sexta-feira, 11 de novembro de 2011

CIBERCULTURA - Pierre Lévy




  Angèle Murad
    
“Não há um livro de papel de verdade para abrir, apenas uma sucessão de duas imagens controlada por um dispositivo interativo (...) na página à esquerda há a imagem de uma bela maçã vermelha em trompe d’oeil (...) a maçã encontra-se cortada na página seguinte, sendo progressivamente consumida à medida que a ‘leitura’ continua (...) 



A cada vez que as páginas são viradas, ouve-se claramente o som de uma mandíbula que se fecha sobre um pedaço de maçã (...). Comer a maçã surge como uma metáfora para ‘ler um livro’” (Relato de Lévy sobre Beyond Pages, de Masaki Fujihata, em Cibercultura, p. 77)

            O desenvolvimento das tecnologias digitais e a profusão das redes interativas, quer queira ou não, colocam a humanidade diante de um caminho sem volta: já não somos como antes. As práticas, atitudes, modos de pensamento e valores estão, cada vez mais, sendo condicionados pelo novo espaço de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores: o ciberespaço.

            Esse é ponto de partida de Pierre Lévy para estudar as implicações culturais engendradas pelas novas tecnologias de comunicação e informação. Cibercultura, lançado em 1999 no Brasil, é resultado de relatório encomendado pelo Conselho Europeu, dentro do projeto “Novas tecnologias: cooperação cultural e comunicação”.
            Cibercultura? Mas, o que é isso? 

“Não é a cultura dos fanáticos da Internet, é uma transformação profunda da noção mesma de cultura” – apressa-se em explicar Lévy, em entrevista à @rchipress (1).

Como tal, reflete a “universalidade sem totalidade”, algo novo se comparado aos tempos da oralidade primária e da escrita. É universal porque promove a interconexão generalizada, mas comporta a diversidade de sentidos, dissolvendo a totalidade. Em outras palavras: a interconexão mundial de computadores forma a grande rede, mas cada nó dela é fonte de heterogeneidade e diversidade de assuntos, abordagens e discussões, em permanente renovação.

Que não espere o leitor encontrar alentado debate sobre pedofilia, cibersexo ou estímulo ao terrorismo na Internet. Esses assuntos não ocupam mais do que poucas linhas, concentradas justamente na parte em que o autor, abordando a diversidade de pontos de vista sobre o ciberespaço, atribui à mídia o papel de alimentar o sensacionalismo às custas da Net.

Como nas obras anteriores, o professor da Universidade de Paris 8 é transparente nas idéias e se descreve como otimista. Assim, após apresentar, sucintamente, o ciberespaço sob o olhar da mídia, dos comerciantes (que o reduzem à idéia de mercado) e do Estado (voltado para o controle dos fluxos e a defesa da cultura e das indústrias nacionais), Lévy apresenta o seu ponto de vista, a favor do “bem público”, defendendo a promoção no ciberespaço de práticas de inteligência coletiva.

É preciso “explorar as potencialidades deste espaço no plano econômico, político, cultural e humano”, defende o filósofo do ciberespaço. Nessa difícil tarefa do convencimento – mais do que solução, a cibercultura é um problema a resolver, diz –, Lévy usa um dos seus melhores trunfos: escreve para não especialistas. Seu texto flui de maneira organizada, por entre conceitos como virtual, multimídia e interatividade, tabelas que sintetizam o conteúdo e depoimentos sobre a experiência pessoal de navegação no ciberespaço.

As ideias estão dispostas em três blocos. No primeiro deles, Lévy apresenta os pressupostos que orientam o estudo e os conceitos técnicos que sustentam a cibercultura, como é o caso da digitalização e das redes interativas.

“Nem a salvação nem a perdição residem na técnica”, afirma, mostrando que as tecnologias não determinam, mas condicionam as mudanças à medida que criam as condições para que elas ocorram. Além disso, aborda o movimento social que deu origem ao ciberespaço – nascido do desejo de jovens ávidos por experimentar novas formas de comunicação e só depois resgatado pelos interesses da indústria  -, e as grandes tendências de evolução técnicas no que se refere a interfaces e a tratamento, memória e transmissão da informações.

