Edith Stein:
fenomenologia e espiritualidade
Festa 09 de agosto
Edith Stein: fenomenologia e espiritualidade!
O teor espiritual da vida de Edith Stein foi ascendente, culminando, na
última etapa de sua curta estada existencial – quando fora ‘hóspede’ de
Hitler em Auschwitz – numa vida contemplativa. Esta elevação silenciosa,
como a subida do Monte Carmelo, foi cada vez mais apurada e, inclusive,
podemos dizer que tal acuidade espiritual revestiu, plenamente, sua
existência (1). Esta ascensão purificadora, como o caminhar da alma às
escuras da noite (2) é o que define o caminho da ascética à mística (3).
A dimensão espiritual de sua vida foi, pouco a pouco, revelada através
do caráter dinâmico de sua obra. Seus escritos se desenvolvem,
verdadeiramente, a partir dos mais profundos anseios espirituais de uma
vida intima e dinamicamente voltada para Deus. E esta veemência, longe
de afastá-la do real, acercou-a ainda mais do mundo fenomênico a ponto
de desejá-lo, entendê-lo e questioná-lo, objetivamente, mediante uma
percepção cada vez mais apurada do mesmo.
Ela nos diz que é no seu íntimo, na sua essência, que a alma se encontra em casa.
Por meio da atividade natural de suas faculdades, ela sai de si própria e vai ao
encontro do mundo exterior, exercendo uma atividade sensível que é
inferior à ela mesma (4). Tudo isso, mediante expressões sensíveis,
sensações, sons, palavras, ações e obras, que correspondem certa
manifestação interior, espontânea ou não, consciente ou inconsciente
(5). Sua intensa preocupação acerca de uma teoria do conhecimento que
desse conta do estabelecimento desta ponte é o marco de sua incansável
busca. Mesmo os seus interesses mais comuns permearam-se com este ardor
espiritual de uma vida interior (6). Independente de sua proeminente
formação acadêmica edificava-se nela um natural interesse objetivo pelo
mundo, mediante uma profunda e perspicaz visão subjetiva do mesmo.
Nascera-lhe o desejo filosófico, mediante uma percepção natural.
Este
amor à sabedoria a levaria questionar o modo como teria que se edificar
uma ponte entre a maneira como este denso mundo pessoal –subjetivo
marcado fortemente por uma atividade espiritual– percebe o mundo
aparente e o modo como este mundo aparente –objetivo e caracterizado
intensamente por uma objetividade corpórea– se apresenta à percepção
subjetiva da consciência. Este modo subjetivo de considerar a realidade a
aproximou da filosofia e de uma intensa percepção filosófica do mundo
objetivo. Não obstante, esta cercania se deu a partir da própria tensão
de seu mundo subjetivo, ou seja, de sua visão ‘pessoal’ e subjetiva do
real.
última etapa de sua curta estada existencial – quando fora ‘hóspede’ de
Hitler em Auschwitz – numa vida contemplativa. Esta elevação silenciosa,
como a subida do Monte Carmelo, foi cada vez mais apurada e, inclusive,
podemos dizer que tal acuidade espiritual revestiu, plenamente, sua
existência (1). Esta ascensão purificadora, como o caminhar da alma às
escuras da noite (2) é o que define o caminho da ascética à mística (3).
A dimensão espiritual de sua vida foi, pouco a pouco, revelada através
do caráter dinâmico de sua obra. Seus escritos se desenvolvem,
verdadeiramente, a partir dos mais profundos anseios espirituais de uma
vida intima e dinamicamente voltada para Deus. E esta veemência, longe
de afastá-la do real, acercou-a ainda mais do mundo fenomênico a ponto
de desejá-lo, entendê-lo e questioná-lo, objetivamente, mediante uma
percepção cada vez mais apurada do mesmo.
Ela nos diz que é no seu íntimo, na sua essência, que a alma se encontra em casa.
Por meio da atividade natural de suas faculdades, ela sai de si própria e vai ao
encontro do mundo exterior, exercendo uma atividade sensível que é
inferior à ela mesma (4). Tudo isso, mediante expressões sensíveis,
sensações, sons, palavras, ações e obras, que correspondem certa
manifestação interior, espontânea ou não, consciente ou inconsciente
(5). Sua intensa preocupação acerca de uma teoria do conhecimento que
desse conta do estabelecimento desta ponte é o marco de sua incansável
busca. Mesmo os seus interesses mais comuns permearam-se com este ardor
espiritual de uma vida interior (6). Independente de sua proeminente
formação acadêmica edificava-se nela um natural interesse objetivo pelo
mundo, mediante uma profunda e perspicaz visão subjetiva do mesmo.
Nascera-lhe o desejo filosófico, mediante uma percepção natural.
