quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

EBOLA E O DIAMANTE DE SANGUE



“Diamantes de sangue” - 90 min.

“Diamantes de sangue” em Angola - 21 min.











O mercado de “diamantes de sangue” ainda existe – e prospera


O mercado de “diamantes de sangue” ainda existe – e prospera


Mais de dez anos depois do Processo de Kimberley – que garantia certificar que nenhum diamante proveniente de zonas de conflito entrasse no comércio mundial – governos, empresas, negociadores e contrabandistas descobriram maneiras de utilizar o tratado para lucrar ainda mais


Por Khadija Sharife e John Grobler, em World Policy 
 Tradução: Vinicius Gomes

Antuérpia, Bélgica ‐ Em algum lugar entre as minas de diamantes na África e as deslumbrantes lojas de jóias de Dubai e Antuérpia, uma corporação belga chamada Omega Diamonds construiu um triângulo financeiro e comercial onde pelo menos 3,5 bilhões de dólares em lucros simplesmente desapareceram da face da Terra entre 2001 e 2008. E, se formos acreditar nos investigadores belgas, havia pouco que pudesse ser feito. Não apenas as autoridades de Dubai deliberadamente se fizeram de cegas para as práticas corporativas de evasão fiscal e também de sonegação, como a liderança do Centro de Multi‐Commodities de Dubai (DMCC, sigla em inglês) aparentemente bloqueou as investigações de outros países. Ao invés de ser expulsa e entrar no livro negro da indústria, a Omega Diamonds, controlada por dois dos maiores atores do setor, ganhou um passe livre da cadeia.

Enquanto Bruxelas anunciava uma grande vitória em 14 de março de 2013, após aplicar uma multa de 195 milhões de dólares contra a Omega Diamonds – a maior já imposta a uma empresa belga – a companhia e, pelo menos dois de seus diretores, escaparam de qualquer outra punição. Ironicamente, poucos dias antes, um ex‐advogado da Omega, Koen Geens, foi indicado para ser ministro das finanças da Bélgica, ficando responsável pelas investigações fiscais.

Mas um ano antes o principal acionista da Omega, Ehud “o Argentino” Laniado, vendeu todas as suas propriedades na Bélgica e, de acordo com a newsletter da indústria Rough & Polished, se estabeleceu no paraíso fiscal de Mônaco, além do alcance dos inspetores da Bruxelas. Seu parceiro, Sylvain Goldberg, aparentemente transferiu suas operações para a Suíça e Israel – o primeiro, o maior dos paraísos fiscais; o segundo, conhecido por não colaborar muito com autoridades fiscais estrangeiras. Ambos os homens permanecem membros da venerável Bolsa de Diamantes da Antuérpia, cujos responsáveis rejeitaram fazer qualquer comentário sobre o acordo jurídico da Omega.

Sem dúvida nenhuma, a Omega foi capaz de vencer o sistema devido a sua peculiar e complexa rede de atividades ilícitas. Em resumo, o comércio ilegal de diamantes da companhia ligou países no centro da África a subsidiárias da empresa em Dubai e, por fim, Antuérpia. Empregando autocratas africanos corruptos e executivos com fome de dinheiro, a Omega comprava diamantes de origem questionável pagando pouco, ou quase nada, em Angola, República Democrática do Congo e Zimbábue. Então embarcavam os diamantes para Dubai, onde eles recebiam certificados de origem mista – de acordo com a norma legal do Processo de Kimberley – e, subsequentemente, o preço destes diamantes era sobrevalorizado. De Dubai, os diamantes seriam enviados a Antuérpia, onde seriam vendidos no maior mercado a um preço maior do que o do seu verdadeiro valor. O dinheiro recebido com essas vendas financiaria as contas bancárias da Omega e muitos dos personagens corruptos que eles empregavam no esquema tri‐continental.


