sexta-feira, 26 de outubro de 2012

TRANSFORMAÇÕES AO NOSSO ALCANCE - Benilton Bezerra Júnior



 

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 Transformações ao Nosso Alcance - Benilton Bezerra Júnior por LuizFernandoSarmento  no Videolog.tv.

 

Benilton: - Que tipo de desafios nós temos que enfrentar, superar, para criar uma atmosfera de união, um centro de gravidade que possa trazer mais atores sociais para mudança? Não digo só dos outros, mas nós mesmos precisamos refletir sobre quais são as inibições, quais são os impedimentos que dificultam que a gente se transforme num ator social como deveríamos ser. 

* Benilton Bezerra Júnior - pensador, psicanalista, escritor - compartilha conhecimentos, estimula reflexões. 

* Sem fins comerciais, este vídeo registra uma palestra realizada no Sesc Rio voltada para o desenvolvimento humano e social. 

* Na internet, especificamente no Videolog, o vídeo integral talvez esteja dividido em partes.

 * Produção: Luiz Fernando Sarmento & Gilberto Fugimoto de Andrade. Gravação e Edição: Gijs Andriessen. 

* Realizado cerca de 2006. Aproximadamente 68 minutos.

 Desafios da Reforma Psiquiátrica no Brasil
Desafios da Reforma Psiquiátrica no Brasil
BENILTON BEZERRA JR.
Com a virada do século, a Reforma Psiquiátrica no Brasil deixou
definitivamente a posição de “proposta alternativa” e se consolidou como o
marco fundamental da política de assistência à saúde mental oficial. Mais do
que isso, a influência do seu ideário vem-se expandindo no campo social, no
universo jurídico e nos meios universitários que formam os profissionais de
saúde. Apesar das conhecidas dificuldades enfrentadas pelo sistema de saúde
pública no Brasil, é fato que o cenário psiquiátrico brasileiro vem mudando a
olhos vistos. Os mais de mil Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) espalhados
pelo país vêm modificando fortemente a estrutura da assistência à saúde mental.
A rede composta por este tipo de equipamento vem substituindo
progressivamente o modelo hospitalocêntrico e manicomial, de características
excludentes, opressivas e reducionistas. Em seu lugar vem sendo construído
um sistema de assistência orientado pelos princípios fundamentais do Sistema
Único de Saúde (universalidade, eqüidade e integralidade), acrescido da proposta
de desinstitucionalização - cujo alcance ultrapassa os limites das práticas de
saúde e atinge o imaginário social e as formas culturalmente validadas de
compreensão da loucura.
No entanto, a própria consolidação da Reforma vem trazendo à tona
uma quantidade crescente de desafios que precisam ser incorporados à agenda
dos campos da Saúde Mental e da Saúde Coletiva. Não há precedente de
implantação de uma reforma deste tipo num país com as características
(geográficas, políticas, sociais) do Brasil. A construção de um sistema assistencial,
um imaginário cultural e uma rede de laços sociais inspirados nos ideais da
Reforma exige que a imaginação, a criatividade e a reflexão crítica encontrem
uma maneira de delinear com clareza quais são os desafios específicos que
este horizonte de transformação enfrenta nas condições de nosso país.
Sendo uma proposição de mudança paradigmática - e não apenas mais
uma proposta de modelo assistencial -, a Reforma Psiquiátrica se desdobra em
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vários planos, situados em diversos campos. No plano assistencial, trata-se de
pensar não apenas formas inovadoras de organização da atenção, mas também
modelos de cuidado e intervenção adequados aos novos dispositivos - muito
diferentes tanto dos ambientes hospitalares quanto dos espaços ambulatoriais
tradicionais, e aos novos objetivos - mais abrangentes que os da clínica individual
tradicional. Além disso, num país como o Brasil, de dimensões continentais e
enorme diversidade cultural, não é possível construir um modelo assistencial
que sirva igualmente para as megalópoles e as pequenas cidades do interior,
para grandes concentrações populacionais e regiões de população escassa,
como em certas áreas amazônicas. As noções de rede e território, por exemplo,
que são centrais às proposições da Reforma, não podem ser pensadas de forma
idêntica em contextos socioculturais tão diferentes como os pequenos municípios
do interior do Nordeste e os imensos bairros de São Paulo ou Belo Horizonte.
