Bento XVI: do Amor à Verdade
(R. Renascença)
Vídeo documental sobre a vida do Papa Bento XVI,
feito pela Rádio Renascença, emissora católica portuguesa.
CARTA ENCÍCLICA
CARITAS IN VERITATE
DO SUMO PONTÍFICE
BENTO XVI
CARITAS IN VERITATE
DO SUMO PONTÍFICE
BENTO XVI
AOS BISPOS
AOS PRESBÍTEROS E DIÁCONOS
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS
AOS FIÉIS LEIGOS
E A TODOS OS HOMENS
DE BOA VONTADE
SOBRE O DESENVOLVIMENTO
HUMANO INTEGRAL
NA CARIDADE E NA VERDADE
1. A caridade na verdade, que Jesus Cristo testemunhou com a sua vida terrena
e sobretudo com a sua morte e ressurreição, é a força propulsora principal para
o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira.
O amor — «
caritas » — é uma força extraordinária, que impele as pessoas a
comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz. É
uma força que tem a sua origem em Deus, Amor eterno e Verdade absoluta.
Cada um
encontra o bem próprio, aderindo ao projecto que Deus tem para ele a fim de o
realizar plenamente: com efeito, é em tal projecto que encontra a verdade sobre
si mesmo e, aderindo a ela, torna-se livre (cf. Jo 8, 32). Por isso,
defender a verdade, propô-la com humildade e convicção e testemunhá-la na vida
são formas exigentes e imprescindíveis de caridade. Esta, de facto, « rejubila
com a verdade » (1 Cor 13, 6). Todos os homens sentem o impulso interior
para amar de maneira autêntica: amor e verdade nunca desaparecem de todo neles,
porque são a vocação colocada por Deus no coração e na mente de cada homem.
Jesus Cristo purifica e liberta das nossas carências humanas a busca do amor e
da verdade e desvenda-nos, em plenitude, a iniciativa de amor e o projecto de
vida verdadeira que Deus preparou para nós. Em Cristo, a caridade na verdade
torna-se o Rosto da sua Pessoa, uma vocação a nós dirigida para amarmos os
nossos irmãos na verdade do seu projecto. De facto, Ele mesmo é a Verdade (cf.
Jo 14, 6).
2. A caridade é a via mestra da doutrina social da Igreja. As diversas
responsabilidades e compromissos por ela delineados derivam da caridade, que é —
como ensinou Jesus — a síntese de toda a Lei (cf. Mt 22, 36-40).
A
caridade dá verdadeira substância à relação pessoal com Deus e com o próximo; é
o princípio não só das microrelações estabelecidas entre amigos, na família, no
pequeno grupo, mas também das macrorelações como relacionamentos sociais,
económicos, políticos. Para a Igreja — instruída pelo Evangelho —, a caridade é
tudo porque, como ensina S. João (cf. 1 Jo 4, 8.16) e como recordei na
minha primeira carta encíclica, « Deus é caridade » (Deus caritas est):
da caridade de Deus tudo provém, por ela tudo toma forma, para ela tudo tende.
A caridade é o dom maior que Deus concedeu aos homens; é sua promessa e nossa
esperança.
Estou ciente dos desvios e esvaziamento de sentido que a caridade não cessa
de enfrentar com o risco, daí resultante, de ser mal entendida, de excluí-la da
vida ética e, em todo o caso, de impedir a sua correcta valorização. Nos âmbitos
social, jurídico, cultural, político e económico, ou seja, nos contextos mais
expostos a tal perigo, não é difícil ouvir declarar a sua irrelevância para
interpretar e orientar as responsabilidades morais. Daqui a necessidade de
conjugar a caridade com a verdade, não só na direcção assinalada por S. Paulo da
« veritas in caritate » (Ef 4, 15), mas também na direcção inversa
e complementar da « caritas in veritate ». A verdade há-de ser procurada,
encontrada e expressa na « economia » da caridade, mas esta por sua vez há-de
ser compreendida, avaliada e praticada sob a luz da verdade. Deste modo teremos
não apenas prestado um serviço à caridade, iluminada pela verdade, mas também
contribuído para acreditar a verdade, mostrando o seu poder de autenticação e
persuasão na vida social concreta. Facto este que se deve ter bem em conta hoje,
num contexto social e cultural que relativiza a verdade, aparecendo muitas vezes
negligente se não mesmo refractário à mesma.
3. Pela sua estreita ligação com a verdade, a caridade pode ser reconhecida
como expressão autêntica de humanidade e como elemento de importância
fundamental nas relações humanas, nomeadamente de natureza pública. Só na
verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida. A verdade
é luz que dá sentido e valor à caridade. Esta luz é simultaneamente a luz da
razão e a da fé, através das quais a inteligência chega à verdade natural e
sobrenatural da caridade: identifica o seu significado de doação, acolhimento e
comunhão. Sem verdade, a caridade cai no sentimentalismo. O amor torna-se um
invólucro vazio, que se pode encher arbitrariamente. É o risco fatal do amor
numa cultura sem verdade; acaba prisioneiro das emoções e opiniões contingentes
dos indivíduos, uma palavra abusada e adulterada chegando a significar o oposto
do que é realmente. A verdade liberta a caridade dos estrangulamentos do
emotivismo, que a despoja de conteúdos relacionais e sociais, e do fideísmo, que
a priva de amplitude humana e universal. Na verdade, a caridade reflecte a
dimensão simultaneamente pessoal e pública da fé no Deus bíblico, que é
conjuntamente « Agápe » e « Lógos »: Caridade e Verdade, Amor e
Palavra.
4. Porque repleta de verdade, a caridade pode ser compreendida pelo homem na
sua riqueza de valores, partilhada e comunicada. Com efeito, a verdade é «
lógos » que cria « diá-logos » e, consequentemente, comunicação e comunhão.
A verdade, fazendo sair os homens das opiniões e sensações subjectivas,
permite-lhes ultrapassar determinações culturais e históricas para se
encontrarem na avaliação do valor e substância das coisas.
A verdade abre e une
as inteligências no lógos do amor: tal é o anúncio e o testemunho cristão
da caridade. No actual contexto social e cultural, em que aparece generalizada a
tendência de relativizar a verdade, viver a caridade na verdade leva a
compreender que a adesão aos valores do cristianismo é um elemento útil e mesmo
indispensável para a construção duma boa sociedade e dum verdadeiro
desenvolvimento humano integral. Um cristianismo de caridade sem verdade pode
ser facilmente confundido com uma reserva de bons sentimentos, úteis para a
convivência social mas marginais. Deste modo, deixaria de haver verdadeira e
propriamente lugar para Deus no mundo. Sem a verdade, a caridade acaba confinada
num âmbito restrito e carecido de relações; fica excluída dos projectos e
processos de construção dum desenvolvimento humano de alcance universal, no
diálogo entre o saber e a realização prática.
5. A caridade é amor recebido e dado; é « graça » (cháris). A sua
nascente é o amor fontal do Pai pelo Filho no Espírito Santo. É amor que, pelo
Filho, desce sobre nós. É amor criador, pelo qual existimos; amor redentor, pelo
qual somos recriados. Amor revelado e vivido por Cristo (cf. Jo 13, 1), é
« derramado em nossos corações pelo Espírito Santo » (Rm 5, 5).
Destinatários do amor de Deus, os homens são constituídos sujeitos de caridade,
chamados a fazerem-se eles mesmos instrumentos da graça, para difundir a
caridade de Deus e tecer redes de caridade.
A esta dinâmica de caridade recebida e dada, propõe-se dar resposta a
doutrina social da Igreja. Tal doutrina é « caritas in veritate in re sociali
», ou seja, proclamação da verdade do amor de Cristo na sociedade; é serviço
da caridade, mas na verdade. Esta preserva e exprime a força libertadora da
caridade nas vicissitudes sempre novas da história. É ao mesmo tempo verdade da
fé e da razão, na distinção e, conjuntamente, sinergia destes dois âmbitos
cognitivos. O desenvolvimento, o bem-estar social, uma solução adequada dos
graves problemas socioeconómicos que afligem a humanidade precisam desta
verdade. Mais ainda, necessitam que tal verdade seja amada e testemunhada. Sem
verdade, sem confiança e amor pelo que é verdadeiro, não há consciência e
responsabilidade social, e a actividade social acaba à mercê de interesses
privados e lógicas de poder, com efeitos desagregadores na sociedade, sobretudo
numa sociedade em vias de globalização que atravessa momentos difíceis como os
actuais.
6. « Caritas in veritate » é um princípio à volta do qual gira a
doutrina social da Igreja, princípio que ganha forma operativa em critérios
orientadores da acção moral. Destes, desejo lembrar dois em particular,
requeridos especialmente pelo compromisso em prol do desenvolvimento numa
sociedade em vias de globalização: a justiça e o bem comum.
Em primeiro lugar, a justiça. Ubi societas, ibi ius: cada sociedade
elabora um sistema próprio de justiça. A caridade supera a justiça,
porque amar é dar, oferecer ao outro do que é « meu »; mas nunca existe sem a
justiça, que induz a dar ao outro o que é « dele », o que lhe pertence em razão
do seu ser e do seu agir. Não posso « dar » ao outro do que é meu, sem antes lhe
ter dado aquilo que lhe compete por justiça. Quem ama os outros com caridade é,
antes de mais nada, justo para com eles. A justiça não só não é alheia à
caridade, não só não é um caminho alternativo ou paralelo à caridade, mas é «
inseparável da caridade »[1], é-lhe intrínseca.
A justiça é o primeiro
caminho da caridade ou, como chegou a dizer Paulo VI, « a medida mínima » dela[2],
parte integrante daquele amor « por acções e em verdade » (1 Jo 3, 18) a
que nos exorta o apóstolo João. Por um lado, a caridade exige a justiça: o
reconhecimento e o respeito dos legítimos direitos dos indivíduos e dos povos.
Aquela empenha-se na construção da « cidade do homem » segundo o direito e a
justiça. Por outro, a caridade supera a justiça e completa-a com a lógica do dom
e do perdão[3].
A « cidade do homem » não se move apenas por relações
feitas de direitos e de deveres, mas antes e sobretudo por relações de
gratuidade, misericórdia e comunhão. A caridade manifesta sempre, mesmo nas
relações humanas, o amor de Deus; dá valor teologal e salvífico a todo o empenho
de justiça no mundo.
7. Depois, é preciso ter em grande consideração o bem comum. Amar
alguém é querer o seu bem e trabalhar eficazmente pelo mesmo. Ao lado do bem
individual, existe um bem ligado à vida social das pessoas: o bem comum. É o bem
daquele « nós-todos », formado por indivíduos, famílias e grupos intermédios que
se unem em comunidade social[4]. Não é um bem procurado por si mesmo,
mas para as pessoas que fazem parte da comunidade social e que, só nela, podem
realmente e com maior eficácia obter o próprio bem. Querer o bem comum e
trabalhar por ele é exigência de justiça e de caridade. Comprometer-se
pelo bem comum é, por um lado, cuidar e, por outro, valer-se daquele conjunto de
instituições que estruturam jurídica, civil, política e culturalmente a vida
social, que deste modo toma a forma de pólis, cidade. Ama-se tanto mais
eficazmente o próximo, quanto mais se trabalha em prol de um bem comum que dê
resposta também às suas necessidades reais. Todo o cristão é chamado a esta
caridade, conforme a sua vocação e segundo as possibilidades que tem de
incidência na pólis. Este é o caminho institucional — podemos mesmo dizer
político — da caridade, não menos qualificado e incisivo do que o é a caridade
que vai directamente ao encontro do próximo, fora das mediações institucionais
da pólis. Quando o empenho pelo bem comum é animado pela caridade, tem
uma valência superior à do empenho simplesmente secular e político. Aquele, como
todo o empenho pela justiça, inscreve-se no testemunho da caridade divina que,
agindo no tempo, prepara o eterno. A acção do homem sobre a terra, quando é
inspirada e sustentada pela caridade, contribui para a edificação daquela
cidade universal de Deus que é a meta para onde caminha a história da
família humana. Numa sociedade em vias de globalização, o bem comum e o empenho
em seu favor não podem deixar de assumir as dimensões da família humana inteira,
ou seja, da comunidade dos povos e das nações[5], para dar forma de
unidade e paz à cidade do homem e torná-la em certa medida antecipação
que prefigura a cidade de Deus sem barreiras.
8. Ao publicar a encíclica
Populorum progressio em 1967, o meu
venerado predecessor Paulo VI iluminou o grande tema do desenvolvimento dos
povos com o esplendor da verdade e com a luz suave da caridade de Cristo.
Afirmou que o anúncio de Cristo é o primeiro e principal factor de
desenvolvimento [6] e deixou-nos a recomendação de caminhar pela
estrada do desenvolvimento com todo o nosso coração e com toda a nossa
inteligência[7], ou seja, com o ardor da caridade e a sapiência da
verdade. É a verdade originária do amor de Deus — graça a nós concedida — que
abre ao dom a nossa vida e torna possível esperar num « desenvolvimento do homem
todo e de todos os homens »[8], numa passagem « de condições menos
humanas a condições mais humanas »[9], que se obtém vencendo as
dificuldades que inevitavelmente se encontram ao longo do caminho.
Passados mais de quarenta anos da publicação da referida encíclica, pretendo
prestar homenagem e honrar a memória do grande Pontífice Paulo VI, retomando os
seus ensinamentos sobre o desenvolvimento humano integral e colocando-me
na senda pelos mesmos traçada para os actualizar nos dias que correm. Este
processo de actualização teve início com a encíclica Sollicitudo rei socialis
do Servo de Deus João Paulo II, que desse modo quis comemorar a
Populorum
progressio no vigésimo aniversário da sua publicação. Até então, semelhante
comemoração tinha-se reservado apenas para a
Rerum novarum. Passados
outros vinte anos, exprimo a minha convicção de que a
Populorum progressio
merece ser considerada como « a Rerum novarum da época contemporânea »,
que ilumina o caminho da humanidade em vias de unificação.
9. O amor na verdade — caritas in veritate — é um grande desafio para
a Igreja num mundo em crescente e incisiva globalização. O risco do nosso tempo
é que, à real interdependência dos homens e dos povos, não corresponda a
interacção ética das consciências e das inteligências, da qual possa resultar um
desenvolvimento verdadeiramente humano. Só através da caridade, iluminada
pela luz da razão e da fé, é possível alcançar objectivos de desenvolvimento
dotados de uma valência mais humana e humanizadora. A partilha dos bens e
recursos, da qual deriva o autêntico desenvolvimento, não é assegurada pelo
simples progresso técnico e por meras relações de conveniência, mas pelo
potencial de amor que vence o mal com o bem (cf. Rm 12, 21) e abre à
reciprocidade das consciências e das liberdades.
A Igreja não tem soluções técnicas para oferecer [10] e não pretende
« de modo algum imiscuir-se na política dos Estados »[11]; mas tem uma
missão ao serviço da verdade para cumprir, em todo o tempo e contingência, a
favor de uma sociedade à medida do homem, da sua dignidade, da sua vocação. Sem
verdade, cai-se numa visão empirista e céptica da vida, incapaz de se elevar
acima da acção porque não está interessada em identificar os valores — às vezes
nem sequer os significados — pelos quais julgá-la e orientá-la. A fidelidade ao
homem exige a fidelidade à verdade, a única que é garantia de
liberdade (cf. Jo 8, 32) e da possibilidade dum desenvolvimento
humano integral. É por isso que a Igreja a procura, anuncia incansavelmente
e reconhece em todo o lado onde a mesma se apresente. Para a Igreja, esta missão
ao serviço da verdade é irrenunciável. A sua doutrina social é um momento
singular deste anúncio: é serviço à verdade que liberta. Aberta à verdade,
qualquer que seja o saber donde provenha, a doutrina social da Igreja acolhe-a,
compõe numa unidade os fragmentos em que frequentemente a encontra, e serve-lhe
de medianeira na vida sempre nova da sociedade dos homens e dos povos[12].
CAPÍTULO I
A MENSAGEM
DA POPULORUM PROGRESSIO
DA POPULORUM PROGRESSIO
10. A releitura da
Populorum progressio, mais de quarenta anos depois
da sua publicação, incita a permanecer fiéis à sua mensagem de caridade e de
verdade, considerando-a no âmbito do magistério específico de Paulo VI e, mais
em geral, dentro da tradição da doutrina social da Igreja. Depois há que avaliar
os termos diferentes em que hoje, diversamente de então, se coloca o problema do
desenvolvimento. Por isso, o ponto de vista correcto é o da Tradição da fé
apostólica[13], património antigo e novo, fora do qual a
Populorum progressio seria um documento sem raízes e as questões do
desenvolvimento ficariam reduzidas unicamente a dados sociológicos.
11. A publicação da
Populorum progressio deu-se imediatamente depois
da conclusão do Concílio Ecuménico Vaticano II. A própria encíclica sublinha,
nos primeiros parágrafos, a sua relação íntima com o Concílio[14].
Vinte anos depois, era João Paulo II que destacava, na Sollicitudo rei
socialis, a fecunda relação daquela encíclica com o Concílio,
particularmente com a constituição pastoral
Gaudium et spes[15].
Desejo, também eu, lembrar aqui a importância que o Concílio Vaticano II teve na
encíclica de Paulo VI e em todo o sucessivo magistério social dos Sumos
Pontífices. O Concílio aprofundou aquilo que desde sempre pertence à verdade da
fé, ou seja, que a Igreja, estando ao serviço de Deus, serve o mundo em termos
de amor e verdade. Foi precisamente desta perspectiva que partiu Paulo VI para
nos comunicar duas grandes verdades.
A primeira é que a Igreja inteira, em
todo o seu ser e agir, quando anuncia, celebra e actua na caridade, tende a
promover o desenvolvimento integral do homem. Ela tem um papel público que
não se esgota nas suas actividades de assistência ou de educação, mas revela
todas as suas energias ao serviço da promoção do homem e da fraternidade
universal quando pode usufruir de um regime de liberdade. Em não poucos casos,
tal liberdade vê-se impedida por proibições e perseguições; ou então é limitada,
quando a presença pública da Igreja fica reduzida unicamente às suas actividades
sociocaritativas.
A segunda verdade
é que o autêntico desenvolvimento do
homem
diz respeito unitariamente à totalidade da pessoa em todas as suas
dimensões[16].
Sem a perspectiva duma vida eterna, o progresso
humano neste mundo fica privado de respiro. Fechado dentro da história, está
sujeito ao risco de reduzir-se a simples incremento do ter; deste modo, a
humanidade perde a coragem de permanecer disponível para os bens mais altos,
para as grandes e altruístas iniciativas solicitadas pela caridade universal. O
homem não se desenvolve apenas com as suas próprias forças, nem o
desenvolvimento é algo que se lhe possa dar simplesmente de fora. Muitas vezes,
ao longo da história, pensou-se que era suficiente a criação de instituições
para garantir à humanidade a satisfação do direito ao desenvolvimento.
Infelizmente foi depositada excessiva confiança em tais instituições, como se
estas pudessem conseguir automaticamente o objectivo desejado. Na realidade, as
instituições sozinhas não bastam, porque o desenvolvimento humano integral é
primariamente vocação e, por conseguinte, exige uma livre e solidária assunção
de responsabilidade por parte de todos. Além disso, tal desenvolvimento requer
uma visão transcendente da pessoa, tem necessidade de Deus: sem Ele, o
desenvolvimento é negado ou acaba confiado unicamente às mãos do homem, que
cai na presunção da auto-salvação e acaba por fomentar um desenvolvimento
desumanizado. Aliás, só o encontro com Deus permite deixar de « ver no outro
sempre e apenas o outro »[17], para reconhecer nele a imagem divina,
chegando assim a descobrir verdadeiramente o outro e a maturar um amor que « se
torna cuidado do outro e pelo outro »[18].
12. A ligação entre a
Populorum progressio e o Concílio Vaticano II
não representa um corte entre o magistério social de Paulo VI e o dos Pontífices
seus predecessores, visto que o Concílio constitui um aprofundamento de tal
magistério na continuidade da vida da Igreja[19]. Neste sentido, não
ajudam à clareza certas subdivisões abstractas da doutrina social da Igreja, que
aplicam ao ensinamento social pontifício categorias que lhe são alheias. Não
existem duas tipologias de doutrina social — uma pré-conciliar e outra
pós-conciliar —, diversas entre si, mas um único ensinamento, coerente e
simultaneamente sempre novo[20]. É justo evidenciar a peculiaridade
de uma ou outra encíclica, do ensinamento deste ou daquele Pontífice, mas sem
jamais perder de vista a coerência do corpus doutrinal inteiro[21]. Coerência não significa reclusão num sistema, mas sobretudo fidelidade dinâmica
a uma luz recebida. A doutrina social da Igreja ilumina, com uma luz imutável,
os problemas novos que vão aparecendo[22]. Isto salvaguarda o carácter
quer permanente quer histórico deste « património » doutrinal[23], o
qual, com as suas características específicas, faz parte da Tradição sempre viva
da Igreja[24]. A doutrina social está construída sobre o fundamento que
foi transmitido pelos Apóstolos aos Padres da Igreja e, depois, acolhido e
aprofundado pelos grandes Doutores cristãos. Tal doutrina remonta, em última
análise, ao Homem novo, ao « último Adão que Se tornou espírito vivificante » (1
Cor 15, 45) e é princípio da caridade que « nunca acabará » (1 Cor
13, 8). É testemunhada pelos Santos e por quantos deram a vida por Cristo
Salvador no campo da justiça e da paz. Nela se exprime a missão profética que
têm os Sumos Pontífices de guiar apostolicamente a Igreja de Cristo e discernir
as novas exigências da evangelização. Por estas razões, a
Populorum
progressio, inserida na grande corrente da Tradição, é capaz de nos falar
ainda hoje.
13. Além da sua importante ligação com toda a doutrina social da Igreja, a
Populorum progressio está intimamente conexa com o magistério global de Paulo VI
e, de modo particular, com o seu magistério social. De grande relevo foi, sem
dúvida, o seu ensinamento social: reafirmou a exigência imprescindível do
Evangelho para a construção da sociedade segundo liberdade e justiça, na
perspectiva ideal e histórica de uma civilização animada pelo amor. Paulo VI
compreendeu claramente como se tinha tornado mundial a questão social[25]
e viu a correlação entre o impulso à unificação da humanidade e o ideal cristão
de uma única família dos povos, solidária na fraternidade comum. Indicou o
desenvolvimento, humana e cristãmente entendido, como o coração da mensagem
social cristã e propôs a caridade cristã como principal força ao serviço do
desenvolvimento. Movido pelo desejo de tornar o amor de Cristo plenamente
visível ao homem contemporâneo, Paulo VI enfrentou com firmeza importantes
questões éticas, sem ceder às debilidades culturais do seu tempo.
14. Depois, com a carta apostólica
Octogesima adveniens de 1971, Paulo
VI tratou o tema do sentido da política e do perigo de visões utópicas e
ideológicas que prejudicavam a sua qualidade ética e humana. São argumentos
estritamente relacionados com o desenvolvimento. Infelizmente as ideologias
negativas florescem continuamente. Contra a ideologia tecnocrática, hoje
particularmente radicada, já Paulo VI tinha alertado[26], ciente do
grande perigo que era confiar todo o processo do desenvolvimento unicamente à
técnica, porque assim ficaria sem orientação. A técnica, em si mesma, é
ambivalente. Se, por um lado, há hoje quem seja propenso a confiar-lhe
inteiramente tal processo de desenvolvimento, por outro, assiste-se à investida
de ideologias que negam in toto a própria utilidade do desenvolvimento,
considerado radicalmente anti-humano e portador somente de degradação. Mas,
deste modo, acaba-se por condenar não apenas a maneira errada e injusta como por
vezes os homens orientam o progresso, mas também as descobertas científicas que
entretanto, se bem usadas, constituem uma oportunidade de crescimento para todos.