Mina artesanal em Serra Leoa, país símbolo da devastação dos “diamantes de sangue” (WikiCommons)
Mina artesanal em Serra Leoa, país símbolo da devastação dos “diamantes de sangue” (WikiCommons)

Uma investigação que durou três meses sobre a ineficiência do acordo internacional criado inicialmente para combater os diamantes de sangue, conhecido como a Certificação do Processo de Kimberley (KPCS, sigla em inglês), revela que uma das mais efetivas táticas possibilitando o contínuo roubo dos recursos mineiras da África é a pratica de subfaturar o valor dos diamantes por meio de companhias subsidiárias, baseado em jurisdições provendo sigilo legal e financeiro, como em Dubai. Essa manobra sozinha conseguiu subverter e “limpar” diamantes valendo bilhões de dólares, que tinham origens questionáveis. E, apesar de a Omega ter concordado em pagar a multa que os investigadores fiscais belgas impuseram como uma parte de um acordo extrajudicial, ela negou qualquer culpa.

Essas jurisdições possibilitam que paraísos fiscais ajam como países de trânsito para diamantes, servindo ao propósito de remover as origens destes por meio de certificados mistos com os que possuem origem legal. Mas a causa do problema não reside na ineficiência do Processo de Kimberley como um mecanismo de monitoramento para diamantes de conflitos atuais e sim no louvável objetivo de remover a mancha ou a reputação de “conflito” dos diamantes, através de um processo de certificação. Subverter esse processo requer definir bem o conceito que agora rotula os rebeldes como a única razão para o conflito na África, que ainda responde por cerca de 65% de toda produção bruta – sem lapidação – de diamantes no mundo. Sendo assim, os diamantes “limpos” produzidos em países africanos que não foram extraídos em zonas de violência – mas que talvez fossem controlados por autocratas – fizeram com que o patrimônio pessoal desses líderes aumentasse. Certificados como 99% livres de conflitos, eles poderiam então ter sido usados para aumentar a fortuna de alguns poucos indivíduos e famílias. Esse mecanismo está recebendo apenas agora atenção graças a uma série de procedimentos de tribunais na Europa.


Monróvia, capital da Libéria, foi grande centro de venda de diamantes provenientes da vizinha em guerra civil,  Serra Leoa (WikiCommons)
Monróvia, capital da Libéria, foi grande centro de venda de diamantes provenientes da vizinha em guerra civil, Serra Leoa (WikiCommons)

Em 2007, quando a primeira das investigações norteando esses procedimentos estava apenas nascendo, Dubai havia se tornado uma máquina de fazer 35 bilhões de dólares por ano, o que, em virtude de leis fiscais frouxas e alto sigilo, consolidou sua posição no velho e no novo mundo dos diamantes – representados respectivamente pela Antuérpia e, em segundo lugar, por Mumbai, e Xangai, na Índia, e China. Personagens como Goldberg e Laniado já haviam percebido as oportunidades que oferecia um paraíso fiscal e um hub de diamantes como Dubai. Para entender como o Processo Kimberley ajudou Dubai a se tornar – no que a polícia britânica, Scotland Yard, acredita ser o maior entreposto para contrabando de diamante e ouro do mundo – é necessário apenas entender o que o reinante Conselho de Diamantes de Dubai almejava alcançar e, também, a miríade de consequências imprevistas que isso trouxe.

A Antuérpia era a maior liderança em comércio de diamantes do mundo e lar do Conselho Mundial de Diamantes (WDC, sigla em inglês). No início do ano de 2000, o WDC estava trabalhando para manter sua posição em uma indústria onde muito dos diamantes do mundo passavam pela Pelikaanstratm, no coração do Diamantkwartier – ou “distrito dos diamantes” na Antuérpia. Fazer com que todos jogassem pelas mesmas regras era vital para proteger a cidade como o lar do negócio de 500 anos em lapidar e comercializar diamantes no mundo, enquanto desviava de ameaças de novos personagens como Ran Gamat, em Tel Aviv, Israel e, em menor extensão, Dubai e Mumbai.

