segunda-feira, 18 de abril de 2011

ÉTICA EM BERGSON E JANKÉLÉVITCHE - Franklin Leopoldo e Silva



FILOSOFIA E MÚSICA

Bergson e Jankélévitch

Franklin Leopoldo e Silva
 Franklin Leopoldo e Silva

AS TRANSFORMAÇÕES QUE A FILOSOFIA FRANCESA sofreu nas primeiras décadas do século xx podem ser resumidas, no que respeita às aspirações dos filósofos que procuravam colocar-se à altura de sua época, no título de um livro de Jean Wahl: Vers le concret

Entre outros significados, esta expressão aponta para o retorno às questões que originalmente sempre moveram a filosofia, pelo menos desde Sócrates e Platão: os meios de realização da felicidade humana, nas várias esferas que compõem a vida, tanto na contingência do presente quanto nas projeções que elabora a esperança humana de eternidade. 

Que a origem e o escopo da filosofia tenham que ser a cada momento repostos como novas tarefas da especulação é algo que constitui certamente um paradoxo, embora profundamente gravado na essencial incompletude que caracteriza o pensamento filosófico. Mas este paradoxo tem uma razão: a filosofia sempre viveu a dualidade antinômica da urgência das perguntas e da insatisfação das respostas. 

Os grandes edifícios sistemáticos, com alicerces firmados em vários tipos de solos e construídos com os mais diversos materiais nunca deixaram de apresentar-se ao olhar retrospectivo da história como dotados de monumentalidade e de provisoriedade. Quando a experiência da transitoriedade das ambições da razão faz envelhecer a pretensão das soluções definitivas, a filosofia abraça de novo, com falsa modéstia, a tarefa de construir as interrogações, mais do que as respostas.

É claro que a turbulência da história atua de forma decisiva neste processo de rever o passado e reverter as esperanças do futuro: a supremacia do tempo sobre todas as realizações humanas alerta para o risco de apaziguamento. 

A ordem das soluções pode fazer esquecer a inquietude da desordem das interrogações. É por isto que a filosofia, embora consciente do enorme peso da tradição, não se acanha em começar de novo. No início deste século, a filosofia francesa recomeçou a interrogar o humano, pelo menos na vertente tão bem representada por Bergson, que pretendeu exercitar o pensamento para além das fronteiras que as soluções epistemologizantes demarcavam.

É neste quadro de opções históricas que se pode tentar compreender o pensamento de Jankélévitch, como também situar o fundamento temático que subjaz à constância de suas interrogações: a ética e a existência. Como se fora a propósito para não desmentir o paradoxo antes mencionado, não é difícil avaliar a antigüidade do tema, nas suas diversas formulações. Mas se ele reflete o retorno ao humano, fica evidente também que se apresenta sempre como novo, pois a interrogação do humano não pode deixar de se referir ao presente do homem, com toda a carga de passado que ele inclui. É esta acumulação que a atualidade contrai no ponto de atenção do filósofo. Num texto de 1939, o autor se pronuncia sobre a possibilidade da interrogação constante:
 
"Os verdadeiros mistérios 
não são aqueles nos quais mergulhamos 
cada vez mais por um aprofundamento dialético,
mas os que se mantêm inteiros 
em sua efetividade pura" (1). 

A filosofia compromete-se com o mistério 
não para tocar as suas profundezas, 
o que seria o mesmo que anular a sua realidade,
mas para dar-se conta de sua presença.  

Esta aparente simplicidade da presença íntegra de algo que não podemos objetivar inteiramente por estarmos nele, e não diante dele, esconde de fato a complexidade intraduzível da intuição. Falar, então, da ipseidade - do si-mesmo - é de alguma forma abordar um mistério. Mas, poderíamos perguntar, não é o si-mesmo justamente aquilo que está mais próximo, já que o sujeito estaria, por definição, sempre presente a si? 

Isto seria verdadeiro se pudéssemos considerar o sujeito na estabilidade lógica do ser. Só que aí estaríamos falando muito mais do conceito do sujeito do que do próprio sujeito. Pois a situação concreta, aquilo que de real é efetivamente dado ao sujeito, é a vivência na temporalidade, na sucessão dos instantes que introduz no Eu algo como uma instabilidade constitutiva. Esta sucessão de instantes não se resolve na pura cronologia, isto é, ela não pode ser considerada como uma seqüência homogênea. Os instantes diferem qualitativamente e são vividos sempre no limite da diferença que mantêm entre si.
Portanto, quando falamos do ser do sujeito, do si-mesmo ou da ipseidade, é a esta diferença que estamos nos referindo. 

