quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O EXISTENCIALISMO È UM HUMANISMO - J.P SARTRE



Anotações de aula do curso sobre Sartre 
ministrado pelo professor dr.
Franklin Leopoldo e Silva 
na FFLCH-USP


[J.P. Sartre.
O Existencialismo é um Humanismo]

É lugar-comum nos comentários feitos à obra de Sartre assinalar as promessas não cumpridas, isto é, os livros anunciados e não escritos que correspondem aos temas cuja importância é enfatizada, mas que não são tratados. Nas últimas páginas de O Ser e o Nada, por exemplo, é formulada uma série de questões de ordem moral, decorrentes da reflexão ontofenomenológica levada a efeito no livro, e a última frase prevê de maneira direta uma próxima obra que seria totalmente dedicada a essa investigação. O teor das perguntas que aparecem no trecho final do tratado de ontologia pode ser descrito de maneira geral como a relação entre liberdade e valor; mas como o que está imbricado nessa relação é o sentido absoluto da escolha pela qual o sujeito se constitui, podemos dizer que o tema relevante nessa breve antecipação da problemática moral é a presença da subjetividade na condição ética que caracteriza a realidade humana.

Ora, ainda que o problema moral tenha sido apenas anunciado e não efetivamente tratado por Sartre no livro de 1943, parece que foram as questões éticas aquelas que apareceram de modo mais significativo nas críticas feitas ao perfil de sua concepção existencial. Tudo indica que o que está mais presente nessas críticas seriam considerações acerca das conseqüências éticas das teses ontológicas, sobretudo a solidão e a angústia decorrentes da definição da consciência como liberdade originária de escolher e de se escolher. É esse o motivo pelo qual Sartre abre a conferência 

O Existencialismo é um Humanismo, declarando que seu objetivo é defender “o existencialismo de uma série de críticas que lhe foram feitas” (Pensadores, pg. 3). É interessante observar o viés que assume o debate, por duas razões. Em primeiro lugar há de se destacar o fato de que os aspectos mais originais da ontologia fenomenológica de Sartre não aparecem nessas críticas considerados com um rigor de análise correspondente à reflexão desenvolvida no livro. Para-si, Em-si, liberdade, alteridade, projeto, contingência, existência, negatividade, niilização, temporalidade, transcendência e outras noções exaustivamente tratadas por Sartre, algumas vezes por via de análises extremamente complexas e difíceis, necessárias para separá-las da sedimentação tradicional e reelaborá-las na perspectiva da filosofia existencial, aparecem nas críticas de maneira muito transversal, e apenas como pretexto para que se possa apontar o aspecto ético que nelas estaria inscrito. 

É possível que isso se deva à dificuldade do texto. Por outro lado, não é gratuito que prevaleça a atenção à dimensão ética, primeiramente porque ela se encontra implicada no procedimento sartriano, uma análise ontológica pautada pela fenomenologia, e que dessa maneira visa condutas de uma subjetividade intencional, o único “método” que se entende como adequado a uma abordagem existencial. Em segundo lugar, e estreitamente ligado a esse primeiro ponto, as noções que fornecem a compreensão existencial das condutas estão ligadas aos modos de ação do sujeito: o fazer-se a si próprio a partir da escolhas livres que definem projetos entendidos como modos pelos quais a subjetividade antecipa a efetuação da existência. A ação de existir como projeção contínua de si a partir das opções do sujeito leva, talvez inevitavelmente, à questão ética dos critérios de auto-constituição do sujeito.

Assim não é surpreendente que os críticos de Sartre coloquem o debate no terreno da ética, e que ele tenha que responder nessa direção. Ao mesmo tempo, como não existe uma ética constituída na linha das questões formuladas ao final de O Ser e o Nada, o debate não pode acontecer a partir de temas e teses claramente definidos. Essa é a razão pela qual responder as críticas significa, em grande parte, desfazer equívocos e destacar a nova maneira de situar as questões referentes à ordem humana, já que uma parcela das objeções é feita a partir de uma visão que a própria filosofia existencial pretenderia ultrapassar. É o caso de noções centrais como liberdade, ação e subjetividade, motivo pelo qual as considerações de Sartre deverão retomá-las de modo especial. Isso significa privilegiar o viés ético, não apenas para responder mais diretamente aos opositores mas também devido à impossibilidade de repor a discussão ontológica nos limites de uma conferência.

