segunda-feira, 21 de março de 2011

HISTÓRIA E UTOPIA - O Apocalipse segundo Cioran (pt 3)


Introdução

Este artigo tem a finalidade de investigar, mediante a obra História e Utopia (1960), principalmente, auxiliada, porém, de outras obras, como Breviário de Decomposição (1949), e entrevistas, a crítica que o filósofo Emil Cioran faz à idéia de progresso histórico, visto que tal crítica, por defrontar-se com o pensamento progressista da Filosofia Moderna, tem uma grande relevância para a Filosofia Pós-Moderna.

O pensamento cioraniano é polêmico, 
utiliza-se de uma linguagem soturna
e exprime bem o momento da humanidade. 

A decadência da racionalidade filosófica, simultânea a queda da escrita sistemática e o rompimento com a perspectiva de uma História linear fazem de Cioran, com o estilo epilético, escrita fragmentada e indiferente às utopias, um filósofo cuja leitura é necessária a todo intelectual pós-moderno. 

Natural de Rasinari, condado de Sibiu, na Romênia, filho de um padre ortodoxo e mãe pouco religiosa, embora líder de grupo de senhoras religiosas, Cioran teve, obviamente, influência da religião do seu lugar de origem. Acabou por se radicar, porém, na França, berço da cultura, do secularismo, obtendo um estilo que varia entre o Nada e a prosa, o ódio e a tragicomédia, o rancor e a abstinência.

Desde as suas obras na Romênia como Pe Culmile Disperarii (1934) até suas principais obras, já em solo francês, História e Utopia e Breviário de Decomposição, Cioran propõe que é preciso, se se quer ser lúcido, ser envolvido pela nulidade. Este contraste com o pensamento sistemático e até progressista da tradição filosófica marca o seu pensamento.

O título do artigo, portanto, tem a finalidade de sintetizar o pensamento do autor. A idéia de que o otimismo é vão e que o pensamento sistemático não é lúcido, presente nas suas obras, é valorizado nas linhas que se seguem. Cioran não é plenamente um filósofo. No entanto, não deixa de sê-lo. Ele é mais do que isso justamente porque não deseja ser alguma coisa. O verdadeiro filosofar, para ele, é abandonar o pensamento, a ação, toda forma de utopia, deixando que o corpo o domine e o espaço o obscureça, em uma revelação soturna e cruel, na medida em que é totalmente lúcida.

1. O tempo como realidade imutável

Na obra História e Utopia Cioran exprime, por meio da análise da Queda do primeiro homem, segundo consta no livro bíblico do Gênesis, a trágica condição do gênero humano diante da História. 

Esta, por sua vez, advinda com a Queda, nada mais é do que a repetição da essência desse primeiro ser. Desta forma, se desenvolve a idéia de que todas as eras e civilizações nada sabem de novo, pois, embora existam diferentes civilizações, costumes e épocas, a essência do homem sempre é a mesma. Daí parte a crítica à Modernidade e a Filosofia Moderna que, segundo Cioran, não puderam perceber que, por mais que se tente fazer da História um veículo de esperança para o progresso, há na humanidade uma essência caída que é irreversível:(?)

O exercício filosófico não é fecundo: é apenas respeitável. 

Sempre se é filósofo impunemente. (…) Os verdadeiros problemas só começam após havê-la percorrido ou esgotado, após o último capítulo de um imenso tomo, que põe o ponto final em sinal de abdicação ante o Desconhecido, onde se enraízam todos os nossos instantes, e com o qual precisamos lutar, porque é naturalmente mais imediato, mais importante que o pão cotidiano. Aqui o filósofo nos abandona: inimigo do desastre, ele é sensato como a razão, e tão prudente quanto ela (CIORAN, 1989, p.55).

