Kierkegaard por Franklin Leopoldo e Silva
Kierkegaard e Pascal: as vertigens da razão e o mistério da fé
- Café filosófico.
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ENSAIOS
Segunda-feira, 13/1/2003
Pascal e a condição humana
Pedro Maciel
Blaise Pascal (1623-1662) está inserido na história da ciência como um dos mais notáveis estudiosos de matemática e física. Precoce, aos 12 anos, Pascal escreve um tratado sobre "Acústica" e descobre a geometria até trigésima segunda proposição de Euclides. Aos 17, escreve o "Tratado dos Cones" e, aos 19 anos, descobre a prensa hidráulica. No ano seguinte, inventa a primeira calculadora, a "máquina de aritmética", para ajudar o seu pai no trabalho. Em 1646 reproduz, com Pierre Petit, a experiência de Torriceli e faz experiências sobre o vácuo. É também conhecido como o precursor do cálculo infinitesimal.
Mas "Pensamentos", tradução de Mário Laranjeira; (Ed. Martins Fontes), é o seu trabalho mais genial, uma das obras-primas da literatura francesa. Pascal, admirador de Galileu e idealizador do primeiro sistema de ônibus parisiense, tenta justificar a fé pela razão. Deste livro é a célebre frase: "O coração tem razões que a razão desconhece". O autor de "As Provinciais", obra condenada por Roma em 1657, era militante do jansenismo, doutrina que pregava o rigor moral, e, por isso, manteve uma acirrada polêmica com os jesuítas.
"Pensamentos" é um conjunto de notas e rascunhos que deveria servir para a redação da "Apologia do Cristianismo". Os escritos inacabados foram iniciados por volta de 1657 e só foram recuperados oito anos após sua morte em Port Royal. Ao escrever "Pensamentos", Pascal não renega os seus interesses científicos, ao contrário, lança mão de um método lógico para explicar a fé e as exigências transcendentes da condição humana.
Segundo Gérard Lebrun, a originalidade do método adotado por Pascal surpreende, porque é um "método formado e testado ao nível das ciências exatas". Lébrun, no livro "Blaise Pascal, Voltas, desvios e Reviravoltas", Ed. Brasiliense (1983), relê o pensamento de Pascal e aponta os erros dos interpretadores em relação à obra do autor francês do século 17, interpretadores dos "falsos sentidos", que não viram o "Pascal Moderno, no coração da idade clássica", com seu "deus morto". "E daí se seguiram todos os falsos sentidos. E nesse pensamento, que não é mais do que um circuito na beira dos abismos, só viram piedoso fervor", diz Lébrun.
"Ao ler esses pensamentos fragmentados, temos de entender que estamos diante do grandioso e do provisório. Temos de ser capazes de ver, nos textos incompletos, nas frases interrompidas, na miscelânea dos assuntos, na brevidade das fórmulas, na desordem das citações, a mais profunda meditação que já se fez sobre as tensões que definem as relações entre o homem e a transcendência que o supera pelo terror, pelo temor e pela piedade. Se é inegável que o centro das preocupações de Pascal é a religião, afinal o objeto do livro que pretendia escrever, também é certo que a amplitude de sua reflexão atinge a dimensão da existência humana nos seus mais recônditos e difíceis aspectos, razão pela qual esses fragmentos falam a todos os seres humanos, que partilhem ou não a crença que inspirou Pascal", anota Franklin Leopoldo e Silva no esclarecedor prefácio.
Pascal, ao fazer a apologia cristã, revela muito mais o saber universal e o conhecimento do que os fundamentos da religião. A verdade na língua do pensador é relativa: "Todos erram tanto e mais perigosamente quando seguem cada um uma verdade; o seu erro não está em seguirem uma falsidade, mas em não seguirem outra verdade". Pascal defende que "quando não se sabe a verdade de uma coisa, é bom que haja um erro comum que fixe o espírito do homem..."
"Pensamentos" é um exercício extraordinário sobre a razão humana. Discurso fundamental para compreender o homem e a sua relação com Deus. Filosofia do espírito. Conversa dos deuses cartesianos? "Cada um forja um deus para si". Experimentação do pensamento moderno: "Ao escrever o meu pensamento, ele me escapa às vezes, mas isso me faz lembrar da minha fraqueza de que me esqueço a toda hora, o que me instrui tanto quanto o meu pensamento esquecido, pois só busco conhecer o meu nada". Um pensamento que deixa perplexo qualquer pensador.