Na esfera da clínica (uma dimensão, mas não a única, do plano
assistencial), os desafios apontam para duas direções: de um lado, é preciso
avançar na elaboração de dispositivos teóricos e de formas de ação que ao
mesmo tempo retenham o horizonte fundamental da clínica (a ampliação da
capacidade normativa psíquica, existencial e social do sujeito) e amplie o alcance
da rede (a constituição de uma clínica ampliada, a incorporação de várias
categorias profissionais às estratégias terapêuticas, o recurso a modalidades de
intervenção oriundas de diversas orientações teóricas, etc.). Esse tipo de
discussão é, por assim dizer, interior ao campo da Reforma.
De outro lado, existe o debate com os adversários. O sucesso do
movimento da Reforma pode ser medido em parte pelo fato de que ninguém
mais resiste abertamente ao ideário antimanicomial. Mesmo os defensores dos
hospitais psiquiátricos que tentam reverter os dispositivos legais e as articulações
políticas que sustentam o novo cenário psiquiátrico no país afirmam estar de
acordo com as diretrizes gerais do movimento transformador da assistência,
centrando suas críticas e reivindicações no que apresentam como insuficiências
ou inconsistências do novo modelo assistencial.
A resistência às propostas reformistas aparece de forma indireta, na
defesa da hegemonia absoluta dos médicos no campo da atenção à saúde, na
ênfase nos tratamentos biológicos como única forma efetiva de tratamento, na
importação acrítica, para a Psiquiatria, do modelo da medicina baseada em
evidências, no abuso na utilização da nosografia descritiva dos DSMs, em
detrimento da atenção às dimensões psicodinâmica, fenomenológica e
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psicossocial das psicopatologias, e assim por diante. Deste modo, o embate que
nos primeiros anos se centrava na busca de espaços dentro do sistema políticoassistencial
hoje tende a girar em torno de debates fortemente marcados por
questões de natureza epistemológica, teórica e ética.
Ainda no plano assistencial, há uma dimensão política importante,
que se manifesta no esforço de consolidação do poder de indução que os
órgãos de coordenação da atenção à saúde mental precisam exercer para
estimular transformações nas práticas assistenciais, tanto na rede pública
quanto na rede privada. Isto implica defender mecanismos e critérios de
financiamento que reforcem as propostas da Reforma - como a construção
de redes territoriais de assistência, o estímulo a dispositivos do tipo CAPS, a
implantação de programas de moradia e assim por diante.
A indução desse tipo de mudança, no entanto, exige que tenhamos
como avaliar seu impacto, e ainda não dispomos de modelos de avaliação
adequados às necessidades da saúde mental, que não pode ser avaliada com
base nos mesmos critérios e medidas utilizados na clínica médica e na saúde
pública. Na atenção ao sofrimento psíquico, é preciso encontrar formas de
estimar subjetivamente, e não apenas medir objetivamente, os resultados das
estratégias terapêuticas. O estabelecimento de critérios de avaliação
consensualmente aceitos tornou-se hoje um fator crucial de sustentação do
movimento da Reforma.
A formação de recursos humanos é outro desafio fundamental. A
maior parte dos novos profissionais da rede é formada de jovens que não
passaram pelo processo de luta política e ideológica que envolveu a criação
do movimento antimanicomial, não viveram o intenso intercâmbio com figuras
emblemáticas desse movimento no nível internacional, como Basaglia,
Foucault, Rotelli e outros, em suas vindas ao Brasil. Boa parte desses
profissionais se tornou adulta num momento da vida do país em que as grandes
bandeiras de transformação política já tinham se tornado história, momento
em que a própria esfera da política começou a experimentar um esvaziamento
que só fez se acentuar desde então.
Para a primeira geração de profissionais envolvida na construção da
Reforma, o pano de fundo político e ideológico em que esta construção se dava
era claro, até porque ele abarcava várias outras áreas da vida social, como a
luta contra os resquícios do regime militar e os movimentos reivindicatórios de
setores sociais. O reflexo, junto aos novos profissionais, do esmaecimento da
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política, e a hegemonia crescente do discurso técnico tornam a formação desses