Este
amor à sabedoria a levaria questionar o modo como teria que se edificar
uma ponte entre a maneira como este denso mundo pessoal –subjetivo
marcado fortemente por uma atividade espiritual– percebe o mundo
aparente e o modo como este mundo aparente –objetivo e caracterizado
intensamente por uma objetividade corpórea– se apresenta à percepção
subjetiva da consciência. Este modo subjetivo de considerar a realidade a
aproximou da filosofia e de uma intensa percepção filosófica do mundo
objetivo. Não obstante, esta cercania se deu a partir da própria tensão
de seu mundo subjetivo, ou seja, de sua visão ‘pessoal’ e subjetiva do
real.
Nestes
termos seria plausível supor que a densidade espiritual de sua
percepção subjetiva do mundo objetivo a impulsionaria, necessariamente,
entendê-lo, a partir desta mesma subjetividade. Podemos dizer que a
finura espiritual de sua vida a incentivou à percepção filosófica
subjetiva de um mundo objetivo. Esta espiritualidade lhe exigia, em sua
dimensão cognoscitiva, uma explicação. Era necessário, para um melhor
entendimento do mundo, compreender-se a si mesma, mediante a compreensão
do modo como sua própria consciência opera. Esta exigência passava pela
compreensão de uma teoria do conhecimento que se arquitetasse sobre
princípios norteadores da consciência, determinando-lhe a
intencionalidade da percepção objetiva. Neste caso, qual filosofia,
senão a de Edmund Husserl, poderia oferecer-lhe naquele momento,
respostas mais adequadas à busca de compreensão do modo como se
estruturava e operava a consciência, subjetivamente, na consideração
objetiva do mundo? Sua aproximação à fenomenologia de Husserl foi
inevitável.
E ela buscava, primeiramente, compreender e logo
viabilizar, mediante a percepção filosófica subjetiva, esta ponte entre a
percepção intencional da consciência e a objetividade do mundo real, a
partir de um vivo diálogo da percepção do ego – a subjetividade – com o
mundo – a objetividade. Não foi a intensidade da fenomenologia de
Husserl que a fez desvelar-se em sua densidade subjetiva espiritual e
convertê-la ao Catolicismo, mas ao contrário, foi a sua própria intensa
vida espiritual, que a aproximou da fenomenologia de Husserl, vendo
nesta uma possibilidade de arquitetar um modelo filosófico para a
compreensão de como a consciência subjetiva e intencional opera sobre o
real objetivo.
Foi esta veemência espiritual que a fez ver, cada
vez mais, no Cristianismo, uma efetiva resposta às suas mais profundas
aspirações intelectuais e espirituais, que a própria fenomenologia não
lhe poderia oferecer. Este clamor de uma vida contemplativa não
pressupôs a filosofia, antes, ao contrário, foi este ardor místico que a
fez amar a filosofia e denotar, mediante ela, sua vocação sobrenatural.
Não há dúvida que a filosofia colaborara para uma melhor visão cristã
do mundo. Se a filosofia a fez chegar ao Cristianismo, a própria ciência
do Cristianismo – a qual denominou ciência da cruz – lhe proporcionaria
descobrir a intensa vida do Evangelho, cristalizadas em obras de
espiritualidade e de teologia, como as de mística de São João da Cruz,
Santa Teresa de Ávila e a Filosofia e Teologia de Tomás de Aquino. Eis
as descobertas que lhe marcariam profundamente, no que se refere ao seu
modo de ser e ao modo de pensar o mundo.
1 E. Stein, Chemins vers
le silence intérieur. Textes choisis et présentés par Vincent Aucante.
Saint-Maur, Parole et Silence, 1998, p. 11-69.
2 S. João da Cruz,
Subida do Monte Carmelo, Liv. I. Cap. II, n. 1. [Obras Completas, 7ª
edição. Petrópolis, Vozes, 2002, p. 143].
3 R. Garrigou-Lagrange, Les
trois âges de la vie intérieure, prélude de celle du Ciel. Tome Ier.
Paris, Les Éditions du Cerf, 1938, p. 16-29.