A ideia de um mundo sem desenvolvimento exprime falta de confiança no homem e em
Deus. Por conseguinte, é um grave erro desprezar as capacidades humanas de
controlar os extravios do desenvolvimento ou mesmo ignorar que o homem está
constitutivamente inclinado para « ser mais ». Absolutizar ideologicamente o
progresso técnico ou então afagar a utopia duma humanidade reconduzida ao estado
originário da natureza são dois modos opostos de separar o progresso da sua
apreciação moral e, consequentemente, da nossa responsabilidade.
15. Outros dois documentos de Paulo VI, embora não estritamente ligados com a
doutrina social — a encíclica
Humanæ vitæ, de 25 de Julho de 1968, e a
exortação apostólica
Evangelii nuntiandi, de 8 de Dezembro de 1975 —,
são muito importantes para delinear o sentido plenamente humano do
desenvolvimento proposto pela Igreja. Por isso é oportuno ler também estes
textos em relação com a
Populorum progressio.
A encíclica
Humanæ vitæ sublinha
o significado conjuntamente unitivo e
procriativo da sexualidade, pondo assim como fundamento da sociedade o
casal, homem e mulher, que se acolhem reciprocamente na distinção e na
complementaridade; um casal, portanto, aberto à vida[27]. Não se trata
de uma moral meramente individual: a
Humanæ vitæ indica os fortes
laços existentes entre ética da vida e ética social, inaugurando uma
temática do Magistério que aos poucos foi tomando corpo em vários documentos,
sendo o mais recente a encíclica
Evangelium vitæ de João Paulo II[28].
A Igreja propõe, com vigor, esta ligação entre ética da vida e ética social,
ciente de que não pode « ter sólidas bases uma sociedade que afirma valores como
a dignidade da pessoa, a justiça e a paz, mas contradiz-se radicalmente
aceitando e tolerando as mais diversas formas de desprezo e violação da vida
humana, sobretudo se débil e marginalizada »[29].
Por sua vez, a exortação apostólica
Evangelii nuntiandi tem uma
relação muito forte com o desenvolvimento, visto que « a evangelização —
escrevia Paulo VI — não seria completa, se não tomasse em consideração a
interpelação recíproca que se fazem constantemente o Evangelho e a vida
concreta, pessoal e social, do homem »[30]. « Entre evangelização e
promoção humana — desenvolvimento, libertação — existem de facto laços profundos
»[31]: partindo desta certeza, Paulo VI ilustrava claramente a relação
entre o anúncio de Cristo e a promoção da pessoa na sociedade. O testemunho
da caridade de Cristo através de obras de justiça, paz e desenvolvimento faz
parte da evangelização, pois a Jesus Cristo, que nos ama, interessa o homem
inteiro. Sobre estes importantes ensinamentos, está fundado o aspecto
missionário [32] da doutrina social da Igreja como elemento essencial
de evangelização[33]. A doutrina social da Igreja é anúncio e
testemunho de fé; é instrumento e lugar imprescindível de educação para a mesma.
16. Na
Populorum progressio, Paulo VI quis dizer-nos, antes de mais
nada, que o progresso é, na sua origem e na sua essência, uma vocação: «
Nos desígnios de Deus, cada homem é chamado a desenvolver-se, porque toda a vida
é vocação »[34]. É precisamente este facto que legitima a intervenção
da Igreja nas problemáticas do desenvolvimento. Se este tocasse apenas aspectos
técnicos da vida do homem, e não o sentido do seu caminhar na história
juntamente com seus irmãos, nem a individuação da meta de tal caminho, a Igreja
não teria título para falar. Mas Paulo VI, como antes dele Leão XIII na
Rerum
novarum[35], estava consciente de cumprir um dever próprio do seu
serviço quando iluminava com a luz do Evangelho as questões sociais do seu
tempo[36].
Dizer que o desenvolvimento é vocação equivale a reconhecer, por um
lado, que o mesmo nasce de um apelo transcendente e, por outro, que é incapaz
por si mesmo de atribuir-se o próprio significado último. Não é sem motivo que a
palavra « vocação » volta a aparecer noutra passagem da encíclica, onde se
afirma: « Não há, portanto, verdadeiro humanismo senão o aberto ao Absoluto,
reconhecendo uma vocação que exprime a ideia exacta do que é a vida humana »[37].
Esta visão do desenvolvimento é o coração da
Populorum progressio e
motiva todas as reflexões de Paulo VI sobre a liberdade, a verdade e a caridade
no desenvolvimento. É também a razão principal por que tal encíclica continua actual nos nossos dias.
17. A vocação é um apelo que exige resposta livre e responsável. O
desenvolvimento humano integral supõe a liberdade responsável da pessoa e
dos povos: nenhuma estrutura pode garantir tal desenvolvimento, prescindindo e
sobrepondo-se à responsabilidade humana. Os « messianismos fascinantes, mas
construtores de ilusões »[38] fundam sempre as próprias propostas na
negação da dimensão transcendente do desenvolvimento, seguros de o terem
inteiramente à sua disposição. Esta falsa segurança converte-se em fraqueza,
porque implica a sujeição do homem, reduzido à categoria de meio para o
desenvolvimento, enquanto a humildade de quem acolhe uma vocação se transforma
em verdadeira autonomia, porque torna a pessoa livre. Paulo VI não tem dúvidas
sobre a existência de obstáculos e condicionamentos que refreiam o
desenvolvimento, mas está seguro também de que « cada um, sejam quais forem as
influências que sobre ele se exerçam, permanece o artífice principal do seu
êxito ou do seu fracasso »[39]. Esta liberdade diz respeito não só ao
desenvolvimento que usufruímos, mas também às situações de subdesenvolvimento,
que não são fruto do acaso nem de uma necessidade histórica, mas dependem da
responsabilidade humana. É por isso que « os povos da fome se dirigem hoje, de
modo dramático, aos povos da opulência »[40]. Também isto é vocação, um
apelo que homens livres dirigem a homens livres em ordem a uma assunção comum de
responsabilidade. Viva era, em Paulo VI, a percepção da importância das
estruturas económicas e das instituições, mas era igualmente clara nele a noção
da sua natureza de instrumentos da liberdade humana. Somente se for livre é que
o desenvolvimento pode ser integralmente humano; apenas num regime de liberdade
responsável, pode crescer de maneira adequada.
18. Além de requerer a liberdade, o desenvolvimento humano integral
enquanto vocação exige também que se respeite a sua verdade. A vocação ao
progresso impele os homens a « realizar, conhecer e possuir mais, para ser mais
»[41]. Mas aqui levanta-se o problema: que significa « ser mais »? A
tal pergunta responde Paulo VI indicando a característica essencial do «
desenvolvimento autêntico »: este « deve ser integral, quer dizer, promover
todos os homens e o homem todo »[42]. Na concorrência entre as várias
concepções do homem, presentes na sociedade actual ainda mais intensamente do
que na de Paulo VI, a visão cristã tem a peculiaridade de afirmar e justificar o
valor incondicional da pessoa humana e o sentido do seu crescimento. A vocação
cristã ao desenvolvimento ajuda a empenhar-se na promoção de todos os homens e
do homem todo. Escrevia Paulo VI: « O que conta para nós é o homem, cada homem,
cada grupo de homens, até se chegar à humanidade inteira »[43]. A fé
cristã ocupa-se do desenvolvimento sem olhar a privilégios nem posições de poder
nem mesmo aos méritos dos cristãos — que sem dúvida existiram e existem, a par
de naturais limitações[44] —, mas contando apenas com Cristo, a Quem
há-de fazer referência toda a autêntica vocação ao desenvolvimento humano
integral.
O Evangelho é elemento fundamental do desenvolvimento, porque
lá Cristo, com « a própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o
homem a si mesmo »[45]. Instruída pelo seu Senhor, a Igreja perscruta
os sinais dos tempos e interpreta-os, oferecendo ao mundo « o que possui como
próprio: uma visão global do homem e da humanidade »[46].
Precisamente porque Deus pronuncia o maior « sim » ao homem[47], este não pode
deixar de se abrir à vocação divina para realizar o próprio desenvolvimento. A
verdade do desenvolvimento consiste na sua integralidade: se não é
desenvolvimento do homem todo e de todo o homem, não é verdadeiro
desenvolvimento. Esta é a mensagem central da
Populorum progressio,
válida hoje e sempre. O desenvolvimento humano integral no plano natural,
enquanto resposta a uma vocação de Deus criador[48], procura a própria
autenticação num « humanismo transcendente, que leva [o homem] a atingir a sua
maior plenitude: tal é a finalidade suprema do desenvolvimento pessoal »[49]. Portanto, a vocação cristã a tal desenvolvimento compreende tanto o plano
natural como o plano sobrenatural, motivo por que, « quando Deus fica eclipsado,
começa a esmorecer a nossa capacidade de reconhecer a ordem natural, o fim e o
‘‘bem'' »[50].
19. Finalmente, a concepção do desenvolvimento como vocação inclui nele a
centralidade da caridade. Paulo VI observava, na encíclica
Populorum
progressio, que as causas do subdesenvolvimento não são primariamente de
ordem material, convidando-nos a procurá-las noutras dimensões do homem. Em
primeiro lugar, na vontade, que muitas vezes descuida os deveres da
solidariedade. Em segundo, no pensamento, que nem sempre sabe orientar
convenientemente o querer; por isso, para a prossecução do desenvolvimento,
servem « pensadores capazes de reflexão profunda, em busca de um humanismo novo,
que permita ao homem moderno o encontro de si mesmo »[51]. E não é tudo;
o subdesenvolvimento tem uma causa ainda mais importante do que a carência de
pensamento: é « a falta de fraternidade entre os homens e entre os povos »[52].
Esta fraternidade poderá um dia ser obtida pelos homens simplesmente com as suas
forças? A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos
faz irmãos. A razão, por si só, é capaz de ver a igualdade entre os homens e
estabelecer uma convivência cívica entre eles, mas não consegue fundar a
fraternidade. Esta tem origem numa vocação transcendente de Deus Pai, que nos
amou primeiro, ensinando-nos por meio do Filho o que é a caridade fraterna. Ao
apresentar os vários níveis do processo de desenvolvimento do homem, Paulo VI
colocava no vértice, depois de ter mencionado a fé, « a unidade na caridade de
Cristo que nos chama a todos a participar como filhos na vida do Deus vivo, Pai
de todos os homens »[53].
20. Abertas pela
Populorum progressio, estas perspectivas permanecem
fundamentais para dar amplitude e orientação ao nosso compromisso a favor do
desenvolvimento dos povos. E a Populorum progressio sublinha
repetidamente a urgência das reformas[54], pedindo para que, à
vista dos grandes problemas da injustiça no desenvolvimento dos povos, se actue
com coragem e sem demora. Esta urgência é ditada também pela caridade na
verdade. É a caridade de Cristo que nos impele: « caritas Christi urget
nos » (2 Cor 5, 14). A urgência não está inscrita só nas coisas, não
deriva apenas do encalçar dos acontecimentos e dos problemas, mas também do que
está em jogo: a realização de uma autêntica fraternidade. A relevância deste
objectivo é tal que exige a nossa disponibilidade para o compreendermos
profundamente e mobilizarmo-nos concretamente, com o « coração », a fim de fazer
avançar os actuais processos económicos e sociais para metas plenamente humanas.
O DESENVOLVIMENTO HUMANO
NO NOSSO TEMPO
NO NOSSO TEMPO
21. Paulo VI tinha uma visão articulada do desenvolvimento. Com o
termo « desenvolvimento », queria indicar, antes de mais nada, o objectivo de
fazer sair os povos da fome, da miséria, das doenças endémicas e do
analfabetismo. Isto significava, do ponto de vista económico, a sua participação
activa e em condições de igualdade no processo económico internacional; do ponto
de vista social, a sua evolução para sociedades instruídas e solidárias; do
ponto de vista político, a consolidação de regimes democráticos capazes de
assegurar a liberdade e a paz. Depois de tantos anos e enquanto contemplamos,
preocupados, as evoluções e as perspectivas das crises que foram sucedendo neste
período, interrogamo-nos até que ponto as expectativas de Paulo VI tenham
sido satisfeitas pelo modelo de desenvolvimento que foi adoptado nos últimos
decénios. E reconhecemos que eram fundadas as preocupações da Igreja acerca das
capacidades do homem meramente tecnológico conseguir impor-se objectivos
realistas e saber gerir, sempre adequadamente, os instrumentos à sua disposição.
O lucro é útil se,
como meio, for orientado para um fim que lhe indique o
sentido
e o modo como o produzir e utilizar. O objectivo exclusivo de lucro,
quando mal produzido e sem ter como fim último o bem comum,
arrisca-se a
destruir riqueza e criar pobreza.
O desenvolvimento económico desejado por Paulo
VI devia ser capaz de produzir um crescimento real, extensivo a todos e
concretamente sustentável. É verdade que o desenvolvimento foi e continua a ser
um factor positivo, que tirou da miséria milhões de pessoas e, ultimamente, deu
a muitos países a possibilidade de se tornarem actores eficazes da política
internacional. Todavia há que reconhecer que o próprio desenvolvimento económico
foi e continua a ser afectado por anomalias e problemas dramáticos,
evidenciados ainda mais pela actual situação de crise. Esta coloca-nos
improrrogavelmente diante de opções que dizem respeito sempre mais ao próprio
destino do homem, o qual aliás não pode prescindir da sua natureza. As forças
técnicas em campo, as inter-relações a nível mundial, os efeitos deletérios
sobre a economia real duma actividade financeira mal utilizada e
maioritariamente especulativa, os imponentes fluxos migratórios, com frequência
provocados e depois não geridos adequadamente, a exploração desregrada dos
recursos da terra, induzem-nos hoje a reflectir sobre as medidas necessárias
para dar solução a problemas que são não apenas novos relativamente aos
enfrentados pelo Papa Paulo VI, mas também e sobretudo com impacto decisivo no
bem presente e futuro da humanidade. Os aspectos da crise e das suas soluções
bem como de um possível novo desenvolvimento futuro estão cada vez mais
interdependentes, implicam-se reciprocamente, requerem novos esforços de
enquadramento global e uma nova síntese humanista. A complexidade e
gravidade da situação económica actual preocupa-nos, com toda a justiça, mas
devemos assumir com realismo, confiança e esperança as novas responsabilidades a
que nos chama o cenário de um mundo que tem necessidade duma renovação cultural
profunda e da redescoberta de valores fundamentais para construir sobre eles um
futuro melhor. A crise obriga-nos a projectar de novo o nosso caminho, a
impor-nos regras novas e encontrar novas formas de empenhamento, a apostar em
experiências positivas e rejeitar as negativas. Assim, a crise torna-se
ocasião de discernimento e elaboração de nova planificação. Com esta chave,
feita mais de confiança que resignação, convém enfrentar as dificuldades da hora
actual.
22. Actualmente o quadro do desenvolvimento é policêntrico. Os actores
e as causas tanto do subdesenvolvimento como do desenvolvimento são múltiplas,
as culpas e os méritos são diferenciados. Este dado deveria induzir a
libertar-se das ideologias que simplificam, de forma frequentemente artificiosa,
a realidade, e levar a examinar com objectividade a consistência humana dos
problemas. Hoje a linha de demarcação entre países ricos e pobres já não é tão
nítida como nos tempos da
Populorum progressio, como aliás foi assinalado
por João Paulo II[55].
Cresce a riqueza mundial em termos absolutos,
mas aumentam as desigualdades. Nos países ricos, novas categorias sociais
empobrecem e nascem novas pobrezas. Em áreas mais pobres, alguns grupos gozam
duma espécie de superdesenvolvimento dissipador e consumista que contrasta, de
modo inadmissível, com perduráveis situações de miséria desumanizadora. Continua
« o escândalo de desproporções revoltantes »[56].
Infelizmente a
corrupção e a ilegalidade estão presentes tanto no comportamento de sujeitos
económicos e políticos dos países ricos, antigos e novos, como nos próprios
países pobres. No número de quantos não respeitam os direitos humanos dos
trabalhadores, contam-se às vezes grandes empresas transnacionais e também
grupos de produção local. As ajudas internacionais foram muitas vezes desviadas
das suas finalidades, por irresponsabilidades que se escondem tanto na cadeia
dos sujeitos doadores como na dos beneficiários. Também no âmbito das causas
imateriais ou culturais do desenvolvimento e do subdesenvolvimento podemos
encontrar a mesma articulação de responsabilidades: existem formas excessivas de
protecção do conhecimento por parte dos países ricos, através duma utilização
demasiado rígida do direito de propriedade intelectual, especialmente no campo
da saúde; ao mesmo tempo, em alguns países pobres, persistem modelos culturais
e normas sociais de comportamento que retardam o processo de desenvolvimento.
23. Temos hoje muitas áreas do globo que — de forma por vezes problemática e
não homogénea — evoluíram, entrando na categoria das grandes potências
destinadas a desempenhar um papel importante no futuro. Contudo há que sublinhar que
não é suficiente progredir do ponto de vista económico e tecnológico; é
preciso que o desenvolvimento seja, antes de mais nada, verdadeiro e integral. A
saída do atraso económico — um dado em si mesmo positivo — não resolve a
complexa problemática da promoção do homem nem nos países protagonistas de tais
avanços, nem nos países economicamente já desenvolvidos, nem nos países ainda
pobres que, além das antigas formas de exploração, podem vir a sofrer também as
consequências negativas derivadas de um crescimento marcado por desvios e
desequilíbrios.
Depois da queda dos sistemas económicos e políticos dos países comunistas da
Europa Oriental e do fim dos chamados « blocos contrapostos », havia necessidade
duma revisão global do desenvolvimento. Pedira-o João Paulo II, que em 1987
tinha indicado a existência destes « blocos » como uma das principais causas do
subdesenvolvimento[57], enquanto a política subtraía recursos à
economia e à cultura e a ideologia inibia a liberdade. Em 1991, na sequência dos
acontecimentos do ano de 1989, o Pontífice pediu que o fim dos « blocos » fosse
seguido por uma nova planificação global do desenvolvimento, não só em tais
países, mas também no Ocidente e nas regiões do mundo que estavam a evoluir[58]. Isto, porém, realizou-se apenas parcialmente, continuando a ser uma obrigação
real que precisa de ser satisfeita, talvez aproveitando-se precisamente das
opções necessárias para superar os problemas económicos actuais.
24. O mundo, que Paulo VI tinha diante dos olhos, registava muito menor
integração do que hoje, embora o processo de sociabilização se apresentasse já
tão adiantado que ele pôde falar de uma questão social tornada mundial.
Actividade económica e função política desenrolavam-se em grande parte dentro do
mesmo âmbito local e, por conseguinte, podiam inspirar recíproca confiança. A
actividade produtiva tinha lugar prevalecentemente dentro das fronteiras nacionais
e os investimentos financeiros tinham uma circulação bastante limitada para o
estrangeiro, de tal modo que a política de muitos Estados podia ainda fixar as
prioridades da economia e, de alguma maneira, governar o seu andamento com os
instrumentos de que ainda dispunha. Por este motivo, a Populorum progressio
atribuía um papel central, embora não exclusivo, aos « poderes públicos »[59].
Actualmente, o Estado encontra-se na situação de ter de enfrentar as
limitações que são impostas à sua soberania pelo novo contexto económico
comercial e financeiro internacional, caracterizado nomeadamente por uma
crescente mobilidade dos capitais financeiros e dos meios de produção materiais
e imateriais. Este novo contexto alterou o poder político dos Estados.
Hoje, aproveitando inclusivamente a lição resultante da crise económica em
curso que vê os poderes públicos do Estado directamente empenhados a
corrigir erros e disfunções, parece mais realista uma renovada avaliação do
seu papel e poder, que hão-de ser sapientemente reconsiderados e reavaliados
para se tornarem capazes, mesmo através de novas modalidades de exercício, de
fazer frente aos desafios do mundo actual. Com uma função melhor calibrada dos
poderes públicos, é previsível que sejam reforçadas as novas formas de
participação na política nacional e internacional que se realizam através da
acção das organizações operantes na sociedade civil; nesta linha, é desejável
que cresçam uma atenção e uma participação mais sentidas na res publica
por parte dos cidadãos.
25. Do ponto de vista social, os sistemas de segurança e previdência — já
presentes em muitos países nos tempos de Paulo VI — sentem dificuldade, e
poderão senti-la ainda mais no futuro, em alcançar os seus objectivos de
verdadeira justiça social dentro de um quadro de forças profundamente alterado.
O mercado, à medida que se foi tornando global, estimulou antes de mais nada,
por parte de países ricos, a busca de áreas para onde deslocar as actividades
produtivas a baixo custo a fim de reduzir os preços de muitos bens, aumentar o
poder de compra e deste modo acelerar o índice de desenvolvimento centrado sobre
um maior consumo pelo próprio mercado interno. Consequentemente, o mercado
motivou novas formas de competição entre Estados procurando atrair centros
produtivos de empresas estrangeiras através de variados instrumentos tais como
impostos favoráveis e a desregulamentação do mundo do trabalho. Estes processos
implicaram a redução das redes de segurança social em troca de maiores
vantagens competitivas no mercado global, acarretando grave perigo para os
direitos dos trabalhadores, os direitos fundamentais do homem e a solidariedade
actuada nas formas tradicionais do Estado social. Os sistemas de segurança
social podem perder a capacidade de desempenhar a sua função, quer nos países
emergentes, quer nos desenvolvidos há mais tempo, quer naturalmente nos países
pobres. Aqui, as políticas relativas ao orçamento com os seus cortes na despesa
social, muitas vezes fomentados pelas próprias instituições financeiras
internacionais, podem deixar os cidadãos impotentes diante de riscos antigos e
novos; e tal impotência torna-se ainda maior devido à falta de protecção eficaz
por parte das associações dos trabalhadores. O conjunto das mudanças sociais e
económicas faz com que as organizações sindicais sintam maiores
dificuldades no desempenho do seu dever de representar os interesses dos
trabalhadores, inclusive pelo facto de os governos, por razões de utilidade
económica, muitas vezes limitarem as liberdades sindicais ou a capacidade
negociadora dos próprios sindicatos. Assim, as redes tradicionais de
solidariedade encontram obstáculos cada vez maiores a superar. Por isso, o
convite feito pela doutrina social da Igreja, a começar pela
Rerum novarum[60],
para se criarem associações de trabalhadores em defesa dos seus direitos há-de
ser honrado, hoje ainda mais do que ontem, dando antes de mais nada uma resposta
pronta e clarividente à urgência de instaurar novas sinergias a nível
internacional, sem descurar o nível local.
A mobilidade laboral, associada à generalizada desregulamentação,
constituiu um fenómeno importante, não desprovido de aspectos positivos porque
capaz de estimular a produção de nova riqueza e o intercâmbio entre culturas
diversas. Todavia, quando se torna endémica a incerteza sobre as condições de
trabalho, resultante dos processos de mobilidade e desregulamentação, geram-se
formas de instabilidade psicológica, com dificuldade a construir percursos
coerentes na própria vida, incluindo o percurso rumo ao matrimónio. Consequência
disto é o aparecimento de situações de degradação humana, além de desperdício de
força social. Comparado com o que sucedia na sociedade industrial do passado,
hoje o desemprego provoca aspectos novos de irrelevância económica do indivíduo,
e a crise actual pode apenas piorar tal situação. A exclusão do trabalho por
muito tempo ou então uma prolongada dependência da assistência pública ou
privada corroem a liberdade e a criatividade da pessoa e as suas relações
familiares e sociais, causando enormes sofrimentos a nível psicológico e
espiritual. Queria recordar a todos, sobretudo aos governantes que estão
empenhados a dar um perfil renovado aos sistemas económicos e sociais do mundo,
que o primeiro capital a preservar e valorizar é o homem, a pessoa, na sua
integridade: « com efeito, o homem é o protagonista, o centro e o fim de
toda a vida económico-social »[61].