Uma vez preparado o terreno, o autor dedica-se, na segunda parte, às implicações culturais do desenvolvimento do ciberespaço. O retrato contempla essencialmente três temas: as artes, o saber e a cidadania. A educação é a que recebe maior atenção. Lévy descreve mutações nas formas de ensinar e aprender. O futuro papel do professor não será mais o de difusor de saberes, diz, mas o de “animador da inteligência coletiva” dos estudantes, estimulando-os a trocar seus conhecimentos.

Com o advento do ciberespaço, o compartilhamento de memória permite aumentar o potencial da inteligência coletiva. O saber, agora codificado em bases de dados acessíveis on-line, é um fluxo caótico. Daí, segundo ele, a necessidade de repensar a função da escola e dos sistemas de aprendizagem e avaliação. Nesse sentido, critica o fato de o diploma ser o único método de reconhecimento da aprendizagem e aprova a integração de sistemas de educação “presencial” e à distância. Por fim, propõe um método informatizado de gerenciamento global de competências, que inclui tanto os conhecimentos especializados e teóricos, quanto os saberes básicos e práticos.

Passada a bonança, a tempestade. Na última parte, intitulada “Problemas”, Lévy busca responder a denúncias contra o ciberespaço. Rebate a crítica da substituição, segundo a qual o real substitui o virtual; a telepresença, o deslocamento físico. Para ele, os modos de relação, conhecimento e aprendizagem da cibercultura não paralisam nem substituem os já existentes, mas antes os ampliam, transformando-nos e tornando-os mais complexos.

Quanto às denúncias, concentra seu fogo em quatro questões: a exclusão e o aumento das desigualdades, a cibercultura como sinônimo de caos, a ameaça das culturas e de diversidade de línguas (em miúdos, o domínio do inglês) e a pressuposta ruptura dos valores fundadores da modernidade européia.

No caso da exclusão, admite que as tecnologias produzem excluídos, mas aposta no aumento das conexões, com a queda de preços nos serviços, e alerta: mais do que garantir o acesso é preciso assegurar as condições de participação no ciberespaço.  Às críticas  quanto ao domínio da língua inglesa, responde que é uma questão de iniciativa, pois qualquer um pode colocar no ar mensagens em chinês, grego, alemão.

O autor acredita que a cibercultura seja a herdeira legítima da filosofia das Luzes e difunde valores como fraternidade, igualdade e liberdade. “A rede é antes de tudo um instrumento de comunicação entre indivíduos, um lugar virtual no qual as comunidades ajudam seus membros a aprender o que querem saber”. Diante da profusão do fluxo informacional e do caos emergente que isso venha a causar, ele acena que a rede tem a sua própria forma de controle: a opinião pública e as instituições que dela fazem parte.

Ao que parece, ao colocar as questões, Lévy pretende cutucar aqueles de quem ouve críticas. Para conhecer a Web, navegue nela; esse é o melhor meio, melhor do que muitos livros, insiste. Em nenhum momento, transparece estar dialogando com alguém diretamente, mas na entrevista à @rchipress ataca os desafetos: as críticas à cibercultura traduzem a ignorância e o desejo de manutenção de poder, “...porque há poderes e monopólios que estão ameaçados. Muitos intelectuais são diretores de coleção nas editoras, professores que animam as revistas e aí, com a rede, há todo um movimento de comunicação que escapa às redes tradicionais”.

Desde o início, o autor explicita a sua intenção de deixar de fora as questões econômicas e industriais, concentrando-se nas implicações culturais. Mas, ele próprio, não consegue se desvencilhar da teia de coalizões sociais, políticas e econômicas em que a técnica se insere e enaltece a “dialética das utopias e dos negócios”, numa referência à relação da cibercultura com a globalização econômica. Sem dúvida, questões tão complexas como essas mereceriam tratamento mais aprofundado. 

Segundo Lévy, o próprio ambiente, instável, dificulta a formulação de grandes respostas. De qualquer forma, ele consegue dar o seu recado: é preciso navegar neste mundo de transformações radicais.
Notas: (1) Ver http://archipress/org/levy/entretien.htm


Angèle Murad

  Angèle Murad – Especialista em Políticas de Comunicação Organizacional pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), jornalista e mestranda em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
amurad@vitoria.es.gov.br

NOTICE BIOGRAPHIQUE SUR PIERRE LÉVY
Coordonnées
2, rue de Suez, 75018 Paris France. Tel: 33 (0)1 42 64 76 22
e mail : levy@globenet.org
Naît le 2 Juillet 1956 à Tunis.