O repouso num estado permanente contraria esta variação que é o dado mais imediato de nossa vida. Até mesmo o próprio limite da vida deve ser entendido como a posição liminarmente nova ccom relação àquilo que o antecede. Qual poderia ser a continuidade entre a vida e a morte? Será verdadeiro dizer que a vida é um lento caminhar para a morte, semelhante a uma agonia que começa no primeiro sopro de vida e se mostra em toda a intensidade da sua significação no último sUSPiro? "Ora, o último sUSPiro, pelo fato de que não haverá mais outro depois dele, esse sUSPiro solene não é como todos os demais, mas representa a passagem para o nada, que é a passagem ao absolutamente outro" (2). O exemplo do último instante vale para todos os instantes. 

Como a temporalidade é fluxo qualitativo, a passagem de um a outro é sempre um salto. Não o percebemos no cotidiano, mas eventualmente nos damos conta disto nas crises morais, nas decisões, nos impulsos, ou seja, nas situações que requerem de nossa personalidade um empenho mais completo. Daí a conseqüência ética que atinge o problema de fundo que antes mencionamos: a ética se reveste de um dinamismo ao qual não corresponde uma axiologia puramente contemplativa. É este processo de autoconstrução da pessoa que a noção de existência traduziria.

Não se trata de acomodar, camada sobre camada, valores e normas de conduta assimilados ao longo da vida; a virtude não é efeito de acumulação, mas possui sempre algo de repentino que deriva do encontro de si mesmo em cada momento. Certamente esta concepção expressa melhor o significado qualitativo das mudanças que se operam na história pessoal, e que não seriam redutíveis a seqüências causais susceptíveis de explicação determinística. Sob este ponto de vista Jankélévitch associa decididamente a existência ao devir. "O mérito não é portanto forçosamente uma perfeição acumulável e como que um plasma substancial ou um lustro na superfície da pessoa. 

O mérito não se conserva, mas se recria com esforço a cada minuto do devir. Além do mérito farisaico, há portanto espaço para uma relatividade intensiva do movimento benevolente que faz prever a ordem do Tudo ou Nada, a escolha graciosa entre sim e não, existência e inexistência - a ipseidade, para dizer tudo" (3). Esta relatividade intensiva não significa, evidentemente, uma resignação fácil à variabilidade que caracteriza o mundo humano. Manter a integridade ética de um Eu que constantemente escapa a si mesmo é uma tarefa difícil e implica uma profunda consciência da temporalidade e da finitude.

O peso existencial da contingência, 
que a filosofia carrega desde Sócrates, 
reflete o dilema a respeito daquilo que não pode ser
nem anulado nem assumido inteiramente.  

A simples avaliação racional da desordem inerente ao mundo sub-lunar já indica a anterioridade do desejo e do pressentimento da transcendência que, entretanto, não podem ser estratificados por meio de um dualismo rígido que faria de nossa incompletude pretexto para transferir a responsabilidade pelo nosso destino a uma totalidade que jamais caracterizará a nossa esfera de existência. Daí o preço alto de cada instante vivido na dialética da apropriação e da superação do que somos e do que temos.

A simples menção dessas idéias já nos permite notar a presença forte da filosofia de Bergson no pensamento de Jankélévitch. Com efeito, desde o primeiro artigo publicado em 1921, Dois filósofos da vida: Bergson e Guyau, a referência ao filósofo da duração será uma constante na obra de Jankélévitch. Jamais, no entanto, encontraremos, mesmo no livro publicado em 1931 sobre Bergson, a mera exposição das idéias e a ordenação do pensamento, que freqüentemente são assumidas como tarefa do comentador. Haverá sempre a reflexão que prolonga, que experimenta os procedimentos e os limites das propostas bergsonianas, na tentativa de compreender a fundo a sua originalidade e fazer por si mesmo a experiência de um compromisso inédito com o espírito e o tempo.

A leitura dos textos de Jankélevitch sobre Bergson transmite a impressão de um encontro e não de uma explicitação, o que se torna ainda mais notável se atentarmos para o fato de que o interesse de Jankélévitch por Bergson data de muito cedo, já que o artigo a que nos referimos foi publicado quando o autor tinha 21 anos. 

O próprio Bergson viu no texto não apenas uma interpretação correta de seus escritos mas o presságio de uma "importante contribuição ao pensamento filosófico" (4), previsão que se revelou posteriormente muito mais do que um agradecimento protocolar.
Quando avaliamos a radicalidade da inovação bergsoniana na história da filosofia torna-se mais fácil entender as razões que levaram o jovem Jankélévitch, assim como muitos outros na época, a descortinar um caminho propício para a reformulação da filosofia em termos da reinstauração de um estilo de pensamento cuja possibilidade parecia haver se perdido a partir da interdição kantiana da intuição e da metafísica. 

