, 
destruindo sua credibilidade, 
por ter abraçado postulados 
que deveriam ter sido abandonados?
A leitura equivocada de que Anita foi vítima passiva da crítica de Lobato (como já mostrei em outro artigo publicado aqui no Digestivo) não responde às questões sobre o resultado que a pressão ideológico-nacionalista produziria sobre nosso "modernismo", que explicaria muito mais o retorno da pintora e de outros artistas modernistas à ordem.

O historiador Nicolau Sevicenko também questiona o estatus de moderno de nossa arte:"Os modernistas de 22 nunca quiseram romper com o status quo. Polarizaram, mas sem querer solapar. Muito diferente dos movimentos de vanguarda europeus" (Folha de São Paulo,11/02/2012).

A total desinformação quanto à arte de vanguarda pode ser percebida na presença da pianista Guiomar Novais na Semana de 22. Ela que se opunha aos "modernismos" chegou a achar uma ofensa que se tocasse Satie em sua presença.

Na argumentação de Jorge Coli (Revista Bravo,03/2008), "os modernos nos deixaram também óculos nacionais", ou seja, além de limitar os interesses artísticos à temática nacional nos forçaram a apreciar nas suas obras apenas os sintomas dessa tautológica brasilidade.
 "Tanto o realismo 
quanto o surrealismo foram bastante
 cerceados no Brasil pela cultura da identidade nacional. 
 
O primeiro por fugir à sintese; o segundo por fugir aos parâmetros nacionais. A leitura que os concretos propuseram de Oswald de Andrade, interessando-se por traços universais de sua obra, é o exemplo de um enfoque bastante raro", diz Coli.

No caso da música, é importante ressaltar o depoimento de Francisco Mignoni, que deixa claro a força que a ideologia nacionalista tem no período impondo modelos de criação artística: "Aderi aos postulados da Semana Moderna de 1922 e, amparado da cordial amizade de Mário de Andrade, embrenhei-me no cipoal da música nacionalista e, também, para não ser considerado uma reverendíssima besta".

A ideologia nacionalista de nosso modernismo deu seus frutos, do Cinema Novo aos Tropicalistas, até o duvidoso título do livro de Caetano Veloso: "Verdade tropical". Interrogar criticamente o sentido ideológico do projeto modernista-nacionalista brasileiro, desmistificar o discurso por eles elaborado para que sejam lidos segundo seus próprios parâmetros é nossa tarefa.
 E devemos começar 
abandonando a idéia do substrato nacional 
que fecundou a maioria das obras dos nossos artistas 
e que ainda joga sobre artistas do presente 
sua mofada teia de aranha.
PÓS-TUDO
E hoje o que temos? Na atual frente multiculturalista que se avizinha, podemos perguntar com Harold Bloom: "quando a Escola do Ressentimento se tornar dominante ente os historiadores e críticos de arte, ficará Matisse sem público enquanto todos corremos para ver os lambuzos das Guerrilhas Girls?" 
Afinal, nos resta perguntar hoje, como podemos perguntar ao nosso passado modernista: o artista nasce para ser artista ou cientista político amador, sociólogo desinformado, antropólogo incompetente, filósofo medíocre?

Indice da Ilustrações:

Vendedor- Tarsila
Tropical - Anita
Operários- Tarsila
Cidade- Tarsila
Café- Portinari
Mulata- Di Cavalcanti


Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 6/3/2012

* - Munhc gritou nas telas 
o horror irracional das guerras do seu país.
Anita,jamais sentiu na pele esse desespero.

* - Mais que natural - indispensável apurar 
a identidade nacional, uma vez que a arte
entre outras qualidades ,revela os valores de um povo
- distingue-o ,dignifica e dá diretrizes .

Copiar arte 
de outros tempos e povos,
que utilidade teria?

**O Brasil, 
uma nação adolescente,
não podia rebelar-se, derrubar 
o que ainda não tinha sido construído,
 muito menos visto.

De fato foi a elite
quem deu o alarme (interesseiro?)
Eram na verdade, os únicos aventureiros
na tentativa de fazer da arte  de que dispunham
algo parecido  com uma revolução.

E se...
Não houvesse a Semana de 22, 
que arte marcaria a identidade e o desenrolar da cultura brasileira,
 além dos retratistas acadêmicos?

Assim como cada povo 
tem o governo que merece,igualmente a arte
registra - documenta com fidelidade
o estágio cultural de uma nação.
E viva 1922 - em São Paulo 
1936 - em Belo Horizonte!...
e...
2012...aí vou eu,
 amante da arte de todos os tempos
sentindo na carne o imperioso dever
de fazer algo novo - uma arte sentida,
uma que valha sete décadas
depurando insistente
meu estar aqui, nesta Terra-Brasil!



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Li

Fonte:
Colunas-
Digestivo Cultural
http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=3508&titulo=Semana_de_22_e_Modernismo:_um_fracasso_nacional
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

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