profissionais uma tarefa complexa, pois se de um lado é preciso dar-lhes uma
formação teórica e técnica sólida, de outro é necessário que ela suscite uma
vocação crítica e criativa, de modo a atender aos desafios que um processo de
transformação contínuo, como a Reforma, impõe de modo constante. Isto implica
não apenas o entendimento e a colocação em prática das políticas e modelos
propostos, como também a possibilidade de auto-reflexão, de reavaliação
constante do impacto que o trabalho cotidiano nas atividades assistenciais exerce
sobre a própria subjetividade - única forma de combater os insidiosos
“manicômios mentais”, muito mais resistentes à mudança justamente por não
serem objetivos, e sim enraizados em padrões cognitivos e pautas afetivas
profundamente internalizadas.
As novas formas de organização das equipes, a transformação dos papéis
destinados aos técnicos, o trabalho interdisciplinar e intersetorial, a articulação
entre os aspectos clínicos e políticos da atenção psicossocial, o entrelaçamento
entre estratégias de cuidado e estratégias de responsabilização ou interpelação
do sujeito, todos esses são temas cruciais para a formação de profissionais capazes
de levar adiante o processo de transformação defendido pelo ideário reformista.
Nos planos jurídico e político, a temática dos direitos humanos e da
defesa da dignidade da pessoa, presente desde o início dos movimentos de
contestação da cultura manicomial, tem sido acrescida de iniciativas que avançam
na discussão dos direitos civis e sociais dos portadores de transtornos mentais.
Talvez a característica mais importante do debate atual seja o deslocamento
progressivo do centro de gravidade da discussão, que vem deixando de ser uma
defesa dos mecanismos de proteção jurídica a pessoas com déficit ou
perturbação (trabalho protegido, pensão protegida), para se constituir numa
discussão sobre mecanismos jurídicos que possibilitem a inclusão civil e social
de pessoas com características especiais (formas de contratualidade,
mecanismos de responsabilização) e ampliação de sua autonomia. Em outras
palavras, o debate ultrapassa os limites da argumentação médica e se insere
progressivamente no debate político acerca da inserção no campo da cidadania.
No plano sociocultural, o desafio é fazer da loucura e do sofrimento
psíquico uma questão que ultrapasse as fronteiras do discurso técnico, e do
saber psiquiátrico em especial, insistindo na dimensão existencial e humana que
facilmente se esconde por trás dos jargões e protocolos médico-psicológicos,
trazendo para o debate público do tema atores de diversos segmentos sociais.
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Desafios da Reforma Psiquiátrica no Brasil
Várias iniciativas bem-sucedidas têm sido realizadas neste sentido no
país, tanto a partir das próprias unidades assistenciais (participação de blocos
organizados nos CAPS nos carnavais, presença de grupos musicais em eventos
da cidade, etc.), quanto fora delas. Filmes como Bicho de sete cabeças (2001),
de Laiz Bodanski, e Estamira (2004), de Marcos Prado, matérias jornalísticas
sobre a transformação de manicômios (como o de Barbacena) são exemplos
de como a arte e o jornalismo se tornaram atores fundamentais no processo de
sustentação social do ideário da Reforma.
Mais do que buscar a aceitação de uma nova política assistencial, o
desafio nesse campo é produzir uma nova sensibilidade cultural para com o
tema da loucura e do sofrimento psíquico. Trata-se de promover uma
desconstrução social dos estigmas e estereótipos vinculados à loucura e à figura
do doente mental, substituindo-os por um olhar solidário e compreensivo sobre
a diversidade e os descaminhos que a experiência subjetiva pode apresentar,
olhar fundado numa atitude de respeito, tolerância e responsabilidade com aqueles
que se encontram com sua normatividade psíquica restringida.
Os três artigos que se seguem retomam, cada um a seu modo, esses
desafios como tema de reflexão. Em “Rodas de conversa sobre o trabalho na
rua: discutindo saúde mental”, Izabel Cristina Rios descreve uma experiência
realizada na periferia de São Paulo com agentes comunitários de saúde
integrados ao Programa de Saúde da Família. Esses profissionais estão na ponta
da atenção à saúde mental, e sua atuação pode ser decisiva, não só no
encaminhamento precoce e bem-feito de situações clínicas que exijam