Mediante a Insônia é que, entretanto, para Cioran, um indivíduo pode tornar-se lúcido diante desta realidade, como relatado em Breviário de Decomposição. Para tanto, é preciso ser escolhido. A Insônia, segundo o seu pensamento, não é buscada pelo homem. Ao contrário, ela é que o escolhe. Este domínio, tanto da fisiologia como da meteorologia, marca o pensamento cioraniano.

Desta forma, com a crítica ao progresso histórico, o autor revela que a sociedade pós-moderna, uma vez caído o espírito de progresso da modernidade, tende a reviver sentimentos negativos. Tais sentimentos, como tirania, rancor e ódio, inerentes a períodos de decadência, são pré-requisitos para a decência intelectual. Sendo assim, a filosofia cioraniana “investiga” o seu tempo e não propõe ao atual momento mudanças, utopias ou progresso, o que faz deste período um pequeno alívio diante da trágica História:

Ela [a História] não é o fundamento do ser, mas sua ausência, o não de toda coisa, a ruptura do vivente consigo mesmo: não sendo constituídos pela mesma substância que ela, nos recusamos a cooperar em suas convulsões. Pode nos esmagar à vontade, só atingirá nossas aparências e nossas impurezas, esses restos de tempo que ainda arrastamos, símbolos de fracasso, marcas de escravidão (CIORAN, 1994, p.141).

Quem está sozinho em uma rua, em meio a uma madrugada sombria, mesmo que seja um mendigo, um homem iletrado, é mais lúcido do qualquer filósofo ou intelectual acadêmico. Isto porque, malgrado ser dotado de razão, o homem racional não pode alcançar a verdade. 

O Ser almejado pelo racionalismo socrático, fundamentador da tradição filosófica, não passa de uma ilusão, de uma utopia. Ter um alvo, um objeto de estudo, não é possuir como finalidade a matéria, o corpo. Ao contrário, o fim a que se marcha em direção, quando se possui um caminho a seguir, é o “percorrer”, o “caminhar”.

O homem não quer o Ser propriamente,
quer é o “conhecer”. 

Acontece que o conhecimento não pode criar algo, porque aquilo que o intelecto busca, sempre lhe é superior. Uma vez subindo até ao mais alto monte da sabedoria, o homem desmorona,(Sísifo) frustrado por não ter encontrado o que ainda procura. Com este pensamento, o autor franco-romeno sintetiza a História humana como a eterna repetição do pecado de Adão:

Ontem, hoje, amanhã: categorias para uso de criados. Para ocioso suntuosamente instalado no Desconsolo, e ao qual todo instante aflige, passado, presente e futuro são somente aparências variáveis do mesmo mal, idêntico em sua substância, inexorável em sua insinuação e monótono em sua persistência.(em não querer ser) E esse mal possui a mesma extensão do ser, é o ser mesmo (CIORAN, 1989, p. 60).

Quando o cientista afirma: “descobri algo novo”, se prova que ele está demasiadamente iludido com a sua utopia. Cioran afirma que ninguém pode sobreviver sem uma utopia. Envolver-se com esta, no entanto, requer a perda da lucidez.  

Quem é lúcido, contudo, não o é por escolha. 
A realidade se apresenta a tal homem sem que ele peça.

Não obstante houvesse uma ausência de pedido, sendo que Adão e Eva não pediram para serem criados, o real se lhes apresentou. No entanto, quiseram conhecer a realidade, na medida em que deram ouvidos à afirmação da serpente de que, se comessem do que lhes havia sido proibido, se ultrapassem os limites do corpo, se tornariam deuses, seriam conhecedores do bem e do mal. Por isto foram expulsos do Paraíso. 

O Homem - Adão e Eva 
- andrógino ,filho-semente de Deus
precisava de uma terra escura e fértil
para ,se arrebentando
criar raizes fortes
sedentas da luz da superfície
e ali tornar-se árvore frondosa
à sonbrear o solo, o berço
de novas sementes e assim
forjar novos sítios/jardins/caminhos
 perpetuadores das dores
do nascer,aprender crescer
e realizar-se mais uma obra divina-mente
projetada à preservar e manter
a expansão do mais novo Universo.