26. No plano cultural, as diferenças, relativamente aos tempos de Paulo VI,
são ainda mais acentuadas. Então, as culturas apresentavam-se bastante bem
definidas e tinham maiores possibilidades para se defender das tentativas de
homogeneização cultural. Hoje, cresceram notavelmente as possibilidades de
interacção das culturas, dando espaço a novas perspectivas de
diálogo
intercultural; um diálogo que, para ser eficaz, deve ter como ponto de
partida
uma profunda noção da específica identidade dos vários interlocutores.
No entanto, não se deve descurar o facto de que esta aumentada
transacção de
intercâmbios culturais traz consigo, actualmente, um duplo perigo. Em
primeiro
lugar, nota-se um ecletismo cultural assumido muitas vezes sem
discernimento: as culturas são simplesmente postas lado a lado e vistas
como
substancialmente equivalentes e intercambiáveis umas com as outras. Isto
favorece a cedência a um relativismo que não ajuda o verdadeiro diálogo
intercultural; no plano social, o relativismo cultural faz com que os
grupos
culturais se juntem ou convivam, mas separados, sem autêntico diálogo e,
consequentemente, sem verdadeira integração. Depois, temos o perigo
oposto que é
constituído pelo nivelamento cultural e a homogeneização dos
comportamentos e estilos de vida. Assim perde-se o significado profundo da
cultura das diversas nações, das tradições dos vários povos, no âmbito das quais
a pessoa se confronta com as questões fundamentais da existência[62].
Ecletismo e nivelamento cultural convergem no facto de separar a cultura da
natureza humana. Assim, as culturas deixam de saber encontrar a sua medida numa
natureza que as transcende[63], acabando por reduzir o homem a simples
dado cultural. Quando isto acontece, a humanidade corre novos perigos de
servidão e manipulação.
27. Em muitos países pobres, continua — com risco de aumentar — uma
insegurança extrema de vida, que deriva da carência de alimentação: a fome
ceifa ainda inúmeras vítimas entre os muitos Lázaros, a quem não é permitido —
como esperara Paulo VI — sentar-se à mesa do rico avarento[64]. Dar
de comer aos famintos (cf. Mt 25, 35.37.42) é um imperativo ético
para toda a Igreja, que é resposta aos ensinamentos de solidariedade e partilha
do seu Fundador, o Senhor Jesus. Além disso, eliminar a fome no mundo tornou-se,
na era da globalização, também um objectivo a alcançar para preservar a paz e a
subsistência da terra. A fome não depende tanto de uma escassez material, como
sobretudo da escassez de recursos sociais, o mais importante dos quais é de
natureza institucional; isto é, falta um sistema de instituições económicas que
seja capaz de garantir um acesso regular e adequado, do ponto de vista
nutricional, à alimentação e à água e também de enfrentar as carências
relacionadas com as necessidades primárias e com a emergência de reais e
verdadeiras crises alimentares provocadas por causas naturais ou pela
irresponsabilidade política nacional e internacional. O problema da insegurança
alimentar há-de ser enfrentado numa perspectiva a longo prazo, eliminando as
causas estruturais que o provocam e promovendo o desenvolvimento agrícola dos
países mais pobres por meio de investimentos em infra-estruturas rurais,
sistemas de irrigação, transportes, organização dos mercados, formação e difusão
de técnicas agrícolas apropriadas, isto é, capazes de utilizar o melhor possível
os recursos humanos, naturais e socioeconómicos mais acessíveis a nível local,
para garantir a sua manutenção a longo prazo. Tudo isto há-de ser realizado,
envolvendo as comunidades locais nas opções e nas decisões relativas ao uso da
terra cultivável. Nesta perspectiva, poderia revelar-se útil considerar as novas
fronteiras abertas por um correcto emprego das técnicas de produção agrícola,
tanto as tradicionais como as inovadoras, desde que as mesmas tenham sido,
depois de adequada verificação, reconhecidas oportunas, respeitadoras do
ambiente e tendo em conta as populações mais desfavorecidas. Ao mesmo tempo não
deveria ser transcurada a questão de uma equitativa reforma agrária nos países
em vias de desenvolvimento. Os direitos à alimentação e à água revestem um papel
importante para a consecução de outros direitos, a começar pelo direito primário
à vida. Por isso, é necessária a maturação duma consciência solidária que
considere a alimentação e o acesso à água como direitos universais de todos
os seres humanos, sem distinções nem discriminações[65]. Além disso,
é importante pôr em evidência que o caminho da solidariedade com o
desenvolvimento dos países pobres pode constituir um projecto de solução para a
presente crise global, como homens políticos e responsáveis de instituições
internacionais têm intuído nos últimos tempos. Sustentando, através de planos de
financiamento inspirados pela solidariedade, os países economicamente pobres,
para que provejam eles mesmos à satisfação das solicitações de bens de consumo e
de desenvolvimento dos próprios cidadãos, é possível não apenas gerar verdadeiro
crescimento económico mas também concorrer para sustentar as capacidades
produtivas dos países ricos que correm o risco de ficar comprometidas pela crise.
28. Um dos aspectos mais evidentes do desenvolvimento actual é a importância
do tema do respeito pela vida, que não pode ser de modo algum separado
das questões relativas ao desenvolvimento dos povos. Trata-se de um aspecto que,
nos últimos tempos, está a assumir uma relevância sempre maior, obrigando-nos a
alargar os conceitos de pobreza [66] e subdesenvolvimento às questões
relacionadas com o acolhimento da vida, sobretudo onde o mesmo é de várias
maneiras impedido.
Não só a situação de pobreza provoca ainda altas taxas de mortalidade
infantil em muitas regiões, mas perduram também, em várias partes do mundo,
práticas de controle demográfico por parte dos governos, que muitas vezes
difundem a contracepção e chegam mesmo a impor o aborto. Nos países
economicamente mais desenvolvidos, são muito difusas as legislações contrárias à
vida, condicionando já o costume e a práxis e contribuindo para divulgar uma
mentalidade antinatalista que muitas vezes se procura transmitir a outros
Estados como se fosse um progresso cultural.
Também algumas organizações não governamentais trabalham activamente pela
difusão do aborto, promovendo nos países pobres a adopção da prática da
esterilização, mesmo sem as mulheres o saberem. Além disso, há a fundada
suspeita de que às vezes as próprias ajudas ao desenvolvimento sejam associadas
com determinadas políticas de saúde que realmente implicam a imposição de um
forte controle dos nascimentos. Igualmente preocupantes são as legislações que
prevêem a eutanásia e as pressões de grupos nacionais e internacionais que
reivindicam o seu reconhecimento jurídico.
A abertura à vida está no centro do verdadeiro desenvolvimento. Quando
uma sociedade começa a negar e a suprimir a vida, acaba por deixar de encontrar
as motivações e energias necessárias para trabalhar ao serviço do verdadeiro bem
do homem. Se se perde a sensibilidade pessoal e social ao acolhimento duma nova
vida, definham também outras formas de acolhimento úteis à vida social[67].
O acolhimento da vida revigora as energias morais e torna-nos capazes de ajuda
recíproca. Os povos ricos, cultivando a abertura à vida, podem compreender
melhor as necessidades dos países pobres, evitar o emprego de enormes recursos
económicos e intelectuais para satisfazer desejos egoístas dos próprios cidadãos
e promover, ao invés, acções virtuosas na perspectiva duma produção moralmente
sadia e solidária, no respeito do direito fundamental de cada povo e de cada
pessoa à vida.
29. Outro aspecto da vida actual, intimamente relacionado com o
desenvolvimento, é a negação do direito à liberdade religiosa. Não me
refiro só às lutas e conflitos que ainda se disputam no mundo por motivações
religiosas, embora estas às vezes sejam apenas a cobertura para razões de outro
género, tais como a sede de domínio e de riqueza. Na realidade, com frequência
hoje se faz apelo ao santo nome de Deus para matar, como diversas vezes foi
sublinhado e deplorado publicamente pelo meu predecessor João Paulo II e por mim
próprio[68]. As violências refreiam o desenvolvimento autêntico e
impedem a evolução dos povos para um bem-estar socioeconómico e espiritual
maior. Isto aplica-se de modo especial ao terrorismo de índole fundamentalista[69], que gera sofrimento, devastação e morte, bloqueia o diálogo entre as nações e
desvia grandes recursos do seu uso pacífico e civil. Mas há que acrescentar que,
se o fanatismo religioso impede em alguns contextos o exercício do direito de
liberdade de religião, também a promoção programada da indiferença religiosa ou
do ateísmo prático por parte de muitos países contrasta com as necessidades do
desenvolvimento dos povos, subtraindo-lhes recursos espirituais e humanos.
Deus
é o garante do verdadeiro desenvolvimento do homem, já que, tendo-o
criado à sua imagem, fundamenta de igual forma a sua dignidade transcendente e
alimenta o seu anseio constitutivo de « ser mais ». O homem não é um átomo
perdido num universo casual[70], mas é uma criatura de Deus, à qual
Ele quis dar uma alma imortal e que desde sempre amou. Se o homem fosse fruto apenas
do acaso ou da necessidade, se as suas aspirações tivessem de reduzir-se ao
horizonte restrito das situações em que vive, se tudo fosse somente história e
cultura e o homem não tivesse uma natureza destinada a transcender-se numa vida
sobrenatural, então poder-se-ia falar de incremento ou de evolução, mas não de
desenvolvimento.
Quando o Estado promove, ensina ou até impõe formas de ateísmo
prático, tira aos seus cidadãos a força moral e espiritual indispensável para se
empenhar no desenvolvimento humano integral e impede-os de avançarem com
renovado dinamismo no próprio compromisso de uma resposta humana mais generosa
ao amor divino[71]. Sucede também que os países economicamente
desenvolvidos ou os emergentes exportem para os países pobres, no âmbito das
suas relações culturais, comerciais e políticas, esta visão redutiva da pessoa e
do seu destino. É o dano que o « superdesenvolvimento » [72] acarreta
ao desenvolvimento autêntico, quando é acompanhado pelo « subdesenvolvimento
moral »[73].
30. Nesta linha, o tema do desenvolvimento humano integral atinge um ponto
ainda mais complexo: a correlação entre os seus vários elementos requer que nos
empenhemos por fazer interagir os diversos níveis do saber humano tendo
em vista a promoção de um verdadeiro desenvolvimento dos povos. Muitas vezes
pensa-se que o desenvolvimento ou as relativas medidas socioeconómicas
necessitam apenas de ser postos em prática como fruto de um agir comum,
ignorando que este agir comum precisa de ser orientado, porque « toda a acção
social implica uma doutrina »[74]. Vista a complexidade dos problemas,
é óbvio que as várias disciplinas devem colaborar através de uma ordenada
interdisciplinaridade. A caridade não exclui o saber, antes reclama-o, promove-o
e anima-o a partir de dentro. O saber nunca é obra apenas da inteligência; pode,
sem dúvida, ser reduzido a cálculo e a experiência, mas se quer ser sapiência
capaz de orientar o homem à luz dos princípios primeiros e dos seus fins últimos,
deve ser « temperado » com o « sal » da caridade. A acção é cega sem o saber, e
este é estéril sem o amor. De facto, « aquele que está animado de verdadeira
caridade é engenhoso em descobrir as causas da miséria, encontrar os meios de a
combater e vencê-la resolutamente »[75]. Relativamente aos fenómenos
que analisamos, a caridade na verdade requer, antes de mais nada, conhecer e
compreender no respeito consciencioso da competência específica de cada nível do
saber.
A caridade não é uma junção posterior, como se fosse um apêndice ao
trabalho já concluído das várias disciplinas, mas dialoga com elas desde o
início. As exigências do amor não contradizem as da razão. O saber humano é
insuficiente e as conclusões das ciências não poderão sozinhas indicar o caminho
para o desenvolvimento integral do homem. Sempre é preciso lançar-se mais além:
exige-o a caridade na verdade[76]. Todavia ir mais além nunca significa
prescindir das conclusões da razão, nem contradizer os seus resultados. Não
aparece a inteligência e depois o amor: há o amor rico de inteligência e a
inteligência cheia de amor.
31. Isto significa que as ponderações morais e a pesquisa científica devem
crescer juntas e que a caridade as deve animar num todo interdisciplinar
harmónico, feito de unidade e distinção. A doutrina social da Igreja, que tem «
uma importante dimensão interdisciplinar »[77], pode desempenhar,
nesta perspectiva, uma função de extraordinária eficácia. Ela permite à fé, à
teologia, à metafísica e às ciências encontrarem o próprio lugar no âmbito de
uma colaboração ao serviço do homem; é sobretudo aqui que a doutrina social da
Igreja actua a sua dimensão sapiencial. Paulo VI tinha visto claramente que,
entre as causas do subdesenvolvimento, conta-se uma carência de sabedoria, de
reflexão, de pensamento capaz de realizar uma síntese orientadora[78], que requer « uma visão clara de todos os aspectos económicos, sociais, culturais
e espirituais »[79]. A excessiva fragmentação do saber[80], o
isolamento das ciências humanas relativamente à metafísica[81], as
dificuldades no diálogo entre as ciências e a teologia danificam não só o avanço
do saber mas também o desenvolvimento dos povos, porque, quando isso se
verifica, fica obstaculizada a visão do bem completo do homem nas várias
dimensões que o caracterizam. É indispensável o « alargamento do nosso conceito
de razão e do uso da mesma » [82] para se conseguir sopesar
adequadamente todos os termos da questão do desenvolvimento e da solução dos
problemas sócio-económicos.
32. As grandes novidades, que o quadro actual do desenvolvimento dos povos
apresenta, exigem em muitos casos novas soluções. Estas hão-de ser
procuradas conjuntamente no respeito das leis próprias de cada realidade e à luz
duma visão integral do homem, que espelhe os vários aspectos da pessoa humana,
contemplada com o olhar purificado pela caridade. Descobrir-se-ão então
singulares convergências e concretas possibilidades de solução, sem renunciar a
qualquer componente fundamental da vida humana.
A dignidade da pessoa e as exigências da justiça requerem, sobretudo hoje,
que as opções económicas não façam aumentar, de forma excessiva e moralmente
inaceitável, as diferenças de riqueza [83] e que se continue a
perseguir como prioritário o objectivo do acesso ao trabalho para todos,
ou da sua manutenção. Bem vistas as coisas, isto é exigido também pela « razão
económica ». O aumento sistemático das desigualdades entre grupos sociais no
interior de um mesmo país e entre as populações dos diversos países, ou seja, o
aumento maciço da pobreza em sentido relativo, tende não só a minar a coesão
social — e, por este caminho, põe em risco a democracia —, mas tem também um
impacto negativo no plano económico com a progressiva corrosão do « capital
social », isto é, daquele conjunto de relações de confiança, de credibilidade,
de respeito das regras, indispensáveis em qualquer convivência civil.
E é ainda a ciência económica a dizer-nos que uma situação estrutural de
insegurança gera comportamentos antiprodutivos e de desperdício de recursos
humanos, já que o trabalhador tende a adaptar-se passivamente aos mecanismos
automáticos, em vez de dar largas à criatividade. Também neste ponto se verifica
uma convergência entre ciência económica e ponderação moral. Os custos
humanos são sempre também custos económicos, e as disfunções económicas
acarretam sempre também custos humanos.
Há ainda que recordar que o nivelamento das culturas à dimensão tecnológica,
se a curto prazo pode favorecer a obtenção de lucros, a longo prazo dificulta o
enriquecimento recíproco e as dinâmicas de cooperação. É importante distinguir
entre considerações económicas ou sociológicas a curto e a longo prazo. A
diminuição do nível de tutela dos direitos dos trabalhadores ou a renúncia a
mecanismos de redistribuição do rendimento, para fazer o país ganhar maior
competitividade internacional, impede a afirmação de um desenvolvimento de longa
duração. Por isso, há que avaliar atentamente as consequências que podem ter
sobre as pessoas as tendências actuais para uma economia a curto se não mesmo
curtíssimo prazo. Isto requer uma nova e profunda reflexão sobre o sentido da
economia e dos seus fins[84], bem como uma revisão profunda e
clarividente do modelo de desenvolvimento, para se corrigirem as suas disfunções
e desvios. Na realidade, exige-o o estado de saúde ecológica da terra; pede-o
sobretudo a crise cultural e moral do homem, cujos sintomas são evidentes por
toda a parte.
33. Passados mais de quarenta anos da publicação da
Populorum progressio,
o seu tema de fundo — precisamente o progresso — permanece ainda um problema
em aberto, que se tornou mais agudo e premente com a crise
económico-financeira em curso. Se algumas áreas do globo, outrora oprimidas pela
pobreza, registaram mudanças notáveis em termos de crescimento económico e de
participação na produção mundial, há outras zonas que vivem ainda numa situação
de miséria comparável à existente nos tempos de Paulo VI; antes, em qualquer
caso pode-se mesmo falar de agravamento. É significativo que algumas causas
desta situação tivessem sido já identificadas na
Populorum progressio,
como, por exemplo, as altas tarifas aduaneiras impostas pelos países
economicamente desenvolvidos que ainda impedem aos produtos originários dos
países pobres de chegar aos mercados dos países ricos. Entretanto, outras causas
que a encíclica tinha apenas pressentido, apareceram depois com maior evidência;
é o caso da avaliação do processo de descolonização, então em pleno curso. Paulo
VI almejava um percurso de autonomia que havia de realizar-se na liberdade e na
paz; quarenta anos depois, temos de reconhecer como foi difícil tal percurso,
tanto por causa de novas formas de colonialismo e dependência de antigos e novos
países hegemónicos, como por graves irresponsabilidades internas aos próprios
países que se tornaram independentes.
A novidade principal foi a explosão da interdependência mundial, já
conhecida comummente por globalização. Paulo VI tinha-a em parte previsto, mas
os termos e a impetuosidade com que aquela evoluiu são surpreendentes. Nascido
no âmbito dos países economicamente desenvolvidos, este processo por sua própria
natureza causou um envolvimento de todas as economias. Foi o motor principal
para a saída do subdesenvolvimento de regiões inteiras e, por si mesmo,
constitui uma grande oportunidade. Contudo, sem a guia da caridade na verdade,
este ímpeto mundial pode concorrer para criar riscos de danos até agora
desconhecidos e de novas divisões na família humana. Por isso, a caridade e a
verdade colocam diante de nós um compromisso inédito e criativo, sem dúvida
muito vasto e complexo. Trata-se de dilatar a razão e torná-la capaz de
conhecer e orientar estas novas e imponentes dinâmicas, animando-as na
perspectiva daquela « civilização do amor », cuja semente Deus colocou em todo o
povo e cultura.
FRATERNIDADE,
DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO
E SOCIEDADE CIVIL
DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO
E SOCIEDADE CIVIL
34. A caridade na verdade coloca o homem perante a admirável
experiência do dom. A gratuidade está presente na sua vida sob múltiplas formas,
que frequentemente lhe passam despercebidas por causa duma visão meramente
produtiva e utilarista da existência. O ser humano está feito para o dom, que
exprime e realiza a sua dimensão de transcendência. Por vezes o homem moderno
convence-se, erroneamente, de que é o único autor de si mesmo, da sua vida e da
sociedade. Trata-se de uma presunção, resultante do encerramento egoísta em si
mesmo, que provém — se queremos exprimi-lo em termos de fé — do pecado das
origens. Na sua sabedoria, a Igreja sempre propôs que se tivesse em conta o
pecado original mesmo na interpretação dos fenómenos sociais e na construção da
sociedade.
« Ignorar que o homem
tem uma natureza ferida, inclinada para o mal,
dá lugar a graves erros no domínio da educação,
da política, da acção social e
dos costumes »[85].
No elenco dos campos onde se manifestam os efeitos
perniciosos do pecado, há muito tempo que se acrescentou também o da economia.
Temos uma prova evidente disto mesmo nos dias que correm. Primeiro, a convicção
de ser auto-suficiente e de conseguir eliminar o mal presente na história apenas
com a própria acção induziu o homem a identificar a felicidade e a salvação com
formas imanentes de bem-estar material e de acção social. Depois, a convicção da
exigência de autonomia para a economia, que não deve aceitar « influências » de
carácter moral, impeliu o homem a abusar dos instrumentos económicos até mesmo
de forma destrutiva. Com o passar do tempo, estas convicções levaram a sistemas
económicos, sociais e políticos que espezinharam a liberdade da pessoa e dos
corpos sociais e, por isso mesmo, não foram capazes de assegurar a justiça que
prometiam. Deste modo, como afirmei na encíclica
Spe salvi[86],
elimina-se da história a esperança cristã, a qual, ao invés, constitui um
poderoso recurso social ao serviço do desenvolvimento humano integral, procurado
na liberdade e na justiça. A esperança encoraja a razão e dá-lhe a força para
orientar a vontade[87]. Já está presente na fé, pela qual aliás é
suscitada. Dela se nutre a caridade na verdade e, ao mesmo tempo, manifesta-a.
Sendo dom de Deus absolutamente gratuito, irrompe na nossa vida como algo não
devido, que transcende qualquer norma de justiça. Por sua natureza, o dom
ultrapassa o mérito; a sua regra é a excedência. Aquele precede-nos, na nossa
própria alma, como sinal da presença de Deus em nós e das suas expectativas a
nosso respeito.
A verdade, que é dom tal como a caridade, é maior do que nós,
conforme ensina Santo Agostinho[88]. Também a verdade acerca de nós
mesmos, da nossa consciência pessoal é-nos primariamente « dada »; com efeito,
em qualquer processo cognoscitivo, a verdade não é produzida por nós, mas sempre
encontrada ou, melhor, recebida. Tal como o amor, ela « não nasce da
inteligência e da vontade, mas de certa forma impõe-se ao ser humano »[89].
Enquanto dom recebido por todos, a caridade na verdade é uma força que
constitui a comunidade, unifica os homens segundo modalidades que não conhecem
barreiras nem confins. A comunidade dos homens pode ser constituída por nós
mesmos; mas, com as nossas simples forças, nunca poderá ser uma comunidade
plenamente fraterna nem alargada para além de qualquer fronteira, ou seja, não
poderá tornar-se uma comunidade verdadeiramente universal: a unidade do género
humano, uma comunhão fraterna para além de qualquer divisão, nasce da convocação
da palavra de Deus-Amor. Ao enfrentar esta questão decisiva, devemos especificar,
por um lado, que a lógica do dom não exclui a justiça nem se justapõe a ela num
segundo tempo e de fora; e, por outro, que o desenvolvimento económico, social e
político precisa, se quiser ser autenticamente humano, de dar espaço ao
princípio da gratuidade como expressão de fraternidade.
35. O mercado, se houver confiança recíproca e generalizada, é a
instituição económica que permite o encontro entre as pessoas, na sua dimensão
de operadores económicos que usam o contrato como regra das suas relações e que
trocam bens e serviços entre si fungíveis, para satisfazer as suas carências e
desejos. O mercado está sujeito aos princípios da chamada justiça comutativa,
que regula precisamente as relações do dar e receber entre sujeitos iguais. Mas
a doutrina social nunca deixou de pôr em evidência a importância que tem a
justiça distributiva e a justiça social para a própria economia de
mercado, não só porque integrada nas malhas de um contexto social e político
mais vasto, mas também pela teia das relações em que se realiza. De facto,
deixado unicamente ao princípio da equivalência de valor dos bens trocados, o
mercado não consegue gerar a coesão social de que necessita para bem funcionar.
Sem formas internas de solidariedade e de confiança recíproca, o mercado não
pode cumprir plenamente a própria função económica. E, hoje, foi
precisamente esta confiança que veio a faltar; e a perda da confiança é uma
perda grave.
Na
Populorum progressio, Paulo VI sublinhava oportunamente o facto de
que seria o próprio sistema económico a tirar vantagem da prática generalizada
da justiça, uma vez que os primeiros a beneficiar do desenvolvimento dos países
pobres teriam sido os países ricos[90]. Não se tratava apenas de
corrigir disfunções, através da assistência. Os pobres não devem ser
considerados um « fardo »[91] mas um recurso, mesmo do ponto de vista
estritamente económico. Há que considerar errada a visão de quantos pensam que a
economia de mercado tenha estruturalmente necessidade duma certa quota de
pobreza e subdesenvolvimento para poder funcionar do melhor modo. O mercado tem
interesse em promover emancipação, mas, para o fazer verdadeiramente, não pode
contar apenas consigo mesmo, porque não é capaz de produzir por si aquilo que
está para além das suas possibilidades; tem de haurir energias morais de outros
sujeitos, que sejam capazes de as gerar.