Bergson se oporá não apenas a estes resultados da filosofia crítica, mas também às conseqüências epistemológicas dos procedimentos kantianos, presentes no positivismo e no néo-kantismo francês. A recusa do kantismo não é apenas a recusa de uma filosofia; manifesta o inconformismo com uma maneira de pensar que se encontra profundamente arraigada na história do pensamento e que Kant explicita de forma sistemática. Por isto a crítica bergsoniana do kantismo é a ponta de um procedimento geral que põe em questão a própria racionalidade filosófica. 

O ponto de partida para este amplo questionamento é um tema central na tradição e um dos problemas mais árduos que a especulação enfrenta. Trata-se da noção de tempo, e a ocasião imediata da aproximação crítica é o evolucionismo de Spencer, primeiramente saudado por Bergson como perspectiva promissora no que concerne à apreensão do caráter próprio da temporalidade, uma vez que o filósofo inglês tematizava justamente o processo evolutivo no qual o tempo real desempenharia, em princípio, papel preponderante.

Na verdade, embora abordando a evolução numa vasta síntese explicativa, Spencer conserva-se cativo do conceito tradicional de tempo, que desde Platão é visto como uma imagem imperfeita da eternidade. Este caráter secundário e derivado do tempo, presente em toda a história da filosofia, impediu que Spencer atribuísse a esta idéia, que deveria ser básica numa reflexão acerca da evolução dos seres, um teor de realidade que a fizesse escapar do matematismo e da índole espacializante que apresenta em quase todas as teorias científicas e filosóficas. 

O que não se encontra nestas concepções de tempo, julga Bergson, é precisamente o caráter próprio, a característica que definiria o tempo e o distinguiria do espaço: muito simplesmente o fato de que ele passa. Aprofundando a sua crítica, Bergson pôde notar que o que afasta a filosofia da percepção desta qualidade interna do tempo é a desvalorização sistemática do devir, herança parmenídica da qual o pensamento nunca soube se desvencilhar. 

A atribuição de irrealidade ao devir e à mudança impede que o pensamento venha a compreender a realidade temporal, a não ser remetendo-a ao seu contrário, a intemporalidade, plano em que a verdade e o ser se corresponderiam na estabilidade requerida pelo conceito. Qual a causa profunda da opção que se consolida na instituição do dualismo platônico entre aparência mutável e essência imutável e que constitui a fundação da metafísica no prolongamento da concepção eleática da absoluta unidade e imobilidade do ser? 

Certamente isto responde a tendências muito arraigadas características da situação do homem no mundo e que se podem detectar na própria estrutura da percepção e do intelecto. Com efeito, é natural considerar que, naquilo que muda, algo permanece; que a passagem do tempo pode ser compreendida no início e no término de cada transformação; que o movimento é uma seqüência de pontos de parada virtuais situados entre o início e o fim da trajetória; que o estado que sucede a outro estado na verdade a ele se justapõe; etc. Esta conduta, tanto prática quanto teórica, privilegia decididamente as categorias que conferem ao real a estabilidade de que necessitamos para identificar nele o ser. Pois como conheceríamos e dominaríamos um mundo em constante vir-a-ser, pura mudança? 

Como identificaríamos a nós mesmos, sujeitos de ação de conhecimento, a não ser como referência estável da transitoriedade nas coisas e em nós?

A familiaridade com a lógica apaziguadora do drama da transição apagou em nós o que deve ter sido o sentimento trágico diante de um mundo que ofereceria o constante espetáculo da passagem do ser ao não-ser no processo de transformação de todas as coisas. Por isto a linguagem constituiu desde logo um instrumento de transfiguração do fluxo do devir na estabilidade simbólica dos signos da mudança. 

Este esforço para recortar no devir as zonas de segurança imunes ao tempo devorador é intrínseco à relação entre a consciência e a realidade, já desde o nível da percepção espontânea, mas aparece de forma nítida na dimensão especulativa que procura remeter o devir a formas que segmentem o seu fluxo. 

A dialética platônica e a lógica aristotélica são as manifestações mais impressionantes do império do intelecto sobre a temporalidade. A ontologia, a psicologia e a ética que daí derivam testemunham este poder simbólico que dá ao homem tão extraordinárias possibilidades de viver e de conhecer. Mas o poder simbólico produz o conhecimento simbólico. 

A exacerbação da tendência analítica de nossa relação intelectual com o mundo não deixa de produzir paradoxos. Sentimo-nos incomodados por não podermos refutar Zenão quando o eleata afirma que, em nome da coerência do pensamento, devemos considerar que a flecha está parada em cada ponto de sua trajetória e que Aquiles não alcançará a tartaruga devido à impossibilidade de transpor os infinitos pontos que constituem a distância entre os dois. Sentimos que, embora Zenão só faça levar ao limite a tendência imobilizadora das estruturas intelectuais, alguma coisa na realidade não corresponde inteiramente a esta representação. Será isto um sinal de que algo no fundo da consciência ainda se comunica com um núcleo de mobilidade e de temporalidade irredutíveis?