4 E. Stein, A Ciência da Cruz. Tradução de D. Beda Kruse. São Paulo, Edições Loyola, 2002, p. 127.
5 E. Stein, A Ciência da Cruz. Op. cit., p. 130.
6 E. Stein, Chemins vers le silence intérieur. Op. Cit. p. 11-69. - postagem: quinta-feira, 13 de agosto de 2009
termos seria plausível supor que a densidade espiritual de sua
percepção subjetiva do mundo objetivo a impulsionaria, necessariamente,
entendê-lo, a partir desta mesma subjetividade. Podemos dizer que a
finura espiritual de sua vida a incentivou à percepção filosófica
subjetiva de um mundo objetivo. Esta espiritualidade lhe exigia, em sua
dimensão cognoscitiva, uma explicação. Era necessário, para um melhor
entendimento do mundo, compreender-se a si mesma, mediante a compreensão
do modo como sua própria consciência opera. Esta exigência passava pela
compreensão de uma teoria do conhecimento que se arquitetasse sobre
princípios norteadores da consciência, determinando-lhe a
intencionalidade da percepção objetiva. Neste caso, qual filosofia,
senão a de Edmund Husserl, poderia oferecer-lhe naquele momento,
respostas mais adequadas à busca de compreensão do modo como se
estruturava e operava a consciência, subjetivamente, na consideração
objetiva do mundo? Sua aproximação à fenomenologia de Husserl foi
inevitável.
E ela buscava, primeiramente, compreender e logo
viabilizar, mediante a percepção filosófica subjetiva, esta ponte entre a
percepção intencional da consciência e a objetividade do mundo real, a
partir de um vivo diálogo da percepção do ego – a subjetividade – com o
mundo – a objetividade. Não foi a intensidade da fenomenologia de
Husserl que a fez desvelar-se em sua densidade subjetiva espiritual e
convertê-la ao Catolicismo, mas ao contrário, foi a sua própria intensa
vida espiritual, que a aproximou da fenomenologia de Husserl, vendo
nesta uma possibilidade de arquitetar um modelo filosófico para a
compreensão de como a consciência subjetiva e intencional opera sobre o
real objetivo.
Foi esta veemência espiritual que a fez ver, cada
vez mais, no Cristianismo, uma efetiva resposta às suas mais profundas
aspirações intelectuais e espirituais, que a própria fenomenologia não
lhe poderia oferecer. Este clamor de uma vida contemplativa não
pressupôs a filosofia, antes, ao contrário, foi este ardor místico que a
fez amar a filosofia e denotar, mediante ela, sua vocação sobrenatural.
Não há dúvida que a filosofia colaborara para uma melhor visão cristã
do mundo. Se a filosofia a fez chegar ao Cristianismo, a própria ciência
do Cristianismo – a qual denominou ciência da cruz – lhe proporcionaria
descobrir a intensa vida do Evangelho, cristalizadas em obras de
espiritualidade e de teologia, como as de mística de São João da Cruz,
Santa Teresa de Ávila e a Filosofia e Teologia de Tomás de Aquino. Eis
as descobertas que lhe marcariam profundamente, no que se refere ao seu
modo de ser e ao modo de pensar o mundo.
1 E. Stein, Chemins vers
le silence intérieur. Textes choisis et présentés par Vincent Aucante.
Saint-Maur, Parole et Silence, 1998, p. 11-69.
2 S. João da Cruz,
Subida do Monte Carmelo, Liv. I. Cap. II, n. 1. [Obras Completas, 7ª
edição. Petrópolis, Vozes, 2002, p. 143].
3 R. Garrigou-Lagrange, Les
trois âges de la vie intérieure, prélude de celle du Ciel. Tome Ier.
Paris, Les Éditions du Cerf, 1938, p. 16-29.
4 E. Stein, A Ciência da Cruz. Tradução de D. Beda Kruse. São Paulo, Edições Loyola, 2002, p. 127.
5 E. Stein, A Ciência da Cruz. Op. cit., p. 130.
6 E. Stein, Chemins vers le silence intérieur. Op. Cit. p. 11-69. - postagem: quinta-feira, 13 de agosto de 2009
Professor Dr. Paulo Faitanin
Departamento de Filosofia –UFF
Cit.por aquinate.com
Departamento de Filosofia –UFF
Cit.por aquinate.com
O método fenomenológico e a influência tomista em Edith Stein
O método fenomenológico
A busca de Edith Stein pela composição do ser humano se dá por meio da fenomenologia husserliana. A fenomenologia é uma escola filosófica que foi criada por Edmund Husserl, mestre de Edith, na Alemanha, no final do século XIX e início do século XX.
O método com o qual tratarei de solucionar os problemas é o fenomenológico. É dizer, o método que E. Husserl elaborou e empregou pela primeira vez no volume II de suas investigaciones lógicas, mas que, estou convencida, já havia sido empregado pelos grandes filósofos de todas as épocas, se bem não de modo exclusivo nem com uma clara reflexão sobre o próprio modo de proceder. (STEIN, 1998, p. 49)
A palavra “fenomenologia”, na sua etimologia, possui duas partes, que foram originadas do grego. “Fenômeno” significa aquilo que se mostra; esse termo não pode ser entendido somente como aquilo que aparece ou parece. “Logia” provém do termo logos, que para os gregos poderia significar palavra, pensamento ou capacidade de reflexão. Podemos abstrair disso que a fenomenologia é a reflexão que se faz de um fenômeno, ou seja, daquilo que se mostra. Quando alguma coisa se mostra, essa se mostra ao homem, à pessoa humana. O homem é aquele que busca o sentido daquilo que se mostra.