36. A actividade económica não pode resolver todos os problemas sociais
através da simples extensão da lógica mercantil. Esta há-de ter como
finalidade a prossecução do bem comum, do qual se deve ocupar também e
sobretudo a comunidade política. Por isso, tenha-se presente que é causa de
graves desequilíbrios separar o agir económico — ao qual competiria apenas
produzir riqueza — do agir político, cuja função seria buscar a justiça através
da redistribuição.
Desde sempre a Igreja defende que não se há-de considerar o agir económico
como anti-social. De per si o mercado não é, nem se deve tornar, o lugar da
prepotência do forte sobre o débil. A sociedade não tem que se proteger do
mercado, como se o desenvolvimento deste implicasse ipso facto a morte
das relações autenticamente humanas. É verdade que o mercado pode ser orientado
de modo negativo, não porque isso esteja na sua natureza, mas porque uma certa
ideologia pode dirigi-lo em tal sentido. Não se deve esquecer que o mercado, em
estado puro, não existe; mas toma forma a partir das configurações culturais que
o especificam e orientam. Com efeito, a economia e as finanças, enquanto
instrumentos, podem ser mal utilizadas se quem as gere tiver apenas referimentos
egoístas. Deste modo é possível conseguir transformar instrumentos de per si
bons em instrumentos danosos; mas é a razão obscurecida do homem que produz
estas consequências, não o instrumento por si mesmo. Por isso, não é o
instrumento que deve ser chamado em causa, mas o homem, a sua consciência moral
e a sua responsabilidade pessoal e social.
A doutrina social da Igreja considera possível viver relações autenticamente
humanas de amizade e camaradagem, de solidariedade e reciprocidade, mesmo no
âmbito da actividade económica e não apenas fora dela ou « depois » dela. A área
económica não é eticamente neutra nem de natureza desumana e anti-social.
Pertence à actividade do homem; e, precisamente porque humana, deve ser
eticamente estruturada e institucionalizada.
O grande desafio que temos diante de nós — resultante das problemáticas do
desenvolvimento neste tempo de globalização, mas revestindo-se de maior
exigência com a crise económico-financeira — é mostrar, a nível tanto de
pensamento como de comportamentos, que não só não podem ser transcurados ou
atenuados os princípios tradicionais da ética social, como a transparência, a
honestidade e a responsabilidade, mas também que, nas relações comerciais,
o princípio de gratuidade e a lógica do dom como expressão da
fraternidade podem e devem encontrar lugar dentro da actividade económica
normal. Isto é uma exigência do homem no tempo actual, mas também da própria
razão económica. Trata-se de uma exigência simultaneamente da caridade e da
verdade.
37. A doutrina social da Igreja sempre defendeu que a justiça diz respeito
a todas as fases da actividade económica, porque esta sempre tem a ver com o
homem e com as suas exigências. A angariação dos recursos, os financiamentos, a
produção, o consumo e todas as outras fases do ciclo económico têm
inevitavelmente implicações morais. Deste modo cada decisão económica tem
consequências de carácter moral. Tudo isto encontra confirmação também nas
ciências sociais e nas tendências da economia actual. Outrora talvez se pudesse
pensar, primeiro, em confiar à economia a produção de riqueza para, depois,
atribuir à política a tarefa de a distribuir; hoje tudo isto se apresenta mais
difícil, porque, enquanto as actividades económicas deixaram de estar
circunscritas no âmbito dos limites territoriais, a autoridade dos governos
continua a ser sobretudo local. Por isso, os cânones da justiça devem ser
respeitados desde o início enquanto se desenrola o processo económico, e não
depois ou marginalmente. Além disso, é preciso que, no mercado, se abram espaços
para actividades económicas realizadas por sujeitos que livremente escolhem
configurar o próprio agir segundo princípios diversos do puro lucro, sem por
isso renunciar a produzir valor económico. As numerosas expressões de economia
que tiveram origem em iniciativas religiosas e laicas demonstram que isto é
concretamente possível.
Na época da globalização, a economia denota a influência de modelos
competitivos ligados a culturas muito diversas entre si. Os comportamentos
económico-empresariais daí resultantes possuem, na sua maioria, um ponto de
encontro no respeito da justiça comutativa. A vida económica tem, sem
dúvida, necessidade do contrato, para regular as relações de transacção
entre valores equivalentes; mas precisa igualmente de leis justas e de
formas de redistribuição guiadas pela política, para além de obras que
tragam impresso o espírito do dom. A economia globalizada parece
privilegiar a primeira lógica, ou seja, a da transacção contratual, mas directa
ou indirectamente dá provas de necessitar também das outras duas: a lógica
política e a lógica do dom sem contrapartida.
38. O meu antecessor João Paulo II sublinhara esta problemática, quando, na
Centesimus annus, destacou a necessidade de um sistema com três sujeitos: o
mercado, o Estado e a sociedade civil[92]. Ele tinha
identificado na sociedade civil o âmbito mais apropriado para uma economia da
gratuidade e da fraternidade, mas sem pretender negá-la nos outros dois
âmbitos. Hoje, podemos dizer que a vida económica deve ser entendida como uma
realidade com várias dimensões: em todas deve estar presente, embora em medida
diversa e com modalidades específicas, o aspecto da reciprocidade fraterna. Na
época da globalização, a actividade económica não pode prescindir da gratuidade,
que difunde e alimenta a solidariedade e a responsabilidade pela justiça e o bem
comum em seus diversos sujeitos e actores. Trata-se, em última análise, de uma
forma concreta e profunda de democracia económica. A solidariedade consiste
primariamente em que todos se sintam responsáveis por todos[93] e, por
conseguinte, não pode ser delegada só ao Estado. Se, no passado, era possível
pensar que havia necessidade primeiro de procurar a justiça e que a gratuidade
intervinha depois como um complemento, hoje é preciso afirmar que, sem a
gratuidade, não se consegue sequer realizar a justiça.
Assim, temos necessidade
de um mercado, no qual possam operar, livremente e em condições de igual
oportunidade, empresas que persigam fins institucionais diversos. Ao lado da
empresa privada orientada para o lucro e dos vários tipos de empresa pública,
devem poder-se radicar e exprimir as organizações produtivas que perseguem fins
mutualistas e sociais. Do seu recíproco confronto no mercado, pode-se esperar
uma espécie de hibridização dos comportamentos de empresa e, consequentemente,
uma atenção sensível à civilização da economia. Neste caso, caridade na
verdade significa que é preciso dar forma e organização àquelas iniciativas
económicas que, embora sem negar o lucro, pretendam ir mais além da lógica da
troca de equivalentes e do lucro como fim em si mesmo.
39. Na
Populorum progressio, Paulo VI pedia que se configurasse um
modelo de economia de mercado capaz de incluir, pelo menos intencionalmente,
todos os povos e não apenas aqueles adequadamente habilitados. Solicitava
que nos empenhássemos na promoção de um mundo mais humano para todos, um mundo
no qual « todos tenham qualquer coisa a dar e a receber, sem que o progresso de
uns seja obstáculo ao desenvolvimento dos outros »[94]. Estendia assim
ao plano universal as mesmas instâncias e aspirações contidas na Rerum
novarum, escrita quando pela primeira vez, em consequência da revolução
industrial, se afirmou a ideia — seguramente avançada para aquele tempo — de que
a ordem civil, para subsistir, tinha necessidade também da intervenção
distributiva do Estado. Hoje esta visão, além de ser posta em crise pelos
processos de abertura dos mercados e das sociedades, revela-se incompleta para
satisfazer as exigências duma economia plenamente humana. Aquilo que a doutrina
social da Igreja, partindo da sua visão do homem e da sociedade, sempre defendeu,
é hoje requerido também pelas dinâmicas características da globalização.
Quando a lógica do mercado e a do Estado se põem de acordo entre si para
continuar no monopólio dos respectivos âmbitos de influência, com o passar do
tempo definha a solidariedade nas relações entre os cidadãos, a participação e a
adesão, o serviço gratuito, que são realidades diversas do « dar para ter »,
próprio da lógica da transacção, e do « dar por dever », próprio da lógica dos
comportamentos públicos impostos por lei pelo Estado. A vitória sobre o
subdesenvolvimento exige que se actue não só sobre a melhoria das transacções
fundadas sobre o intercâmbio, nem apenas sobre as transferências das estruturas
assistenciais de natureza pública, mas sobretudo sobre a progressiva abertura,
em contexto mundial, para formas de actividade económica caracterizadas por
quotas de gratuidade e de comunhão. O binómio exclusivo mercado-Estado
corrói a sociabilidade, enquanto as formas económicas solidárias, que encontram
o seu melhor terreno na sociedade civil sem contudo se reduzir a ela, criam
sociabilidade. O mercado da gratuidade não existe, tal como não se podem
estabelecer por lei comportamentos gratuitos, e todavia tanto o mercado como a
política precisam de pessoas abertas ao dom recíproco.
40. As actuais dinâmicas económicas internacionais, caracterizadas por graves
desvios e disfunções, requerem profundas mudanças inclusivamente no modo de
conceber a empresa. Antigas modalidades da vida empresarial declinam, mas
outras prometedoras se esboçam no horizonte. Um dos riscos maiores é, sem dúvida,
que a empresa preste contas quase exclusivamente a quem nela investe, acabando
assim por reduzir a sua valência social. Devido ao seu crescimento de dimensão e
à necessidade de capitais sempre maiores, são cada vez menos as empresas que
fazem referimento a um empresário estável que se sinta responsável não apenas a
curto mas a longo prazo da vida e dos resultados da sua empresa, tal como
diminui o número das que dependem de um único território. Além disso, a chamada
deslocalização da actividade produtiva pode atenuar no empresário o sentido da
responsabilidade para com os interessados, como os trabalhadores, os
fornecedores, os consumidores, o ambiente natural e a sociedade circundante mais
ampla, em benefício dos accionistas, que não estão ligados a um espaço
específico, gozando por isso duma extraordinária mobilidade; de facto, o mercado
internacional dos capitais oferece hoje uma grande liberdade de acção. Mas é
verdade também que está a aumentar a consciência sobre a necessidade de uma mais
ampla « responsabilidade social » da empresa.
Apesar de os parâmetros éticos que
guiam actualmente o debate sobre a responsabilidade social da empresa não serem,
segundo a perspectiva da doutrina social da Igreja, todos aceitáveis, é um facto
que se vai difundindo cada vez mais a convicção de que a gestão da empresa
não pode ter em conta unicamente os interesses dos proprietários da mesma, mas
deve preocupar-se também com as outras diversas categorias de sujeitos que
contribuem para a vida da empresa: os trabalhadores, os clientes, os
fornecedores dos vários factores de produção, a comunidade de referimento. Nos
últimos anos, notou-se o crescimento duma classe cosmopolita de gerentes, que
muitas vezes respondem só às indicações dos accionistas da empresa constituídos
geralmente por fundos anónimos que estabelecem de facto as suas remunerações.
Todavia, hoje, há também muitos gerentes que, através de análises clarividentes,
se dão conta cada vez mais dos profundos laços que a sua empresa tem com o
território ou territórios, onde opera. Paulo VI convidava a avaliar seriamente o
dano que a transferência de capitais para o estrangeiro, com exclusivas
vantagens pessoais, pode causar à própria nação[95]. E João Paulo II
advertia que investir tem sempre um significado moral, para além de
económico[96]. Tudo isto — há que reafirmá-lo — é válido também hoje,
não obstante o mercado dos capitais tenha sido muito liberalizado e as
mentalidades tecnológicas modernas possam induzir a pensar que investir seja
apenas um facto técnico, e não humano e ético. Não há motivo para negar que um
certo capital possa ser ocasião de bem, se investido no estrangeiro antes que na
pátria; mas devem-se ressalvar os vínculos de justiça, tendo em conta também o
modo como aquele capital se formou e os danos que causará às pessoas o seu não-investimento nos lugares onde o mesmo foi gerado[97]. É preciso evitar que o motivo para o emprego dos recursos financeiros seja especulativo,
cedendo à tentação de procurar apenas o lucro a breve prazo sem cuidar
igualmente da sustentabilidade da empresa a longo prazo, do seu serviço concreto
à economia real e duma adequada e oportuna promoção de iniciativas económicas
também nos países necessitados de desenvolvimento.
Também não há motivo para
negar que a deslocalização, quando compreende investimentos e formação, possa
fazer bem às populações do país que a acolhe — o trabalho e o conhecimento
técnico são uma necessidade universal –; mas não é lícito deslocalizar somente
para gozar de especiais condições de favor ou, pior ainda, para exploração, sem
prestar uma verdadeira contribuição à sociedade local para o nascimento de um
robusto sistema produtivo e social, factor imprescindível para um
desenvolvimento estável.
41. Dentro do mesmo tema, é útil observar que o espírito empresarial
tem, e deve assumir cada vez mais, um significado polivalente. A longa
prevalência do binómio mercado-Estado habituou-nos a pensar exclusivamente, por
um lado, no empresário privado de tipo capitalista e, por outro, no director
estatal. Na realidade, o espírito empresarial há-de ser entendido de modo
articulado, como se depreende duma série de motivações meta-económicas. O
espírito empresarial, antes de ter significado profissional, possui um
significado humano[98]; está inscrito em cada trabalho, visto como «
actus personæ »[99], pelo que é bom oferecer a cada trabalhador a
possibilidade de prestar a própria contribuição, de tal modo que ele mesmo «
saiba trabalhar ‘‘por conta própria'' »[100]. Ensinava Paulo VI, não
sem motivo, que « todo o trabalhador é um criador »[101]. Precisamente
para dar resposta às exigências e à dignidade de quem trabalha e às necessidades
da sociedade é que existem vários tipos de empresa, muito para além da simples
distinção entre « privado » e « público ». Cada uma requer e exprime um espírito
empresarial específico. A fim de realizar uma economia que, num futuro próximo,
saiba colocar-se ao serviço do bem comum nacional e mundial, convém ter em conta
este significado amplo de espírito empresarial. Tal concepção mais ampla
favorece o intercâmbio e a formação recíproca entre as diversas tipologias de
empresariado, com transferência de competências do mundo sem lucro para aquele
com lucro e vice-versa, do sector público para o âmbito próprio da sociedade
civil, do mundo das economias avançadas para aquele dos países em vias de
desenvolvimento.
Também a autoridade política tem um significado polivalente,
que não se pode esquecer quando se procede à realização duma nova ordem
económico-produtiva, responsável socialmente e à medida do homem. Assim como se
pretende fomentar um espírito empresarial diferenciado no plano mundial, assim
também se deve promover uma autoridade política repartida e activa a vários
níveis. A economia integrada dos nossos dias não elimina a função dos Estados,
antes obriga os governos a uma colaboração recíproca mais intensa. Razões de
sabedoria e prudência sugerem que não se proclame depressa demais o fim do
Estado; relativamente à solução da crise actual, a sua função parece destinada a
crescer, readquirindo muitas das suas competências. Além disso, existem nações,
cuja edificação ou reconstrução do Estado continua a ser um elemento-chave do
seu desenvolvimento. A ajuda internacional, precisamente no âmbito de um
projecto de solidariedade que tivesse em vista a solução dos problemas
económicos actuais, deveria sobretudo apoiar a consolidação de sistemas
constitucionais, jurídicos, administrativos nos países que ainda não gozam de
tais bens. A par das ajudas económicas, devem existir outros apoios tendentes a
reforçar as garantias próprias do Estado de direito, um sistema de ordem
pública e carcerário eficiente no respeito dos direitos humanos, instituições
verdadeiramente democráticas. Não é preciso que o Estado tenha, em todo o lado,
as mesmas características: o apoio para reforço dos sistemas constitucionais
débeis pode muito bem ser acompanhado pelo desenvolvimento de outros sujeitos
políticos de natureza cultural, social, territorial ou religiosa, ao lado do
Estado. A articulação da autoridade política a nível local, nacional e
internacional é, para além do mais, uma das vias mestras para se chegar a poder
orientar a globalização económica; e é também o modo de evitar que esta mine
realmente os alicerces da democracia.
42. Notam-se às vezes atitudes fatalistas a respeito da globalização,
como se as dinâmicas em acto fossem produzidas por forças impessoais anónimas e
por estruturas independentes da vontade humana[102]. A tal propósito, é
bom recordar que a globalização há-de ser entendida, sem dúvida, como um
processo socioeconómico, mas esta sua dimensão não é a única. Sob o processo
mais visível, há a realidade duma humanidade que se torna cada vez mais
interligada; tal realidade é constituída por pessoas e povos, para quem o
referido processo deve ser de utilidade e desenvolvimento[103], graças
à assunção das respectivas responsabilidades por parte tanto dos indivíduos como
da colectividade. A superação das fronteiras é um dado não apenas material mas
também cultural nas suas causas e efeitos. Se a globalização for lida de maneira
determinista, perdem-se os critérios para a avaliar e orientar. Trata-se de uma
realidade humana que pode ter, na sua fonte, várias orientações culturais, sobre
as quais é preciso fazer discernimento.
A verdade da globalização
enquanto
processo e o seu critério ético fundamental
provêm da unidade da família humana
e do seu desenvolvimento no bem.
Por isso é preciso empenhar-se sem cessar
por
favorecer uma orientação cultural personalista e comunitária,
aberta à
transcendência, do processo de integração mundial.
Não obstante algumas limitações estruturais, que não se hão-de negar nem
absolutizar, « a globalização a priori não é boa nem má. Será aquilo que
as pessoas fizerem dela »[104].
Não devemos ser vítimas dela, mas
protagonistas, actuando com bom senso, guiados pela caridade e a
verdade. Opor-se-lhe cegamente seria uma atitude errada, fruto de
preconceito, que
acabaria por ignorar um processo marcado também por aspectos positivos,
com o
risco de perder uma grande ocasião de se inserir nas múltiplas
oportunidades de
desenvolvimento por ele oferecidas. Adequadamente concebidos e geridos,
os
processos de globalização oferecem a possibilidade duma grande
redistribuição da
riqueza a nível mundial, como antes nunca tinha acontecido; se mal
geridos,
podem, pelo contrário, fazer crescer pobreza e desigualdade, bem como
contagiar
com uma crise o mundo inteiro. É preciso corrigir as suas disfunções,
tantas vezes graves, que introduzem novas divisões entre os povos e no interior
dos mesmos, e fazer com que a redistribuição da riqueza não se verifique à custa
de uma redistribuição da pobreza ou até com o seu agravamento, como uma má
gestão da situação actual poderia fazer-nos temer. Durante muito tempo,
pensou-se que os povos pobres deveriam permanecer ancorados num estádio
predeterminado de desenvolvimento, contentando-se com a filantropia dos povos
desenvolvidos. Contra esta mentalidade, tomou posição Paulo VI na
Populorum
progressio.
Hoje, as forças materiais de que se pode dispor para fazer
aqueles povos sair da miséria são potencialmente maiores do que outrora, mas
acabaram por se aproveitar delas prevalecentemente os povos dos países
desenvolvidos, que conseguiram desfrutar melhor o processo de liberalização dos
movimentos de capitais e do trabalho. Por isso a difusão dos ambientes de
bem-estar a nível mundial não deve ser refreada por projectos egoístas,
proteccionistas ou ditados por interesses particulares. De facto, hoje, o
envolvimento dos países emergentes ou em vias de desenvolvimento permite gerir
melhor a crise. A transição inerente ao processo de globalização apresenta
grandes dificuldades e perigos, que poderão ser superados apenas se se souber
tomar consciência daquela alma antropológica e ética que, do mais fundo, impele
a própria globalização para metas de humanização solidária. Infelizmente esta
alma é muitas vezes abafada e condicionada por perspectivas ético-culturais de
delineamento individualista e utilitarista. A globalização é um fenómeno
pluridimensional e polivalente, que exige ser compreendido na diversidade e
unidade de todas as suas dimensões, incluindo a teológica. Isto permitirá viver
e orientar a globalização da humanidade em termos de relacionamento, comunhão
e partilha.
DESENVOLVIMENTO DOS POVOS,
DIREITOS E DEVERES, AMBIENTE
DIREITOS E DEVERES, AMBIENTE
43. « A solidariedade universal é para nós não só um facto e um benefício,
mas também um dever »[105]. Hoje, muitas pessoas tendem a alimentar a
pretensão de que não devem nada a ninguém, a não ser a si mesmas.
Considerando-se titulares só de direitos, frequentemente deparam-se com fortes
obstáculos para maturar uma responsabilidade no âmbito do desenvolvimento
integral próprio e alheio. Por isso, é importante invocar uma nova reflexão que
faça ver como os direitos pressupõem deveres, sem os quais o seu exercício se
transforma em arbítrio[106]. Assiste-se hoje a uma grave
contradição: enquanto, por um lado, se reivindicam presuntos direitos, de
carácter arbitrário e libertino, querendo vê-los reconhecidos e promovidos pelas
estruturas públicas, por outro existem direitos elementares e fundamentais
violados e negados a boa parte da humanidade[107]. Aparece com
frequência assinalada uma relação entre a reivindicação do direito ao supérfluo,
se não mesmo à transgressão e ao vício, nas sociedades opulentas e a falta de
alimento, água potável, instrução básica, cuidados médicos elementares em
certas regiões do mundo do subdesenvolvimento e também nas periferias de grandes
metrópoles. A relação está no facto de que os direitos individuais,
desvinculados de um quadro de deveres que lhes confira um sentido completo,
enlouquecem e alimentam uma espiral de exigências praticamente ilimitada e sem
critérios. A exasperação dos direitos desemboca no esquecimento dos deveres.
Estes delimitam os direitos porque remetem para o quadro antropológico e ético
cuja verdade é o âmbito onde os mesmos se inserem e, deste modo, não descambam
no arbítrio.
Por este motivo, os deveres reforçam os direitos e propõem a sua
defesa e promoção como um compromisso a assumir ao serviço do bem. Se, pelo
contrário, os direitos do homem encontram o seu fundamento apenas nas
deliberações duma assembleia de cidadãos, podem ser alterados em qualquer
momento e, assim, o dever de os respeitar e promover atenua-se na consciência
comum. Então os governos e os organismos internacionais podem esquecer a
objectividade e « indisponibilidade » dos direitos. Quando isto acontece, põe-se
em perigo o verdadeiro desenvolvimento dos povos[108].
Semelhantes
posições comprometem a autoridade dos organismos internacionais, sobretudo aos
olhos dos países mais carecidos de desenvolvimento. De facto, estes pedem que a
comunidade internacional assuma como um dever ajudá-los a serem « artífices do
seu destino »[109], ou seja, a assumirem por sua vez deveres. A
partilha dos deveres recíprocos mobiliza muito mais do que a mera reivindicação
de direitos.
44. A concepção dos direitos e dos deveres
no desenvolvimento deve ter em
conta também as problemáticas ligadas com o crescimento demográfico.
Trata-se de um aspecto muito importante do verdadeiro desenvolvimento, porque
diz respeito aos valores irrenunciáveis da vida e da família[110].