A ascensão de Dubai pode ser traçada quase que em uma linha reta desde 1992, quando o encurralado governo em Luanda, capital de Angola (centro da mineração de diamantes “quase-legais”) enfrentava perda de controle de quase todas as cidades do interior angolano para os rebeldes da Unita. O governo, liderado pelo rival da Unita, a MPLA, contratou um grupo de ex-soldados sul-africanos que trabalhavam para um empresa militar privada chamada Executive Outcomes (EO), para inicialmente aconselhar e, depois, assumir o comando operacional de sua campanha militar contra a Unita. Armas pesadas, navios de guerra e tecnologia avançada de rastreamento – todas extremamente caras – seriam necessárias para por um fim à campanha assassina de Jonas Savimbi, o líder da Unita. Para preencher essa contínua e crescente necessidade, o regime de Luanda buscou o auxílio de um seleto grupo russo-israelense de negociadores de armas e diamantes, notoriamente composto por Sylvain Goldberg, Pierre Falcone, Arkadi Gaydamak e Lev Leviev. Mas não antes do Processo de Kimberley procurar travar seus negócios.

A exploração
O Esquema de Certificação do Processo de Kimberley foi desenhado em 2003 para “manter os diamantes em negócios internacionais incólumes de violência”, e supostamente deveria estar limitado a atividades de grupos rebeldes em países produtores de diamantes na África – principalmente Angola e Zimbábue. Mas a mina de diamantes Marange, no Zimbábue, por estar avaliada em 800 bilhões de dólares, era constantemente pilhada por uma rede de políticos, militares e companhias escusas, e estava além do alcance de todo o Processo de Kimberley. Ao invés de derrubar o negócio de “diamantes de sangue” no país, notório pela brutalidade de políticos, militares e do presidente Robert Mugabe, suas operações continuavam e eram financiadas por esses mesmos diamantes.

Várias formas de violência, desde física à sócio-econômica, saíam do escopo e da definição de Kimberley, e isso incluía atos perpetrados por aqueles que controlam o Estado e seus parceiros corporativos. Assim como diz um vazamento da embaixada norte-americana na Bélgica, revelado pelo Wikileaks: “A Bélgica começou, muito recentemente, a tomar medidas para monitorar o fluxo dos diamantes originados no Zimbábue através do Escritório de Diamantes da Antuérpia… mas aqueles envolvidos no comércio ilegal no Zimbábue foram espertos o suficiente para misturar seus diamantes com aqueles que vinham de outros países, como da República Democrática do Congo (RDC), sendo então enviados para outros centros de comércio de diamantes, como Dubai, onde eles recebiam a certificação Kimberley de legitimidade para serem então enviados à Antuérpia”.

“O que podemos fazer quanto a isso?”, perguntou Chindori Chininga, presidente do Comitê Parlamentar do Portfólio de Minas no Zimbábue. “Qual é o valor do certificado de Kimberley se vem de um lugar que também é um paraíso fiscal?”, se referindo à habilidade de Dubai em emitir certificados de diamantes “misturados”, eliminando assim inteiramente sua origem. Chininga, considerado um político zimbabuano moderado e membro do partido de Mugabe, o ZANU-PF, revelou que condenar aqueles que são responsáveis pelo estabelecimento e lucro desse sistema corrupto não funcionará a não ser que os corruptores sejam responsabilizados. “Nós devemos nos perguntar para quem esse sistema está realmente trabalhando”, disse Chininga, que serviu como ministro de minas do Zimbábue entre 2000 e 2004. Vários dias após uma entrevista com os autores dessa matéria, Chininga, que liderava uma investigação sobre as atividades econômicas das companhias de diamantes, foi morto em um acidente de carro às vésperas das eleições [de 2013]. Em seu funeral, alguns membros de sua família alegaram que ele foi assassinado.


Carro danificado de Chindori Chininga que resultou em sua morte (Newsday Zimbabwe)
Carro danificado de Chindori Chininga que resultou em sua morte (Newsday Zimbabwe)

Dossiês escritos pelo notório serviço de inteligência do Zimbábue, a Organização Central de Inteligência (CIO, sigla em inglês), iria mais tarde revelar que seis moderados do ZANU, incluindo Chininga, deveriam “ser freados”, e que as eleições seriam fraudadas com a ajuda de dois líderes africanos, um deles sendo Joseph Kabila, do RDC. Finalmente, de acordo com esses documentos, dinheiro e diamantes passavam entre presidentes africanos e executivos do Zimbábue através de Dubai, Angola e China.

