terça-feira, 7 de janeiro de 2014

VEDANTA E PSICANÁLISE ao som de MOZART:Concerto N°25 K.503



Mozart  Concerto Piano N.25 in C major K 503 - 32min.

 

Mozart - Minueto 4 min. 
Mozart - Minueto 1 min.



Dalsan Arnaldo
VEDANTA E PSICANÁLISE

Vedanta significa, literalmente, "o fim dos Vedas", o fim do conhecimento. O conhecimento é sempre incompleto. O "fim do conhecimento" não significa extinção do conhecimento relativo, mas que o indivíduo ultrapassa esse conhecimento. Vedanta significa, dessa forma, o ápice do conhecimento relativo - quando se vê claramente sua eterna incompletude - e a superação desse conhecimento.

Kant, Schopenhauer, Nietzsche e outros filósofos do Ocidente se debruçaram sobre os textos da Vedanta e foram por eles grandemente influenciados. Schopenhauer desenvolveu seu pensamento com base, essencialmente, no que foi capaz de apreender da Vedanta.

O que diz, em síntese, a Advaita Vedanta? Que há apenas uma substância ou Ser. Esse Ser é consciência em si mesma, consciência pura - não consciência de alguma coisa, pois não há outra "coisa" senão a própria consciência. Essa consciência é a vida em si mesma, sem princípio e sem fim, já que atemporal, em que não há vir-a-ser algum, que é completa e imensurável. Essa plenitude é bem-aventurança. Pode-se dar a esse "estado" o nome Verdade.
 A Verdade manifesta-se para si mesma na forma de incontáveis Universos, em variados graus de sutileza. Uma vez que é completa e infinita, a Verdade não pode se tornar finita e incompleta, a não ser como aparência, o que a Vedanta chama de "Maya". 
A Vedanta sustenta que o ente humano atinge a maturidade, que significa plenitude, quando se percebe como esse "estado", substância ou Ser original, assim como um rei que desperta do sono, tendo sonhado ser um mendigo e se identificado, durante o sonho, com esse personagem criado por sua própria mente. 
Esse despertar para a totalidade de si mesmo, para a Verdade, independe de crenças e se dá por meio da investigação de si próprio. Uma das quatro grandes afirmações da Vedanta, e a principal delas, após se referir à Verdade, é "Tu és Isso". Afirma ainda a Vedanta que toda busca por felicidade no campo do tempo, nas várias formas possíveis, significa uma busca inconsciente pelo estado original – o mendigo luta para se tornar rei - e que essa busca só tem fim com o despertar do indivíduo para a Verdade de si mesmo.

Tendo mergulhado no que diz a Vedanta, Schopenhauer desenvolveu a sua filosofia. O mundo é uma representação de mim mesmo. Tomando-se o exemplo do sonho dado pela Vedanta, o Universo percebido pelo mendigo e o próprio mendigo são criações da mente do rei em seu estado de sonho. Tanto o mendigo quanto o universo por ele percebido desaparecem quando o rei desperta. O rei continua existindo como rei enquanto sonha que é mendigo. Sua verdadeira natureza não se altera.

Uma vez que o estado original, a fonte, não chega ao fim, assim como não tem começo, o personagem da manifestação não quer ter fim. Portanto, na representação, há uma força incontrolável visando à continuidade. Essa força está presente em todos os seres da manifestação. O desejo de morte também significa o desejo de por um fim à representação e de retornar ao estado original. Uma vez que a fonte é pura bem-aventurança em si mesma, na manifestação há a busca incontrolável pelo prazer, presente também em todos os seres. O prazer é a representação, no campo do manifesto, da bem-aventurança original.

Para a Vedanta, há a Fonte e sua manifestação. O ente humano é, em sua verdadeira natureza, a Fonte. Na representação, ou sonho, há o "eu" (o mendigo), o Universo, e as poderosas forças que fazem o "eu" buscar a completude no universo que ele percebe. A manifestação é uma aparência da fonte.

Schopenhauer, pensador no ambiente da modernidade, afirmou que a Vontade é a essência do fenômeno, da manifestação. A Vontade rege a manifestação, e é o que move toda a manifestação para, em última instância, o retorno à fonte. A principal manifestação da Vontade é a sexualidade, pois a sexualidade envolve as poderosíssimas forças da continuidade, da vontade de viver, e do prazer, representativas da fonte. 
O prazer sexual significa também o fim do "eu" como representação, um esquecimento temporário da manifestação, um retorno à origem pela suspensão de uma fração do tempo. Schopenhauer verificou que entre a fonte e as poderosíssimas forças que a representam está o intelecto, que busca equilibrar sentimentos de vida e morte, unidade e multiplicidade, altruísmo e egoísmo. O intelecto, ou "eu", é um joguete dessas forças e tenta desesperadamente controlá-las - sem êxito verdadeiro, contudo, pois essas forças são aspectos que o constituem. As civilizações se formam como resultados das possibilidades desse jogo nas mentes individuais e nas suas interações com os outros indivíduos.

