sexta-feira, 15 de março de 2013

SLAVOJ ŽIžEK "De Hegel a Marx... e de volta a Hegel!" (lista de reprodução)



Slavoj Žižek | De Hegel a Marx... e de volta a Hegel!

 - Áudio em Português


portalsescsp


Conferência
 "De Hegel a Marx... e de volta a Hegel!
A tradição dialética em tempos de crise", 
com Slavoj Žižek que aconteceu dia 08/03/2013, 
sexta-feira às 20h no Sesc Pinheiros na cidade de São Paulo.

Conferência fez parte da abertura do projeto MARX: 
a criação destruidora, com a participação de alguns
 dos principais pensadores brasileiros e internacionais especializados em Karl Marx.

Realização da Boitempo Editorial
em parceria com o Sesc São Paulo
Slavoj Žižek
Slavoj Žižek é um filósofo e teórico crítico esloveno. 
É professor da European Graduate School e pesquisador sénior 
no Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana. Wikipedia
Nascimento: 21 de março de 1949 (63 anos), Liubliana

 
Slavoj Žižek, em Liverpool, 2008.
 É professor da European Graduate School e pesquisador sénior no Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana. 
É também professor visitante em várias universidades estadunidenses, entre as quais estão a Universidade de Columbia, Princeton, a New School for Social Research, de Nova Iorque, e a Universidade de Michigan

Biografia

Nascido na antiga Jugoslávia, em Liubliana, hoje capital da Eslovénia), doutorou-se em Filosofia na sua cidade natal e estudou Psicanálise na Universidade de Paris. Žižek é conhecido por seu uso de Jacques Lacan numa nova leitura da cultura popular, abordando temas como o cinema de Alfred Hitchcock e David Lynch, o leninismo e tópicos como fundamentalismo e tolerância, correcção política, subjectividade nos tempos pós-modernos e outros.

Em 1990, candidatou-se à presidência da República da Eslovénia.

Biografia estendida

Slavoj Žižek, Ph.D., é um pesquisador do Instituto de Sociologia, na Universidade de Liubliania, Eslovênia, e professor-visitante em diversas universidades americanas (Columbia, Princeton, New School for Social Research, New York University, University of Michigan). Slavoj Žižek recebeu seu Ph.D. em Filosofia em Liubliana estudando psicanálise. Ele também estudou na Universidade de Paris. Slavoj Žižek é um crítico cultural e filósofo conhecido internacionalmente por suas interpretações inovadoras de Jacques Lacan. Slavoj Žižek tem sido chamado de o ‘Elvis Presley’ da filosofia e também como 'rock star intelectual'. 

O trabalho de Slavoj Žižek é considerado como vibrante, cheio de humor, deixando de lado diferenças entre formas altas e baixas de cultura, e seu trabalho e presença lhe renderam críticas que o apontam como o superstar no mundo da teoria contemporânea.

Slavoj Žižek nasceu numa família de classe média. Seu pai, Jože Žižek, cresceu na parte leste da Eslovênia e trabalhou com economia. A mãe de Slavoj Žižek, Vesna, era uma contadora. Ambos são ateus.
Aos 15 anos, Slavoj Žižek queria ser um diretor de cinema. Mas, depois de assistir alguns bons filmes europeus e chegar a conclusão de que não seria capaz de produzir filmes como aqueles, decidiu, aos 17 anos, que queria ser filósofo.

Slavoj Žižek foi para a Universidade de Liubliana em 1967 para estudar sociologia e filosofia, doutorando-se. Mais tarde, Slavoj Žižek foi estudar psicoanálise na Universidade de Paris, com François Regnault e Jacques-Alain Miller (genro de Jacques Lacan).