De acordo com as ordens de pagamento apreendidas, o aumento no valor, de Dubai para Antuérpia foi estimado em 20% a 31%. Para cada carregamento, uma nova lista de preços e um novo certificado Kimberley era anexado. A Omega sistematicamente desvalorizou os diamantes vindos da África via trading em Dubai, Tulip FZE, dirigida por Vivian Hawkins-Green, cunhada de “Argentino” Laniado. A empresa então aumentava o valor quando exportava de Dubai para a Antuérpia. Isso foi feito para tirar vantagem de uma prática de Kimberley, que permitia que um país não-produtor de diamantes, como os Emirados Árabes, misturasse parcelas de diamantes e então emitisse certificados de origem mista, fazendo com que Dubai escondesse a sua origem, no caso, o Zimbábue, que estava banido do comércio internacional pelo Processo de Kimberley. Ao se tornar um membro do Processo, paraísos fiscais como Suíça e Dubai legitimamente obtém o direito de ofuscar as origens dos diamantes africanos.

Desvalorização
A estratégia dúbia de desvalorizar e depois supervalorizar os diamantes foi usada pela Omega, que exportou uma média de pelo menos 1,2 bilhão de diamantes todo ano entre 2001 e 2008 – 10 milhões por mês do Congo e 100 milhões por mês de Angola. David Renous, um ex-comprador de diamantes no Congo para a Omega, alegou que um número substancial desses diamantes foi desvalorizado e não declarado, nem em Angola, nem no Congo.

Renous contou a investigadores belgas e norte-americanos que a sistemática não-declaração dos diamantes foi feita com cooperação de pessoas chave na elite angolana, incluindo o eterno presidente do país, José Eduardo dos Santos, e foi parte de um elaborado esquema para compensar o negociador de armas Arkadi Gaydamak para rearmar o partido de Dos Santos, entre 1992 e 1998, em revelia às sanções da ONU contra os protagonistas belicosos em Angola. As armas, todas da Rússia e com origem no Leste Europeu, foram fornecidas em violação às sanções da ONU, mas os traficantes de armas e outros facilitadores precisavam ser pagos. Em um país pobre, devastado pelo conflito como Angola, dinheiro vivo, especialmente em grandes quantidades, é bem difícil de obter. E assim apareceram os diamantes e seus mercadores.

A recompensa de Gaydamak foi se tornar um parceiro silencioso no monopólio da Omega com o governo angolano. O magnata israelense dos diamantes, Lev Leviev, atuante nos diamantes angolanos desde 1998, seria o principal financiador. A Tulip FZE, segundo Renous, “gerava lucros, que poderiam ser ou realocados no sistema para aumentar o capital, ou usados como bem quisessem. Ninguém sabia de nada”. O sistema, Renous disse aos investidores, não apenas permitiu que Gaydamak lavasse sua fortuna proveniente da venda de armas para fora de Angola por meio de diamantes – um recurso fácil de ser acessado e movimentado –, mas também permitia um lucro massivo com a desvalorização e supervalorização dos diamantes. Estes eram vendidos a preços de “banana” para as próprias subsidiárias de Gaydamak.

Mas a lavagem de dinheiro, desvalorização nos preços e a sonegação fiscal na África – toda essa ilegalidade acontecendo debaixo da proteção da certificação do Processo de Kimberley, não eram os problemas investigados pela Justiça belga. A fraude residia no fato de que a Omega e a Tulip procuraram então sonegar os impostos na Bélgica. De fato, a Omega nunca “guardou” mais de 2% de seus lucros, em um esforço claro de escapar dos impostos sobre os lucros. Três das entidades ligadas à Omega, incluindo a companhia de avaliação MDC, assim como as tradings DexDiam e MBD, trocavam os diamantes – no papel – e enviavam o dinheiro para várias contas bancárias, principalmente em paraísos fiscais como Luxemburgo, Suíça e Dubai. Outros atores na operação supostamente incluem diversos negociantes baseados em Dubai, já que todos os lucros ficavam, no final, em Dubai. E todas as companhias, de acordo com Renous, estavam sob o controle de Laniado.