"Pensamentos", de Pascal; 47 (172)
Nunca ficamos no tempo presente. Lembramos o passado; antecipamos o futuro como lento demais para chegar, como para apressar o seu curso, ou nos lembramos do passado para fazê-lo parar como demasiado rápido, tão imprudentes que erramos por tempos que não são nossos e não pensamos no único que nos pertence, e tão levianos que pensamos naqueles que nada são e escapamos, sem refletir, do único que subsiste. É que, em geral, o presente nos fere. Escondemo-lo de nossas vistas porque nos aflige e, se ele nos é agradável, lamentamos que nos escape. Buscamos mantê-lo mediante o futuro e pensamos em dispor as coisas que não estão em nosso poder por um tempo ao qual não temos a menor certeza de chegarmos.
Examine cada um os seus pensamentos. Vai encontrá-los a todos ocupados com o passado ou com o futuro. Quase não pensamos no presente, e se nele pensamos é somente para nele buscar a luz para dispormos do futuro. O presente nunca é o nosso fim.
O passado e o presente são os nossos meios, só o futuro é o nosso fim. Assim não vivemos nunca, mas esperamos viver e, sempre nos dispondo a ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos.
Nota do Editor
Ensaio gentilmente cedido pelo autor. Publicado originalmente no caderno "Prosa & Verso", do jornal O Globo, a 23 de junho de 2001.
Pedro Maciel
Belo Horizonte, 13/1/2003
Síntese, Belo Horizonte, v. 34, n. 110, 2007
373Síntese - Rev. de Filosofia
FÉ E RAZÃO NA APOLOGIA DA RELIGIÃO CRISTÃ
:
ANOTAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE
EXISTÊNCIA E TRANSCENDÊNCIA EM PASCAL
* Departamento de Filosofia da USP. Artigo submetido a avaliação no dia 16/10/2007 e
aprovado para publicação no dia 03/11/2007.
Franklin Leopoldo e Silva*
Resumo:
Esse texto parte da hipótese de que seria possível estabelecer em Pascal uma relação entre Existência e Transcendência por via de uma leitura dos fragmentos que os comentadores supõem terem sido anotações para uma exposição que Pascal teria feito em Port-Royal sobre o livro que pretendia escrever, a Apologia da Religião Cristã . Não encontramos, nesses fragmentos, indicações de um trabalho de teologia racional, mas o esboço de uma tentativa de vincular a compreensão possível da existência humana, sobretudo no plano de suas contradições, à transcendência divina, pensada
a partir do mistério da encarnação e da mediação de Jesus Cristo. Entre a imanência da existência humana e a transcendência da existência de Deus estabelece-se assim uma relação que se manifestará no na contradição grandeza/miséria, característica do ser humano.
Palavras-chave: Apologética, contradição, imanência, fé, razão.
Sabemos que o conjunto de fragmentos que conhecemos sob o título Pensées de Pascal são anotações a partir das quais deveria ter sido composta uma obra que se denominaria Apologia da Religião Cristã.
A extrema diversidade de forma e conteúdo desses fragmentos torna praticamente impossível qualquer suposição bem fundada acerca da maneira como se teria constituído esse livro. Não temos, portanto, meios seguros de, reorganizando e prolongando hipoteticamente o conjunto de fragmentos, chegar a uma conclusão plausível sobre a forma final da Apologia.
No entanto, alguns desses textos nos revelam, de modo mais ou menos preciso, algo a que poderíamos chamar o “projeto” de Pascal. E o que pretendemos indicar aqui é a possibilidade de estabelecer, na compreensão desse projeto, uma relação entre existência e transcendência. Com efeito, a Apologia não tem o propósito exclusivo de explicar a doutrina cristã do ponto de vista de uma teologia formalmente constituída nos moldes da tradição.
Sendo o objetivo apologético, a intenção de Pascal é menos proporcionar uma intelecção de Deus, o que ele considera impossível, do que dar a entender que a compreensão da existência humana, sobretudo no plano de suas contradições, requer a via da transcendência de Deus, não como caminho
explicativo, mas como justificação das dificuldades que o homem encontra na explicação de si mesmo e de sua condição. Assim, o centro da Apologia estaria em Jesus Cristo não apenas por exigência estritamente teológica, mas também por uma exigência antropológica.