O filósofo marxista esloveno Božidar Debenjak foi uma das primeiras influências de Slavoj Žižek. Foi com Debenjak que Slavoj conheceu o idealismo alemão e que começou a ser influenciado pela Escola de Frankfurt. Foi no curso de Božidar Debenjak na Universidade de Liubliana que Slavoj Žižek leu "O capital", de Karl Marx, com a Fenomenologia do Espírito, de Georg Wilhelm Friedrich Hegel, perspectiva essa que influenciou muito - e ainda influencia - seus estudos posteriores.

Em 1979, Slavoj Žižek começou a trabalhar no Instituto de Sociologia de Liubliana. Pouco depois, em 1980, começou a publicar livros que examinavam as teorias Hegelianas e Marxistas a partir do ponto de vista da teoria psicanalítica Lacaniana. Além disso, editou certo número de traduções de Louis Althusser, Jacques Lacan e Sigmund Freud para o Esloveno. Slavoj Žižek se candidatou a presidente da Eslovênia em 1990, mas perdeu.

Slavoj Žižek tornou-se largamente reconhecido omo teórico contemporâneo a partir da publicação de O sublime objeto da ideologia, seu primeiro livro escrito em Inglês, em 1989. O trabalho de Slavoj Žižek não pode ser facilmente categorizado. Ele retorna ao sujeito cartesiano e à Ideologia Alemã, especialmente aos trabalhos de Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Immanuel Kant e Friedrich Wilhelm Joseph Schelling.

Slavoj Žižek é ateu e suas teorias frequentemente vão contra as análises teóricas tradicionais. Ele costuma ser politicamente incorreto e já causou diversas polêmicas em vários círculos intelectuais. Slavoj Žižek ressalta com frequência que, para entender a política de hoje, nós precisamos de uma noção diferente de ideologia.

Teoria: o Real, o Simbólico e o Imaginário

O Real
Segundo Žižek, o "Real" é um termo que corresponde a um conceito bastante enigmático, e não deve ser equiparado com a realidade, uma vez que a nossa realidade está construída simbolicamente; o real, pelo contrário, é um núcleo duro, algo traumático que não pode ser simbolizado (isto é, expressado com palavras). O real não tem existência positiva; só existe como abstrato. Porém, não consiste em algo externo à realidade: é o próprio núcleo da realidade que nossa capacidade de simbolização não consegue alcançar. É o que irrompe por entre as brechas da malha simbólica.

Para Žižek, a realidade tem a estrutura de uma ficção. Ou seja, sendo construída a partir da simbolização limitada de um determinado ponto do Real, acaba sendo apenas uma espécie de interpretação da "coisa em si". Sendo assim, o real irrompe em situações as quais tradicionalmente consideramos serem fictícias, como em sonhos e na realidade virtual. No primeiro caso, o sonho permite que entremos em contato com o que há de mais próximo do Real individualmente. No segundo caso, a realidade virtual nos permite que nos manifestemos sem a pressão exercida pelas regras do Simbólico, de modo que um homem tímido pode ser, em um jogo virtual, uma mulher atraente e sedutora.[1]

O Simbólico
Žižek afirma que o simbólico inaugura-se com a aquisição da linguagem. Assim, sucede aquilo de que "um homem só é rei porque os seus súbditos se comportam perante ele como um rei". É a lei que estrutura toda nossa sociedade, ainda que não seja homogênea e, desse modo, igual para cada um dos indivíduos. [2]

O Imaginário
O Imaginário, segundo Žižek, é algo muito semelhante ao Simbólico. Porém, enquanto o Simbólico relaciona-se de forma mais próxima às leis e regras que estruturam a realidade, o Imaginário se liga à questão da imagem, tanto visual, sonora, olfativa, etc. É aquilo que faz com que eu sinta o cheiro de uma rosa e imediatamente traga à minha mente o conceito de rosa, sem, no entanto, ser relacionado aos outros conceitos ideológicos que emergem conjuntamente com essa ideia (o fato de rosas representarem romantismo, de terem conotação sexual, a lembrança de ter ganhado uma rosa etc.) [3]

Todos os níveis estão interligados, de acordo com Jacques Lacan (desde o seminário XX para a frente), numa forma de nó borromeano, como três anéis enlaçados juntos de maneira que se um deles se desenlaça, o resto também cai.