Muitas vezes, numa primeira impressão, pensamos que as coisas que se mostram a nós são sempre coisas físicas, contudo existem as que são abstratas. Um exemplo disso é a palavra “república”; nós a utilizamos para designar uma coisa pública, porém ela não se refere a nada físico.
Acabo de mencionar o princípio mais elementar do método fenomenológico: fixar nossa atenção nas coisas mesmas. Não interrogar a teorias sobre as coisas, deixar fora enquanto seja possível o que se tem ouvido e lido e as composições de lugar que um mesmo se tem feito, para, mais bem, acercar-se das coisas com uma olhada livre de prejuízos e beber da intuição imediata. Se queremos saber que é o homem, temos que pôr-nos do modo mais vivo possível na situação em que experimentamos a existência humana, é dizer, o que dela experimentamos em nós mesmos e em nossos encontros com outros homens. (STEIN, 1998, p. 49).
Esse método fenomenológico de conceber o mundo permite ao ser humano voltar às próprias coisas, e ultrapassar a análise e a explicação científica. A inovação trazida por Husserl nos permite voltar ao mundo anterior ao conhecimento, e do qual o conhecimento fala constantemente. A fenomenologia nos permite irmos diretamente às coisas, indagando a elas mesmas o que dizem de si próprias, resultando em certezas que certamente seriam diferentes de teorias pré-concebidas. Portanto, antes de se fitar alguma coisa, deve-se anteriormente a isso, colocar entre “parênteses” todo “preconceito” que se tenha em relação àquele fenômeno, e depois de observá-lo sem nenhum preconceito, buscar o seu sentido.
As coisas manifestas ao homem só podem ser consideradas fenômenos se elas possuírem sentido. Para encontrarmos o sentido das coisas, precisamos, às vezes, de uma análise mais aprofundada, uma vez que nem tudo pode ser compreendido instantaneamente. Isso consiste em identificar o sentido das coisas, os fenômenos que se mostram a nós.
Para entendermos os fenômenos, devemos trilhar um caminho[1], que para Husserl é formado por dois momentos: a redução eidética (busca pelo sentido dos fenômenos) e a redução transcendental (como o sujeito busca esse sentido).
Nessa busca pelo sentido dos fenômenos, é possível ao homem encontrar e entender o sentido das coisas. O homem precisa saber qual o sentido das coisas em sua vida habitual para que o mesmo possa orientar-se em seus caminhos. Em algumas ocasiões, ele tem a capacidade de identificar instantaneamente o sentido das coisas, todavia, em outras, ele já pode encontrar certas dificuldades. O homem usa sua intuição para a captação do sentido das coisas, e por meio do sentido, a essência das coisas. A intuição é a relação de consciência que nós temos com um objeto. O voltar a essa intuição originária é o passo do verdadeiro conhecimento. Quando um fato se nos apresenta à consciência , com ele captamos uma essência . As essências das coisas estão sempre presentes quando os fenômenos se mostram.
Façamos uma experiência semelhante às que Husserl propõe: alguém bate a mão sobre a mesa, identifico logo que é um som. Todos nós identificamos esse som. Como o fazemos? Imediatamente, intuitivamente. Escutamos qualquer coisa e dizemos “é um som”. Sempre o fazemos assim, se não pudermos fazer, é por algum problema, mas não havendo problema, somos capazes de intuir, isto é, colocar em perspectiva a essência, o sentido da coisa. (BELLO, 2006, p.22-23).
É importante que fique claro que a fenomenologia busca o sentido das coisas e não os aspectos do objeto, como sua existência e os fatos. O fato de existir não é interessante ao método fenomenológico, mas tão somente o seu sentido.
Husserl procura deixar bem claro, em suas Investigações Lógicas, a diferença que tem a fenomenologia da psicologia. Ele explica que a psicologia é a ciência de dados da realidade. Os fenômenos analisados por ela são todos retirados da realidade, onde seus sujeitos vivem no mundo real do espaço e do tempo. A fenomenologia trata da essência das coisas e não de dados da realidade. Esta possibilita apenas a redução eidética (a busca do sentido dos fenômenos), cuja idéia é purificar os fenômenos psicológicos de seus atributos reais para torná-los gerais e essenciais. Portanto, a fenomenologia pode ser entendida como uma corrente filosófica particular que estuda e investiga através da redução fenomenológica.
O método fenomenológico é o caminho pelo qual Edith Stein realizou a sua formação fenomenológica.
