Origem das instabilidades
Acredita-se que as flutuações que deram origem às estruturas de larga escala do Universo devem ter origem primordial, ou seja, estão associadas aos primeiros instantes após o Big-Bang. As teorias existentes para a formação de estrutura no Universo caem em duas categorias:- baseadas ou na amplificação de flutuações quânticas num campo escalar durante a inflação;
- ou numa transição de fase com quebra de simetria no Universo primordial que dá origem à formação de defeitos topológicos.
Inflação
O problema da planura exprime-se de maneira clara introduzindo o parâmetro Ω = ρ/ρc, onde ρc é a densidade do modelo plano.
Verifica-se que, sempre que a matéria exibe pressão positiva ou nula, a situação normal, Ω se afasta do valor 1 correspondente ao Universo plano. Ora, como as observações indicam valores actuais próximos da unidade, isso significa que no passado remoto, próximo da época quântica mais extrema, dita de Planck, o valor de Ω esteve numa vizinhança arbitrariamente pequena de 1. Isso significa restringir as condições iniciais do Universo de maneira insatisfatória.
O cone de luz do ponto que nos representa, aqui e agora, na figura intersecta no passado a superfície (linha horizontal) que corresponde à libertação da radiação cósmica de fundo no que se chama um horizonte. Este, por sua vez, contém dois horizontes mais pequenos definidos pela intersecção dos cones de luz (futuros) que emergem de uma linha que representa a singularidade inicial. Estes dois horizontes delimitam duas zonas que, no passado, nunca comunicaram entre si, pois uma influência mútua só poderia ter existido numa intersecção dos cones, o que não se verifica.
O problema dos monopólos é um problema mais técnico e de certa maneira resultante de preconceitos teóricos. Dado que ao aproximarmo-nos da singularidade essencial, a energia do Universo se aproxima da escala limite de Planck, pensa-se que as interacções fundamentais se devem unificar. Assim, expandindo a partir de um estado unificado, deve haver uma transição de fase com quebra espontânea de simetria(s) no Universo, que segundo a teoria cria monopólos magnéticos (como se explica adiante). Esses monopólos contribuiriam para a densidade de energia do Universo de tal maneira que este deveria ser necessariamente fechado e em elevado grau, facto que não se observa.
Esta expansão acelerada que se designou por "inflação" torna o Universo plano (i.e. Ω = 1), dilui de maneira radical o número de monopólos magnéticos no Universo observável evitando que a elevada massa destes o encurve de maneira incompatível com as observações e amplifica de tal maneira as dimensões de uma região causalmente homogénea na vizinhança do Big-Bang que ela cobre toda a extensão do céu que observamos hoje.
Este mecanismo revelou aos cosmólogos que, sendo o processo de natureza quântica, as flutuações quânticas do campo escalar poderiam estar na origem das perturbações que estão, por sua vez, na base da formação de estrutura por instabilidade gravitacional. Ou seja, tornava-se assim possível relacionar a fase de expansão acelerada proposta por Guth com as flutuações da radiação de fundo e, subsequentemente, com a formação de estrutura.
As flutuações quânticas do campo escalar responsável pela inflação – dito inflatão – escapam à erosão promovida pelos fotões durante a época de radiação porque durante a expansão acelerada algumas dessas flutuações crescem o suficiente para ultrapassar os limites da região cujos pontos estão causalmente relacionados, isto é, a região até onde um sinal de luz consegue chegar durante o tempo que decorre na expansão. Assim essas flutuações ficam fora desse horizonte, imunes ao efeito dos fotões até que, mais tarde, voltam a entrar na região causal. Isto acontece porque durante a inflação o horizonte que delimita a região causal permanece aproximadamente constante ou diminui mesmo, enquanto que após a inflação esse horizonte aumenta mais depressa do que as flutuações do campo.
Como algumas das flutuações só voltam a entrar no horizonte no final da época de radiação, na altura da libertação da radiação cósmica de fundo, podem ser as sementes para a formação de estrutura de que se necessitava. Naturalmente que as flutuações com escalas tais que reentram no domínio causal antes do fim da época de radiação são apagadas pelo efeito abrasivo dos fotões.
A evolução das flutuações depende dos valores de três parâmetros cosmológicos:
- a constante de Hubble H0,
- a densidade de matéria no Universo Ω e a
- constante cosmológica Λ.
Defeitos Topológicos
Os defeitos topológicos são configurações estáveis de matéria formada durante as transições de fase no Universo primordial. Como já se referiu, durante as primeiras fases do Universo as componentes materiais estão em estados físicos caracterizados por elevados graus de simetria e pensa-se que as interacções estarão unificadas. O arrefecimento do Universo, devido à expansão, promove as condições para que algumas dessas simetrias se quebrem – diz-se – espontaneamente. Isto acontece de maneira parecida ao que se passa com um lápis que, estando na vertical e apenas apoiado no seu bico afiado, cai ficando tombado sobre uma superfície plana e orientado em qualquer direcção. A simetria de rotação que existia em torno do eixo do lápis deixa de existir e, além disso, o ponto onde a ponta estava apoiada separa todas as possíveis posições do lápis tombado e diz-se um defeito topológico.(Um exemplo clássico de uma quebra de simetria é o das transições ferromagnéticas na teoria de Landau). De acordo com os tipos de simetrias que são quebradas podem formar-se vários tipos de defeitos topológicos, entre os quais paredes, cordas cósmicas, monopólos e texturas. O tipo de defeito formado é determinado pelas propriedades de simetria da matéria e pela natureza da transição de fase.
As paredes são objectos bidimensionais que se formam quando uma simetria discreta é quebrada durante uma transição de fase. Uma rede de paredes, divide efectivamente o Universo em várias “células”. Este tipo de defeito tem algumas propriedades muito peculiares, sendo uma delas que o campo gravitacional de uma parede é repulsivo em vez de atractivo.
Um facto já referido a propósito da inflação é que os efeitos causais no Universo primitivo só se podem propagar à velocidade da luz c. Isto significa que num instante t, regiões do Universo separadas por mais do que uma distância d = ct não podem saber nada acerca uma da outra. Numa transição de fase com quebra de simetria, diferentes regiões do Universo irão cair em diferentes mínimos do potencial. Os defeitos topológicos são precisamente as “fronteiras” entre essas regiões correspondentes a diferentes mínimos e a sua formação é assim uma consequência inevitável da transição de fase
De notar que, paredes e monopólos são cosmologicamente catastróficos, isto é, qualquer modelo cosmológico em que eles se formem irá evoluir num sentido que contradiz os factos observacionais e têm que ser postos de parte.
Por outro lado, as cordas cósmicas (e possivelmente as texturas também) são defeitos muito mais benignos e há cosmólogos que defendem que podem ser as “sementes” necessárias à formação das estruturas de larga-escala que observamos hoje em dia.
A investigação desta hipótese revela-se muito exigente do ponto de vista computacional para se fazerem previsões robustas, confrontáveis com os dados observacionais.
Como hipótese alternativa à inflação para produzir as flutuações seminais necessárias à formação de estrutura, as cordas cósmicas deparam-se com maiores dificuldades em produzir o tipo de anisotropias detectadas na radiação cósmica de fundo.
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