Conceitos

Slavoj Žižek define alguns conceitos entre os quais (aproximadamente):

Significante vazio – Signo que, devido à repetição exaustiva em circunstâncias totalmente díspares, perde completamente o seu valor. Ex: último andamento da nona sinfonia de Beethoven que é ouvido em toda e qualquer efeméride social e política, tentando fazer com que nos esqueçamos das nossas oposições e participemos nesse momento mágico de fraternidade humana.

Auseinandersetzung – Termo operado de Heidegger que transmite a necessidade europeia de se repensar, uma confrontação interpretativa, quer em relação aos outros quer em relação ao passado da própria Europa em todas as suas dimensões, das suas raízes antigas e judaico-cristãs à ideia recentemente defunta de Estado-providência, sobretudo quando atualmente a Europa se encontra balizada pela tecnologia desenfreada da China, por um lado, e pela globalização e economia americana, por outro. A pior opção seria, sem dúvida, a proposta de uma “síntese criadora” destes dois aspectos, no interior da Europa, tendendo para o que chamaríamos de “globalização de rosto europeu”. A época é, portanto, propícia a questionar tudo e a repetir a pergunta – “O que é a Europa?”.

Censura liberal – Sentimo-nos livres exatamente porque nos falta precisamente a linguagem que poderia transmitir essa mesma falta de liberdade, ainda que se reconheça que, supostamente, vivemos na época em que todos somos totalmente livres. “Guerra contra o terrorismo”, “democracia e liberdade”, “direitos do homem” são falsos termos que mistificam a nossa percepção da situação e nos impedem de verdadeiramente refletir sobre ela. 

“As nossas profundas «liberdades» 
 servem para mascarar e sustentar 
a nossa profunda «falta de liberdade»”. 
 “Somos livres de escolher… 
desde que façamos a boa escolha”.

 É exatamente o que se passa quando, hoje em dia, nos pedem para escolher: ou democracia, ou fundamentalismo. Entre estes dois termos, é impossível não escolher a democracia. Todavia, importa reter que o problema da proposta não é o fundamentalismo, mas sim a democracia, como se a única alternativa fosse a democracia liberal parlamentar.

A paixão pelo Real – Ato de autenticidade executado; realização direta da nova ordem há muito aguardada; alcançar finalmente a própria “coisa”. A experiência direta do Real opõe-se à experiência direta da realidade social quotidiana, uma vez que o Real surge como o preço a pagar depois de despojar a realidade das suas camadas ilusórias. A autenticidade do Real reside num ato violentamente transgressor, como o Real lacaniano – essa Coisa que Antígona enfrenta quando decide transgredir as leis da cidade. No Ocidente desenvolvido, a frenética atividade social dissimula a monotonia do capitalismo global, a ausência de um Evento… Talvez o atual terror fundamentalista tenha como propósito o de nos fazer emergir, a nós, cidadãos do Ocidente, do nosso torpor, do universo do nosso condicionamento ideológico quotidiano. O colapso das torres pode ser visto como a apoteose conclusiva da arte do século XX e da sua paixão pelo Real.

Cutters – Indivíduos que se cortam com o intuito de enraizar solidamente o ego na realidade corporal para combater a angústia insuportável do indivíduo que tem a impressão de não existir. O cutting opõe-se à prática da tatuagem, que funciona como testemunho da inclusão do sujeito na ordem simbólica, inscrevendo-a no próprio corpo.