Sendo assistente de Husserl,
ela pôde beber da fonte do criador da fenomenologia.
No segundo capítulo, trataremos de saber como o homem busca esse sentido das coisas e também quem, de fato, é esse homem.
1.2 A influência de Santo Tomás na filosofia Steiniana
Para tomarmos o pensamento de Edith, temos que nos deter um pouco na filosofia tradicional, por meio do pensamento de Santo Tomás de Aquino, de onde Edith parte para iniciar, neste aspecto, o seu trabalho. Essa retomada se faz necessária para que, ao tomarmos o pensamento de Edith, este nos seja mais evidente. Após entendermos o que isso significa, poderemos continuar nosso itinerário.
Espírito especulativo, desde os primeiros tempos de sua conversão, sentiu a atração por Sto. Tomás de Aquino que estudou a fundo, assimilando com seguro intuito os valores perenes, incluindo-os com agudo propósito na trama do método husserliano (...) Esta sua afinidade com Sto. Tomás lhe nasce espontaneamente, por uma simpatia espiritual quase que de almas gêmeas, mais do que por formação de escola. (FABRO apud GARCIA, 1987, p. 42).
Vejamos qual é o pensamento de Santo Tomás diante do ser divino e do ser da criatura:
[... S. Tomás distingue, com mais precisão, o ser das criaturas, separável de sua essência e, portanto, criado, do ser de Deus, idêntico à essência e, portanto, necessário. Esses dois significados do ser não são unívocos, isto é, idênticos, nem equívocos, isto é, simplesmente diferentes; são análogos, ou seja, semelhantes, mas de proporções diversas. Só Deus tem o ser por essência; as criaturas o têm por participação; elas, enquanto são, são semelhantes a Deus, que é o primeiro princípio universal do ser, mas Deus não é semelhante a elas: esta relação é a analogia...] (ABBAGNANO, 1999, p. 56).
Em outras palavras, Santo Tomás deixa notável a distinção entre o ser do criador e o ser da criatura. O ser da criatura depende do ser do criador para existir, ou seja, o criador se faz absolutamente preciso à criatura. O termo “ser” quando se refere à criatura tem um valor, porém quando se refere ao ser de Deus, já possui outro valor. O ser da criatura só pode ser considerado semelhante ao ser de Deus. Deus não recebe de outrem sua existência, pois Deus é existência como substância[2] simples, perfeita e se torna o princípio de outros seres. Assim o homem, ainda na visão de Santo Tomás, é uma substância composta de forma e de matéria, onde corpo e alma são necessários para o ser humano. Se tomarmos um corpo apreendido sem alma ou uma alma apreendida sem corpo não podemos considerá-los como seres – humanos; uma vez que para haver essência, é necessário assimilar duas coisas: a matéria e a forma.
Essa base filosófica de Santo Tomás de Aquino, nós a utilizaremos com mais afinco no terceiro capítulo, onde o homem será observado enquanto imagem de Deus.
[1] No grego: méthodo. Essa palavra é formada de duas partes: “meta”, que significa por meio de; e “odos” que designa estrada.
[2] O termo “Substância”, tanto no aristotelismo como na escolástica, é tido como a realidade que permanece imutável sob os acidentes múltiplos e mutáveis, servindo-lhes de apoio; aquilo que subsiste por si, portando-se independentemente em relação às suas qualificações e estados.
Publicado : segunda-feira, 14 de setembro de 2009
Edith Stein, a caçula de uma numerosa família hebraica, nasceu em 12 de outubro de 1891 em Breslau, Alemanha. Antes de completar dois anos ficou órfã de pai. A pequena Edith era de temperamento forte, vivaz e independente. Ademais, demonstrava uma inteligência muito precoce, que lhe proporcionou o primeiro lugar da classe durante toda a sua vida escolar. Crescendo numa família praticante da religião judaica, ela acreditava em Deus e a Ele dirigia suas preces.
Jovem filósofa à procura da Verdade
Porém, ao atingir a adolescência, perdeu a fé na existência de Deus, parou de rezar e abandonou os estudos. Ela própria relatou mais tarde:
"Com plena consciência e por livre decisão, deixei de rezar. Meus anseios de conhecer a Verdade eram minha única oração."
Aos 14 anos, decidiu retomar os estudos colegiais, para ingressar na universidade. E em 1911 matriculou-se, não em um, mas em três cursos: Filosofia, Língua Alemã e História. Naquela época era pouco comum uma mulher cursar a universidade, menos ainda ver uma jovem de 20 anos seguir três cursos ao mesmo tempo!
Todas as preferências de Edith eram para a Filosofia. Assim, mudou-se em 1913 para Göttingen a fim de assistir às aulas de Edmund Husserl, considerado o mais importante filósofo alemão da época.