Há pouca dúvida do por quê os investigadores belgas arquivaram o caso após quatro longos anos de investigação que se estendeu da Antuérpia para a África para o Oriente Médio. Paraísos fiscais como Dubai asseguram que a trilha de documentos levava para múltiplos becos sem saída. Promotores não podiam provar que a Omega se beneficiou de inúmeras ordens de pagamentos superfaturadas de Dubai para a Antuérpia. A comunicação da embaixada dos EUA revelada pelo Wikileaks citou um investigador dizendo: “É como se nossa linha de fax estivesse diretamente conectada com o triturador deles [em Dubai]”. O misterioso e estranho silêncio dos Emirados Árabes Unidos em resposta às requisições oficiais por informação foi resposta o suficiente.

Destino: Dubai
Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, se tornou o maior símbolo das violações contra o Processo de Kimberley no comércio de diamantes global
Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, se tornou o maior símbolo das violações contra o Processo de Kimberley no comércio de diamantes global (WikiCommons)

Além de rivalizar com a Antuérpia como hub de diamantes, Dubai também rivaliza com a principal cidade de polimento e lapidação, Mumbai. Dizem que as Torres Almas de Dubai, o maior prédio comercial do Oriente Médio, abrigam mais de mil negociadores de diamantes, assim como 300 companhias nacionais e internacionais. Em 2003, a certificação de Kimberley foi inaugurada nos Emirados pelo ministro da economia, nomeando o DMCC como o único ponto de entrada e saída de diamantes no país. O Índice Secreto de Financiamento (FSI, sigla em inglês), ranqueou o país como o “maior país em escala de sigilo”. Tudo isso fez com que Dubai se tornasse um grande ponto global de trânsito para diamantes de qualquer proveniência, descrito por Nick Shaxson, autor de Ilhas do Tesouro, como “um dos lugares mais imundos do planeta”. E isso nada tem a ver com higiene.

“Por conta dos certificados de Kimberley, os negociantes de diamantes não queriam enviar os diamantes da África diretamente ao mercado”, disse um dos investigadores do governo belga, que pediu para não ser identificado por temer represálias. “Os carregamentos eram desviados para Dubai.

O certificado e a ordem de pagamento eram alterados para certo preço, e então enviados para uma trading. Dessa maneira, o escritório de avaliação na trading recebia o carregamento de diamantes com os certificados de Dubai, atestando suas origens mistas e com um preço próximo ao valor de mercado. A compra do montante total, como descrito na ordem de pagamento, é transferido e direcionado para diferentes contas bancárias ao redor do mundo. Para os contadores, todas as transferências são atribuídas ao fornecedor de Dubai. Fica claro que os Emirados são um ponto de trânsito, criado apenas para produzir “novos” documentos, com o intuito de mascarar a origem dos diamantes e criar uma possibilidade para divergir os pagamentos”.

Em outra troca de mensagens da embaixada, revelada pelo Wikileaks, a antiga diretora do órgão responsável pela supervisão do comércio de diamantes em Dubai, Noora Jamsheer, alegou que o sistema de Kimberley, em Dubai, era corrupto, e que a ofereceram comissões para fazer vista grossa. Em 2007, ela renunciou porque “não estava disposta a ter tais ligações e não inspecionar os carregamentos de diamantes suspeitos”. De acordo com o cabo, a respeito de um desses carregamentos suspeitos, “Em setembro de 2006, Ahmed Bin Sulayem, chefe de operações do escritório de supervisão, autorizou a liberação do carregamento”. O certificado Kimberley, originado em Gana, não foi propriamente autenticado na hora da liberação. Jamsheer acredita que Dubai e os Emirados Árabes estão errando em não tornar mais rigorosos os procedimentos para a liberação dos certificados. E ela suspeita que transformar Dubai em um hub para diamantes foi motivado apenas para facilitar transações escusas.

Enraizada no comércio de armas
Para entender as totais implicações para a credibilidade do Processo de Kimberley e o pedido da indústria para ser sua própria “polícia”, apenas um fator é essencial: os personagens que mais se beneficiaram, ao contribuir na campanha de 10 anos da UNITA para conseguir tomar o poder através de uma guerra financiada pelos diamantes, eram exatamente os mesmos que se beneficiaram com o acordo da Omega – financiando o governo a lutar contra a UNITA.