Considerar o aumento da população como a primeira causa do subdesenvolvimento é
errado, inclusive do ponto de vista económico: basta pensar, por um lado, na
considerável diminuição da mortalidade infantil e no alongamento médio da vida
que se regista nos países economicamente desenvolvidos, e, por outro, nos sinais
de crise que se observam nas sociedades onde se regista uma preocupante queda da
natalidade. Obviamente é forçoso prestar a devida atenção a uma procriação
responsável, que constitui, para além do mais, uma real contribuição para o
desenvolvimento integral. A Igreja, que tem a peito o verdadeiro desenvolvimento
do homem, recomenda-lhe o respeito dos valores humanos também no uso da
sexualidade: o mesmo não pode ser reduzido a um mero facto hedonista e lúdico,
do mesmo modo que a educação sexual não se pode limitar à instrução técnica,
tendo como única preocupação defender os interessados de eventuais contágios ou
do « risco » procriador. Isto equivaleria a empobrecer e negligenciar o
significado profundo da sexualidade, que deve, pelo contrário, ser reconhecido e
assumido responsavelmente tanto pela pessoa como pela comunidade. Com efeito, a
responsabilidade impede que se considere a sexualidade como uma simples fonte de
prazer ou que seja regulada com políticas de planificação forçada dos
nascimentos. Em ambos os casos, estamos perante concepções e políticas
materialistas, no âmbito das quais as pessoas acabam por sofrer várias formas de
violência. A tudo isto há que contrapor a competência primária das famílias
neste campo[111], relativamente ao Estado e às suas políticas
restritivas, e também uma apropriada educação dos pais.
A abertura moralmente responsável à vida é uma riqueza social e económica.
Grandes nações puderam sair da miséria, justamente graças ao grande número e às
capacidades dos seus habitantes. Pelo contrário, nações outrora prósperas
atravessam agora uma fase de incerteza e, em alguns casos, de declínio
precisamente por causa da diminuição da natalidade, problema crucial para as
sociedades de proeminente bem-estar. A diminuição dos nascimentos, situando-se
por vezes abaixo do chamado « índice de substituição », põe em crise também os
sistemas de assistência social, aumenta os seus custos, contrai a acumulação de
poupanças e, consequentemente, os recursos financeiros necessários para os
investimentos, reduz a disponibilização de trabalhadores qualificados, restringe
a reserva aonde ir buscar os « cérebros » para as necessidades da nação. Além
disso, as famílias de pequena e, às vezes, pequeníssima dimensão correm o risco
de empobrecer as relações sociais e de não garantir formas eficazes de
solidariedade. São situações que apresentam sintomas de escassa confiança no
futuro e de cansaço moral. Deste modo, torna-se uma necessidade social, e mesmo
económica, continuar a propor às novas gerações a beleza da família e do
matrimónio, a correspondência de tais instituições às exigências mais profundas
do coração e da dignidade da pessoa. Nesta perspectiva, os Estados são chamados
a instaurar políticas que promovam a centralidade e a integridade da família,
fundada no matrimónio entre um homem e uma mulher, célula primeira e vital da
sociedade[112], preocupando-se também com os seus problemas económicos
e fiscais, no respeito da sua natureza relacional.
45. Dar resposta às exigências morais mais profundas da pessoa tem também
importantes e benéficas consequências no plano económico. De facto, a
economia tem necessidade da ética para o seu correcto funcionamento; não de
uma ética qualquer, mas de uma ética amiga da pessoa. Hoje fala-se muito de
ética em campo económico, financeiro, empresarial. Nascem centros de estudo e
percursos formativos de negócios éticos; difunde-se no mundo desenvolvido o
sistema das certificações éticas, na esteira do movimento de ideias nascido à
volta da responsabilidade social da empresa. Os bancos propõem contas e fundos
de investimento chamados « éticos ». Desenvolvem-se as « finanças éticas »,
sobretudo através do microcrédito e, mais em geral, de microfinanciamentos.
Tais processos suscitam apreço e merecem amplo apoio. Os seus efeitos positivos
fazem-se sentir também nas áreas menos desenvolvidas da terra. Todavia, é bom
formar também um válido critério de discernimento, porque se nota um certo abuso
do adjectivo « ético », o qual, se usado vagamente, presta-se a designar
conteúdos muito diversos, chegando-se a fazer passar à sua sombra decisões e
opções contrárias à justiça e ao verdadeiro bem do homem.
Com efeito, muito depende do sistema moral em que se baseia. Sobre este
argumento, a doutrina social da Igreja tem um contributo próprio e específico
para dar, que se funda na criação do homem « à imagem de Deus » (Gn 1,
27), um dado do qual deriva a dignidade inviolável da pessoa humana e também o
valor transcendente das normas morais naturais. Uma ética económica que
prescinda destes dois pilares arrisca-se inevitavelmente a perder o seu cunho
específico e a prestar-se a instrumentalizações; mais concretamente, arrisca-se
a aparecer em função dos sistemas económico-financeiros existentes, em vez de
servir de correcção às disfunções dos mesmos. Além do mais, acabaria até por
justificar o financiamento de projectos que não são éticos. Por outro lado, não
se deve recorrer ao termo « ético » de modo ideologicamente discriminatório,
dando a perceber que não seriam éticas as iniciativas não dotadas formalmente de
tal qualificação. Um dado é essencial: a necessidade de trabalhar não só para
que nasçam sectores ou segmentos « éticos » da economia ou das finanças, mas
também para que toda a economia e as finanças sejam éticas: e não por uma
rotulação exterior, mas pelo respeito de exigências intrínsecas à sua própria
natureza. A tal respeito, se pronuncia com clareza a doutrina social da Igreja,
que recorda como a economia, em todas as suas extensões, seja um sector da
actividade humana[113].
46. Considerando as temáticas referentes à relação entre empresa e ética
e também a evolução que o sistema produtivo está a fazer, parece que a
distinção usada até agora entre empresas que têm por finalidade o lucro (profit)
e organizações que não buscam o lucro (non profit) já não é capaz de dar
cabalmente conta da realidade, nem de orientar eficazmente o futuro. Nestas
últimas décadas, foi surgindo entre as duas tipologias de empresa uma ampla área
intermédia. Esta é constituída por empresas tradicionais mas que subscrevem
pactos de ajuda aos países atrasados, por fundações que são expressão de
empresas individuais, por grupos de empresas que se propõem objectivos de
utilidade social, pelo mundo diversificado dos sujeitos da chamada economia
civil e de comunhão. Não se trata apenas de um « terceiro sector », mas de uma
nova e ampla realidade complexa, que envolve o privado e o público e que não
exclui o lucro mas considera-o como instrumento para realizar finalidades
humanas e sociais. O facto de tais empresas distribuírem ou não os ganhos ou de
assumirem uma ou outra das configurações previstas pelas normas jurídicas
torna-se secundário relativamente à sua disponibilidade a conceber o lucro como
um instrumento para alcançar finalidades de humanização do mercado e da
sociedade. É desejável que estas novas formas de empresa também encontrem, em
todos os países, adequada configuração jurídica e fiscal. Sem nada tirar à
importância e utilidade económica e social das formas tradicionais de empresa,
fazem evoluir o sistema para uma assunção mais clara e perfeita dos deveres por
parte dos sujeitos económicos. E não só... A própria pluralidade das formas
institucionais de empresa gera um mercado mais humano e simultaneamente mais
competitivo.
47. O fortalecimento das diversas tipologias de empresa, mormente das que são
capazes de conceber o lucro como um instrumento para alcançar finalidades de
humanização do mercado e das sociedades, deve ser procurado também nos países
que sofrem exclusão ou marginalização dos circuitos da economia global, onde é
muito importante avançar com projectos de subsidiariedade devidamente concebida
e gerida que tendam a potenciar os direitos, mas prevendo sempre também a
assunção das correlativas responsabilidades. Nas intervenções em prol do
desenvolvimento, há que salvaguardar o princípio da centralidade da
pessoa humana, que é o sujeito que primariamente deve assumir o dever do
desenvolvimento. A preocupação principal é a melhoria das situações de vida das
pessoas concretas duma certa região, para que possam desempenhar aqueles deveres
que actualmente a indigência não lhes permite respeitar. A solicitude nunca pode
ser uma atitude abstracta. Para poderem adaptar-se às diversas situações, os
programas de desenvolvimento devem ser flexíveis; e as pessoas beneficiárias
deveriam estar envolvidas directamente na sua delineação e tornar-se
protagonistas da sua actuação. É necessário também aplicar os critérios da
progressão e do acompanhamento — incluindo a monitorização dos resultados —
porque não há receitas válidas universalmente; depende muito da gestão concreta
das intervenções. « São os povos os autores e primeiros responsáveis do próprio
desenvolvimento. Mas não o poderão realizar isolados »[114]. Esta advertência de Paulo VI é ainda mais válida hoje, com o processo de progressiva
integração que se vai consolidando na terra. As dinâmicas de inclusão não têm
nada de mecânico. As soluções hão-de ser calibradas olhando a vida dos povos e
das pessoas concretas com base numa ponderada avaliação de cada situação. Ao
lado dos macroprojectos servem os microprojectos, e sobretudo serve a
mobilização real de todos os sujeitos da sociedade civil, das pessoas tanto
jurídicas como físicas.
A cooperação internacional
precisa de pessoas que partilhem o processo
de desenvolvimento económico e humano,
através da solidariedade feita de
presença, acompanhamento, formação e respeito.
Sob este ponto de vista, os
próprios organismos internacionais deveriam interrogar-se sobre a real eficácia
das suas estruturas burocráticas e administrativas, frequentemente muito
dispendiosas.
Às vezes sucede que o destinatário das ajudas seja utilizado em
função de quem o ajuda e que os pobres sirvam para manter de pé dispendiosas
organizações burocráticas que reservam para a sua própria conservação percentagens
demasiado elevadas dos recursos que, ao invés, deveriam ser aplicados no
desenvolvimento. Nesta perspectiva, seria desejável que todos os organismos
internacionais e as organizações não governamentais se comprometessem a uma
plena transparência, informando os doadores e a opinião pública acerca da
percentagem de fundos recebidos destinada aos programas de cooperação, acerca do
verdadeiro conteúdo de tais programas e, por último, acerca da configuração das
despesas da própria instituição.
48. O tema do desenvolvimento aparece, hoje, estreitamente associado também
com os deveres que nascem do relacionamento do homem com o ambiente natural.
Este foi dado por Deus a todos, constituindo o seu uso uma responsabilidade que
temos para com os pobres, as gerações futuras e a humanidade inteira. Quando a
natureza, a começar pelo ser humano, é considerada como fruto do acaso ou do
determinismo evolutivo, a noção da referida responsabilidade debilita-se nas
consciências. Na natureza, o crente reconhece o resultado maravilhoso da
intervenção criadora de Deus, de que o homem se pode responsavelmente servir
para satisfazer as suas legítimas exigências — materiais e imateriais — no
respeito dos equilíbrios intrínsecos da própria criação. Se falta esta
perspectiva, o homem acaba por considerar a natureza um tabu intocável ou, ao
contrário, por abusar dela. Nem uma nem outra destas atitudes corresponde à
visão cristã da natureza, fruto da criação de Deus.
A natureza é expressão de um desígnio de amor e de verdade.
Precede-nos, tendo-nos sido dada por Deus como ambiente de vida. Fala-nos do
Criador (cf. Rm 1, 20) e do seu amor pela humanidade. Está destinada, no
fim dos tempos, a ser « instaurada » em Cristo (cf. Ef 1, 9-10; Col
1, 19-20). Por conseguinte, também ela é uma « vocação »[115]. A natureza está à nossa disposição, não como « um monte de lixo espalhado ao acaso
»[116], mas como um dom do Criador que traçou os seus ordenamentos
intrínsecos dos quais o homem há-de tirar as devidas orientações para a «
guardar e cultivar » (Gn 2, 15). Mas é preciso sublinhar também que é
contrário ao verdadeiro desenvolvimento considerar a natureza mais importante do
que a própria pessoa humana. Esta posição induz a comportamentos neopagãos ou a
um novo panteísmo: só da natureza, entendida em sentido puramente naturalista,
não pode derivar a salvação para o homem. Por outro lado, há que rejeitar também
a posição oposta, que visa a sua completa tecnicização, porque o ambiente
natural não é apenas matéria de que dispor a nosso bel-prazer, mas obra
admirável do Criador, contendo nela uma « gramática » que indica finalidades e
critérios para uma utilização sapiente, não instrumental nem arbitrária. Advêm,
hoje, muitos danos ao desenvolvimento precisamente destas concepções deformadas.
Reduzir completamente a natureza a um conjunto de simples dados reais acaba por
ser fonte de violência contra o ambiente e até por motivar acções
desrespeitadoras da própria natureza do homem. Esta, constituída não só de
matéria mas também de espírito e, como tal, rica de significados e de fins
transcendentes a alcançar, tem um carácter normativo também para a cultura. O
homem interpreta e modela o ambiente natural através da cultura, a qual, por sua
vez, é orientada por meio da liberdade responsável, atenta aos ditames da lei
moral. Por isso, os projectos para um desenvolvimento humano integral não podem
ignorar os vindouros, mas devem ser animados pela solidariedade e a justiça
entre as gerações, tendo em conta os diversos âmbitos: ecológico, jurídico,
económico, político, cultural[117].
49. Hoje, as questões relacionadas com o cuidado e a preservação do ambiente
devem ter na devida consideração as problemáticas energéticas. De facto,
o açambarcamento dos recursos energéticos não renováveis por parte de alguns
Estados, grupos de poder e empresas constitui um grave impedimento para o
desenvolvimento dos países pobres. Estes não têm os meios económicos para chegar
às fontes energéticas não renováveis que existem, nem para financiar a pesquisa
de fontes novas e alternativas. A monopolização dos recursos naturais, que em
muitos casos se encontram precisamente nos países pobres, gera exploração e
frequentes conflitos entre as nações e dentro das mesmas. E muitas vezes estes
conflitos são travados precisamente no território de tais países, com um pesado
balanço em termos de mortes, destruições e maior degradação. A comunidade
internacional tem o imperioso dever de encontrar as vias institucionais para
regular a exploração dos recursos não renováveis, com a participação também dos
países pobres, de modo a planificar em conjunto o futuro.
Também sobre este aspecto, há urgente necessidade moral de uma renovada
solidariedade, especialmente nas relações entre os países em vias de
desenvolvimento e os países altamente industrializados[118]. As
sociedades tecnicamente avançadas podem e devem diminuir o consumo energético
seja porque as actividades manufactureiras evoluem, seja porque entre os seus
cidadãos reina maior sensibilidade ecológica. Além disso há que acrescentar que,
actualmente, é possível melhorar a eficiência energética e fazer avançar a
pesquisa de energias alternativas; mas é necessária também uma redistribuição
mundial dos recursos energéticos, de modo que os próprios países desprovidos
possam ter acesso aos mesmos. O seu destino não pode ser deixado nas mãos do
primeiro a chegar nem estar sujeito à lógica do mais forte. Trata-se de
problemas relevantes que, para ser enfrentados de modo adequado, requerem da
parte de todos uma responsável tomada de consciência das consequências que
recairão sobre as novas gerações, principalmente sobre a imensidade de jovens
presentes nos povos pobres, que « reclamam a sua parte activa na construção de
um mundo melhor »[119].
50. Esta responsabilidade é global, porque não diz respeito somente à
energia, mas a toda a criação, que não devemos deixar às novas gerações
depauperada dos seus recursos. É lícito ao homem exercer um governo
responsável sobre a natureza para a guardar, fazer frutificar e cultivar
inclusive com formas novas e tecnologias avançadas, para que possa acolher e
alimentar condignamente a população que a habita. Há espaço para todos nesta
nossa terra: aqui a família humana inteira deve encontrar os recursos
necessários para viver decorosamente, com a ajuda da própria natureza, dom de
Deus aos seus filhos, e com o empenho do seu próprio trabalho e inventiva.
Devemos, porém, sentir como gravíssimo o dever de entregar a terra às novas
gerações num estado tal que também elas possam dignamente habitá-la e continuar
a cultivá-la. Isto implica « o empenho de decidir juntos depois de ter ponderado
responsavelmente qual a estrada a percorrer, com o objectivo de reforçar aquela
aliança entre ser humano e ambiente que deve ser espelho do amor criador de
Deus, de Quem provimos e para Quem estamos a caminho »[120]. É desejável que a comunidade internacional e os diversos governos saibam
contrastar, de maneira eficaz, as modalidades de utilização do ambiente que
sejam danosas para o mesmo. É igualmente forçoso que se empreendam, por parte
das autoridades competentes, todos os esforços necessários para que os custos
económicos e sociais derivados do uso dos recursos ambientais comuns sejam
reconhecidos de maneira transparente e plenamente suportados por quem deles
usufrui e não por outras populações nem pelas gerações futuras: a protecção do
ambiente, dos recursos e do clima requer que todos os responsáveis
internacionais actuem conjuntamente e se demonstrem prontos a agir de boa fé, no
respeito da lei e da solidariedade para com as regiões mais débeis da
terra[121]. Uma das maiores tarefas da economia é precisamente um uso mais eficiente dos
recursos, não o abuso, tendo sempre presente que a noção de eficiência não é
axiologicamente neutra.
51. As modalidades com que o homem trata o ambiente influem sobre as
modalidades com que se trata a si mesmo, e vice-versa. Isto chama a
sociedade actual a uma séria revisão do seu estilo de vida que, em muitas partes
do mundo, pende para o hedonismo e o consumismo, sem olhar aos danos que daí
derivam[122]. É necessária uma real mudança de mentalidade que nos
induza a adoptar novos estilos de vida, « nos quais a busca do verdadeiro,
do belo e do bom e a comunhão com os outros homens para um crescimento comum
sejam os elementos que determinam as opções dos consumos, das poupanças e dos
investimentos »[123]. Toda a lesão da solidariedade e da amizade cívica
provoca danos ambientais, assim como a degradação ambiental por sua vez gera
insatisfação nas relações sociais. A natureza, especialmente no nosso tempo,
está tão integrada nas dinâmicas sociais e culturais que quase já não constitui
uma variável independente. A desertificação e a penúria produtiva de algumas
áreas agrícolas são fruto também do empobrecimento das populações que as habitam
e do seu atraso. Incentivando o desenvolvimento económico e cultural daquelas
populações, tutela-se também a natureza. Além disso, quantos recursos naturais
são devastados pela guerra! A paz dos povos e entre os povos permitiria também
uma maior preservação da natureza. O açambarcamento dos recursos, especialmente
da água, pode provocar graves conflitos entre as populações envolvidas. Um
acordo pacífico sobre o uso dos recursos pode salvaguardar a natureza e,
simultaneamente, o bem-estar das sociedades interessadas.
A Igreja sente o seu peso de responsabilidade pela criação e deve
fazer valer esta responsabilidade também em público. Ao fazê-lo, não tem apenas
de defender a terra, a água e o ar como dons da criação que pertencem a todos,
mas deve sobretudo proteger o homem da destruição de si mesmo. Requer-se uma
espécie de ecologia do homem, entendida no justo sentido. De facto, a degradação
da natureza está estreitamente ligada à cultura que molda a convivência humana:
quando a « ecologia humana » [124] é respeitada dentro da
sociedade, beneficia também a ecologia ambiental. Tal como as virtudes
humanas são intercomunicantes, de modo que o enfraquecimento de uma põe em risco
também as outras, assim também o sistema ecológico se rege sobre o respeito de
um projecto que se refere tanto à sã convivência em sociedade como ao bom
relacionamento com a natureza.
Para preservar a natureza não basta intervir com incentivos ou penalizações
económicas, nem é suficiente uma instrução adequada. Trata-se de instrumentos
importantes, mas o problema decisivo é a solidez moral da sociedade em geral.
Se não é respeitado o direito à vida e à morte natural, se se tornam artificiais a
concepção, a gestação e o nascimento do homem, se são sacrificados embriões
humanos na pesquisa, a consciência comum acaba por perder o conceito de ecologia
humana e, com ele, o de ecologia ambiental. É uma contradição pedir às novas
gerações o respeito do ambiente natural, quando a educação e as leis não as
ajudam a respeitar-se a si mesmas. O livro da natureza é uno e indivisível,
tanto sobre a vertente do ambiente como sobre a vertente da vida, da sexualidade,
do matrimónio, da família, das relações sociais, numa palavra, do
desenvolvimento humano integral. Os deveres que temos para com o ambiente estão
ligados com os deveres que temos para com a pessoa considerada em si mesma e em
relação com os outros; não se podem exigir uns e espezinhar os outros. Esta é
uma grave antinomia da mentalidade e do costume actual, que avilta a pessoa,
transtorna o ambiente e prejudica a sociedade.
52. A verdade e o amor que a mesma desvenda não se podem produzir, mas apenas
acolher. A sua fonte última não é — nem pode ser — o homem, mas Deus, ou seja,
Aquele que é Verdade e Amor. Este princípio é muito importante para a sociedade
e para o desenvolvimento, enquanto nem uma nem outro podem ser somente produtos
humanos; a própria vocação ao desenvolvimento das pessoas e dos povos não se
funda sobre a simples deliberação humana, mas está inscrita num plano que nos
precede e constitui para todos nós um dever que há-de ser livremente assumido.
Aquilo que nos precede e constitui — o Amor e a Verdade subsistentes —
indica-nos o que é o bem e em que consiste a nossa felicidade. E, por
conseguinte, aponta-nos o caminho para o verdadeiro desenvolvimento.
A COLABORAÇÃO
DA FAMÍLIA HUMANA
DA FAMÍLIA HUMANA
53. Uma das pobrezas mais profundas que o homem pode
experimentar é a solidão. Vistas bem as coisas, as outras pobrezas, incluindo a
material, também nascem do isolamento, de não ser amado ou da dificuldade de
amar. As pobrezas frequentemente nascem da recusa do amor de Deus, de uma originária e trágica
reclusão do homem em si próprio, que pensa que se basta a si mesmo ou então que
é só um facto insignificante e passageiro, um « estrangeiro » num universo
formado por acaso. O homem aliena-se quando fica sozinho ou se afasta da
realidade, quando renuncia a pensar e a crer num Fundamento[125]. A humanidade inteira aliena-se quando se entrega a projectos unicamente humanos, a
ideologias e a falsas utopias[126]. A humanidade aparece, hoje, muito
mais interactiva do que no passado: esta maior proximidade deve transformar-se
em verdadeira comunhão. O desenvolvimento dos povos depende sobretudo do
reconhecimento que são uma só família, a qual colabora em verdadeira
comunhão e é formada por sujeitos que não se limitam a viver uns ao lado dos
outros[127].
Observava Paulo VI que « o mundo sofre por falta de convicções »[128].
A afirmação quer exprimir não apenas uma constatação, mas sobretudo um voto:
serve um novo ímpeto do pensamento para compreender melhor as implicações do
facto de sermos uma família; a interacção entre os povos da terra chama-nos a
este ímpeto, para que a integração se verifique sob o signo da solidariedade[129],
e não da marginalização. Tal pensamento obriga a um aprofundamento crítico e
axiológico da categoria da relação. Trata-se de uma tarefa que não pode ser
desempenhada só pelas ciências sociais, mas requer a contribuição de ciências
como a metafísica e a teologia para ver lucidamente a dignidade transcendente do
homem.
De natureza espiritual, a criatura humana realiza-se nas relações
interpessoais: quanto mais as vive de forma autêntica, tanto mais amadurece a
própria identidade pessoal. Não é isolando-se que o homem se valoriza a si mesmo,
mas relacionando-se com os outros e com Deus, pelo que estas relações são de
importância fundamental. Isto vale também para os povos; por isso é muito útil
para o seu desenvolvimento uma visão metafísica da relação entre as pessoas. A
tal respeito, a razão encontra inspiração e orientação na revelação cristã,
segundo a qual a comunidade dos homens não absorve em si a pessoa aniquilando a
sua autonomia, como acontece nas várias formas de totalitarismo, mas valoriza-a
ainda mais porque a relação entre pessoa e comunidade é feita de um todo para
outro todo[130]. Do mesmo modo que a comunidade familiar não anula em
si as pessoas que a compõem e a própria Igreja valoriza plenamente a « nova
criatura » (Gal 6, 15; 2 Cor 5, 17) que pelo baptismo se insere no
seu Corpo vivo, assim também a unidade da família humana não anula em si as
pessoas, os povos e as culturas, mas torna-os mais transparentes reciprocamente,
mais unidos nas suas legítimas diversidades.