Essa jovem estudante parecia haver sucumbido de todo na crise da fé, pois até já se declarava atéia. Mas, por paradoxal que pareça, ela continuava como uma incansável peregrina à procura da Verdade.
Descobre a oração do Pai-Nosso
E a Divina Providência, por seu lado, a guiava por caminhos misteriosos cada vez para mais perto de Deus, a Verdade Absoluta.
Afinal, Deus, o que é? Essa Verdade última, pela qual pautei minha vida, em que consiste? Qual o sentido do sofrimento? Como se explica o mal? Questões como essas povoavam a mente inquieta de Edith. Anos depois ela afirmou: "O estudo da filosofia é um contínuo caminhar à beira do abismo". E acrescentou: "Eu vivia no ingênuo auto-engano de que tudo em mim estava correto, como é frequente em pessoas sem fé, que vivem num tenso idealismo ético".
Encontrava-se ela nessa situação interior quando, por volta de 1914, fez uma análise do Pai-Nosso, não do ponto de vista religioso, mas estudando a etimologia alemã. Ficou muito impressionada com essa oração, e a repassou várias vezes.
Nessa mesma época, Edith travou conhecimento com Adolf Reinach, judeu e discípulo de Husserl, como ela. Também ele buscava a Verdade com fervor e probidade. Logo se formou entre ambos uma sincera amizade, da qual participava também sua esposa Anna. Ora, o casal Reinach estava, por assim dizer, nas vésperas de sua conversão ao Catolicismo, e isso teria em breve uma especial repercussão sobre Edith.
Enfermeira voluntária
Nesse ano de 1914, as atividades intelectuais na Alemanha sofreram um forte abalo com o início da PrimEdith Stein em 1915.jpgeira Guerra Mundial. Edith voltou para Breslau e alistou-se como enfermeira voluntária.
"Agora não tenho vida própria
- todas as minhas forças pertencem a esse grande acontecimento.
Quando a guerra terminar, e se eu ainda continuar viva,
poderei pensar em meus assuntos privados."
Fez um curso de Enfermagem e foi destacada para ser vir num hospital militar, onde, além de prestar assistência na sala de cirurgias, ficou encarregada dos doentes de tifo. Por sua disponibilidade em serviço e sua dedicação aos enfermos, especialmente os moribundos, recebeu a medalha de honra da Cruz Vermelha.Esse hospital foi fechado e ela mudou-se para Friburgo, onde fez o curso de doutorado em Filosofia, obtendo aprovação summa cum laude (máxima com louvor).
A força do exemplo
Pouco tempo depois, a Providência lhe pôs diante dos olhos dois episódios que, como flashes fotográficos, iluminaram a alma dessa jovem doutora a caminho da conversão.
Certo dia, visitando a Catedral de Friburgo com objetivo meramente turístico, ela v iu ent rar u ma mulher com sua cesta de compras e ajoelhar-se para fazer uma breve oração."Isso era algo completamente novo par a mim, pois eu só entrava em sinagogas e em igrejas protestantes p ara o culto religioso comunitário. Ali , em contra partida, estava alguém que acudia a uma igreja vazia em meio às ocupações diárias, como que para um diálogo confidencial com Deus . Disso nunca me esqueci" - relatou ela.
A outra cena deu-se na casa de um camponês católico onde ela se hospedara durante um passeio. Causoulhe profunda impressão ver esse pai de família fazer pela manhã uma oração com os seus empregados, antes de irem para os trabalhos do campo.
Enfim, a conversão
Adolf Reinach - o amigo de Edith que, como ela, estava à busca da Verdade - faleceu em 1917. Visitando a viúva, Anna Reinach, surpreendeuse ao vê-la cheia de paz e serenidade, com mais esperança que sofrimento! Ficou atônita e, ao mesmo tempo, maravilhada quando esta lhe comunicou sua conversão e lhe explicou o papel da Cruz de Cristo. "Esse foi o meu primeiro encontro com a Cruz e com a força divina que ela transmite aos que a carregam. Foi o momento em que a minha descrença desmoronou" - confidenciou mais tarde.
Por volta de 1918, Edith leu os Exercíci os Es pirituais de Santo Iná cio de Loyol a, por mero interesse acadêmico. Entretanto, ao perceber a densa espiritualidade contida nessa obra, fez os trinta dias de meditações, no fim dos quais desejou ardentemente se tornar católica. Todavia, precisou vencer ainda algumas batalhas interiores antes de chegar à c onversão definitiva.