Schopenhauer interessava-se pelas doenças mentais e sua cura, e constatou que a repressão das poderosas forças, dos instintos, causa desequilíbrios. Verificou, também, que a memória mantém uma continuidade e que, na loucura, parte da continuidade que foi demasiadamente traumática é substituída por fantasias, como um mecanismo de defesa.

A modernidade significou a tomada do poder político pelos comerciantes e banqueiros, que já detinham o poder econômico. Inaugurar-se-ia uma nova sociedade, com base na ciência e na razão, em contrapartida às crenças e superstições religiosas e metafísicas. Não há transcendência alguma. Varridas essas ilusões, o ente humano tem de buscar a felicidade possível na realidade material, a única existente. Tudo o mais é primitivismo, agora, finalmente, superado. 
Os entes humanos, tendo ciência e razão como guias, criarão uma boa sociedade. Essa era a promessa da modernidade. Na pós-modernidade, ou modernidade tardia, em linhas gerais e em graus variáveis, restam apenas bens materiais e auto-imagens a serem perseguidos e descartados velozmente, e espantosa banalidade.

Freud foi um pensador alinhado com alguns dos princípios norteadores do projeto da modernidade, fazendo parte, porém, assim como Schopenhauer, Dostoiévski e Berdiaev, de uma contracorrente que rejeitava a excessiva objetivação implícita naquele projeto, bem como a demasiada importância atribuída à razão. O criador da psicanálise tomou a filosofia de Schopenhauer como arcabouço de sua teoria. Ao que Schopenhauer nomeou como "intelecto" Freud chamou de "ego"; às poderosas forças a que Schopenhauer se refere Freud denominou "id"; em contrapartida ao senso de moral e de ética por influência da fonte de todas as coisas, em Schopenhauer, Freud chamou de superego aos pensamentos morais e éticos e às normas de conduta internalizados, provenientes dos pais e da sociedade.

O próprio Freud, em um estudo autobiográfico, afirma: "O alto grau em que a psicanálise coincide com a filosofia de Schopenhauer - não apenas afirma ele o domínio das emoções e a suprema importância da sexualidade, mas estava mesmo ciente do mecanismo da repressão - não deve ser atribuído à minha familiaridade com seus ensinamentos. Li Schopenhauer bem tarde em minha vida".

Vários estudiosos da teoria de Freud questionam essa falta de familiaridade que ele alega ter em relação ao pensamento de Schopenhauer. A filosofia de Schopenhauer, dizem eles, era um dos principais objetos de discussões nos meios culturais e intelectuais da época.

Schopenhauer e Freud são considerados pensadores pessimistas. Para Freud, o máximo a que um ente humano pode aspirar é a uma razoável adaptação à infelicidade comum. Para Schopenhauer, não há solução para o sofrimento no mundo manifestado, só na consciência do estado original e no fim das ilusões. Desconhecendo a fundo a Vedanta, Schopenhauer propunha o ascetismo como saída.

A Vedanta propõe o despertar do sonho por meio da investigação de si mesmo realizada pelo indivíduo. Nessa investigação, chega-se a um ponto em que as construções mentais, as representações, por meio da compreensão, definham e aquietam-se. 
Os conceitos e as imagens, qualquer que seja a sua natureza, e ao que quer que se apliquem, deixam de exercer sua tirania sobre o indivíduo, embora continuem existentes e funcionem normalmente em relação às atividades da vida diária. Essa é a raiz do autoconhecimento. Não estando mais distorcida pelo que não é, pelos conceitos, a verdade do que sou se torna evidente. Aquietando-se o que não sou, fica apenas o que verdadeiramente sou. Toda avaliação é sempre incompleta. Tomar a avaliação pelo que é realmente é viver na ilusão. 
A palavra sânscrita “Maya” significa “medir”, “avaliar”. Não sou dois, um que é o sujeito do conhecimento e outro que é o seu objeto, um para conhecer o outro. 
Ver é Ser, como diz a Vedanta. Ver o que se é verdadeiramente é ser isso. E “isso” está além da conceituação, além da medida. É atemporal e imensurável. 
O ascetismo, para a Vedanta, é apenas uma das formas auxiliares, assim como as práticas de concentração e de exercícios respiratórios, que podem contribuir para levar o indivíduo a desenvolver a força mental necessária para realizar a auto-investigação e despertar para a sua totalidade, em uma situação em que o indivíduo acha-se por demais enfraquecido psicologicamente, devido à ausência de reflexão e de senso crítico em relação a si próprio e à sociedade, para começar diretamente com a investigação de si mesmo.

É compreensível que Schopenhauer não tenha conseguido apreender todo o quadro que é exposto pela Vedanta. Até mesmo eruditos indianos, versados nos Puranas, nos Vedas e nos Upanishads, além de em outras escrituras hindus, têm essa dificuldade. O quadro só veio a se tornar totalmente claro com Sri Ramana Maharshi, o sábio de Arunachala, que viveu entre o final do século dezenove e meados do século vinte.

Para se compreender realmente a psicanálise, dizem alguns pensadores, é preciso estar familiarizado com o pensamento de Schopenhauer. Para se compreender o pensamento de Schopenhauer é preciso ir à fonte que o inspirou, a Advaita-Vedanta.

Publicado em 02/12/2012-Licença padrão do YouTube
 

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