Precisamente a consciência constituirá 
o primeiro campode investigação 
acerca da temporalidade original. 

O critério desta escolha, não explicitamente formulado por Bergson, provavelmente prende-se à proximidade existente neste caso entre sujeito e objeto. Se se pode supor que estamos presentes a nós mesmos, então a consciência se torna o objeto mais imediato de conhecimento, talvez justamente aquele cuja abordagem manifestará de forma mais clara as aporias oriundas das mediações instituídas pelos parâmetros da lógica do entendimento. Isto significa que a crítica da psicologia científica é o acesso mais próximo às dificuldades criadas pelas figuras epistemológicas que se desenham no quadro do conhecimento simbólico do tempo. 

O Ensaio sobre os dados imediatos da consciência procurará então investigar o tempo da consciência, isto é, o fluxo das vivências no seu regime próprio de sucessão e organização, ou o que a psicologia considera objetivamente como o conjunto de estados psicológicos. Há um problema de fundo que envolve o próprio estatuto da psicologia: o objeto que ela deve elucidar a partir de pressupostos epistemológicos, nos quais está implicada uma certa metafísica nunca diretamente questionada, situa-se numa dimensão de realidade que em si mesma não é tematizada, pois as condições metodológicas de constituição do objeto estendem ao domínio do psíquico um paradigma consolidado na tradição físico-matemática naturalmente aceito como necessário à objetividade científica. 

TeCNIcamente este paradigma impõe à psicologia a identificação da multiplicidade psicológica com a multiplicidade numérica, fazendo com que os estados psicológicos apareçam como unidades encadeadas descontinuamente num substrato homogêneo que se supõe ser o tempo da consciência. Esta relação entre continente e conteúdo, aliada à geometrização da sucessão psicológica, faz com que as vivências sejam interpretadas como coisas justapostas num receptáculo espacial. 

O que se entende realmente por sucessão neste caso não corresponde a uma continuidade temporal nem a um movimento em ato, mas a uma seqüência numérica ou a uma linha dividida em pontos. Para diferenciar tal nível de realidade dos objetos no espaço a psicologia lança mão da noção de grandeza intensiva, conceito misto forjado para permitir a mensuração do inextenso. Mas o problema fundamental reside na possibilidade de quantificação do inextenso. Se toda medida se reduz em última análise à comparação de grandezas idealmente superpostas, torna-se extremamente difícil aceitar que a vida psicológica possa ser medida sem que para isto tenha de ser traduzida num símbolo espacial. 

O que encoraja o psicólogo a efetuar tal transposição é a relação que a vida psicológica mantém com seus estímulos exteriores, sobretudo na camada superficial do Eu. Como os objetos físicos podem ser medidos, supõe-se que as sensações que lhes corresponderiam também seriam susceptíveis de mensuração. No entanto, a sensação é inextensa e conseqüentemente não passível de superposição ou de delimitação espacial. A vida psicológica profunda, quando inspecionada naquilo que ela imediatamente oferece, mostra que as emoções não ocupam espaço delimitado, nem dividem entre si a consciência como figuras e linhas dividem uma superfície. 

Quando sinto uma emoção profunda, 
minha alma é esta emoção, 
e não apenas está ocupada por ela. 

A dificuldade de traduzir em palavras os estados psicológicos profundos provém desta indistinção e desta fusão entre o Eu e o sentimento. Quando pensamos, pois, na multiplicidade psicológica, de pouco nos valem as categorias de unidade, multiplicidade, causalidade ou determinação. Pois não se trata de deteCTAr elementos cuja soma resultaria na multiplicidade. O que importa na vivência psicológica é o fluxo qualitativo pelo qual o mesmo engendra o diferente, sem que seja possível distinguir com nitidez os limites que separam os estados psicológicos.

É portanto uma continuidade feita de diferenças: unidade múltipla ou multiplicidade una. Como poderíamos neste caso falar em determinação causal, significando com isto que o antecedente contém o conseqüente e assim o determina, já que o efeito nunca poderá conter mais do que a causa? As dificuldades que surgem quando confrontamos os resultados da psicologia científica com os dados imediatos derivam todas da recusa em identificar o ser da consciência com a temporalidade subjetiva.

O modo de existência da consciência é substancialmente temporal, significando que para compreendermos o psíquico naquilo que verdadeiramente o caracteriza temos de inverter a hierarquia tradicional entre ser e devir. A vida psicológica é processo em si mesma, isto é, não há substrato que suporte as mudanças, como o leito do rio suporta a água que flui. 