A UNITA e seu falecido líder, Jonas Savimbi, assim como o presidente da Libéria, Charles Taylor, foram algumas das inúmeras outras razões para que Kimberley fosse implantado em primeiro lugar, que era para cortar a oxigenação de seus movimentos rebeldes.

Para contextualizar isso historicamente: vinte anos atrás, Jonas Savimbi raivosamente rejeitou sua derrota nas eleições de Angola – supervisionada pela ONU – reiniciando uma das mais brutais guerras civis na África. Em um país abençoado, ou amaldiçoado, com alguns dos mais ricos depósitos de diamantes no mundo, os compradores da Antuérpia foram recrutados como financiadores da guerra.


Jonas Savimbi, líder da UNITA, foi peça-chave durante anos no financiamento da guerra civil angolana através de diamantes (Foto: COLOCAR CRÉDITO)
Jonas Savimbi, líder da UNITA, foi peça-chave durante anos no financiamento da guerra civil angolana através de diamantes .(Foto:WikiCommons)

Em 1994, em uma tentativa de cortar a fonte de dinheiro e armas de Savimbi, a ONU lançou sanções a todas as negociações envolvendo diamantes e o líder rebelde. Encarando uma enorme crise de legitimidade e uma ameaça global de um boicote ao comércio de diamantes, a maior empresa do mercado, De Beers, e o governo sul-africano, iniciaram o Processo de Kimberley. Seu grande objetivo era prejudicar todos os movimentos rebeldes e cortá-los do comércio formal de diamantes. Entre 2001 e 2003, mais de 50 países e 90 negociadores de diamantes assinaram formalmente o Esquema de Certificação do Processo de Kimberley – incluindo o governo de Dubai, até então apenas um pequeno personagem com pouco mais de cinco milhões de lucro anual.

Em 1997, o regime de Luanda se encontrou preso em uma armadilha. Apesar de sua campanha militar ter retirado a presença da UNITA das principais cidades angolanas, a habilidade do governo em pagar seus mercenários e gastos militares estava incrivelmente restringido. Documentos levados a público pela investigação “Falcongate, em Paris, implicou o filho do falecido presidente François Mitterrand e alguns altos oficiais africanos em negociações com armas e lavagem de dinheiro. Através dessa revelação, descobriu-se que Gaydamak – rivalizando com Goldberg e Leviev pelo controle da produção de diamantes em Angola – conseguiu não apenas circunavegar as sanções de compra de armas, mas também contribuiu enormemente para prejudicar os principais objetivos do Processo de Kimberley.

A meteórica ascensão da filha do presidente de Angola, Isabel dos Santos, para a posição de primeira mulher bilionária na África, se deve a esse sistema. Usando, primeiramente, Gaydamak, no meio da década de 1990, seu objetivo era criar um monopólio na compra de diamantes, muito parecido com o esquema da De Beers na Namíbia, Botsuana e África do Sul. Sua empresa, TAIS, foi estabelecida em 1997 e incorporada na Suíça com o único propósito de negociar diamantes. Dois anos depois, por conta de mercenários terem ajudado as forças armadas angolanas a estabelecerem controle no prolífico campo de diamantes de Lunda Norte, o presidente Dos Santos decretou que apenas ASCopr Ltda. – uma subsidiária da Omega baseada em Angola – teria a permissão de comprar e exportar os diamantes angolanos. Controle total com zero de prestação de contas e um monopólio oficial produzem uma incrível gama de oportunidades – como os eventos em Angola tão claramente ilustram.

Já no começo de 2004, esses parceiros se aproveitaram dos termos rigorosos estabelecidos pelo recém-criado Processo de Kimberley ao desvalorizar o preço que eles pagariam oficialmente por diamantes brutos de Angola e, assim, expandindo a margem de lucro que eles receberiam ao vendê-los em Antuérpia e Tel Aviv. Em 2007, o Banco Mundial criticou a prática “baseada em tratamentos especiais e privilegiados”. Em resumo, o regime de Luanda promoveu ativamente um esquema que roubaria seu próprio país para render diversos bilhões em lucro para a Omega – a intermediária que fez tudo isso acontecer.