Multiculturalismo liberal e tolerante – Sistema político vigente que se caracteriza, essencialmente, por uma política sem política, aquilo que também pode ser designado por uma arte da administração elaborada por especialistas, ou ainda a experiência do Outro privado da sua Alteridade. A realidade virtual não faz mais que generalizar este processo que consiste em oferecer um produto privado da sua substância, do seu núcleo de real, de resistência material. Este fenómeno é ainda percebível através dos numerosos produtos postos à venda no mercado dos quais foram extirpadas as suas propriedades malignas: café sem cafeína, cerveja sem álcool, entre outros (ver “dessubstancialização”). Por fim, as atitudes mais recorrentes caracterizam-se por uma condescendência e um respeito repugnantes pelo Outro.

The Real Thing – A Coisa Verdadeira, o Vazio destruidor. Culmina na queda das torres, nos snuff movies, nos sites pornô em que uma câmara é aplicada a um vibrador de forma a dar a ver o interior de uma vagina. Aliás, existe uma conexão evidente entre as imagens da realidade e as imagens divulgadas mediaticamente. Tudo ganha uma distância que permite que a dor das vítimas seja a volúpia do espectador. Veja-se a repetição compulsiva das imagens da queda do WTC e o fascínio que tais imagens sobre nós exerceram.

Desrealização – Tentativa de tornar a realidade privada de substância, de inércia material. Embora o número de vítimas do WTC não parasse de ser repetido, é surpreendente constatar a quase ausência de imagens de carnificina. Pelo contrário, sempre que se assiste à difusão de imagens do terceiro mundo, todo e qualquer pormenor macabro (cabeças degoladas, membros extirpados…) é sempre apresentado antecedido do aviso do horror das imagens que se seguem. Com isto, pretende-se sempre desrealizar a realidade, alterar a substância do que se vive tentando incutir ao espectador que o terrorismo está além e não aqui. Por conseguinte, na sociedade consumista do capitalismo avançado, é a própria vida que possui, de certo modo, as características do espetáculo de Hollywood, operando essa desmaterialização da vida verdadeira.

A travessia do Fantasma – Normalmente julga-se que a psicanálise tem como pressuposto libertar-nos dos nossos fantasmas, permitindo-nos confrontar com a realidade tal qual ela é. Nada mais errado: Lacan pretendia, pelo contrário, dar a ver como, na nossa existência quotidiana, nos encontramos imersos na realidade, estruturada e sustentada pelo fantasma, sendo esta imersão perturbada pelos sintomas que testemunham o fato de um outro nível da nossa psique, reprimido, resistir a essa imersão.

 Atravessar o fantasma significa, então, paradoxalmente, identificar-se completamente com ele, isto é, com esse fantasma que estrutura o excesso que resiste à nossa plena imersão na realidade quotidiana, distinguir claramente o que é realidade do que é a nossa ficção, o nosso fantasma. Temos de conseguir distinguir, naquilo que apreendemos como ficção, o núcleo sólido do Real, que só podemos enfrentar se o ficcionarmos. Em suma, temos de distinguir como uma parte da realidade é transfuncionalizada pelo fantasma, de modo que, apesar de constituir parte da realidade, é apreendida no modo da ficção.

A exposição do próprio Fantasma é um ato demasiado traumático para ser dito numa conversa. Daí que na psicanálise a figura do terapeuta tende à invisibilidade, ou então como, n’A Pianista, a professora dá a conhecer o seu Fantasma ao aluno apenas por escrito. O Fantasma exposto constitui o núcleo do seu ser, que está mais nela do que ela própria.

Existência/ Insistência – Os traumas históricos que não estamos prontos a enfrentar continuam-nos a assombrar com ainda mais força. Devemos portanto aceitar este paradoxo: o verdadeiro esquecimento de um acontecimento deve começar pela sua rememoração. Para compreender o justo alcance deste oximoro, devemos ter presente no espírito que o contrário da existência não é a não existência, mas sim a insistência: insistir para que exista para que seja absorvido e deixe de existir. Assim, as presentes revoluções repetem e redimem as suas malogradas tentativas passadas: os sintomas, as causas, as marcas do passado que são retroativamente redimidas pelo milagre da intervenção revolucionária, não são tanto atos esquecidos, mas falhanços esquecidos para passar ao ato, tentativas malogradas para suspender a força do aparelho social que inibe os atos de solidariedade para com os outros.