54. O tema do desenvolvimento coincide com o da inclusão relacional de todas
as pessoas e de todos os povos na única comunidade da família humana, que se
constrói na solidariedade tendo por base os valores fundamentais da justiça e da
paz. Esta perspectiva encontra um decisivo esclarecimento na relação entre as
Pessoas da Trindade na única Substância divina. A Trindade é absoluta unidade,
enquanto as três Pessoas divinas são pura relação. A transparência recíproca
entre as Pessoas divinas é plena, e a ligação de uma com a outra total, porque
constituem uma unidade e unicidade absoluta. Deus quer-nos associar também a
esta realidade de comunhão: « para que sejam um como Nós somos um » (Jo
17, 22). A Igreja é sinal e instrumento desta unidade[131]. As próprias
relações entre os homens, ao longo da história, só podem ganhar com a referência
a este Modelo divino. De modo particular compreende-se, à luz do mistério
revelado da Trindade, que a verdadeira abertura não significa dispersão
centrífuga, mas profunda compenetração. O mesmo resulta das experiências humanas
comuns do amor e da verdade. Como o amor sacramental entre os esposos os une
espiritualmente a ponto de formarem « uma só carne » (Gn 2, 24; Mt
19, 5; Ef 5, 31) e, de dois que eram, faz uma unidade relacional e real,
de forma análoga a verdade une os espíritos entre si e fá-los pensar em uníssono,
atraindo-os e unindo-os nela.
55. A revelação cristã sobre a unidade do género humano pressupõe uma
interpretação metafísica do humanum na qual a relação seja elemento
essencial. Também outras culturas e outras religiões ensinam a fraternidade
e a paz, revestindo-se, por isso, de grande importância para o desenvolvimento
humano integral; mas não faltam comportamentos religiosos e culturais em que não
se assume plenamente o princípio do amor e da verdade, e acaba-se assim por
refrear o verdadeiro desenvolvimento humano ou mesmo impedi-lo. O mundo actual
regista a presença de algumas culturas de matiz religioso que não empenham o
homem na comunhão, mas isolam-no na busca do bem-estar individual, limitando-se
a satisfazer os seus anseios psicológicos. Também uma certa proliferação de
percursos religiosos de pequenos grupos ou mesmo de pessoas individuais e o
sincretismo religioso podem ser factores de dispersão e de apatia. Um possível
efeito negativo do processo de globalização é a tendência a favorecer tal
sincretismo[132], alimentando formas de « religião » que, em vez de
fazer as pessoas encontrarem-se, alheiam-nas umas das outras e afastam-nas da
realidade. Simultaneamente às vezes perduram legados culturais e religiosos que
bloqueiam a sociedade em castas sociais estáticas, em crenças mágicas não
respeitadoras da dignidade da pessoa, em comportamentos de sujeição a forças
ocultas. Nestes contextos, o amor e a verdade encontram dificuldade em
afirmar-se, com prejuízo para o autêntico desenvolvimento.
Por este motivo, se é verdade, por um lado, que o desenvolvimento tem
necessidade das religiões e das culturas dos diversos povos, por outro, não o é
menos a necessidade de um adequado discernimento. A liberdade religiosa não
significa indiferentismo religioso, nem implica que todas as religiões sejam
iguais[133]. Para a construção da comunidade social no respeito do bem
comum, torna-se necessário, sobretudo para quem exerce o poder político, o
discernimento sobre o contributo das culturas e das religiões. Tal discernimento
deverá basear-se sobre o critério da caridade e da verdade. Dado que está em
jogo o desenvolvimento das pessoas e dos povos, aquele há-de ter em conta a
possibilidade de emancipação e de inclusão na perspectiva de uma comunidade
humana verdadeiramente universal. O critério « o homem todo e todos os homens »
serve para avaliar também as culturas e as religiões. O cristianismo, religião
do « Deus de rosto humano »[134], traz em si mesmo tal critério.
56. A religião cristã e as outras religiões só podem dar o seu contributo
para o desenvolvimento, se Deus encontrar lugar também na esfera pública,
nomeadamente nas dimensões cultural, social, económica e particularmente
política. A doutrina social da Igreja nasceu para reivindicar este « estatuto de
cidadania »[135] da religião cristã. A negação do direito de professar
publicamente a própria religião e de fazer com que as verdades da fé moldem a
vida pública, acarreta consequências negativas para o verdadeiro desenvolvimento.
A exclusão da religião do âmbito público e, na vertente oposta, o
fundamentalismo religioso impedem o encontro entre as pessoas e a sua
colaboração para o progresso da humanidade. A vida pública torna-se pobre de
motivações, e a política assume um rosto oprimente e agressivo. Os direitos
humanos correm o risco de não ser respeitados, porque ficam privados do seu
fundamento transcendente ou porque não é reconhecida a liberdade pessoal. No
laicismo e no fundamentalismo, perde-se a possibilidade de um diálogo fecundo e
de uma profícua colaboração entre a razão e a fé religiosa. A razão tem
sempre necessidade de ser purificada pela fé; e isto vale também para a
razão política, que não se deve crer omnipotente. A religião, por sua vez,
precisa sempre de ser purificada pela razão, para mostrar o seu autêntico
rosto humano. A ruptura deste diálogo implica um custo muito gravoso para o
desenvolvimento da humanidade.
57. O diálogo fecundo entre fé e razão não pode deixar de tornar mais eficaz
a acção da caridade na sociedade, e constitui o quadro mais apropriado para
incentivar a colaboração fraterna entre crentes e não-crentes na
perspectiva comum de trabalhar pela justiça e a paz da humanidade. Na
constituição pastoral
Gaudium et spes, os Padres conciliares afirmavam: «
Tudo quanto existe sobre a terra deve ser ordenado em função do homem, como seu
centro e seu termo: neste ponto existe um acordo quase geral entre crentes e não-crentes »[136]. Segundo os crentes, o mundo não é fruto do acaso nem da
necessidade, mas de um projecto de Deus. Daqui nasce o dever que os crentes têm
de unir os seus esforços com todos os homens e mulheres de boa vontade de outras
religiões ou não-crentes, para que este nosso mundo corresponda efectivamente ao
projecto divino: viver como uma família, sob o olhar do seu Criador. Particular
manifestação da caridade e critério orientador para a colaboração fraterna de
crentes e não-crentes é, sem dúvida, o princípio de subsidiariedade[137], expressão da inalienável liberdade humana. A subsidiariedade é, antes de mais
nada, uma ajuda à pessoa, na autonomia dos corpos intermédios. Tal ajuda é
oferecida quando a pessoa e os sujeitos sociais não conseguem operar por si sós,
e implica sempre finalidades emancipativas, porque favorece a liberdade e a
participação enquanto assunção de responsabilidades. A subsidiariedade respeita
a dignidade da pessoa, na qual vê um sujeito sempre capaz de dar algo aos outros.
Ao reconhecer na reciprocidade a constituição íntima do ser humano, a
subsidiariedade é o antídoto mais eficaz contra toda a forma de assistencialismo
paternalista. Pode motivar tanto a múltipla articulação dos vários níveis e
consequentemente a pluralidade dos sujeitos, como a sua coordenação. Trata-se,
pois, de um princípio particularmente idóneo para governar a globalização e
orientá-la para um verdadeiro desenvolvimento humano. Para não se gerar um
perigoso poder universal de tipo monocrático, o governo da globalização deve
ser de tipo subsidiário, articulado segundo vários e diferenciados níveis
que colaborem reciprocamente. A globalização tem necessidade, sem dúvida, de
autoridade, enquanto põe o problema de um bem comum global a alcançar; mas tal
autoridade deverá ser organizada de modo subsidiário e poliárquico[138], seja para não lesar a liberdade, seja para resultar concretamente eficaz.
58. O princípio de subsidiariedade há-de ser mantido estritamente ligado
com o princípio de solidariedade e vice-versa, porque, se a subsidiariedade
sem a solidariedade decai no particularismo social, a solidariedade sem a
subsidiariedade decai no assistencialismo que humilha o sujeito necessitado.
Esta regra de carácter geral deve ser tida em grande consideração também quando
se enfrentam as temáticas referentes às ajudas internacionais destinadas ao
desenvolvimento. Estas, independentemente das intenções dos doadores, podem
por vezes manter um povo num estado de dependência e até favorecer situações de
sujeição local e de exploração dentro do país ajudado. Para serem
verdadeiramente tais, as ajudas económicas não devem visar segundos fins. Hão-de
ser concedidas envolvendo não só os governos dos países interessados, mas também
os agentes económicos locais e os sujeitos da sociedade civil portadores de
cultura, incluindo as Igrejas locais.
Os programas de ajuda devem assumir sempre
mais as características de programas integrados e participados a partir de baixo.
A verdade é que o maior recurso a valorizar nos países que são assistidos no
desenvolvimento é o recurso humano: este é o autêntico capital que se há-de
fazer crescer para assegurar aos países mais pobres um verdadeiro futuro
autónomo. Há que recordar também que, no campo económico, a principal ajuda de
que têm necessidade os países em vias de desenvolvimento é a de permitir e
favorecer a progressiva inserção dos seus produtos nos mercados internacionais,
tornando possível assim a sua plena participação na vida económica internacional.
Muitas vezes, no passado, as ajudas serviram apenas para criar mercados
marginais para os produtos destes países. Isto, frequentemente, fica a dever-se
à falta de uma verdadeira procura destes produtos; por isso, é necessário ajudar
tais países a melhorar os seus produtos e a adaptá-los melhor à procura. Além
disso, alguns temem a concorrência das importações de produtos, normalmente
agrícolas, provenientes dos países economicamente pobres; contudo devem-se
recordar que, para estes países, a possibilidade de comercializar tais produtos
significa muitas vezes garantir a sua sobrevivência a breve e longo prazo.
Um
comércio internacional justo e equilibrado no campo agrícola pode trazer
benefícios a todos, quer do lado da oferta quer do lado da procura. Por este
motivo, é preciso não só orientar comercialmente estas produções, mas também
estabelecer regras comerciais internacionais que as apoiem e reforçar o
financiamento ao desenvolvimento para tornar mais produtivas estas economias.
59. A cooperação no desenvolvimento não deve limitar-se apenas à
dimensão económica, mas há-de tornar-se uma grande ocasião de encontro
cultural e humano. Se os sujeitos da cooperação dos países economicamente
desenvolvidos não têm em conta — como às vezes sucede — a identidade cultural,
própria e alheia, feita de valores humanos, não podem instaurar algum diálogo
profundo com os cidadãos dos países pobres. Se estes, por sua vez, se abrem
indiferentemente e sem discernimento a qualquer proposta cultural, ficam sem
condições para assumir a responsabilidade do seu autêntico desenvolvimento[139]. As sociedades tecnologicamente avançadas não devem confundir o próprio
desenvolvimento tecnológico com uma suposta superioridade cultural, mas hão-de
descobrir em si próprias virtudes, por vezes esquecidas, que as fizeram
florescer ao longo da história. As sociedades em crescimento devem permanecer
fiéis a tudo o que há de verdadeiramente humano nas suas tradições, evitando de
lhes sobrepor automaticamente os mecanismos da civilização tecnológica
globalizada. Existem, em todas as culturas, singulares e variadas convergências
éticas, expressão de uma mesma natureza humana querida pelo Criador e que a
sabedoria ética da humanidade chama lei natural[140]. Esta lei moral
universal é um fundamento firme de todo o diálogo cultural, religioso e político
e permite que o multiforme pluralismo das várias culturas não se desvie da busca
comum da verdade, do bem e de Deus. Por isso, a adesão a esta lei escrita nos
corações é o pressuposto de qualquer colaboração social construtiva. Em todas as
culturas existem pesos de que libertar-se, sombras a que subtrair-se. A fé
cristã, que se encarna nas culturas transcendendo-as, pode ajudá-las a crescer
na fraternização e solidariedade universais com benefício para o desenvolvimento
comunitário e mundial.
60. Quando se procurarem soluções para a crise económica actual, a ajuda
ao desenvolvimento dos países pobres deve ser considerada como verdadeiro
instrumento de criação de riqueza para todos. Que projecto de ajuda pode
abrir perspectivas tão significativas de mais valia — mesmo da economia mundial
— como o apoio a populações que se encontram ainda numa fase inicial ou pouco
avançada do seu processo de desenvolvimento económico? Nesta linha, os Estados
economicamente mais desenvolvidos hão-de fazer o possível por destinar quotas
maiores do seu produto interno bruto para as ajudas ao desenvolvimento,
respeitando os compromissos que, sobre este ponto, foram tomados a nível de
comunidade internacional. Poderão fazê-lo inclusivamente revendo as políticas
internas de assistência e de solidariedade social, aplicando-lhes o princípio de
subsidiariedade e criando sistemas mais integrativos de previdência social, com
a participação activa dos sujeitos privados e da sociedade civil. Deste modo,
pode-se até melhorar os serviços sociais e de assistência e simultaneamente
poupar recursos, eliminando desperdícios e subvenções abusivas, para destinar à
solidariedade internacional. Um sistema de solidariedade social melhor
comparticipado e organizado, menos burocrático sem ficar menos coordenado,
permitiria valorizar muitas energias, hoje adormecidas, em benefício também da
solidariedade entre os povos.
Uma possibilidade de ajuda para o desenvolvimento poderia derivar da
aplicação eficaz da chamada subsidiariedade fiscal, que permitiria aos cidadãos
decidirem a destinação de quotas dos seus impostos pagos ao Estado. Evitando
degenerações particularistas, isso pode servir de incentivo para formas de
solidariedade social a partir de baixo, com óbvios benefícios também na vertente
da solidariedade para o desenvolvimento.
61. Uma solidariedade mais ampla a nível internacional exprime-se, antes de
mais nada, continuando a promover, mesmo em condições de crise económica,
maior acesso à educação, já que esta é condição essencial para a eficácia da
própria cooperação internacional. Com o termo « educação », não se pretende
referir apenas à instrução escolar ou à formação para o trabalho — ambas, causas
importantes de desenvolvimento — mas à formação completa da pessoa. A este
propósito, deve-se sublinhar um aspecto do problema: para educar, é preciso
saber quem é a pessoa humana, conhecer a sua natureza. A progressiva difusão de
uma visão relativista desta coloca sérios problemas à educação, sobretudo à
educação moral, prejudicando a sua extensão a nível universal. Cedendo a tal
relativismo, ficam todos mais pobres, com consequências negativas também sobre a
eficácia da ajuda às populações mais carecidas, que não têm necessidade apenas
de meios económicos ou técnicos, mas também de métodos e meios pedagógicos que
ajudem as pessoas a chegar à sua plena realização humana.
Um exemplo da relevância deste problema temo-lo no fenómeno do turismo
internacional[141], que pode constituir notável factor de
desenvolvimento económico e de crescimento cultural, mas pode também
transformar-se em ocasião de exploração e degradação moral. A situação actual
oferece singulares oportunidades para que os aspectos económicos do
desenvolvimento, ou seja, os fluxos de dinheiro e o nascimento em sede local de
significativas experiências empresariais, cheguem a combinar-se com os aspectos
culturais, sendo o educativo o primeiro deles. Há casos onde isso ocorre, mas em
muitos outros o turismo internacional é fenómeno deseducativo tanto para o
turista como para as populações locais. Com frequência, estas são confrontadas
com comportamentos imorais ou mesmo perversos, como no caso do chamado turismo
sexual, em que são sacrificados muitos seres humanos, mesmo de tenra idade. É
doloroso constatar que isto acontece frequentemente com o aval dos governos
locais, com o silêncio dos governos donde provêm os turistas e com a
cumplicidade de muitos agentes do sector. Mesmo quando não se chega tão longe, o
turismo internacional não raramente é vivido de modo consumista e hedonista,
como evasão e com modalidades de organização típicas dos países de proveniência,
e assim não se favorece um verdadeiro encontro entre pessoas e culturas. Por
isso, é preciso pensar num turismo diverso, capaz de promover verdadeiro
conhecimento recíproco, sem tirar espaço ao repouso e ao são divertimento: um
turismo deste género há-de ser incrementado, graças também a uma ligação mais
estreita com as experiências de cooperação internacional e de empresariado para
o desenvolvimento.
62. Outro aspecto merecedor de atenção, ao tratar do desenvolvimento humano
integral, é o fenómeno das migrações. É um fenómeno impressionante pela
quantidade de pessoas envolvidas, pelas problemáticas sociais, económicas,
políticas, culturais e religiosas que levanta, pelos desafios dramáticos que
coloca à comunidade nacional e internacional. Pode-se dizer que estamos
perante um fenómeno social de natureza epocal, que requer uma forte e
clarividente política de cooperação internacional para ser convenientemente
enfrentado. Esta política há-de ser desenvolvida a partir de uma estreita
colaboração entre os países donde partem os emigrantes e os países de chegada;
há-de ser acompanhada por adequadas normativas internacionais capazes de
harmonizar os diversos sistemas legislativos, na perspectiva de salvaguardar as
exigências e os direitos das pessoas e das famílias emigradas e, ao mesmo tempo,
os das sociedades de chegada dos próprios emigrantes. Nenhum país se pode
considerar capaz de enfrentar, sozinho, os problemas migratórios do nosso tempo.
Todos somos testemunhas da carga de sofrimentos, contrariedades e aspirações que
acompanha os fluxos migratórios. Como é sabido, o fenómeno é de gestão
complicada; todavia é certo que os trabalhadores estrangeiros, não obstante as
dificuldades relacionadas com a sua integração, prestam com o seu trabalho um
contributo significativo para o desenvolvimento económico do país de acolhimento
e também do país de origem com as remessas monetárias. Obviamente, tais
trabalhadores não podem ser considerados como simples mercadoria ou mera força
de trabalho; por isso, não devem ser tratados como qualquer outro factor de
produção. Todo o imigrante é uma pessoa humana e, enquanto tal, possui direitos
fundamentais inalienáveis que hão-de ser respeitados por todos em qualquer
situação[142].
63. Ao considerar os problemas do desenvolvimento, não se pode deixar de pôr
em evidência o nexo directo entre pobreza e desemprego. Em muitos casos,
os pobres são o resultado da violação da dignidade do trabalho humano,
seja porque as suas possibilidades são limitadas (desemprego, subemprego), seja
porque são desvalorizados « os direitos que dele brotam, especialmente o direito
ao justo salário, à segurança da pessoa do trabalhador e da sua família »[143].
Por isso, já no dia 1 de Maio de 2000, o meu predecessor João Paulo II, de
venerada memória, lançou um apelo, por ocasião do Jubileu dos Trabalhadores,
para « uma coligação mundial em favor do trabalho decente »[144], encorajando a estratégia da Organização Internacional do Trabalho. Conferia,
assim, uma forte valência moral a este objectivo, enquanto aspiração das
famílias em todos os países do mundo. Qual é o significado da palavra « decente
» aplicada ao trabalho? Significa um trabalho que, em cada sociedade, seja a
expressão da dignidade essencial de todo o homem e mulher: um trabalho escolhido
livremente, que associe eficazmente os trabalhadores, homens e mulheres, ao
desenvolvimento da sua comunidade; um trabalho que, deste modo, permita aos
trabalhadores serem respeitados sem qualquer discriminação; um trabalho que
consinta satisfazer as necessidades das famílias e dar a escolaridade aos filhos,
sem que estes sejam constrangidos a trabalhar; um trabalho que permita aos
trabalhadores organizarem-se livremente e fazerem ouvir a sua voz; um trabalho
que deixe espaço suficiente para reencontrar as próprias raízes a nível pessoal
familiar e espiritual; um trabalho que assegure aos trabalhadores aposentados
uma condição decorosa.
64. Ao reflectir sobre este tema do trabalho, é oportuna uma chamada de
atenção também para a urgente necessidade de as organizações sindicais dos
trabalhadores – desde sempre encorajadas e apoiadas pela Igreja — se abrirem
às novas perspectivas que surgem no âmbito laboral. Superando as limitações
próprias dos sindicatos de categoria, as organizações sindicais são chamadas a
responsabilizar-se pelos novos problemas das nossas sociedades: refiro-me, por
exemplo, ao conjunto de questões que os peritos de ciências sociais identificam
no conflito entre pessoa trabalhadora e pessoa consumidora. Sem ter
necessariamente de abraçar a tese duma efectiva passagem da centralidade do
trabalhador para a do consumidor, parece em todo o caso que também este é um
terreno para experiências sindicais inovadoras. O contexto global em que se
realiza o trabalho requer igualmente que as organizações sindicais nacionais,
fechadas prevalecentemente na defesa dos interesses dos próprios inscritos, volvam
o olhar também para os não-inscritos, particularmente para os trabalhadores dos
países em vias de desenvolvimento, onde frequentemente os direitos sociais são
violados. A defesa destes trabalhadores, promovida com oportunas iniciativas
também nos países de origem, permitirá às organizações sindicais porem em
evidência as autênticas razões éticas e culturais que lhes consentiram, em
contextos sociais e laborais diferentes, ser um factor decisivo para o
desenvolvimento. Continua sempre válido o ensinamento da Igreja que propõe a
distinção de papéis e funções entre sindicato e política. Esta distinção
possibilitará às organizações sindicais individualizarem na sociedade civil o
âmbito mais ajustado para a sua acção necessária de defesa e promoção do mundo
do trabalho, sobretudo a favor dos trabalhadores explorados e não representados,
cuja amarga condição resulta frequentemente ignorada pelo olhar distraído da
sociedade.
65. Em seguida, é preciso que as finanças enquanto tais — com
estruturas e modalidades de funcionamento necessariamente renovadas depois da
sua má utilização que prejudicou a economia real — voltem a ser um
instrumento que tenha em vista a melhor produção de riqueza e o desenvolvimento.
Enquanto instrumentos, a economia e as finanças em toda a respectiva extensão, e
não apenas em alguns dos seus sectores, devem ser utilizadas de modo ético a fim
de criar as condições adequadas para o desenvolvimento do homem e dos povos. É
certamente útil, se não mesmo indispensável em certas circunstâncias, dar vida a
iniciativas financeiras nas quais predomine a dimensão humanitária. Isto, porém,
não deve fazer esquecer que o inteiro sistema financeiro deve ser orientado para
dar apoio a um verdadeiro desenvolvimento. Sobretudo, é necessário que não se
contraponha o intuito de fazer o bem ao da efectiva capacidade de produzir bens.
Os operadores das finanças devem redescobrir o fundamento ético próprio da sua
actividade, para não abusarem de instrumentos sofisticados que possam atraiçoar
os aforradores. Recta intenção, transparência e busca de bons resultados são
compatíveis entre si e não devem jamais ser separados. Se o amor é inteligente,
sabe encontrar também os modos para agir segundo uma previdente e justa
conveniência, como significativamente indicam muitas experiências no campo do
crédito cooperativo.
Tanto uma regulamentação do sector capaz de assegurar os sujeitos mais débeis
e impedir escandalosas especulações, como a experimentação de novas formas de
financiamento destinadas a favorecer projectos de desenvolvimento, são
experiências positivas que hão-de ser aprofundadas e encorajadas, invocando a
responsabilidade própria do aforrador. Também a experiência do
microfinanciamento, que mergulha as próprias raízes na reflexão e nas obras
dos humanistas civis (penso nomeadamente no nascimento dos montepios), há-de ser
revigorada e sistematizada, sobretudo nestes tempos em que os problemas
financeiros podem tornar-se dramáticos para muitos sectores mais vulneráveis da
população, que devem ser tutelados dos riscos de usura ou do desespero. Os
sujeitos mais débeis hão-de ser educados para se defender da usura, do mesmo
modo que os povos pobres devem ser educados para tirar real vantagem do
microcrédito, desencorajando assim as formas de exploração possíveis nestes
dois campos. Uma vez que existem novas formas de pobreza também nos países ricos,
o microfinanciamento pode proporcionar ajudas concretas para a criação de
iniciativas e sectores novos em favor das classes débeis da sociedade mesmo numa
fase de possível empobrecimento da própria sociedade.