A commencé par faire des études d'histoire, puis d'histoire des sciences. Découvre sa vocation de chercheur en suivant les cours de Michel Serres à la Sorbonne. Passe une thèse de sociologie sur l'idée de liberté dans l'Antiquité avec Castoriadis à l'EHESS (1983). Fréquente les cours du soir du CNAM en informatique. 

Très tôt convaincu du rôle capital des techniques de communication et des systèmes de signes dans l'évolution culturelle en général. Se donne pour première tâche de penser la "révolution numérique" contemporaine sur les plans philosophique, esthétique, éducatif et anthropologique.
Travaille pendant deux ans (1984/1985) au CREA de l'Ecole Polytechnique (avec notamment Jean-Pierre Dupuy, Daniel Andler et Isabelle Stengers) sur la naissance de la cybernétique et de l'intelligence artificielle. 

Participe, avec l'équipe réunie autour de Michel Serres, à la rédaction des Eléments d'histoire des sciences (1989) où il signe le chapitre sur l'invention de l'ordinateur. Publie un premier ouvrage, La machine Univers (1987) sur les implications culturelles de l'informatisation et ses racines dans l'histoire de l'Occident. 
Part deux ans au Québec (1987/1989), où il est professeur invité au département de communication de l'Université du Québec à Montréal. En profite pour améliorer ses connaissances en sciences cognitives. Découvre le monde naissant de l'hypertexte et du multimédia interactif. Réalise des systèmes experts en tant qu'ingénieur cogniticien. Son deuxième ouvrage Les technologies de l'intelligence est le fruit de son expérience en Amérique du Nord. Il tente d'y donner une consistance philosophique au concept d'hypertexte et dresse le programme d'une "écologie cognitive", assez proche de ce que Régis Debray appellera la "médiologie".
Revenu en Europe, il imagine, grâce aux encouragements de son ami genevois Xavier Comtesse, une forme d'écriture iconique et interactive sur écran d'ordinateur. Quelle écriture aurions-nous inventé si nous avions disposé de supports dynamiques et interactifs plutôt que d'un support fixe? Vraisemblablement une écriture qui ne note pas le son, comme l'alphabet, mais les modèles mentaux. Son livre L'idéographie dynamique fonde théoriquement un tel système de signes, qui systématise aussi bien l'usage ("noble") des simulations graphiques interactives dans la recherche scientifique, que celui (méprisé et décrié) des jeux vidéos. Les analyses théoriques des Technologies de l'intelligence et de L'idéographie dynamique inspirent la pratique de plusieurs artistes.

Enseigne les technologies pour l'éducation et les sciences cognitives à Nanterre (1989/1991). Devient membre du comité de rédaction de la revue Esprit.
Avec son camarade Richard Collin et quelques autres, il contribue à créer, près de Genève, le centre européen Neurope Lab, oeuvrant dans la recherche appliquée sur la mise en réseau de la connaissance et l'économie du savoir. Mène dans ce cadre des activités de conseil pour des grandes entreprises et des gouvernements européens. L'aventure du Neurope Lab durera de 1991 à 1995.

Se lie d'amitié avec Félix Guattari.
Dès 1990, il mène avec Michel Authier, une série de recherches et de réflexions sur les nouvelles formes d'accès au savoir permises par les instruments numériques. Ils aboutissent ensemble au concept de "cosmopédie" : encyclopédie en forme de monde virtuel qui se réorganise et s'enrichit automatiquement selon les explorations et les interrogations de ceux qui s'y plongent. 

Participe avec Michel Authier aux travaux de la "Mission Serres" sur l'enseignement à distance, lancée par le premier ministre français Edith Cresson (1991/1993). Contribue à l'invention d'une application particulière de la cosmopédie : le système des "arbres de connaissances". Il s'agit d'un système ouvert de communication entre individus, formateurs et employeurs, permettant de reconnaître la diversité des compétences des personnes, de réguler apprentissages et formations et de rendre visible par une cartographie dynamique "l'espace du savoir" de groupes humains (écoles, entreprises, bassins d'emplois) sans pour autant attenter à la vie privée des individus. Le projet des arbres de connaissances est décrit dans l'ouvrage du même nom, co-signé avec Michel Authier et préfacé par Michel Serres (1992).