 Num certo sentido, os sintomas, os falhanços, porque não têm existência, insistem até ganharem uma plena consistência ontológica, como se fossem arquivos virtuais vazios que guardamos que persistem da experiência histórica. O seu principal objetivo é o de preencher o vazio deixado pelo malogro de uma intervenção real na crise social.

Excesso de Superego – Este conceito pode ser materializado na figura do coronel Kurtz (Marlon Brando em Apocalipse Now) ou até mesmo, a meu ver, na personagem Mestre Ubu. Ambos simbolizam o pai primordial freudiano por excelência, o pai obsceno do gozo ao qual nenhuma lei simbólica opõe um limite, o Mestre absoluto que ousa confrontar-se com o Real do gozo aterrador. A sua supra-identificação com o sistema leva-o a tornar-se o excesso que o sistema, posteriormente, é obrigado a eliminar. Bin Laden, Hitler e Estaline são figuras que cabem dentro deste conceito.

O que permanece fora do nosso horizonte é a perspectiva de uma acção política quebrando o círculo vicioso do sistema que engendra o excesso do seu superego, uma violência revolucionária que já não assentaria na obscenidade do superego, passada essa primeira fase de ostentação do verdadeiro bacanal da destruição, da despesa supérflua, puramente revolucionária. É este ato impossível, em que a violência revolucionária já não assentaria na obscenidade do superego, que todavia ocorre em qualquer autêntico processo revolucionário.

Note-se ainda que, para Žižek, o desejo pio de privar a revolução deste excesso é simplesmente o desejo de ter uma revolução sem revolução. A grande diferença entre Lenine e Estaline consiste primeiramente na explosão da energia leninista puramente destruidora, portanto liberatória, para o cabouco estalinista e obsceno da Lei: Lenine é revolucionário e Herói, enquanto Estaline é ditador totalitário, resultado do excesso de Superego estatal que teria de ser eliminado.

Herói – Assume plenamente a fundação suja e obscena do poder, aquele que diz: “Mãos à obra, alguém tem de fazer o trabalho sujo”. Assume que o Real é alcançado pela destruição do elemento excessivo que o antagonismo da revolução produz. Age por si, sem antecipar consequências. O seu lema é: “Atacamos e logo veremos”. O que há de interessante nesta expressão é o fato de ela combinar o voluntarismo, uma atitude ativa, empreendedora, arriscada, e um fatalismo mais fundamental: uma pessoa age, salta e depois espera que as coisas corram bem. E se fosse desta posição que mais precisamos hoje, divididos como estamos entre as duas faces da “ideologia espontânea” da globalização contemporânea – por um lado, o pragmatismo utilitário e ocidental e, por outro, o fatalismo oriental?

Política da Abstração/ Dessubstancialização – A guerra de alta tecnologia e os bombardeamentos de precisão são, a título de exemplo, um dos casos que o autor cita. Com estes exemplos, Žižek dá conta não só da distância a que as guerras são travadas, sendo cada vez mais raro o combate frontal corpo a corpo, como também da alta tecnologia e da presença de especialistas que decidem ataques mediante números, hipóteses e estimativas. O soldado de guerra é, atualmente, um especialista de informática que carrega em duas ou três teclas para fazer explodir uma porção de território do inimigo. Tendo ainda como base dados puramente matemáticos, esta política permite que um país seja financeiramente são, ainda que um milhão de habitantes esteja a morrer à fome. Perante esta política, surge uma nova arte da guerra bacteriológica, recorrendo ainda ao uso de gás letal ou ainda veneno que, combinando premissas a partir do ADN, matam apenas especificamente certo grupo de pessoas.