66. A interligação mundial fez surgir um novo poder político: o dos
consumidores e das suas associações. Trata-se de um fenómeno carecido de
aprofundamento, com elementos positivos que hão-de ser incentivados e excessos
que se devem evitar. É bom que as pessoas ganhem consciência de que a acção de
comprar é sempre um acto moral, para além de económico. Por isso, ao lado da
responsabilidade social da empresa, há uma específica responsabilidade social
do consumidor. Este há-de ser educado[145], sem cessar, para o
papel que exerce diariamente e que pode desempenhar no respeito dos princípios
morais, sem diminuir a racionalidade económica intrínseca ao acto de comprar.
Também no sector das compras — precisamente em tempos como os que se estão
experimentando, em que vêem o poder de compra reduzir-se, devendo por conseguinte
consumir com maior sobriedade — é necessário percorrer outras estradas como, por
exemplo, formas de cooperação para as compras à semelhança das cooperativas de
consumo activas a partir do século XIX graças à iniciativa dos católicos. Além
disso, é útil favorecer formas novas de comercialização de produtos provenientes
de áreas pobres da terra para garantir uma retribuição decente aos produtores,
contanto que se trate de um mercado verdadeiramente transparente, que os
produtores não usufruam apenas de uma margem maior de lucro mas também de maior
formação, profissionalização e tecnologia, e que, enfim, não se incluam em tais
experiências de economia visões ideológicas de parte. Um papel mais incisivo dos
consumidores, desde que não sejam eles próprios manipulados por associações não
verdadeiramente representativas, é desejável como factor de democracia económica.
67. Perante o crescimento incessante da interdependência mundial, sente-se
imenso — mesmo no meio de uma recessão igualmente mundial — a urgência de uma
reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitectura
económica e financeira internacional, para que seja possível uma real
concretização do conceito de família de nações. De igual modo sente-se a
urgência de encontrar formas inovadoras para actuar o princípio da
responsabilidade de proteger [146] e para atribuir também às nações
mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns. Isto revela-se necessário
precisamente no âmbito de um ordenamento político, jurídico e económico que
incremente e guie a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário
de todos os povos. Para o governo da economia mundial, para sanar as economias
atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e em consequência
maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral desarmamento, a
segurança alimentar e a paz, para garantir a salvaguarda do ambiente e para
regulamentar os fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira
Autoridade política mundial, delineada já pelo meu predecessor, o Beato João
XXIII. A referida Autoridade deverá regular-se pelo direito, ater-se
coerentemente aos princípios de subsidiariedade e solidariedade, estar orientada
para a consecução do bem comum[147], comprometer-se na realização de
um autêntico desenvolvimento humano integral inspirado nos valores da caridade
na verdade. Além disso, uma tal Autoridade deverá ser reconhecida por todos,
gozar de poder efectivo para garantir a cada um a segurança, a observância da
justiça, o respeito dos direitos[148]. Obviamente, deve gozar da
faculdade de fazer com que as partes respeitem as próprias decisões, bem como as
medidas coordenadas e adoptadas nos diversos fóruns internacionais. É que, se
isso faltasse, o direito internacional, não obstante os grandes progressos
realizados nos vários campos, correria o risco de ser condicionado pelos
equilíbrios de poder entre os mais fortes. O desenvolvimento integral dos povos
e a colaboração internacional exigem que seja instituído um grau superior de
ordenamento internacional de tipo subsidiário para o governo da globalização
[149] e que se dê finalmente actuação a uma ordem social conforme à
ordem moral e àquela ligação entre esfera moral e social, entre política e
esfera económica e civil que aparece já perspectivada no Estatuto das Nações
Unidas.
O DESENVOLVIMENTO
DOS POVOS E A TÉCNICA
DOS POVOS E A TÉCNICA
68. O tema do desenvolvimento dos povos está intimamente ligado com o do
desenvolvimento de cada indivíduo. Por sua natureza, a pessoa humana está
dinamicamente orientada para o próprio desenvolvimento. Não se trata de um
desenvolvimento garantido por mecanismos naturais, porque cada um de nós sabe
que é capaz de realizar opções livres e responsáveis; também não se trata de um
desenvolvimento à mercê do nosso capricho, enquanto todos sabemos que somos dom
e não resultado de autogeração. Em nós, a liberdade é originariamente
caracterizada pelo nosso ser e pelos seus limites. Ninguém plasma
arbitrariamente a própria consciência, mas todos formam a própria personalidade
sobre a base duma natureza que lhes foi dada. Não são apenas as outras pessoas
que são indisponíveis; também nós não podemos dispor arbitrariamente de nós
mesmos. O desenvolvimento da pessoa degrada-se, se ela pretende ser a única
produtora de si mesma. De igual modo, degenera o desenvolvimento dos povos,
se a humanidade pensa que se pode recriar valendo-se dos « prodígios » da
tecnologia. Analogamente, o progresso económico revela-se fictício e danoso
quando se abandona aos « prodígios » das finanças para apoiar incrementos
artificiais e consumistas. Perante esta pretensão prometeica, devemos robustecer
o amor por uma liberdade não arbitrária, mas tornada verdadeiramente humana pelo
reconhecimento do bem que a precede. Com tal objectivo, é preciso que o homem
reentre em si mesmo, para reconhecer as normas fundamentais da lei moral natural
que Deus inscreveu no seu coração.
69. Hoje, o problema do desenvolvimento está estreitamente unido com o
progresso tecnológico, com as suas deslumbrantes aplicações no campo
biológico. A técnica — é bom sublinhá-lo — é um dado profundamente humano,
ligado à autonomia e à liberdade do homem. Nela exprime-se e confirma-se o
domínio do espírito sobre a matéria. O espírito, « tornando-se assim ‘‘mais
liberto da escravidão das coisas, pode facilmente elevar-se ao culto e à
contemplação do Criador'' »[150]. A técnica permite dominar a matéria,
reduzir os riscos, poupar fadigas, melhorar as condições de vida. Dá resposta à
própria vocação do trabalho humano: na técnica, considerada como obra do génio
pessoal, o homem reconhece-se a si mesmo e realiza a própria humanidade. A
técnica é o aspecto objectivo do agir humano[151], cuja origem e razão
de ser estão no elemento subjectivo: o homem que actua. Por isso, aquela nunca é
simplesmente técnica; mas manifesta o homem e as suas aspirações ao
desenvolvimento, exprime a tensão do ânimo humano para uma gradual superação de
certos condicionamentos materiais. Assim, a técnica insere-se no mandato de «
cultivar e guardar a terra » (Gn 2, 15) que Deus confiou ao homem, e
há-de ser orientada para reforçar aquela aliança entre ser humano e ambiente em
que se deve reflectir o amor criador de Deus.
70. O desenvolvimento tecnológico pode induzir à ideia de auto-suficiência da
própria técnica, quando o homem, interrogando-se apenas sobre o como,
deixa de considerar os muitos porquês pelos quais é impelido a agir. Por
isso, a técnica apresenta-se com uma fisionomia ambígua. Nascida da criatividade
humana como instrumento da liberdade da pessoa, pode ser entendida como elemento
de liberdade absoluta; aquela liberdade que quer prescindir dos limites que as
coisas trazem consigo. O processo de globalização poderia substituir as
ideologias com a técnica[152], passando esta a ser um poder ideológico
que exporia a humanidade ao risco de se ver fechada dentro de um a priori
do qual não poderia sair para encontrar o ser e a verdade. Em tal caso, todos
nós conheceríamos, avaliaríamos e decidiríamos as situações da nossa vida a
partir do interior de um horizonte cultural tecnocrático, ao qual pertenceríamos
estruturalmente, sem poder jamais encontrar um sentido que não fosse produzido
por nós. Esta visão torna hoje tão forte a mentalidade tecnicista que faz
coincidir a verdade com o factível. Mas, quando o único critério da verdade é a
eficiência e a utilidade, o desenvolvimento acaba automaticamente negado. De
facto, o verdadeiro desenvolvimento não consiste primariamente no fazer; a chave
do desenvolvimento é uma inteligência capaz de pensar a técnica e de
individualizar o sentido plenamente humano do agir do homem, no horizonte de
sentido da pessoa vista na globalidade do seu ser. Mesmo quando actua mediante
um satélite ou um comando electrónico à distância, o seu agir continua sempre
humano, expressão de uma liberdade responsável. A técnica seduz intensamente o
homem, porque o livra das limitações físicas e alarga o seu horizonte. Mas a
liberdade humana só o é propriamente quando responde à sedução da técnica com
decisões que sejam fruto de responsabilidade moral. Daqui, a urgência de uma
formação para a responsabilidade ética no uso da técnica. A partir do fascínio
que a técnica exerce sobre o ser humano, deve-se recuperar o verdadeiro sentido
da liberdade, que não consiste no inebriamento de uma autonomia total, mas na
resposta ao apelo do ser, a começar pelo ser que somos nós mesmos.
71. Esta possibilidade da mentalidade técnica se desviar do seu originário
álveo humanista ressalta, hoje, nos fenómenos da tecnicização do desenvolvimento
e da paz. Frequentemente o desenvolvimento dos povos é considerado um problema
de engenharia financeira, de abertura dos mercados, de redução das tarifas
aduaneiras, de investimentos produtivos, de reformas institucionais; em suma, um
problema apenas técnico. Todos estes âmbitos são muito importantes, mas não
podemos deixar de interrogar-nos por que motivo, até agora, as opções de tipo
técnico tenham resultado apenas de modo relativo. A razão há-de ser procurada
mais profundamente. O desenvolvimento não será jamais garantido completamente
por forças de certo modo automáticas e impessoais, sejam elas as do mercado ou
as da política internacional. O desenvolvimento é impossível sem homens
rectos, sem operadores económicos e homens políticos que sintam intensamente em
suas consciências o apelo do bem comum. São necessárias tanto a preparação
profissional como a coerência moral. Quando prevalece a absolutização da
técnica, verifica-se uma confusão entre fins e meios: como único critério de
acção, o empresário considerará o máximo lucro da produção; o político, a
consolidação do poder; o cientista, o resultado das suas descobertas. Deste modo
sucede frequentemente que, sob a rede das relações económicas, financeiras ou
políticas, persistem incompreensões, contrariedades e injustiças; os fluxos dos
conhecimentos técnicos multiplicam-se, mas em benefício dos seus proprietários,
enquanto a situação real das populações que vivem sob tais influxos, e quase
sempre na sua ignorância, permanece imutável e sem efectivas possibilidades de
emancipação.
72. Às vezes, também a paz corre o risco de ser considerada como uma produção
técnica, fruto apenas de acordos entre governos ou de iniciativas tendentes a
assegurar ajudas económicas eficientes. É verdade que a construção da paz
exige um constante tecimento de contactos diplomáticos, intercâmbios económicos
e tecnológicos, encontros culturais, acordos sobre projectos comuns, e também a
assunção de empenhos compartilhados para conter as ameaças de tipo bélico e
cercear à nascença eventuais tentações terroristas. Mas, para que tais esforços
possam produzir efeitos duradouros, é necessário que se apoiem sobre valores
radicados na verdade da vida. Por outras palavras, é preciso ouvir a voz das
populações interessadas e atender à situação delas para interpretar
adequadamente os seus anseios. De certo modo, deve-se colocar em continuidade
com o esforço anónimo de tantas pessoas decididamente comprometidas a promover o
encontro entre os povos e a favorecer o desenvolvimento partindo do amor e da
compreensão recíproca. Entre tais pessoas, contam-se também fiéis cristãos,
empenhados na grande tarefa de dar ao desenvolvimento e à paz um sentido
plenamente humano.
73. Ligada ao desenvolvimento tecnológico está a crescente presença dos
meios de comunicação social. Já é quase impossível imaginar a existência da
família humana sem eles. No bem e no mal, estão de tal modo encarnados na vida
do mundo, que parece verdadeiramente absurda a posição de quantos defendem a sua
neutralidade, reivindicando em consequência a sua autonomia relativamente à
moral que diria respeito às pessoas. Muitas vezes tais perspectivas, que
enfatizam a natureza estritamente técnica dos mass media, de facto
favorecem a sua subordinação a cálculos económicos, ao intuito de dominar os
mercados e, não último, ao desejo de impor parâmetros culturais em função de
projectos de poder ideológico e político. Dada a importância fundamental que têm
na determinação de alterações no modo de ler e conhecer a realidade e a própria
pessoa humana, torna-se necessária uma atenta reflexão sobre a sua influência
principalmente na dimensão ético-cultural da globalização e do desenvolvimento
solidário dos povos. Como requerido por uma correcta gestão da globalização e do
desenvolvimento, o sentido e a finalidade dos mass media devem ser
buscados no fundamento antropológico. Isto quer dizer que os mesmos podem
tornar-se ocasião de humanização, não só quando, graças ao
desenvolvimento tecnológico, oferecem maiores possibilidades de comunicação e de
informação, mas também e sobretudo quando são organizados e orientados à luz de
uma imagem da pessoa e do bem comum que traduza os seus valores universais. Os
meios de comunicação social não favorecem a liberdade nem globalizam o
desenvolvimento e a democracia para todos simplesmente porque multiplicam as
possibilidades de interligação e circulação das ideias; para alcançar tais
objectivos, é preciso que estejam centrados na promoção da dignidade das pessoas
e dos povos, animados expressamente pela caridade e colocados ao serviço da
verdade, do bem e da fraternidade natural e sobrenatural. De facto, na
humanidade, a liberdade está intrinsecamente ligada a estes valores superiores.
Os mass media podem constituir uma válida ajuda para fazer crescer a
comunhão da família humana e o ethos das sociedades, quando se tornam
instrumentos de promoção da participação universal na busca comum daquilo que é
justo.
74. Hoje, um campo primário e crucial da luta cultural entre o absolutismo da
técnica e a responsabilidade moral do homem é o da bioética, onde se joga
radicalmente a própria possibilidade de um desenvolvimento humano integral.
Trata-se de um âmbito delicadíssimo e decisivo, onde irrompe, com dramática
intensidade, a questão fundamental de saber se o homem se produziu por si mesmo
ou depende de Deus. As descobertas científicas neste campo e as possibilidades
de intervenção técnica parecem tão avançadas que impõem a escolha entre estas
duas concepções: a da razão aberta à transcendência ou a da razão fechada na
imanência. Está-se perante uma opção decisiva. No entanto a concepção racional
da tecnologia centrada sobre si mesma apresenta-se como irracional, porque
implica uma decidida rejeição do sentido e do valor. Não é por acaso que a
posição fechada à transcendência se defronta com a dificuldade de pensar como
tenha sido possível do nada ter brotado o ser e do acaso ter nascido a
inteligência[153]. Face a estes dramáticos problemas, razão e fé
ajudam-se mutuamente; e só conjuntamente salvarão o homem: fascinada pela
pura tecnologia, a razão sem a fé está destinada a perder-se na ilusão da
própria omnipotência, enquanto a fé sem a razão corre o risco do alheamento da
vida concreta das pessoas[154].
75. Paulo VI já tinha reconhecido e indicado o horizonte mundial da questão
social[155]. Prosseguindo por esta estrada, é preciso afirmar que hoje
a questão social se tornou radicalmente antropológica, enquanto toca o
próprio modo não só de conceber mas também de manipular a vida, colocada cada
vez mais nas mãos do homem pelas biotecnologias. A fecundação in vitro, a
pesquisa sobre os embriões, a possibilidade da clonagem e hibridação humana
nascem e promovem-se na actual cultura do desencanto total, que pensa ter
desvendado todos os mistérios porque já se chegou à raiz da vida. Aqui o
absolutismo da técnica encontra a sua máxima expressão. Em tal cultura, a
consciência é chamada apenas a registar uma mera possibilidade técnica. Contudo
não se podem minimizar os cenários inquietantes para o futuro do homem e os novos
e poderosos instrumentos que a « cultura da morte » tem à sua disposição. À
difusa e trágica chaga do aborto poder-se-ia juntar no futuro — embora
sub-repticiamente já esteja presente in nuce — uma sistemática
planificação eugenética dos nascimentos. No extremo oposto, vai abrindo caminho
uma mens eutanasica, manifestação não menos abusiva de domínio sobre a
vida, que é considerada, em certas condições, como não digna de ser vivida. Por
detrás destes cenários encontram-se posições culturais negacionistas da
dignidade humana. Por sua vez, estas práticas estão destinadas a alimentar uma
concepção material e mecanicista da vida humana. Quem poderá medir os efeitos
negativos de tal mentalidade sobre o desenvolvimento? Como poderá alguém
maravilhar-se com a indiferença diante de situações humanas de degradação,
quando se comporta indiferentemente com o que é humano e com aquilo que não o é?
Maravilha a selecção arbitrária do que hoje é proposto como digno de respeito:
muitos, prontos a escandalizar-se por coisas marginais, parecem tolerar
injustiças inauditas. Enquanto os pobres do mundo batem às portas da opulência,
o mundo rico corre o risco de deixar de ouvir tais apelos à sua porta por causa
de uma consciência já incapaz de reconhecer o humano.
Deus revela o homem ao
homem;
a razão e a fé colaboram para lhe mostrar o bem, desde que o queira ver;
a lei natural, na qual reluz a Razão criadora, indica a grandeza do homem,
mas
também a sua miséria quando ele desconhece o apelo da verdade moral.
76. Um dos aspectos do espírito tecnicista moderno é palpável na propensão a
considerar os problemas e as moções ligados à vida interior somente do ponto de
vista psicológico, chegando-se mesmo ao reducionismo neurológico. Assim
esvazia-se a interioridade do homem e, progressivamente, vai-se perdendo a noção
da consistência ontológica da alma humana, com as profundidades que os Santos
souberam pôr a descoberto. O problema do desenvolvimento está estritamente
ligado também com a nossa concepção da alma do homem, uma vez que o nosso eu
acaba muitas vezes reduzido ao psíquico, e a saúde da alma é confundida com o
bem-estar emotivo. Na base, estas reduções têm uma profunda incompreensão da
vida espiritual e levam-nos a ignorar que o desenvolvimento do homem e dos povos
depende verdadeiramente também da solução dos problemas de carácter espiritual.
Além do crescimento material, o desenvolvimento deve incluir o espiritual,
porque a pessoa humana é « um ser uno, composto de alma e corpo »[156], nascido do amor criador de Deus e destinado a viver eternamente.
O ser humano
desenvolve-se
quando cresce no espírito, quando a sua alma se conhece a si mesma
e apreende as verdades que Deus nela imprimiu em gérmen,
quando dialoga consigo
mesma e com o seu Criador.
Longe de Deus, o homem vive inquieto e está mal. A
alienação social e psicológica e as inúmeras neuroses que caracterizam as
sociedades opulentas devem-se também a causas de ordem espiritual. Uma sociedade
do bem-estar, materialmente desenvolvida mas oprimente para a alma, de per si
não está orientada para o autêntico desenvolvimento. As novas formas de
escravidão da droga e o desespero em que caem tantas pessoas têm uma explicação
não só sociológica e psicológica, mas essencialmente espiritual. O vazio em que
a alma se sente abandonada, embora no meio de tantas terapias para o corpo e
para o psíquico, gera sofrimento. Não há desenvolvimento pleno nem bem comum
universal sem o bem espiritual e moral das pessoas, consideradas na sua
totalidade de alma e corpo.
77. O absolutismo da técnica tende a produzir uma incapacidade de perceber
aquilo que não se explica meramente pela matéria; e, no entanto, todos os homens
experimentam os numerosos aspectos imateriais e espirituais da sua vida.
Conhecer não é um acto apenas material, porque o conhecido esconde sempre algo
que está para além do dado empírico. Todo o nosso conhecimento, mesmo o mais
simples, é sempre um pequeno prodígio, porque nunca se explica completamente com
os instrumentos materiais que utilizamos. Em cada verdade, há sempre mais do que
nós mesmos teríamos esperado; no amor que recebemos, há sempre qualquer coisa
que nos surpreende. Não deveremos cessar jamais de maravilhar-nos diante destes
prodígios. Em cada conhecimento e em cada acto de amor, a alma do homem
experimenta um « extra » que se assemelha muito a um dom recebido, a uma altura
para a qual nos sentimos atraídos. Também o desenvolvimento do homem e dos povos
se coloca a uma tal altura, se considerarmos a dimensão espiritual que
deve necessariamente conotar aquele para que possa ser autêntico. Este requer
olhos novos e um coração novo, capaz de superar a visão materialista dos
acontecimentos humanos e entrever no desenvolvimento um « mais além » que a
técnica não pode dar. Por este caminho, será possível perseguir aquele
desenvolvimento humano integral que tem o seu critério orientador na força
propulsora da caridade na verdade.
78. Sem Deus, o homem não sabe para onde ir e não consegue sequer compreender
quem é. Perante os enormes problemas do desenvolvimento dos povos que quase
nos levam ao desânimo e à rendição, vem em nosso auxílio a palavra do Senhor
Jesus Cristo que nos torna cientes deste dado fundamental:
« Sem Mim, nada
podeis fazer » (Jo 15, 5), e encoraja: « Eu estarei sempre convosco, até
ao fim do mundo » (Mt 28, 20). Diante da vastidão do trabalho a realizar,
somos apoiados pela fé na presença de Deus junto daqueles que se unem no seu
nome e trabalham pela justiça. Paulo VI recordou-nos, na
Populorum progressio,
que o homem não é capaz de gerir sozinho o próprio progresso, porque não pode
por si mesmo fundar um verdadeiro humanismo. Somente se pensarmos que somos
chamados, enquanto indivíduos e comunidade, a fazer parte da família de Deus
como seus filhos, é que seremos capazes de produzir um novo pensamento e
exprimir novas energias ao serviço de um verdadeiro humanismo integral. Por
isso, a maior força ao serviço do desenvolvimento é um humanismo cristão [157] que reavive a caridade e que se deixe guiar pela verdade, acolhendo
uma e outra como dom permanente de Deus.
A disponibilidade para Deus abre à
disponibilidade para os irmãos e para uma vida entendida como tarefa solidária e
jubilosa. Pelo contrário, a reclusão ideológica a Deus e o ateísmo da
indiferença, que esquecem o Criador e correm o risco de esquecer também os
valores humanos, contam-se hoje entre os maiores obstáculos ao desenvolvimento.
O humanismo que exclui Deus é um humanismo desumano. Só um humanismo aberto
ao Absoluto pode guiar-nos na promoção e realização de formas de vida social e
civil — no âmbito das estruturas, das instituições, da cultura, do ethos
— preservando-nos do risco de cairmos prisioneiros das modas do momento. É a
consciência do Amor indestrutível de Deus que nos sustenta no fadigoso e
exaltante compromisso a favor da justiça, do desenvolvimento dos povos, por
entre êxitos e fracassos, na busca incessante de ordenamentos rectos para as
realidades humanas.
O amor de Deus chama-nos a sair daquilo que é limitado e
não definitivo, dá-nos coragem de agir continuando a procurar o bem de todos,
ainda que não se realize imediatamente e aquilo que conseguimos actuar — nós e
as autoridades políticas e os operadores económicos — seja sempre menos de
quanto anelamos[158]. Deus dá-nos a força de lutar e sofrer por amor do
bem comum, porque Ele é o nosso Tudo, a nossa esperança maior.
