Sobre A Verdade Pitagórica
José Américo Motta Pessanha
Os pitagóricos, responsáveis pela criação de um sistema religioso que se baseava na Matemática, como verdade manifesta do Cosmos, tendo o objetivo de através dos números decodificar cosmogonicamente o universal, já que os números, considerados como manifestação do real, ou mais próximos do que se concebera enquanto real, poderiam fornecer por sua concretude, alguma compreensão a respeito do que somos.
O Cosmos, dentro de uma perspectiva matemática, possuía uma dimensão não mais distante a ponto de parecer inconcebível ao humano, passivo de análise, chegando a uma concepção harmônica originária de idéias órficas – relativo ao Orfismo, baseado no culto de Orfeu, reminescência do culto a Dionisio – entre natureza e humanidade, a partir de um ordenamento cósmico, onde tudo se manifesta em representação numérica, possibilitando de forma inovadora, conceder ao homem uma ação de libertação da alma, de forma subjetiva e humanística.
A própria evolução humana seria consequência de uma estrutura cognitiva que evolui conforme a compreensão numérica existente, pois os números não seriam apenas símbolos, conforme concepção de nossa sociedade contemporânea, mas alma (anima) de tudo que existe.
O ente passa a ter o numérico como referência, um simulacro de um plano superior, na verdade uma imitação no sentido de mímesis, nada é por si, o que existe é reflexo ou resultado de uma superestrutura numérica, manifesta nas formas observadas. Também se cria uma representação figurada dos números para a concepção das leis pitagóricas, onde é dada uma forma simbólica ao número para facilitar sua compreensão.
Pitágoras fornece a descoberta de uma dependência do som em relação á extensão – entendida como descontínua, por constituir-se de unidades invisíveis, separadas por um intervalo, resultante da “respiração do universo”, pois vivo, inalaria a pneuma ápeiron em que estaria imerso –, da música em relação à matemática.
A partir do gnomon de Anaximandro, os pitagóricos, através de investigação das diferentes séries numéricas, verificando crescimento gnomônico da série de números pares, criando uma figura oblonga retangular, enquanto a série de ímpares cresce como um quadrado. Assim, o número par é visto como expressão aritmo-geomátrica da “alteridade”, enquanto o ímpar o representante da “identidade”.
O homem se tornava a medida de todas as coisas e medido a partir de todas coisas, onde o ente humano se torna numérico, o resultado de uma equação divina, avançado em relação ao que lhe é subordinado, simplório se comparado a força que o subordina.
Em meio a uma lógica numérica que se demonstra como algo harmônico, existe um sistema social que não atende a um ordenamento linear, embora a presunção pitagórica seria de aplicar o sistema pitagórico como forma de estruturar a sociedade, onde a normatização segue a “perfeição” numérica.
Entretanto, a perfeição pitagórica foi contrariada por contradições evidenciadas em um sistema limitado que se baseava em números inteiros, como maior contradição, a evidência dos números “irracionais”, com expressões inexprimíveis na concepção numérica vigente.
Claro que não se pode negar a importância de Pitágoras, bem como a influência pitagórica que se repercutiu na história humana, um sistema que contribuiu com uma epistemologia em processo de construção, por outro lado, demonstrando a fragilidade por universalizar um princípio matemático, tendo sua verdade numérica como um princípio que está imbuído de sua própria contradição.
PESSANHA, José Américo Motta.
Pré-Socráticos. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
(Coleção Os Pensadores)
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