Se o que é vem a ser num processo de transformação, não cabe tampouco interpretar a mudança como conteúdo que viria preencher uma forma temporal; portanto o tempo já não pode ser considerado como meio vazio e homogêneo que subjaz à mudança. Devemos dizer de qualquer vivência psicológica, não que se dá no tempo, mas que é tempo. Esta radical identificação entre ser e tempo aparece então como resultado do exame dos dados imediatos da consciência, ao mesmo tempo em que, do ponto de vista crítico, demonstra a inadequação entre método e objeto no caso da psicologia.
No entanto, a conseqüência de maior alcance está certamente na constatação de que o tempo não pode ser apreendido pelos esquemas da lógica do entendimento. Isto significa nada menos de a psicologia científica não estar à altura do seu objeto porque este se situa no plano da metafísica ou da filosofia do espírito. Neste sentido a crítica epistemológica já se encontra na trajetória da reinstauração da metafísica, questão central na filosofia de Bergson. A física do psíquico chega a ser aparentemente coerente e convincente na esfera do Eu superficial porque aí se constitui a interface da consciência com a realidade, através da percepção. De onde deriva a aparente autonomia desta região limítrofe? 

Da intenção pragmática que governa a relação da consciência empírica com o exterior. Percebemos para agir, não para conhecer, ou para conhecer na exata medida em que isto é necessário para a ação. Esta subordinação do conhecimento às necessidades de ação, desde a mera sobrevivência até o império tecnológico sobre as coisas, é característica também do entendimento - a inteligência - que possui portanto uma vocação exteriorizante, domínio da natureza. Vê-se portanto que a função instrumental atribuída por Bergson ao entendimento é constitutiva da racionalidade, embora se aprofunde nas justificações históricas que as teorias filosóficas produziram. Deste ponto de vista, o intelectualismo é natural. Significa primeiramente apenas a subordinação do real às categorias do entendimento, tal como Kant a explicitou em sistema, sem com isto deixar de estar em profunda continuidade com o naturalismo do senso comum. 

A projeção categorial é sempre uma exteriorização do sujeito, que se internaliza apenas o suficiente para tomar o impulso que o lança para a exterioridade. Diante deste modo de operação do conhecimento, não é de se admirar a dificuldade de apreender objetivamente a temporalidade interna, uma vez que a inteligência só se sente à vontade no domínio da extensão espacial. A impossibilidade de intuição intelectual, afirmada por Kant, justifica-se plenamente dentro deste teor exclusivamente discursivo do conhecimento. Resta perguntar se este modelo triunfante esgota realmente todas as possibilidades.

Se nos interrogarmos acerca da dificuldade fundamental que ocasiona o distanciamento entre método e objeto, no caso da psicologia, poderíamos dizer que o psicólogo não considera os dados imediatos da consciência porque a própria noção de objeto o obriga a se colocar no exterior da consciência e focalizá-la a partir dos pontos de vista externos que constituem a mediação conceitual. É a isto que Bergson denomina, num sentido largo, análise: o intelecto como que rodeia o objeto, multiplicando os pontos de vista externos na tentativa de cercar o objeto de conhecimento, de modo a que nenhum aspecto escape desta inspeção epistêmica. 

O ponto de partida é externo porque a posição do sujeito é a da perspectiva do conceito. Este conhecimento de fora para dentro é aquele que vai dos conceitos às coisas. No entanto, algo escapa a tais critérios analíticos: precisamente aquilo que, por princípio, o olhar externo do conceito não pode atingir, o interior do objeto. Por isto, por não poder objetivar analiticamente a temporalidade que constitui a vida da consciência, o psicólogo a analisa numa multiplicidade de estados descontínuos que ele vê de fora, como coisas dispostas em seqüência, como totalidade dada e não como processo em curso. Mas haverá alguma maneira de atingir o objeto naquilo que ele, interna e intimamente, é, ou melhor, vem-a-ser

A primeira pista para responder a esta pergunta não nos é dada - e isto é significativo - pelo exame das teorias epistemológicas, mas pela consideração do trabalho do artista, mais exatamente, do romancista. "O romancista poderá multiplicar os traços de caráter, fazer falar e agir seu herói tanto quanto queira: tudo isto não valerá o sentimento simples e indivisível que eu experimentaria se coincidisse por um instante com a própria personagem. (...) A personagem me seria dada de uma vez, integralmente, e os mil acidentes que a manifestam, em lugar de se acrescentarem à idéia e enriquecê-la, me pareceriam, então, destacarem-se dela, sem entretanto esgotá-la ou empobrecer sua essência" (5).