79. O desenvolvimento tem necessidade de cristãos com os braços levantados
para Deus em atitude de oração, cristãos movidos pela consciência de que o
amor cheio de verdade — caritas in veritate –, do qual procede o
desenvolvimento autêntico, não o produzimos nós, mas é-nos dado. Por isso,
inclusive nos momentos mais difíceis e complexos, além de reagir conscientemente
devemos sobretudo referir-nos ao seu amor. O desenvolvimento implica atenção à
vida espiritual, uma séria consideração das experiências de confiança em Deus,
de fraternidade espiritual em Cristo, de entrega à providência e à misericórdia
divina, de amor e de perdão, de renúncia a si mesmo, de acolhimento do próximo,
de justiça e de paz. Tudo isto é indispensável para transformar os « corações de
pedra » em « corações de carne » (Ez 36, 26), para tornar « divina » e
consequentemente mais digna do homem a vida sobre a terra. Tudo isto é do
homem, porque o homem é sujeito da própria existência; e ao mesmo tempo é
de Deus, porque Deus está no princípio e no fim de tudo aquilo que tem valor
e redime: « quer o mundo, quer a vida, quer a morte, quer o presente, quer o
futuro, tudo é vosso; mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus » (1 Cor
3, 22-23). A ânsia do cristão é que toda a família humana possa invocar a Deus
como o « Pai nosso ». Juntamente com o Filho unigénito, possam todos os homens
aprender a rezar ao Pai e a pedir-Lhe, com as palavras que o próprio Jesus nos
ensinou, para O saber santificar vivendo segundo a sua vontade, e depois ter o
pão necessário para cada dia, a compreensão e a generosidade com quem nos
ofendeu, não ser postos à prova além das suas forças e ver-se livres do mal (cf.
Mt 6, 9-13).
No final do Ano Paulino, apraz-me formular os seguintes votos com
palavras do Apóstolo tiradas da sua Carta aos Romanos: « Que a vossa
caridade seja sincera, aborrecendo o mal e aderindo ao bem. Amai-vos uns aos
outros com amor fraternal, adiantando-vos em honrar uns aos outros» (12,
9-10). Que a Virgem Maria, proclamada por Paulo VI Mater Ecclesiæ e
honrada pelo povo cristão como Speculum Iustitiæ e Regina Pacis,
nos proteja e obtenha, com a sua intercessão celeste, a força, a esperança e a
alegria necessárias para continuarmos a dedicar-nos com generosidade ao
compromisso de realizar o « desenvolvimento integral do homem todo e de todos
os homens »[159].
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 29 de Junho — Solenidade dos
Santos Apóstolos Pedro e Paulo — do ano de 2009, quinto do meu Pontificado.
BENEDICTUS PP. XVI
[1] Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de
1967), 22: AAS 59 (1967), 268; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past.
sobre a Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, 69.
[2] Discurso no Dia do Desenvolvimento (23 de Agosto de
1968): AAS 60 (1968), 626-627.
[3] Cf. João Paulo II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz
de 2002:
AAS 94 (2002), 132-140.
[4] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo
Gaudium et spes, 26.
[5] Cf. João XXIII, Carta enc.
Pacem in terris (11 de Abril de
1963): AAS 55 (1963), 268-270.
[6] Cf. n. 16: AAS 59 (1967), 265.
[7] Cf. ibid., 82: o.c., 297.
[8] Ibid., 42: o.c., 278.
[9] Ibid., 20: o.c., 267.
[10] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo
Gaudium et spes, 36; Paulo VI, Carta ap.
Octogesima
adveniens (14 de Maio de 1971), 4: AAS 63 (1971), 403-404; João Paulo
II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 43: AAS 83
(1991), 847.
[11] Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de
1967), 13: AAS 59 (1967), 263-264.
[12] Cf. Pont. Conselho « Justiça e Paz »,
Compêndio da Doutrina
Social da Igreja, n. 76.
[13] Cf. Bento XVI,
Discurso na Sessão inaugural dos trabalhos da V Conferência Geral do Episcopado
Latino-Americano e do Caribe (13 de
Maio de 2007): Insegnamenti III/1 (2007), 854-870.
[14] Cf. nn. 3-5: AAS 59 (1967), 258-260.
[15] Cf. João Paulo II, Carta enc.
Sollicitudo rei socialis
(30 de Dezembro de 1987), 6-7: AAS 80 (1988), 517-519.
[16] Cf. Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de
Março de 1967) 14: AAS 59 (1967), 264.
[17] Bento XVI, Carta enc.
Deus caritas est (25 de Dezembro de
2005), 18: AAS 98 (2006), 232.
[18] Ibid., 6: o.c., 222.
[19] Cf. Bento XVI,
Discurso à Cúria Romana durante a apresentação
de votos natalícios (22 de Dezembro de 2005): Insegnamenti I (2005),
1023-1032.
[20] Cf. João Paulo II, Carta enc.
Sollicitudo rei socialis
(30 de Dezembro de 1987), 3: AAS 80 (1988), 515.
[21] Cf. ibid., 1: o.c., 513-514.
[22] Cf. ibid., 3: o.c., 515.
[23] Cf. João Paulo II, Carta enc.
Laborem exercens (14 de
Setembro de 1981), 3: AAS 73 (1981), 583-584.
[24] Cf. João Paulo II, Carta enc.
Centesimus annus
(1 de Maio
de 1991), 3: AAS 83 (1991), 794-796.
[25] Cf. Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de
1967), 3: AAS 59 (1967), 258.
[26] Cf. ibid., 34: o.c., 274.
[27] Cf. nn. 8-9: AAS 60 (1968), 485-487; Bento XVI,
Discurso aos participantes no Congresso Internacional organizado no 40º
aniversário da « Humanae vitae » (10 de Maio de 2008): Insegnamenti
IV/1 (2008), 753-756.
[28] Cf. Carta enc.
Evangelium vitae (25 de Março de 1995),
93: AAS 87 (1995), 507-508.
[29] Ibid., 101: o.c., 516-518.
[30] N. 29: AAS 68 (1976), 25.
[31] Ibid., 31: o.c., 26.
[32] Cf. João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis
(30 de Dezembro de 1987), 41: AAS 80 (1988), 570-572.
[33] Cf. ibid., 41: o.c., 570-572; Carta enc.
Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 5.54: AAS 83 (1991),
799.859-860.
[34] N. 15: AAS 59 (1967), 265.
[35] Cf. ibid., 2: o.c., 481-482; Leão XIII, Carta enc.
Rerum novarum (15 de Maio de 1891): Leonis XIII P. M. Acta, XI
(1892), 97-144; João Paulo II, Carta enc.
Sollicitudo rei socialis (30 de
Dezembro de 1987), 8: AAS 80 (1988), 519-520; Carta enc.
Centesimus
annus (1 de Maio de 1991), 5: AAS 83 (1991), 799.
[36] Cf. Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de
1967), 2.13: AAS 59 (1967), 258.263-264.
[37] Ibid., 42: o.c., 278.
[38] Ibid., 11: o.c., 262; cf. João Paulo II, Carta
enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 25: AAS 83 (1991),
822-824.
[39] Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967),
15: AAS 59 (1967), 265.
[40] Ibid., 3: o.c., 258.
[41] Ibid., 6: o.c., 260.
[42] Ibid., 14: o.c., 264.
[43] Ibid., 14: o.c., 264; cf. João Paulo II, Carta
enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 53-62: AAS 83 (1991),
859-867; Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 13-14: AAS
71 (1979), 282-286.
[44] Cf. Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de
Março de 1967), 12: AAS 59 (1967), 262-263.
[45] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo
Gaudium et spes, 22.
[46] Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de
1967), 13: AAS 59 (1967), 263-264.
[47] Cf. Bento XVI,
Discurso aos participantes no IV Congresso
Eclesial Nacional da Igreja que está na Itália (19 de Outubro de 2006):
Insegnamenti II/2 (2006), 465-477.
[48] Cf. Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de
Março de 1967), 16: AAS 59 (1967), 265.
[49] Ibid., 16: o.c., 265.
[50] Bento XVI,
Discurso aos jovens no cais de Barangaroo (17
de Julho de 2008): L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 19//VII/2008),
4.
[51] Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de
1967), 20: AAS 59 (1967), 267.
[52] Ibid., 66: o.c., 289-290.
[53] Ibid., 21: o.c., 267-268.
[54] Cf. nn. 3.29.32: o.c., 258.272.273.
[55] Cf. Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro
de 1987), 28: AAS 80 (1988), 548-550.
[56] Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de
1967), 9: AAS 59 (1967), 261-262.
[57] Cf. Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro
de 1987), 20: AAS 80 (1988), 536-537.
[58] Cf. Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991),
22-29: AAS 83 (1991), 819-830.
[59] Cf. nn. 23.33: AAS 59 (1967), 268-269.273-274.
[60] Cf. Leonis XIII P. M. Acta, XI (1892), 135.
[61] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium et spes, 63.
[62] Cf. João Paulo II, Carta enc.
Centesimus annus (1 de Maio
de 1991), 24: AAS 83 (1991), 821-822.
[63] Cf. João Paulo II, Carta enc. Veritatis splendor (6 de
Agosto de 1993), 33.46.51: AAS 85 (1993), 1160.1169-1171.1174-1175;
Discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas na comemoração do cinquentenário
de fundação (5 de Outubro de 1995), 3: Insegnamenti XVIII/2 (1995),
732-733.
[64] Cf. Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de
1967), 47: AAS 59 (1967), 280-281; João Paulo II, Carta enc.
Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 42: AAS 80 (1988),
572-574.
[65] Cf. Bento XVI,
Mensagem por ocasião do Dia Mundial da
Alimentação de 2007: AAS 99 (2007), 933-935.
[66] Cf. João Paulo II, Carta enc.
Evangelium vitae (25 de
Março de 1995), 18.59.63-64: AAS 87 (1995), 419-421.467-468.472-475.
[[67] Cf. Bento XVI,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz
de 2007,
5: Insegnamenti II/2 (2006), 778.
[68] Cf. João Paulo II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz
de 2002,
4-7.12-15: AAS 94 (2002), 134-136.138-140;
Mensagem para o Dia Mundial
da Paz de 2004, 8: AAS 96 (2004), 119;
Mensagem para o Dia Mundial da
Paz de 2005, 4: AAS 97 (2005), 177-178; Bento XVI,
Mensagem para o
Dia Mundial da Paz de 2006, 9-10: AAS 98 (2006), 60-61;
Mensagem para o Dia Mundial da Paz
de 2007, 5.14: Insegnamenti II/2 (2006),
778.782-783.
[69] Cf. João Paulo II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz
de 2002,
6: AAS 94 (2002), 135; Bento XVI,
Mensagem para o
Dia Mundial da Paz de 2006, 9-10: AAS 98 (2006), 60-61.
[70] Cf. Bento XVI,
Homilia da Santa Missa no « Islinger Feld » de
Regensburg (12 de Setembro de 2006): Insegnamenti II/2 (2006),
252-256.
[71] Cf. Bento XVI, Carta enc.
Deus caritas est (25 de
Dezembro de 2005), 1: AAS 98 (2006), 217-218.
[72] João Paulo II, Carta enc.
Sollicitudo rei socialis (30 de
Dezembro de 1987), 28: AAS 80 (1988), 548-550.
[73] Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de
1967), 19: AAS 59 (1967), 266-267.
[74] Ibid., 39: o.c., 276-277.
[75] Ibid., 75: o.c., 293-294.
[76] Cf. Bento XVI, Carta enc.
Deus caritas est (25 de
Dezembro de 2005), 28: AAS 98 (2006), 238-240.
[77] João Paulo II, Carta enc.
Centesimus annus (1 de Maio de
1991), 59: AAS 83 (1991), 864.
[78] Cf. Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de
1967), 40.85: AAS 59 (1967), 277.298-299.
[79] Ibid., 13: o.c., 263-264.
[80] Cf. João Paulo II, Carta enc.
Fides et ratio (14 de
Setembro de 1998), 85: AAS 91 (1999), 72-73.
[81] Cf. ibid., 83: o.c., 70-71.
[82] Bento XVI,
Discurso na Universidade de Regensburg (12 de
Setembro de 2006): Insegnamenti II/2 (2006), 265.
[83] Cf. Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de
Março de 1967), 33: AAS 59 (1967), 273-274.
[84] Cf. João Paulo II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz
de 2000,
15: AAS 92 (2000), 366.
[85]
Catecismo da Igreja Católica, 407; cf. João Paulo II,
Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 25: AAS 83
(1991), 822-824.
[86] Cf. n. 17: AAS 99 (2007), 1000.
[87] Cf. ibid., 23: o.c., 1004-1005.
[88] Santo Agostinho expõe, de maneira detalhada, este ensinamento no
diálogo sobre o livre arbítrio (De libero arbitrio, II, 3, 8s.). Aponta
para a existência de um « sentido interno » dentro da alma humana. Este sentido
consiste num acto que se realiza fora das funções normais da razão, um acto não
reflexo e quase instintivo, pelo qual a razão, ao dar-se conta da sua condição
transitória e falível, admite acima de si mesma a existência de algo de eterno,
absolutamente verdadeiro e certo. O nome, que Santo Agostinho dá a esta verdade
interior, umas vezes é Deus (Confissões X, 24, 35; XII, 25, 35; De
libero arbitrio, II, 3, 8, 27), outras e mais frequentemente é Cristo (De
magistro 11, 38; Confissões VII, 18, 24; XI, 2, 4).
[89] Bento XVI, Carta enc.
Deus caritas est (25 de Dezembro de
2005), 3: AAS 98 (2006), 219.
[90] Cf. n. 49: AAS 59 (1967), 281.
[91] João Paulo II, Carta enc.
Centesimus annus (1 de Maio de
1991), 28: AAS 83 (1991), 827-828.
[92] Cf. n. 35: AAS 83 (1991), 836-838.
[93] Cf. João Paulo II, Carta enc.
Sollicitudo rei socialis
(30 de Dezembro de 1987), 38: AAS 80 (1988), 565-566.
[94] N. 44: AAS 59 (1967), 279.
[95] Cf. ibid., 24: o.c., 269.
[96] Cf. Carta enc.
Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 36:
AAS 83 (1991), 838-840.
[97] Cf. Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de
Março de 1967), 24: AAS 59 (1967), 269.
[98] Cf. João Paulo II, Carta enc.
Centesimus annus (1 de Maio
de 1991), 32: AAS 83 (1991), 832-833; Paulo VI, Carta enc.
Populorum
progressio (26 de Março de 1967), 25: AAS 59 (1967), 269-270.
[99] João Paulo II, Carta enc.
Laborem exercens (14 de
Setembro de 1981), 24: AAS 73 (1981), 637-638.
[100] Ibid., 15: o.c., 616-618.
[101] Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967),
27: AAS 59 (1967), 271.
[102] Cf. Congr. para a Doutrina da Fé, Instr. sobre a liberdade cristã e
a libertação Libertatis conscientia (22 de Março de 1987), 74: AAS
79 (1987), 587.
[103] Cf. João Paulo II, Entrevista ao diário católico « La
Croix » de 20 de Agosto de 1997.
[104] João Paulo II,
Discurso à Pontifícia Academia das Ciências
Sociais (27 de Abril de 2001): Insegnamenti XXIV/1 (2001), 800.
[105] Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março
de 1967), 17: AAS 59 (1967), 265-266.
[106] Cf. João Paulo II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz
de 2003,
5: AAS 95 (2003), 343.
[107] Cf. ibid., 5: o.c., 343.
[108] Cf. Bento XVI,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz
de 2007,
13: Insegnamenti II/2 (2006), 781-782.
[109] Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março
de 1967), 65: AAS 59 (1967), 289.
[110] Cf. ibid., 36-37: o.c., 275-276.
[111] Cf. ibid., 37: o.c., 275-276.
[112] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o apostolado dos leigos
Apostolicam actuositatem, 11.
[113] Cf. Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de
Março de 1967), 14: AAS 59 (1967), 264; João Paulo II, Carta enc.
Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 32: AAS 83 (1991), 832-833.
[114] Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março
de 1967), 77: AAS 59 (1967), 295.
[115] João Paulo II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz
de 1990,
6: AAS 82 (1990), 150.
[116] Heráclito de Éfeso (± 535-475 a.C.), Fragmento 22B124, in H.
Diels-W. Kranz, Die Fragmente der Vorsokratiker (Weidmann, Berlim 19526).
[117] Cf. Pont. Conselho « Justiça e Paz »,
Compêndio da Doutrina
Social da Igreja, nn.
451-487.
[118] Cf. João Paulo II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz
de 1990,
10: AAS 82 (1990), 152-153.
[119] Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março
de 1967), 65: AAS 59 (1967), 289.
[120] Bento XVI,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz
de 2008, 7:
AAS 100 (2008), 41.
[121] Cf. Bento XVI,
Discurso aos participantes na Assembleia
Geral das Nações Unidas (18 de Abril de 2008): Insegnamenti IV//1
(2008), 618-626.
[122] Cf. João Paulo II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz
de 1990,
13: AAS 82 (1990), 154-155.
[123] João Paulo II, Carta enc.
Centesimus annus (1 de Maio de
1967), 36: AAS 83 (1991), 838-840.
[124] Ibid., 38: o.c., 840-841; cf. Bento XVI,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz
de 2007, 8: Insegnamenti II/2 (2006),
779.
[125] Cf. João Paulo II, Carta enc.
Centesimus annus (1 de
Maio de 2009), 41: AAS 83 (1991), 843-845.
[126] Cf. ibid., 41: o.c., 843-845.
[127] Cf. João Paulo II, Carta enc.
Evangelium vitae (25 de
Março de 1995), 20: AAS 87 (1995), 422-424.
[128] Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967),
85: AAS 59 (1967), 298-299.
[129] Cf. João Paulo II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz
de 1998,
3: AAS 90 (1998), 150;
Discurso aos Membros da Fundação Centesimus annus (9 de Maio de 1998), 2: Insegnamenti XXI/1 (1998),
873-874;
Discurso às Autoridades Civis e Políticas e ao Corpo Diplomático
durante o encontro no « Wiener Hofburg » (20 de Junho de 1998), 8:
Insegnamenti XXI/1 (1998), 1435-1436;
Mensagem ao Magnífico
Reitor da
Universidade Católica « Sacro Cuore » por ocasião do Dia Anual desta Instituição
(5 de Maio de 2000), 6: Insegnamenti XXIII/1 (2000), 759-760.
[130] Segundo São Tomás, « ratio partis contrariatur rationi personae
», in III Sent. d. 5, 3, 2; e ainda « homo non ordinatur ad communitatem
politicam secundum se totum et secundum omnia sua », in Summa Theologiae
I-II, q. 21, a. 4, ad 3um.
[131] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja
Lumen
gentium, 1.
[132] Cf. João Paulo II,
Discurso aos participantes na Sessão
Pública das Academias Pontifícias de Teologia e de São Tomás de Aquino (8 de
Novembro de 2001), 3: Insegnamenti XXIX/2 (2001), 676-677.
[133] Cf. Congr. para a Doutrina da Fé, Decl. sobre a unicidade e
universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja
Dominus Iesus (6 de
Agosto 2000), 22: AAS 92 (2000), 763-764;
Nota doutrinal sobre algumas
questões relativas à participação e ao comportamento dos católicos na vida política
(24 de Novembro de 2002) 8: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de
25/I/2005), 11.
[134] Bento XVI, Carta enc.
Spe salvi (30 de Novembro de
2007), 31: AAS 99 (2007), 1010;
Discurso aos participantes no IV
Congresso Eclesial Nacional da Igreja que está na Itália (19 de Outubro de
2006): Insegnamenti II/2 (2006), 465-477.
[135] João Paulo II, Carta enc.
Centesimus annus (1 de Maio de
1991), 5: AAS 83 (1991), 798-800; cf. Bento XVI,
Discurso aos participantes no IV
Congresso Eclesial Nacional da Igreja que está na Itália (19 de Outubro de 2006): Insegnamenti II/2 (2006), 471.
[136] N. 12.
[137] Cf. Pio XI, Carta enc.
Quadragesimo anno (15 de Maio de
1931): AAS 23 (1931), 203; João Paulo II, Carta enc.
Centesimus annus
(1 de Maio de 1991), 48: AAS 83 (1991), 852-854;
Catecismo da
Igreja Católica, n. 1883.
[138] Cf. João XXIII, Carta enc.
Pacem in terris (11 de Abril
de 1963): AAS 55 (1963), 274.
[139] Cf. Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de
Março de 1967), 10.41: AAS 59 (1967), 262.277-278.
[140] Cf. Bento XVI,
Discurso aos membros da Comissão Teológica
Internacional (5 de Outubro de 2007): Insegnamenti III/2 (2007),
418-421;
Discurso aos participantes no Congresso internacional sobre « Lei
moral natural » promovido pelo Pontifícia Universidade Lateranense (12 de
Fevereiro de 2007): Insegnamenti III/1 (2007), 209-212.
[141] Cf. Bento XVI,
Discurso aos membros da Conferência Episcopal
da Tailândia em visita « ad Limina » (16 de Maio de 2008): Insegnamenti
IV/1 (2008), 798-801.
[142] Cf. Pont. Conselho para
a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, Instr.
Erga migrantes caritas Christi (3 de Maio de 2004):
AAS 96 (2004), 762-822.
[143] João Paulo II, Carta enc.
Laborem exercens (14 de
Setembro de 1981), 8: AAS 73 (1981), 594-598.
[144]
Discurso no final da Concelebração Eucarística por ocasião do
Jubileu dos Trabalhadores (1 de Maio de 2000): Insegnamenti XXIII/1
(2000), 720.
[145] Cf. João Paulo II, Carta enc.
Centesimus annus (1 de
Maio de 1991), 36: AAS 83 (1991), 838-840.
[146] Cf. Bento XVI,
Discurso aos participantes na Assembleia
Geral das Nações Unidas (18 de Abril de 2008): Insegnamenti IV/1
(2008), 618-626.
[147] Cf. João XXIII, Carta enc.
Pacem in terris (11 de Abril
de 1963): AAS 55 (1963), 293; Pont. Conselho « Justiça e Paz »,
Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 441.
[148] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo
Gaudium et spes, 82.
[149] Cf. João Paulo II, Carta enc.
Sollicitudo rei socialis
(30 de Dezembro de 1987), 43: AAS 80 (1988), 574-575.
[150] Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março
de 1967), 41: AAS 59 (1967), 277-278; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const.
past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, 57.
[151] Cf. João Paulo II, Carta enc.
Laborem exercens (14 de
Setembro de 1981), 5: AAS 73 (1981), 586-589.
[152] Cf. Paulo VI, Carta ap.
Octogesima adveniens
(14 de Maio de 1971), 29: AAS 63 (1971), 420.
[153] Cf. Bento XVI,
Discurso aos participantes no IV
Congresso Eclesial Nacional da Igreja que está na Itália (19 de Outubro de 2006):
Insegnamenti II/2 (2006), 465-477;
Homilia da Santa Missa no « Islinger Feld » de
Regensburg (12 de Setembro de 2006): Insegnamenti II/2
(2006), 252-256.
[154] Cf. Congr. para a Doutrina da Fé, Instr. sobre algumas questões de
bioética Dignitas personae (8 de Setembro de 2008): AAS 100
(2008), 858-887.
[155] Cf. Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de
1967), 3: AAS 59 (1967), 258.
[156] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo
Gaudium et spes, 14.
[157] Cf. n. 42: AAS 59 (1967), 278.
[159] Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março
de 1967), 42: AAS 59 (1967), 278.
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[88] Santo Agostinho expõe, de maneira detalhada, este ensinamento no diálogo sobre o livre arbítrio (De libero arbitrio, II, 3, 8s.). Aponta para a existência de um « sentido interno » dentro da alma humana. Este sentido consiste num acto que se realiza fora das funções normais da razão, um acto não reflexo e quase instintivo, pelo qual a razão, ao dar-se conta da sua condição transitória e falível, admite acima de si mesma a existência de algo de eterno, absolutamente verdadeiro e certo. O nome, que Santo Agostinho dá a esta verdade interior, umas vezes é Deus (Confissões X, 24, 35; XII, 25, 35; De libero arbitrio, II, 3, 8, 27), outras e mais frequentemente é Cristo (De magistro 11, 38; Confissões VII, 18, 24; XI, 2, 4).
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Saudade do Papa Bento XVI - o meu mais querido Papa, o mais Íntegro e Sábio
Comandante da Igreja de Cristo. Impossível não ver nele a grandeza de
Santo Agostinho! Tudo que vier depois dele será arranjo, remendos
oportunistas para manter a Instituição , num cristianismo equivocado,
alheio e omisso à verdadeira razão Cristã.
Radeir - Bento XVI - ost-180x145- 2010
Sejam felizes todos os seres.Vivam em paz todos os seres.
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