Fonde en 1992 avec Michel Authier la société Trivium, qui développe et commercialise le logiciel et la méthode des arbres de connaissances. Des arbres de connaissances poussent aujourd'hui effectivement dans plusieurs entreprises, quartiers et établissements d'enseignements. Líidée síétant réalisée, cesse toute implication opérationnelle dans le développement de Trivium SA en 1996. 

Publie De la programmation considérée comme un des beaux-arts (1992) qui analyse sur quatre cas concrets les actes cognitifs et sociaux mis en oeuvre par les programmeurs : l'informatique n'est pas la technique froide que l'on imagine.
Professeur au département Hypermédia de l'Université Paris-8 St Denis (depuis 1993).
S'intéresse activement à l'usage esthétique des réseaux et dispositifs numériques ; participe au conseil artistique du centre Pompidou, est membre pendant trois ans du comité de rédaction de la "revue virtuelle" du centre Pompidou, entretient de nombreux contacts avec des artistes.

Publie en 1994 un ouvrage sur L'intelligence collective, qui lui semble la seule utopie à opposer aux malheurs contemporains... et le meilleur usage possible des technologies de communications interactives.
Analyse en 1995 dans son livre Quíest-ce que le virtuel? la mutation contemporaine du corps, de la culture et de líéconomie. Contrairement à certains points de vue catastrophistes, cet ouvrage analyse la virtualisation de la fin du XXème siècle comme une poursuite de líhominisation. 

Publie en 1997 chez Odile Jacob Cyberculture, Rapport au conseil de líEurope, qui se veut un manifeste humaniste de la nouvelle culture en émergence. 
Son grand projet : a commencé à élaborer un système philosophique de l'immanence, intrinsèquement hypertextuel, iconique et interactif, une sorte de Yi-King du XXIe siècle, qui devrait être consulté de manière interactive sur le Web, pourrait servir de plaque díorientation pour des recherches en philosophie et sciences humaines et servir de support à des recherches-actions dans le domaine de líéducation.

Bibliographie abrégée
Pierre Lévy a prononcé plusieurs centaines de conférences publiques et communications à des colloques, il a publié plus de cent articles et a signé dix ouvrages, parmi lesquels notamment :
- Cyberculture. Odile Jacob, Paris, 1997. Traduit en catalan, à traduire en italien, etc.
- Quíest-ce que le virtuel ? La Découverte, Paris, 1995, 150 p. (traduit ou à traduire aux USA, en Allemagne, en Italie, au Brésil, en Espagne, en Grèce). En coll. de poche en 1998.
- L'intelligence collective. Pour une anthropologie du cyberspace. La Découverte, Paris, 1994, 245 p. (traduit aux USA, au Brésil, en Corée, en Allemagne, en Italie et au Portugal). En coll de poche en 1997.
- Les arbres de connaissances, (en collab. avec Michel Authier), La Découverte, 1992, 180 p. (traduit en Italie, au Brésil et au Portugal). En coll. de poche en 1996.
- De la programmation considérée comme un des beaux-arts, La Découverte, Paris, 1992, 245 p.
- L'idéographie dynamique. Vers une imagination artificielle ? La Découverte, Paris, 1991, 180 p. (traduit en portugais et en brésilien)
- Les technologies de l'intelligence. L'avenir de la pensée à l'ère informatique, La Découverte, Paris, 1990, 234 p. Réédité en livre de poche dans la collection "Points-sciences" au Seuil en mars 1993. (traduit en espagnol, italien, brésilien, portugais)
- La Machine Univers. Création, cognition et culture informatique. La Découverte, Paris, 1987, 240 p. Réédité en livre de poche dans la collection "Points-Sciences", au Seuil, en 1992. (traduit au Portugal et au Brésil). 
Equipe de criação
16/05/1998


Li
Fonte:
Ciberlegenda Número 2, 1999
http://caosmose.net/pierrelevy/bio.html
LÉVY, Pierre. Cibercultura (trad. Carlos Irineu da Costa). 
São Paulo: Editora 34, 1999, 264p.

Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.


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