Fetichismo – De acordo com Marx, o prazer do fetichismo recaía principalmente na posse física do objeto e da sua própria concretude. Porém, na época em que vivemos, o fetichismo atinge o seu máximo paroxismo quando o dinheiro, a guerra e os vírus vivem em todo o lado e atingem em pleno uma realidade virtual. Mil euros e uma bactéria nociva pertencem muito mais a uma inscrição virtual, algures no planeta, do que propriamente a uma realidade física. O universo conhecido começa a desmoronar-se e a vida a desintegrar-se.

Choques de civilizações – Os choques reais estão, basicamente, todos ligados ao capitalismo global. Em vez de glosar interminavelmente sobre a intolerância característica do fundamentalismo islâmico em relação às nossas sociedades liberais, deveríamos centrar a nossa atenção sobre o pano de fundo económico do conflito – o choque de interesses económicos e geopolíticos dos próprios E.U.A. Estes choques de que falamos designam uma série de massacres perpetrados um pouco por toda a parte – Ruanda, Serra Leoa, Congo, Bósnia, Kosovo, Afeganistão… No fundo, todos estes casos atestam bem o fato de que os Estados Unidos dão claramente mais primazia à economia do que à democracia.

O Grande Outro – Aquilo em cuja prole agimos, em cujo nome se exerce uma busca impiedosa do poder, para o qual transferimos as nossas crenças. Aquele que acredita e sustém o nosso lugar, o nosso sujeito-suposto-crer.

A Outra Via – A verdadeira escolha para os dias que correm situa-se entre o capitalismo e o seu Outro, representado, neste momento, por correntes marginais como o movimento antiglobalização. Esta escolha faz-se acompanhar por fenómenos secundários estruturais, entre os quais, principalmente, a tensão inerente entre o capitalismo e o seu próprio excesso. Com efeito, é sempre o mesmo modelo: a fim de esmagar o seu verdadeiro inimigo, o capitalismo mobiliza o seu excesso obsceno sob a forma do fascismo; mais tarde, sob a forma do comunismo; agora, sob a forma do fundamentalismo e do terrorismo. Na verdade, a guerra contra o terrorismo, empreendida pela América, não é a nossa guerra, mas antes uma luta interna, no seio do universo capitalista.

A democracia é hoje o fetiche político principal. A ideia de uma democracia honesta é uma ilusão, tal como é ilusória a ideia de uma ordem jurídica desembaraçada do complemento do seu superego obsceno. A ordem política democrática é, por natureza, susceptível de corrupção. Na realidade, a escolha é clara: aceitamos e endossamos essa corrupção dentro do espírito de uma sabedoria resignada e realista, ou reunimos coragem e formulamos uma alternativa de esquerda à democracia, para quebrar o círculo vicioso da corrupção democrática e das campanhas empreendidas pela direita que pretendem desembaraçar-se dela. (vide coragem ética)

Cinismo – Recordo as palavras de Mohammed Omar, um líder talibã que se dirigiu ao povo americano a 25 de Setembro de 2001: “Vós aceitais tudo o que diz o vosso governo, seja verdade ou mentira (…). Não sabeis pensar por vós próprios? Seria melhor, para vós, se julgásseis por vós próprios, se utilizásseis a vossa própria compreensão das coisas”.

 Apesar de estas considerações serem indubitavelmente uma manipulação cínica (porque não dar o mesmo direito ao julgamento e à compreensão dos próprios Afegãos?), não parecerão elas contudo bastante apropriadas à situação, quando consideradas de forma abstrata e retiradas do seu contexto? (cf. crentes pós-modernos)

Felicidade – É necessário reunir três condições fundamentais:

  1. Haver bens materiais básicos, mas não completamente, evitando que o excesso de consumo gere insatisfação; por vezes, a penúria ensina-nos a aproveitar melhor os bens de consumo;
  2. Poder imputar o que corre mal ao Outro, para que ninguém se sinta responsável; a culpa é sempre deles;
  3. Haver um outro espaço com o qual se pode sonhar e, por vezes, visitar.
Reunidas estas três condições, feliz era a Checoslováquia nos anos 70, princípios de 80.