O esquema de “lavagem de diamantes” da Omega envolveu algumas empresas registradas em paraísos fiscais, todas controladas ou por Goldberg ou pelo clã de Laniado, lavando dinheiro graças a investimentos de companhias em países com diferentes jurisdições, desde Luxemburgo até o Chipre. Mas a Omega é apenas uma empresa nesse conto sórdido. Existem outras milhares de companhias trabalhando no nebuloso mundo dos campos de diamantes da África. As perdas reais para os países africanos, desde massiva desvalorização até outras formas de atividades ilegais – de acordo com a Comissão Econômica para a África da ONU (UNECA, sigla em inglês) – podem chegar a 200 bilhões de dólares por ano.

De sua parte, desde 2011, a Omega e o regime angolano, notavelmente o presidente Dos Santos, seu exército e aliados corporativos, circunavegaram potenciais obstáculos ao operaram com outro paraíso fiscal. Em Genebra, eles foram capazes e continuar com seus negócios tranquilamente ao adquirirem ações de outras companhias como De Grisogono, fundada pelo rei dos diamantes negros, Fawaz Gruosi – publicamente não envolvido com as negociantes da ASCorp.

Renovando Kimberley
Nem todos os governos são iguais. A diferença entre países produtores de diamantes e paraísos fiscais não-produtores é vasta. O último providencia a infraestrutura financeira secreta que permite atividades ilícitas, enquanto o primeiro luta para gerar renda para suprir a necessidade de seus cidadãos. Mas os esforços para intervir no comércio de diamantes produzidos por rebeldes, falha ao não levar em consideração o papel dos governos nesses países. Se forem eles autoritários, não-democráticos ou corruptos, eles podem ser muito mais perigosos que qualquer movimento rebelde, pois, ao contrário desses, os regimes são legitimamente aceitos como atores globais – explorando recursos naturais em nome de seus cidadãos, mas desviando e abusando da riqueza nacional para o seu lucro ou o de elementos criminosos ligados à liderança do país.

Além disso, a maior parte dessas atividades ainda ocorre de uma maneira tecnicamente legal, dentro dos limites do Processo de Kimberley, utilizando o processo para prover parcelas de legalidade a fim de aprofundar suas atividades criminosas. Montado para extirpar a violência de um grupo específico – organizações rebeldes -, como maneira de proteger a renda dos principais personagens de diamante no mundo, Kimberley se tornou um processo que meramente lubrifica esse espiral de operações ilícitas.
No final, a definição de Kimberley continua limitada a rebeldes, ao invés de aumentar sua abrangência para outros personagens que forçaram sua entrada nessa indústria, violando os princípios e o espírito do sistema. Se o Processo de Kimberley continuar como está, não haverá maneira de salvar a indústria dos diamantes, além deste continuar a ser um sistema que produz o tipo errado de resultados.

Seria difícil, se não, politicamente impossível reformar Kimberley de sua forma original, particularmente por ter consumido dois anos de negociação para a formação do original. Nenhum país que não produz diamantes deveria ser permitido que se emitisse certificados Kimberley e, países produtores, governados por regimes autoritários, ou dominados por grandes corporações – que se recusem a revelar sua política de valores para autoridades investigativas deveriam ser suspensos do processo. E claro, paraísos fiscais – como Dubai, Luxemburgo e Suíça – deveriam ser impedidos de participar de qualquer maneira do negócio de diamantes.

Para completar essas mudanças, é claro, necessitaria outra injeção de boa vontade de todos os signatários originais do Processo de Kimberley e, enquanto isso, os riscos são grandes, caso essas revisões não sejam rapidamente implantadas. O Processo pode se tornar em breve mais um exemplo de uma medida falha e vazia.

Khadija Sharife, jornalista investigativo e pesquisador em sigilo financeiro e indústrias extrativistas, é autor de Tax Us If You Can: África (Pambazuka), editor do Fórum para Repórteres Investigativos Africanos

John Grobler, jornalista investigativo em crime organizado e indústria extrativista. Cobre Namíbia, Angola, Zâmbia e República Democrática do Congo para os jornais sul-africanos Mail&Guardian. Fundador do Fórum para Repórteres Investigativos Africanos



Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres. 
Sejam abençoados todos os seres.

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