Daí ser verdade que somos e estamos condenados a realizar o sonho divino

A questão é que não pedimos para ser sementes 
e não podemos deixar de sê-lo.
Haja o que houver,não temos escolha:
Ou aceitamos nossa missão de semente de luz,
ou, negando-a , voltarmos ao pó de humus
humus, escremento fertilizador planetário.

Viagem? Absurdo?
Se Humano vem do humos e pra ele voltará,
se igorar o caminho da luz;
se não escolher amar a dor do crescer , 
em trans-formação inclementemente maravilhosa.

Não é à toa que somos sementinhas 
apaixonadas pelo Absurdo!

 Quem vai se recusar ser Deus?


Uma das razões por que se pode negar a liberdade é o nosso fator meteorológico. A liberdade é uma ilusão, pois depende de coisas que não deveriam me condicionar. Minhas idéias são sempre ditadas pelos meus órgãos, os quais, por sua vez, são sempre ditados pelo clima. (…) Meu próprio mal-estar, de ordem climatológica, está ligado ao mal-estar metafísico (CIORAN, 1983)[1]

Cioran exprime que a história de Adão e Eva é a história da humanidade. Todos são, por essência, Adão e Eva. Caído no pecado, em dores de parto constante, o ser humano não pode mais retornar ao Paraíso. O conhecimento é a sua mácula. Uma vez maculado, não se pode mais estar face a face com o criador:
 
( Um condenado a descobrir e realizar-se
na semente divina que é
e enfim  criar o seu próprio Paraíso?)

De tanto louvar as vantagens do trabalho, as utopias deveriam tomar a direção oposta do Gênese.
 (OPOSTA? - ou enfim realizar o Original Sonho Divino ?)

Neste ponto particularmente, são a expressão de uma humanidade absorvida pelo trabalho, orgulhosa em comprazer-se com as conseqüências da queda, das quais a mais grave é a obsessão pela produtividade. (…) O homem, uma vez excluído do paraíso, para não sofrer e não pensar mais nele, obteve como compensação a faculdade de querer, de tender para o ato, de perder-se nele com entusiasmo, com brio (CIORAN, 1994, p. 111).

Ser lúcido como foi Cioran 
não é sinônimo de estudo acadêmico.  
(INTUIÇÃO?)

O filósofo franco-romeno foi acometido de insônia durante sete anos de sua vida, mais precisamente na juventude. Tal fato o revelou que o tempo, ao contrário do que pensam os homens comuns, não passa. Quando se está acordado por toda a noite, tudo o que há às dez da noite há, da mesma forma, às dez da manhã. Portanto, a idéia de “quebra” no tempo, ou seja, o pensamento de que, após uma noite de sono, as coisas que agora estão disponíveis a uma pessoa são “novas” ou estão renovadas, sendo que tudo o mais permaneceu no dia anterior, é passado, é falsa. 

Quem experimenta as noites de vigília, 
sabe que essa sensação de “quebra” no tempo
advém do sono.

Este, por sua vez, impede que o homem tenha a revelação da realidade, pois adormecem os seus órgãos, os seus músculos, fazendo-o toda noite fechar os olhos para a imutabilidade do tempo. Por isso, um ser que vive nas ruas, que vive à margem da sociedade, que adentra a escuridão da noite, tem a lucidez que falta a um erudito.
Obs: os grifos e a tagarelice azul é minha.
Fontes:
 De:
Vídeo: ATEUS.NET
Texto: CONSCIÊNCIA:.ORG
 http://ateus.net/artigos/filosofia/o-mito-de-sisifo-ensaio-sobre-o-absurdo/
Sejam felizes todos os seres.Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.
ABENÇOANDO SOMOS ABENÇOADOS

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