O esforço do romancista vai no sentido de dar a conhecer a personagem através das peripécias que narra a seu respeito, esperando com isto transmitir não apenas uma descrição mas também narrar o envolvimento interno da personagem com suas ações. Para tanto ele descreve a personagem, e nós, leitores, procuramos compreendê-la por meio de sua descrição, que é necessariamente incompleta. 

O maior ou menor êxito obtido no manejo da linguagem e na construção romanesca permitirão maior ou menor grau de aproximação. Mas sempre será uma descrição simbólica. Somente a coincidência permitiria a compreensão total, porque interna. Instalados no núcleo da personagem, veríamos como de sua alma decorrem seus pensamentos, suas palavras e suas ações, como o curso d'água brota naturalmente de sua fonte. A esta comunicação interna e imediata Bergson chama simpatia, valendo-se da etimologia que denota união íntima: sin-pathos. Fusão de interioridades, que faz implodir a própria distinção entre sujeito e objeto, seria este o conhecimento verdadeiramente compreensivo, no sentido próprio. 

Entenda-se não significar apenas o que tradicionalmente se concebeu como apreensão da essência da coisa, desde Platão o conhecimento mais elevado que a razão pode pretender. Não se trata de atingir o núcleo imóvel do ser e com ele identificar-se em contemplação estática. Trata-se de coincidir com o ritmo da vida, com o tempo no qual e pelo qual tudo existe. É neste sentido que a filosofia de Bergson tem como principal tarefa reinstaurar a metafísica: pois a coincidência com o tempo é a simpatia com o absoluto, aspiração máxima de todas as metafísicas. A racionalidade filosófica sempre buscou este absoluto numa linha de continuidade com o conhecimento conceitual, exterior e relativo; assim o absoluto foi sistematicamente visado como um conceito mais abrangente, espécie de super-conceito que virtualmente englobaria todos os demais. 

A procura do absoluto sempre foi solidária da exacerbação dos procedimentos discursivos, como se a diferença entre relativo e absoluto fosse questão de grau. Mas não se passa do externo ao interno senão transformando qualitativamente o conhecimento e assumindo uma outra atitude diante do real. Aquela coincidência que nos daria a personagem do romance de modo absoluto e não através do acúmulo de aspectos parciais é um tipo de conhecimento oposto ao discursivo. Bergson o chama de intuição.

Não se trata apenas de um conhecimento direto, em que a alma estaria, como em Platão, face a face com a Idéia. Este olhar intelectual que os gregos concebiam como o conhecimento propriamente teórico ainda seria afetado pela exterioridade, mesmo num estado de contemplação plena. A verdadeira plenitude é coincidência e fusão, imersão na temporalidade, devir absoluto e eternidade movente.

É uma experiência, com toda a carga de dinamismo que a expressão carrega. Se o conhecimento supõe, como tradicionalmente se pensou, acordo entre o pensamento e as coisas, tal acordo somente se realiza na radicalidade da imediação quando a exterioridade recíproca entre sujeito e objeto dá lugar à fusão, interioridade recíproca. O conhecimento é uma experiência de intimidade. Por isto a busca do movimento íntimo da alma no seu devir temporal é o reencontro do espírito aquém dos recortes categoriais da sua manifestação intelectual.

Mas esta experiência profunda só pode ser a do inefável. Assim como o que é imediato é também o mais difícil de atingir, assim o contato com a simplicidade absoluta do tempo está além de qualquer possibilidade de expressão. O escritor multiplica as palavras porque não nos pode dar a coincidência; assim também a expressão da intuição seria o circunlóquio infinito. Aquilo em que estamos, nos movemos e somos nos escapa, porque nos fazemos Outro em relação àquilo mesmo com que de fato coincidimos. Várias mediações contribuem para a construção desta alteridade, mas a principal é sem dúvida a linguagem. 

A consolidação das significações é a demarcação do real. Por isto temos tendência a achar que as coisas se alinham de maneira estanque como as palavras. É como se pensássemos a partir da linguagem, o que é natural porque os signos constituem pontos de orientação na nossa inserção na realidade. Representar aquilo que é imediatamente presente é recortá-lo segundo o que deve significar para nós e designá-lo através de mediações estáveis que figurem o real de modo útil e prático. Assim a presença imediata do tempo, ainda quando captada na intuição, só seria posta em palavras de forma muito indireta e através de um esforço de intensificação da função expressiva da linguagem. 

O artista e o místico possuem o dom da percepção alargada, conseguindo assim superar em parte o recorte pragmático da representação e os hábitos da inteligência. De alguma maneira fazem a experiência da coincidência. Mas quando tentam exprimir esta experiência, o meio de que se servem torna-se ao mesmo tempo o obstáculo que não conseguem transpor completamente. 

