sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A IDENTIDADE BRASILEIRA : mito e literatura – José de Paula Ramos Jr.




 A identidade brasileira: mito e literatura – José de Paula Ramos Jr.

A identidade brasileira: mito e literatura 

– José de Paula Ramos Jr.

 


A identidade brasileira não é uma essência, mas o processo de construção de uma grande narração coletiva em que o mito exerce papel decisivo. Porque é o mito que consolida em lendas e figuras toda experiência mágico-fantástica do povo. Tudo que apavora, tudo que alegra fundamente o povo está no mito, em suas raízes. Ele narra, conta. 

Se não faz isso, as coisas se perdem por entre rezas, rituais, festanças, assombrações – coisas míticas também – mas que o vento pode levar. Isso se evidencia na literatura, especialmente na obra de autores românticos e modernistas, que insistiram na providência do folclore, das festas rurais, no registro das façanhas caboclas…

Todas dão o perfil de nossa identidade. Mas o mito tem também o poder de destilar realidades nunca imaginadas antes, e, neste sentido, ele não é só passado, mas vanguarda, nem só Brasil, mas universo. Idealizadora ou crítica, a literatura apropria-se do mito para reconstruir o imaginário nacional.

 
José de Paula Ramos Jr.
 Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989) e doutorado em Literatura Brasileira pela mesma instituição (2006). Atualmente é professor doutor no Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Tem experiência nas áreas de Letras e de Editoração, com ênfase em Literatura Brasileira e Portuguesa, atuando principalmente nos seguintes temas: crítica literária, história literária, ecdótica e crítica textual. Veja a entrevista: http://cmais.com.br/nossalingua/bloco-02-nl-cmais
E... poeta

    Epifania

Ninfa da manhã, matinal magia,
 miragem na bruma plúmbea.
À margem do trêfego tráfego,
que trepida estremunhado,
 esvoaças distraída na calçada,
 como um langoroso sonho.
 ..........................................
Solavancos no meu coração.
 De Inventione

1 Fico parado, quieto.
Se espero, nada vem,
Ou vem (pior!) postiço,
Fala falsa do que não há,
Palavras ocas, palavrório.

Nenhuma poesia pousa
Na página atulhada de signos.
 E não há sintaxe que anime,
Prosódia melíflua que encante,
 Ou truque de imagem que esconda
A só carcaça de versos.

O poema impostor não se impõe, perece. 2
Fico parado, quieto. Se nada espero, nada vem,
Ou vem (bem!) sem querer,
 Não se pode evitar;
Palavras aladas assumem controle
 E semeiam a folha muda de signos,
Que dançam e cantam e rompem
A espessa caligem das coisas.

É quando a poesia pousa
Numa flor inútil
E nela deposita, como borboleta,
O pólen que a fertiliza.
 
 A Machado de Assis

Menino, no caminho da escola primária,
 teu nome eu soletrava na placa de rua,
 sem saber mais que o som daquelas letras nuas
entre os ramos dourados de cachos de acácias.

Quem foste, velho bruxo?
Ao desnudar falácias,
expor que a vida é um vício e um vaso de imposturas,
 os livros, que escreveste na idade madura,
mostraram a alma humana,
 e como ela é precária.
Bentinho, Capitu, Cristiano, Sofia,
Quincas Borba, Brás Cubas, Simão Bacamarte,
 Dona Carmo, Virgília, Paulo, Pedro, Flora,
e tantas personagens que não digo agora,
 criaste, entre o riso irônico e a melancolia,
como acácias eternas no jardim das artes.
 
 Murilo Mendes ad Oraculum

Serei pastor de meus dias?
O que a alma e as cordas do cor?
Suaves sirenas sopram serenas a manhã abismal ou delicada?

A voz do piano no caos,
 firmamento, movimento, equilíbrio do azul rendilhado,
 sussurra que segredo ao vento, sol, lua, marés...?
 ............................................
Todo mortal lamento não passa de escuma:
 miragem de um susto, apenas.




 A um Poeta

para Frederico Barbosa

             Agudo pensamento, coração preclaro,
          o poeta
    cata um grão esconso
    no labirinto nada.

    O poeta
   a palavra vela  e o signo
rala na linha vasa:
      muda geometria.

       Eis, súbito, um projétil,
     que não falha,
     a língua tesa prepara.

    O poeta,
    zarabatana calada,
    no silêncio do rigor,
    raro artefato dispara.

 
 Lição de Elementos

Para faca, água;
 para murro, terra;
 para fera, fogo; para vida, ar.

 Em você se acanhe o medo,
 em você se mostre a raça de água,
 terra, fogo e ar.
 
 Aquiles

A minha morte escolho nesta hora,
 ao pé do corpo frio que jaz inerte.

No campo de batalha, junto a Tróia,
não mais verei, entrando nessa tenda,
sentado no divã, tocando a lira,
o amigo que foi morto em meu lugar.

Tristes despojos, Pátroclo divino,
regressas sem a vida e sem o escudo,
teu cadáver saqueado à tenda torna,
pilhado da armadura que envergaste.

 Heitor, que te deu fim,
e agora empunha as armas que brandiste bravamente,
 ufano está do feito vitorioso.

 Pois regozije enquanto a Moira escura
 no gume de meu gládio não provar.

Bem sei que morrerei dessa vingança,
 assim me foi predito pelos deuses;
 mas nada vale a vida sem a cólera,
que me dará na morte eterna glória.

 

Canção de Anquises

Não reflete o bronze polido
 a imagem dos passados anos:
 a fronte sem marca de cãs, sem rugas, 
braços vigorosos, luz no olhar, aprumado dorso,
 o viço na pele rosada, pernas firmes. 

Oh, juventude! 
Um dia, no passado esplêndido,
 subi ao leito de Afrodite.

 Agora, vejo a decadente massa deformada insinuar, 
na comissura de meus lábios pensos,
 a pena iniludível, que aguarda a todo ser humano. 

Ao pé das muralhas de Tróia devastada, 
deponho a lança inútil, que vibrou outrora.
 
 José de Paula Ramos Jr. 
 
- jdepaula@dialdata.com.br
http://www.jornaldepoesia.jor.br/jpr.html
http://radiofm.cmais.com.br/jose-de-paula-ramos-jr
 Li-Sol-30
 Fonte:
Café Filosófico - CPFL Cultura
http://www.discussoesereflexoes.com.br/2010/11/08/a-identidade-brasileira-mito-e-literatura-jose-de-paula-ramos-jr/#.UBv_5sDw94s.blogger
Sejam felizes todos os seres.Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.
 

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