atendimento especializado - casos de psicose, perturbações pós-parto, autismo
infantil, etc. - como também na imensa maioria das situações de sofrimento
psíquico em que uma intervenção sensível e cuidadosa pode abrir caminhos
para soluções que não necessariamente envolvam tratamento especializado,
reduzindo muito o processo de patologização e medicalização que o sistema de
saúde formal tende a estimular.
Os agentes comunitários ocupam uma posição especial, na interface
entre o campo médico e a vida social, entre o discurso competente e a sabedoria
popular, entre a ação técnica e a mobilização de recursos da própria comunidade,
e com isto se habilitam a exercer papel fundamental no cuidado do sofrimento
psíquico. Para que possam dar conta desse desafio, é preciso dar-lhes mais do
que uma formação técnica bem-feita - conceitos e práticas básicas em saúde
mental. É necessário que se ofereça a eles a possibilidade de uma formação
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continuada, que envolva não apenas o ensino formal, mas também a análise dos
casos e situações atendidas que possibilite uma discussão sobre como sua própria
subjetividade intervém e é afetada em sua prática cotidiana, situando o centro
de sua atuação no espaço relacional, na trama interpessoal, na rede de lugares
que compartilham com a população atendida.
O essencial da experiência relatada no artigo é a valorização de um
aspecto cuja importância quase nunca é reconhecida: o cuidado para com os
profissionais e a transformação de sua experiência em fonte preciosa de informação
para a gestão e a formulação de propostas de atenção. Essa valorização resulta
numa profunda mudança no papel exercido por esses profissionais, que passam a
ocupar o lugar (e sentirem a importância de serem) protagonistas, e não apenas
auxiliares, nas estratégias de atenção à saúde. A riqueza do trabalho ultrapassa
em muito as fronteiras dos programas de saúde da família, sendo de interesse
para todos os níveis dos programas de saúde mental.
O artigo “Modos de subjetivação dos trabalhadores de saúde mental
em tempos de Reforma Psiquiátrica”, de Henrique Caetano Nardi e Tatiana
Ramminger, também aborda o papel dos trabalhadores na psiquiatria da Reforma,
insistindo na tese de que os modos de subjetivação dos profissionais que militam
nos novos dispositivos jogam um papel decisivo na sustentação e no
aprofundamento das propostas reformistas. Isto é exigido pela própria natureza
das propostas, que não se restringem a modificações de ordem técnica ou
organizacional, girando, na verdade, em torno da construção social de uma
nova relação com a loucura e o sofrimento mental.
Neste sentido, os autores descrevem um deslizamento histórico desta
relação, que passou do modelo religioso da salvação do louco (no período colonial)
para o modelo médico da cura e do reparo (a partir do fim do século XIX), para
chegar às proposições reformistas que buscam uma superação deste modelo,
não por uma recusa romântica do sofrimento provocado pela loucura, mas pela
insistência na inclusão das formas de atenção fundadas no paradigma do cuidado
(e não apenas na busca da cura) e na ancoragem das estratégias assistenciais e
culturais de confronto com a loucura no processo mais geral de ampliação do
exercício da cidadania. Ora, isto implica a existência de profissionais de saúde
mental capazes de levar em conta esta característica especial da psiquiatria: a de
ser um campo essencialmente atravessado por determinantes biológicos,
influências culturais, jogos de verdade, paradigmas teóricos, dinâmicas sociais,
lutas econômicas e seus reflexos político-assistenciais, e assim por diante.
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Desafios da Reforma Psiquiátrica no Brasil
Em suma, o desafio imposto pela Reforma exige a formação de
profissionais dotados de capacidade de reflexão crítica - elemento indispensável
para a superação das imensas dificuldades inerentes ao trabalho (desvalorização
do servidor público, investimentos aquém do necessário) - e para a sustentação
de uma prática de cuidado que se constitua como um exercício de transformação
para todos os envolvidos: pacientes, profissionais e as redes sociais em volta
deles. Só isto permite manter a esperança de construção de uma nova atitude
epistemológica e ética frente ao fenômeno da loucura.
É justamente a natureza das premissas éticas existentes na proposta