Esta chegou no verão de 1921. Edith foi convidada a passar algumas semanas na casa de campo de uma amiga em Bergzabern, perto de Spira. Certo dia, estando só na casa, apanhou ao acaso um livro na estante. Deus lhe punha nas mãos a "Vida de Santa Teresa de Ávila, escrita por ela mesma".
"Comecei a ler e fiquei tão arrebatada que não consegui parar até terminá-lo. Quando o fechei, disse comigo mesma: ‘Esta é a Verdade!'"
Depois de procurar em vão a Verdade nos livros e nos raciocínios filosóficos, ela a encontrou na história palpitante de amor da grande mística reformadora do Carmelo, cujo exemplo perfumava ainda as almas, cinco séculos após sua morte.
No dia seguinte, ela comprou o Catecismo e o Missal e, depois de estudar meticulosamente o conteúdo desses livros, foi pelaprimeira vez assistir a uma Missa, após a qual procurou o Pároco e pediu o Batismo, que lhe foi conferido poucos meses depois, no dia 1º de janeiro de 1922.
Professora apostólica
Não foi por mero acaso que a Virgem Maria pôs nas mãos dessa alma de escol a autobiografia da grande Santa Teresa. Já no dia de sua conversão ela sentiu-se de tal forma chamada à vida contemplativa na Ordem do Carmo que logo relegou todas as ambições mundanas e passou a levar uma vida de carmelita, tanto quanto lhe permitiam as circunstâncias.
Entretanto, seu diretor espiritual, Mons. Canon Schwind, julgou mais proveitoso para a Igreja que ela empregasse seus talentos no apostolado leigo, e convidou-a a lecionar Alemão e História no Instituto de Educação de Santa Maria Madalena, em Spira. Ela fez então in pectore os votos de pobreza, obediência e castidade e tornou- se professora. A Fräulein Doktor (Senhorita Doutora), como ficou conhecida, expressava-se com perfeição em seis idiomas. Conhecia e traduzia com facilidade as obras de São Tomás de Aquino.
No entanto, mais do que lecionar, ela se empenhava em "ajudar as alunas a moldar a vida no espírito de Cristo". E, persuadida de que "Frei Exemplo é o melhor pregador", fazia seu apostolado principalmente através de uma autêntica vida de piedade: passava horas ajoelhada ante Jesus Sacramentado, como se nada mais existisse no mundo, e tinha uma profunda devoção ao Sagrado Coração de Jesus e à Virgem Maria.
Conferencista e catedrática
Entre 1928 e 1933, por iniciativa de um insigne sacerdote, percorreu a Europa, fazendo conferências sobre o papel da mulher católica na família e na sociedade, apresentando como modelo Maria, a Virgem Mãe. Em 1932 foi nomeada para a Cátedra de Antropologia no Instituto Alemão de Pedagogia Científica, de Münster. Nessa época, porém, sopravam já os maléficos ventos do nazismo, de modo que pouco tempo depois ela perdeu o posto, devido à sua ascendência judaica.
Uma noviça a caminho da santidade
Se para ela essa demissão arbitrária foi um bem ou um mal, não vem ao caso analisar neste artigo. O fato concreto é que no dia 14 de outubro de 1933 ela ingressou no Carmelo de Colônia. Em abril de 1934, recebeu o hábito carmelitano. Edith Stein estava morta para este mundo, nascia uma nova esposa de Cristo, Irmã Teresa Benedita da Cruz.
Não lhe correu fácil o noviciado, tendo ela já 43 anos, e entre as freiras sua ciência filosófica pouco valia. Ademais, o trabalho manual era parte importante da vida monástica e Irmã Teresa era muito desajeitada... A mestra de noviças não deixava de repreendê-la nas ocasiões oportunas, e ela nunca se mostrou ressentida. Pelo contrário, sabia que esses pequenos sacrifícios faziam parte de sua caminhada rumo à santificação, e aceitava tudo com serenidade.
O falecimento de sua mãe, em 1936, deixou sua irmã Rosa livre para receber o Batismo, que desejava
a ardentemente, e ser acolhida como terciária carmelita no mesmo mosteiro de Colônia. As duas irmãs permanecerão unidas até a morte.
Santa Teresa Benedita da Cruz - Edith Stein.jpg
"Os judeus católicos, nossos piores inimigos"
Na segunda metade da década de 1930, acentuava-se cada dia mais o antagonismo entre o partido nazista e o ensinamento da doutrina católica. O governo encabeçado por Hitler perseguia disfarçadamente a Igreja. Quando, em 1937, o Papa Pio XI condenou de maneira contundente o nacional- socialismo através da Encíclica Mit brennender Sorge (Com ardente preocupação), cresceu a animadversão dos hitleristas: acentuou-se a campanha anticlerical, muitos bispos foram agredidos em público e milhares de fiéis foram deportados para os campos de concentração.