O privilégio do artista com relação ao homem comum 
e ao cientista consiste em que ele não trabalha
com significações consolidadas. 

O escritor, por exemplo, serve-se dos interstícios da linguagem, vale-se de uma certa mobilidade dos significados para torcer a linguagem no sentido contrário da sua função comunicativo-pragmática, recriando significações para ao menos aludir ao que não pode dizer diretamente. É esta a função das metáforas: a liberdade do dizer alusivo, que elas permitem, nos aproxima mais da realidade profunda do que o faria o conceito, significação cristalizada.

Mas a arte que se constitui por excelência em metáfora do tempo como duração contínua feita de diferenças é a música. Ainda que seja uma organização simbólica, nela o meio de expressão é o próprio tempo. Neste sentido a organização melódica retrata mais fielmente a multiplicidade qualitativa da duração temporal. A solidariedade entre as partes e o todo, a inter-relação das diferenças e a unidade modulada sugerem, da maneira mais próxima de que o homem é capaz, o tempo.
Esta filosofia do absoluto exige, para ser bem compreendida, uma torção da inteligência que é quase a adoção do paradoxo. Com efeito, como entender a relação entre o absoluto e o processo, o que nos levaria a pensar que o ser não é, mas se faz, já que toda existência é transformação? 

Mais do que os próprios evolucionistas, Bergson esteve atento a esta idéia profunda do evolucionismo: todas as formas são provisórias, em última instância são vestígios do tempo já que a transição é anterior à permanência. Esta prerrogativa do transitório não traz consigo o risco da dissolução? Não se está agora atribuindo positividade àquilo mesmo que motivou a perplexidade daqueles que, para salvar o conhecimento, a identidade do homem e das coisas, optaram por fugir para a pátria das Idéias, em que a Verdade e o Bem permanecem acima do tempo? Sim, há um veio pessimista que atravessa esta filosofia da plenitude. 

A especulação que se eleva acima da intenção pragmática da consciência relacionada com o mundo, e opta por inverter a tendência exteriorizante do pensamento, é antinatural. O conhecimento que se quer desatento às necessidades vitais, mesmo quando transfiguradas no aparente desinteresse da teoria, é profundamente contrário à natureza. Pensar filosoficamente, no sentido bergsoniano, é um movimento violento. Jankélévitch o percebeu em profundidade: é necessário violentar o entendimento para constituir a nova sabedoria. 

"A filosofia de Bergson é uma concepção de vida que exige uma reforma interior; um método novo, tal é a exigente intuição filosófica. Ela exige uma nova forma de pensamento e não pode ser abordada como as outras. Bergson sempre disse que a filosofia não é uma organização de conceitos e sim uma intuição original. A função do ato filosófico é que está em questão. Na medida em que o bergsonismo exige uma renovação interior, é uma espécie de sabedoria, uma concepção de vida. A intuição não é só um novo modo de conhecimento, mas um novo modo de ser e de união essencial com os outros seres. Ela traz respostas às perguntas feitas pela vida" (6). 

Estas palavras manifestam o sentido sobretudo ético que Jankélévitch atribui ao pensamento de Bergson. Em 1931, portanto no mesmo ano em que se editou o livro sobre Bergson, o filósofo publicou As duas fontes da Moral e da Religião, obra de reflexão sobre a Ética. Trata-se de abordar a inserção do homem, em suas diversas esferas de existência, na totalidade aberta descrita pela ontologia bergsoniana. Coerente com as idéias expostas nos outros escritos, sobretudo na Evolução criadora, Bergson considera que a estratificação dos valores e dos modos de relação com o divino é característica da moral e da religião fechadas, isto é, não-inseridas na totalidade em progresso mostrada na ontologia. 

De alguma forma, as regras éticas e a sedimentação da religiosidade constituem símbolos da verdadeira vida ética. Enquanto estamos presos a normas, os valores que elas exprimem decaem para uma dimensão histórica e sociológica, cristalização necessária para que a obrigação moral e a fabulação religiosa se efetivem. Mas esta fixidez evidentemente não condiz com o processo de realidade e com a trajetória do espírito. Neste nível moral e religião não constituem aquilo que Jankélévitch designa como sabedoria.

Quando o moralista e o santo rompem as barreiras da normalização histórica e social, coincidindo com o movimento temporal que constitui a essência da realidade, então manifesta-se o poder criador daqueles que se lançam para além dos limites da atualidade humana. Nestes casos raros e intermitentes torna-se visível nos seus efeitos o movimento que projeta os seres para além de si mesmos. 

Esta é a dimensão da moral e da religião abertas. Para Bergson, é esta essencial abertura à imprevisibilidade do movimento criador que constitui a inserção do homem na plenitude do absoluto temporal, processo interminável, posto que caracterizado pela contínua criação. A coincidência com a totalidade se define então como superação das formas de vida, de história, de moral e de religião.
 