de desinstitucionalização - elemento nuclear da Reforma - que Maria Gabriela
Godoy e Maria Lúcia Bosi apresentam e discutem em “A alteridade no discurso
da Reforma Psiquiátrica brasileira face à ética radical de Lévinas”. Em seu
artigo, as autoras põem o centro de gravidade da desinstitucionalização na idéia
de desconstrução e na concepção de alteridade, que elas analisam a partir de
uma reflexão sobre a ética radical encontrada na obra de Emmanuel Lévinas.
As autoras mostram como desinstitucionalização é um termo que se presta a
mais de uma interpretação: desospitalização, desassistência ou desconstrução -
sendo apenas esta última a adequada às premissas e projetos inscritos no ideário
da Reforma. Essa adequação está no fato de a desconstrução da cultura
manicomial implicar uma transformação radical dos pressupostos nos quais se
baseia a aproximação à loucura moldada nos últimos séculos no Ocidente,
marcada pelo racionalismo na definição do sujeito, pela abordagem
tecnocientífica do sofrimento e pela lógica de exclusão social e simbólica da
diferença exibida pela experiência dos loucos.
O movimento antimanicomial é uma das formas de luta contra a exclusão
e a favor da tolerância e respeito pela diferença. Neste sentido, a abordagem
de Lévinas ilumina um aspecto fundamental do projeto reformista, que o
caracteriza em relação a outros movimentos de ampliação do campo da
cidadania. Como salientam as autoras, na perspectiva levinasiana a alteridade
é pensada de forma radical, como diferença inassimilável e irredutível. O “Outro”
- figura multiforme desta alteridade - não é um pólo em relação ao qual o eu
possa entrar em sintonia, num movimento de aproximação que reduziria a
assimetria inicial. O Outro, para Lévinas, é o radical e essencialmente diferente,
o desconhecido, o estranho, o estrangeiro, o inimigo, o não-representável, o que
não sou, não experimento, não imagino. O Outro é a exterioridade radical,
irredutível e inabsorvível, mas que - por sua própria exterioridade - se revela
como fundamental para a própria constituição e sustentação da experiência do
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mim-mesmo. A relação com o Outro, neste sentido, é fundante e conclama o
mim-mesmo à responsabilidade por tudo aquilo que, não sendo idêntico a ele, o
constitui e sustenta.
A loucura é uma das figurações desse Outro. Portanto, uma proposta
inspirada nas proposições levinasianas não pode se restringir à denúncia de
exclusão cultural do louco e à defesa de seus direitos civis, sociais e políticos.
Ela precisa se apoiar numa reconfiguração profunda da relação com a alteridade radical, o Outro. Essa reconfiguração molda de maneira diferente nossa própria experiência subjetiva, na medida em que este Outro se expressa não apenas na experiência do louco, mas também nas fímbrias, desvãos e mistérios que habitam a experiência de todos nós. Esta perspectiva teórica, portanto, amplia o alcance ético e político contido nas propostas da Reforma, uma vez que seu horizonte ultrapassa os limites da simples assimilação do louco à realidade social compartilhada, projetando uma transformação profunda de nossas concepções e relações com a subjetividade.
Ultrapassada a fase de resistência e proposições alternativas, o projeto
reformista encontra-se de certo modo numa encruzilhada: ou aprofunda seu
movimento - deixando claro seu horizonte ético e seu projeto de transformação social e subjetiva -, ou corre o risco de deixar-se atrair pela força quase irresistível da burocracia e da institucionalização conservadora.
Os artigos aqui publicados, pelos temas que abordam e pela perspectiva
que adotam, certamente contribuem para o diagnóstico e o enfrentamento dos
desafios que encontramos na construção de uma sociedade que deixe para trás a história da cultura manicomial.


NOTA
Psiquiatra, doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ; professor adjunto no Departamento de Políticas e Instituições de Saúde do IMS-UERJ; membro da direção do Instituto Franco Basaglia. Endereço eletrônico: benilton@superig.com.br.

 Li-Sol-30
 Fonte:
  http://www.videolog.tv/video.php?id=527009
 http://www.scielo.br/pdf/physis/v17n2/v17n2a02.pdf
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres. 
Sejam abençoados todos os seres.

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