No sentido lacaniano do termo, a felicidade assenta na incapacidade ou na indisponibilidade do sujeito para se confrontar plenamente com as consequências do seu desejo: o preço a pagar pela felicidade é que o sujeito permanece entalado na inconsistência do seu desejo. Na vida quotidiana, julgamos desejar coisas que, na verdade, não desejamos e, em última instância, o pior que nos pode acontecer é obter o que desejamos oficialmente. A felicidade é, portanto, hipócrita por natureza: é a felicidade de sonhar com coisas que não desejamos verdadeiramente.

“Não quero saber nada sobre isso” – Porque o saber traz infelicidade, Lacan sustém que esta é a principal atitude do homem face ao conhecimento, como se houvesse uma resistência fundamental à ideia de saber mais. Qualquer verdadeiro progresso, na área do saber, só se obtém através de um combate doloroso contra essa propensão espontânea. Por exemplo, se corrêssemos o risco de ter contraído uma doença grave que nos mataria aos trinta e cinco anos, quem faria voluntariamente os exames para aferir se corria efetivamente esse risco?

 Contudo, o problema com uma solução do género “Autorizo outra pessoa a saber o resultado e a não mo dizer, caso ele seja positivo, ajudando-me a morrer durante o sono” levanta uma questão: eu saber que o Outro sabe arruína tudo e expõe-me a um total sentimento de desconfiança.

Saber do saber do Outro – Para Lacan, esta frase resume o fato de toda a economia psíquica de uma situação mudar radicalmente não porque eu aprendi qualquer coisa que ignorava, mas antes porque aprendi que o Outro, que eu julgava ignorante, sabia desde o início e agia como se nada soubesse para salvar as aparências. Existirá situação mais humilhante do que a do marido infiel que, posteriormente, vem a descobrir que a sua mulher tinha conhecimento de tudo embora o tenha calado, por delicadeza ou por desamor?

Crentes pós-modernos – Para o animal humano, é difícil e, até mesmo, traumático aceitar que a sua vida está ao serviço de uma Verdade e que não é simplesmente um processo estúpido de reprodução e busca de prazer. É desta forma que a ideologia parece funcionar hoje no nosso autoproclamado universo pós-ideológico: desempenhamos os nossos mandatos simbólicos sem os assumirmos verdadeiramente, sem os levarmos realmente a sério. 

Um pai, por exemplo, encarna o papel simbólico de pai, mas acompanha esse papel com um fluxo constante de comentários irónicos e reflexivos denunciando a convenção estúpida da paternidade.

 Gozamos com as nossas crenças, mas continuamos a praticá-las, ou seja, continuamos a confiar nelas como estrutura em que assentam as nossas práticas quotidianas. Em suma, é sempre a mesma história que nos é contada, embora surja com deslocações, auto-ironia e distanciamentos brechtianos. 

Ora, a verdadeira função destes últimos mecanismos referidos consiste precisamente em conservar essa história tradicional como relevante para a nossa época pós-moderna – impedindo-nos assim de substituí-la por uma nova história. Se pretendemos levar a sério a ideologia liberal hegemónica, não é possível ao mesmo tempo ser inteligente e honesto: ou se é completamente idiota ou cinicamente corrupto.

Coragem Ética – Hoje precisamos de uma nova coragem e é essa falta de coragem – que, em última instância é também a coragem de questionar a sua própria posição – que é o fato mais flagrante na reacção dos intelectuais americanos e europeus. Claro que podemos sempre advogar que essa coragem também já os nazis a tiveram e, como se viu, isso não trouxe propriamente bons resultados. Todavia, o que torna o nazismo repugnante não é a retórica da solução final enquanto tal, mas a dimensão concreta que lhe imprimiu – o que tornou o nazismo repugnante foi, principalmente, a passagem ao ato. É errado partir do princípio que, ao assumir uma posição, cada sujeito sabe que todas as posições são relativas, condicionadas por constelações históricas contingentes e que, por conseguinte, ninguém está na posse de uma solução definitiva, mas apenas de soluções temporárias e pragmáticas.