Jankélévitch foi particularmente atento às conseqüências éticas da temporalidade, sobretudo no que diz respeito ao caráter irreversível do tempo. Se a existência se define como temporalidade, se a realidade do Eu nos escapa por estar sempre adiante de nossa reflexão, o próprio fundamento do ser do homem deve ser pensado não em termos de uma essência fixa (racionalidade, linguagem, sociabilidade) mas como a transição contínua do fazer-se. Coincidir com a criação é criar-se. 

Ora, se a indeterminação do devir é liberdade, a identificação entre ser e tempo é a identificação entre ser e liberdade. Assim, à irreversibilidade do tempo corresponde a liberdade do homem. "O tempo é irreversível da mesma maneira que o homem é livre: essencialmente e totalmente.

A liberdade não é algum atributo particular do homem - como se, além das várias propriedades que servem para definir sua essência (por exemplo, ser dotado de razão, ser feito para a vida em comum), o homem oferecesse esta particular característica suplementar de ser livre. (...) A bem dizer, o homem não é livre nem essencialmente nem acidentalmente, ele é a própria liberdade, a liberdade em pessoa; todo liberdade e nada além de liberdade" (7). 

Vê-se como as caracterísiticas de participação ontológica que em Bergson forneciam a possibilidade de superação, tornam-se em Jankélévitch propriedades constituintes, a única propriedade, a bem dizer, capaz de definir o homem numa instância aquém do desdobramento predicativo, isto é, da definição lógica. Nem se poderia, na verdade, chamar a liberdade de propriedade: não é algo que pertença ao homem como um predicado pertence ao sujeito, mesmo como atributo essencial. O homem é liberdade significa: o homem é um irreversível encarnado, tal a identificação entre consciência e temporalidade.

Mas se a liberdade consiste nesta total inserção no tempo e na irreversibilidade da história do espírito, por que temos uma tendência tão marcante para sUSPender o curso do tempo, para possuir ao mesmo tempo o passado e o futuro, para eternizar o presente, para fazer aderir o que fomos ao que somos e ao que estamos para ser? Talvez porque haja uma profunda ambigüidade nesta marcha adiante que, se é progresso e criação, também é acumulação e dissolução. Entre as metáforas bergsonianas da duração, duas são particularmente sugestivas a este respeito. 

A duração vivida é como um novelo que se desenrola continuamente na direção de seu fim; mas pode ser também o contínuo enrolar-se de uma linha sobre si mesma, e o crescimento da carga do vivido é igualmente sinal de aproximação do fim. A substância temporal do nosso ser implica em que não transcendemos o tempo. Mas este é talvez o desejo fundamental. 

A ciência o realiza quando reverte instrumentalmente o tempo, transformando-o numa variável que posso manipular à vontade. A percepção espontânea quereria deter a transitoriedade das coisas. O entendimento faz do tempo uma categoria formal e um modo de relacionar - de estabilizar - os seres na sua transitoriedade. 

A retrospecção nos aparece sempre como um modo privilegiado de explicação, porque presentifica o passado para que possamos entender o presente. Enfim, o homem não se conforma com o fato de ser a liberdade uma estrada de mão única.

Desejaria poder parar, voltar, percorrer de outra maneira o mesmo caminho, inclusive porque o destino último da viagem é exatamente aquilo que não está em seu poder recusar. A existência consiste então neste contínuo esforço para acompanhar a marcha do tempo, para nos mantermos sempre juntos de nós mesmos e não nos perdermos de vista. Quando a ontologia da duração se transforma no drama da temporalidade compreendemos melhor porque somos criaturas tão fortemente inclinadas ao esquecimento do tempo.

Notas
1 Jankélévitch, V. Da Ipseidade, Revue Internationale de Philosophie, v. 2, n. 5, 1939. Traduzido em Primeiras e últimas páginas, Campinas, Papirus, 1994, p. 205.
2 Id., idib., p. 212.
3 Id.,, iBID., p. 216.
4 Carta de Bergson a Jankélévitch, 12 maio 1924.
5 Bergson, H. Introdução à Metafísica. Tradução brasileira da coleção "Os pensadores", S. Paulo, Nova Cultural, l989, p. 133-34.
6 Entrevista de Jankélévitch a F. Reiss, publicada no Arts-Spetacles, 27 maio l959. Primeiras e últimas páginas, cit., p. 102.
7 Jankélévitch, V. L'irréversible et la nostalgie. Paris, Flamarion, 1974, p. 7-8.


Franklin Leopoldo e Silva é professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
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Sejam abençoados todos os seres.

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