É preciso observar, no entanto, que o viés antropológico pascaliano é inseparável da consideração da transcendência na ambigüidade com que ela se apresenta ao homem: a sua origem e o seu destino, mas ao mesmo tempo o que ele perdeu. Não é por acaso que a reflexão de Pascal contempla privilegiada-
mente as contradições e as oposições irredutíveis no plano da racionalidade.
Isso quer dizer que a imanência por si mesma coloca as exigências de remissão à transcendência. Esse foco de leitura nos parece relevante para compreender não apenas a destinação da Apologia, mas também o eixo da reflexão pascaliana como de natureza prática
1
Nele encontramos as notas utilizadas por Pascal numa exposição sobre o plano da Apologia feita em Port-Royal. O comentário desse texto poderá talvez nos fornecer subsídios iniciais para uma reflexão acerca da relação entre razão e fé como passagem da imanência à transcendência na obra que Pascal pretendia elaborar. Aceitaremos aqui, como meio de facilitar o trabalho, os riscos inerentes ao esquematismo, dividindo o fragmento em 5 pontos.
1. A primeira parte, que supõe o tratamento anterior do tema da dualidade grandeza/miséria, que se apresenta para Pascal como uma contradição, e da qual falaremos mais adiante, indica, por assim dizer “dogmaticamente”, a maneira como a religião cristã deve ser considerada como o único meio
de penetrarmos nessas “espantosas contrariedades” referentes à polarização constituinte da condição humana, situação que é para o homem causa de perplexidade e infelicidade.
Com efeito, a “verdadeira religião” nos mostra que “ há um Deus; que somos obrigados a amá-lo; que nossa verdadeira felicidade é estar nele, e o nosso único mal estar separado dele; que reconheça que estamos cheios de trevas que nos impedem de conhecê-lo e de amá-lo; e que assim como os nossos deveres nos obrigam a amar Deus, e as nossas concupiscências nos desviam dele, estamos cheios de
injustiça. É preciso que nos dê satisfação dessas nossas oposições, em relação a Deus e ao nosso próprio bem; é preciso que nos ensine os remédios para essas impotências e os meios de obter esses remédios.”
O que Pascal enumera aqui são as oposições básicas das quais decorrem todas as outras
que fazem do homem um ser dividido. A contradição de fundo é aquela que opõe nossos deveres para com Deus às nossas concupiscências:
o predomínio destas nos mantém nas trevas e introduz a injustiça no próprio núcleo do nosso ser, na medida em que produz o afastamento de Deus. O homem não é apenas injusto, pelos seus pensamentos e ações; a injustiça, tornada constitutiva, aparece como aquilo que condiciona a sua própria
natureza, enquanto corrompida. Nesse sentido, agimos contraditoriamente em relação a Deus e ao nosso bem porque todas as nossas ações estão comprometidas com a contradição que nos define. A religião cristã nos apresenta essa contradição, e assim se distingue da filosofia e das outras
religiões que procuram superar a contradição atendo-se a um dos seus termos: grandeza ou miséria.
Quando a filosofia nos faz crer que somos autárquicos e auto-suficientes na prática do bem (estóicos) ela na verdade nos leva à presunção e ao orgulho como substitutivos da visão de nossa condição; quando outras religiões (os maometanos) nos fazem crer que a felicidade sobrenatural é constituída de prazeres semelhantes aos terrenos, faz da concupiscência um critério de crença e de esperança na vida futura..
E assim exacerbam as nossas “impotências” em vez de nos indicarem os...
Abstract:
This text intends to examine a possible relationship between
Transcendence and Existence in Pascal’s philosophy through the reading of
fragments that his commentators believe to be notes for a presentation he
would have made at Port-Royal, concerning his project to write an
Apology for Christianity
. These fragments may be read as an attempt to link the
Síntese, Belo Horizonte, v. 34, n. 110, 2007 374 S
Fontes
Publicado em 08/04/2013-Licença padrão do YouTube
http://www.digestivocultural.com/ensaios/ensaio.asp?codigo=42&titulo=Pascal_e_a_condicao_humana
Edição Lafuma, Seuil, Paris, 1963, pgs. 7 a 15.
Síntese, Belo Horizonte, v. 34, n. 110, 2007 374
Sejam felizes todos os seres.Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.
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