Para evitar que o Carmelo de Colônia corresse perigo por sua presença, Irmã Teresa Benedita pediu transferência para algum convento fora da Alemanha. Antes de ser atendido esse seu pedido, delegados do governo nazista violaram a clausura do mosteiro, à sua procura. À vista disso, ela foi transferida às pressas para o Carmelo de Echt, na Holanda. Um ano e meio depois, sua irmã Rosa foi se juntar a ela.
Em julho de 1942, os Bispos holandeses tomaram posição formal contra os nazistas, em defesa dos judeus injustamente perseguidos. O revide do regime nazista não se fez esperar. No dia 2 de agosto, agentes da Gestapo arrancaram do convento as duas irmãs, que foram deportadas para o campo de concentração de Westerbork, norte da Holanda, juntamente com outros 242 judeus católicos. O comissário geral Schmidt, reconheceu de público que essa tirânica medida tinha sido tomada como retaliação à corajosa atitude do Episcopado: "Como o clero católico não se deixa dissuadir por nenhuma negociação, vemo-nos forçados a considerar os judeus católicos como os nossos piores inimigos e, por essa razão, a deportá-los para o Leste o mais depressa possível".
Parecia uma imagem da "Pietà" sem o Cristo
Compreende-se facilmente o desânimo e mesmo o desespero desses infelizes, arrancados com brutalidade de seus lares e transportados em vagões de carga para um campo de concentração. Irmã Teresa, porém, não se deixou abater. Nos poucos dias em que ali permaneceu, manteve-se galhardamente trajada com seu hábito de carmelita, a todos impressionando pela sua fortaleza de ânimo, serenidade e recolhimento. Todo o tempo em que a "Freira Alemã", como era chamada, não passava em oração, ela o empregava em consolar os aflitos, confortar as mulheres e cuidar das crianças. Ela era uma "Pietà sem Cristo" - declarou uma testemunha sobrevivente.
Morta por ódio à Fé católica
Em 7 de agosto, os esbirros do governo embarcaram Sor Teresa Benedita e sua irmã Rosa - juntamente com centenas de outros judeus - em um trem rumo ao campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau. Uma tétrica viagem de quase três dias, sem água e sem alimentos. Logo na chegada, no dia 9, foram mortas na câmara de gás e em seguida seus corpos foram cremados e as cinzas espalhadas pelos campos.
Edith Stein morreu vítima do odium fidei do regime hitleriano. O Pe. Hopster, SVD, afirma isso claramente: "Após ter ouvido as explicações do comissário Schmidt, pode-se declarar que os religiosos presos nesta ocasião foram mortos em testemunho da Fé. Sua prisão foi efetuada por ódio às palavras de nossos bispos. Eram, pois, os bispos e a Igreja os visados e atingidos com a deportação dos religiosos e católicos de origem judaica".
Somente em 1947 as carmelitas de Echt e Colônia tiveram notícia segura a respeito da morte de Santa Teresa Benedita da Cruz, e puderam transmiti- la às demais casas da Ordem: "Não mais a procuremos sobre a terra, mas junto de Deus a quem foi agradável o seu sacrifício, fazendo-o frutificar em favor do povo pelo qual rezou, sofreu e morreu".
A conclusão do livro "A Ciência da Cruz"
Todos os momentos livres de sua vida de carmelita, e também parte da noite, Sor Teresa Benedita os dedicava à redação da obra "A Ciência da Cruz", que lhe tinha sido encomendada para assinalar o quarto centenário do nascimento de São João da Cruz. Contudo, não logrou terminá-la. Ou melhor, ela a concluiu sim, mas não por escrito: a conclusão se efetivou com a entrega de sua própria vida. Da mesma forma que a Verdade eterna se manifestou ao mundo plenamente num Homem, Jesus, e não escrita num livro.
Dela se pode dizer o que afirmou de si próprio o Apóstolo dos Gentios: combateu o bom combate, recebeu a coroa de glória. Foi canonizada em 1998 e, no ano seguinte, proclamada co-padroeira da Europa, junto com Santa Brígida e Santa Catarina de Sena. (Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2005, n. 44, p. 34 à 37)
SANTA TERESA BENEDITA DA CRUZ
Veja também:
Edith Stein é homenageada em musical na Espanha
Simpósio Internacional sobre Edith Stein
Universidade Católica do Chile promove 3º Simpósio Internacional “Questões de Fé e razão em Edith Stein”
http://gtedithstein.blogspot.com.br/2009/09/o-metodo-fenomenologico-e-influencia.html
http://www.arautos.org/especial/8506/Santa-Teresa-Benedita-da-Cruz--De-filosofa-ateia-a-fervorosa-carmelita-.html
Sejam felizes todos os seres.Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.
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