 O relativismo ilustrado por esse exemplo, aparentemente todo feito de modéstia, esconde na realidade a posição inversa ao favorecer a própria posição do seu enunciado. Para nos convencermos disso basta comparar o combate e o sofrimento do fundamentalista com a paz serena do democrata liberal que, protegido na sua posição subjetiva, rejeita ironicamente qualquer comprometimento forte, qualquer defesa de um ponto de vista dogmático. Neste caso, deveríamos pôr antes em prática as palavras bem conhecidas de Cristo ao anunciar que trazia o gládio e a divisão e não a unidade e a paz: em nome do amor pela humanidade. Deveríamos completar a citação judia, evocada muitas vezes a propósito do Holocausto (“Quando alguém salva um homem da morte, salva toda a humanidade”), por:

 «Quando alguém mata 
nem que seja um só inimigo da humanidade,
 não está a matar mas a salvar toda a humanidade». 
 (?eu)
O verdadeiro esforço ético não está apenas na decisão de salvar vítimas, mas também – e talvez muito mais – na dedicação impiedosa de aniquilar aqueles que fazem delas vítimas.

Ligações externas

Bibliografia na Lacan.com 
Slavoj Zizek Página acadêmica na European Graduate

 Frases de Slavoj Žižek
"O Espírito Santo é o partido comunista primordial"
“O capitalismo está na mesma situação
 do Coiote perseguindo o Papa-léguas. 
Ela já passou a linha do abismo, 
só falta ele olhar para baixo e ver que não está mais pisando no chão!”.
 “A ideia do inferno na Terra é o tipo americano de festa”
 “Sou um pessimista no sentido de que estamos nos aproximando de tempos perigosos. Mas sou um otimista exatamente pela mesma razão. O pessimismo significa que as coisas estão ficando bagunçadas. O otimismo significa que esta é precisamente a época em que a mudança é possível.”, diz Zizek
“Como quando você compra uma maçã orgânica,
 você faz isso por razões ideológicas, faz você se sentir bem: 
‘Eu estou fazendo algo pela Mãe Terra’, e assim por diante. 
Mas em que sentido estamos engajados? É um falso engajamento.
 Paradoxalmente, fazemos essas coisas para evitar realmente fazer as coisas.
 Faz você se sentir bem. Você recicla, manda £ 5 [cerca de R$ 16] 
por mês para algum órfão da Somália, e cumpriu o seu dever.”
. “O problema com Hitler foi não ter sido violento o suficiente”, 
por exemplo, ou “Não sou humano. Eu sou um monstro”.
  “Eu odeio especialmente 
quando chegam para mim com problemas pessoais.
 Minha frase padrão é: ‘Olhe para mim, olhe para os meus tiques,
não está vendo que eu sou louco? 
Como você pode sequer pensar em pedir para um maluco
como eu para ajudar você com problemas pessoais, hein?’.”
“Todos os meus relacionamentos 
–por isso eles são muito poucos– foram condenados
 a partir da perspectiva da eternidade. 
O que eu quero dizer com esse termo desajeitado
 é que talvez eles durem.”
“Sou um pessimista no sentido de que estamos
 nos aproximando de tempos perigosos. 
Mas sou um otimista exatamente pela mesma razão. 
O pessimismo significa que as coisas estão ficando bagunçadas.
 O otimismo significa que esta é precisamente a época em que a mudança é possível.” 


"Um homem só é rei
 porque os seus súbditos se comportam perante ele como um rei"
Slavoj Zizek
Disse Žižek: 
“Nós nos ‘sentimos livres’ porque somos
 desprovidos da linguagem para articular nossa falta de liberdade”.
 Li-Sol-30
 Fontes:
portalsescsp


Publicado em 13/03/2013- Licença padrão do YouTube 

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