Ainda é preciso acentuar também que o título da conferência já é uma resposta a um certo teor geral das críticas, que consistiria em ver na filosofia existencial de Sartre um anti-humanismo. É importante observar quanto a esse ponto tanto as críticas quanto a resposta de Sartre, porque evidentemente não se trata apenas de reafirmar o humanismo a partir de seus pressupostos tradicionais, notadamente cristãos e cartesianos, nem de aceitar pura e simplesmente a rearticulação histórica do humanismo implicada no marxismo. Nesse sentido Sartre terá que responder a dois tipos de crítica: um primeiro tipo que se poderia classificar, de forma muito geral, como uma espécie de espiritualismo difuso e que se conjugam compromissos com o racionalismo essencialista de matiz cartesiano e kantiano, e com uma certa metafísica do cristianismo incorporada em algumas vertentes da tradição. 

Um segundo tipo de crítica aponta, ao contrário desse primeiro, a inscrição do existencialismo na vertente tradicional da das filosofias da subjetividade, herança a que se teria acrescido fatores pessimistas e niilistas trazidos pelas crises históricas da contemporaneidade. Em ambos, aponta-se como a diferença do existencialismo a exacerbação do solipsismo implicado na afirmação do cogito, do que resultaria como conseqüência mais relevante algo como o paradoxo contido na relação entre a liberdade ilimitada e a inevitável gratuidade das ações. O solipsismo extremado impediria tanto a vinculação da subjetividade a valores transcendentes que conferem sentido à liberdade e às ações quanto a inscrição dessa subjetividade como parte integrante de uma totalidade histórica unicamente da qual o sujeito poderia retirar o sentido determinado de suas ações.

Sartre teria recusado assim a solidariedade moral de uma república dos espíritos governada por critérios transcendentes à contingência mundana e a solidariedade possível no plano da construção da comunidade histórica a partir da consciência determinada que cada indivíduo teria de sua pertinência à totalidade. O humanismo vinculado à transcendência metafísica e o humanismo vinculado à condição histórica teriam sido igualmente negados. Daí o niilismo ou o conformismo burguês aparecerem como as opções reais da nova filosofia. É preciso acrescentar também que parte dessa querela passa pelo existencialismo cristão (sobretudo Gabriel Marcel) que reivindica a herança kierkegaardiana. Como nesse existencialismo há um compromisso com a metafísica do cristianismo, estabelecem-se inevitavelmente oposições, entre as quais talvez a mais significativa refira-se ao sentido de transcendência.

A definição geral do existencialismo, que vale tanto para o cristão quanto para o ateu, é que “a existência precede a essência, ou se se preferir, que é necessário partir da subjetividade.” (Pensadores, p.5) Talvez não seja supérfluo enfatizar que não se trata apenas de definir o existencialismo, mas também, e nas circunstâncias, sobretudo, de estabelecer com essa definição um patamar a partir do qual se possam refutar as críticas a que já nos referimos, já que o objetivo da conferência é defender o existencialismo das críticas. É provavelmente por isso que Sartre considera equivalente as duas afirmações: “a existência precede a essência” e “é necessário partir da subjetividade”. Mas a equivalência não é tão clara, e a prova disso não poderia ser mais “clássica”: 

Descartes partiu da subjetividade e construiu uma filosofia essencialista porque discerniu na subjetividade uma essência capaz de definir o homem, que não tem sua origem nele mesmo, mas em Deus. Essa ambigüidade, aliás, de algum modo serve a Sartre para cobrar a coerência do existencialismo cristão: como se pode conceber um Deus criador e ao mesmo tempo a existência como ponto de partida? “Deus, quando cria, sabe precisamente o que está criando.” Há portanto uma anterioridade do saber, a inteligência divina, em relação à criatura, ou a qualquer obra de Deus que se siga do que é concebido na sua inteligência. Trata-se da anterioridade do conceito em relação à coisa ou da essência em relação à existência.

Assim, o homem só pode ser designado como o ser em que a existência precede a essência na perspectiva do existencialismo ateu, uma vez que somente nesse caso o homem poderá ser definido como aquilo que a posteriori fizer de si mesmo. “Significa que, em primeira instância, o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só posteriormente se define. O homem, só não é passível de uma definição porque, de início, não é nada: só posteriormente será alguma coisa, e será aquilo que fizer de si mesmo. Assim, não existe natureza humana porque não existe um Deus para concebe-la.” (Pensadores, p.6).

A precedência da existência em relação à essência significa, no âmbito de um conhecimento antropológico-filosófico, a recusa da noção de natureza humana. Essa expressão pode ser relacionada com duas outras: ser e essência. Se o homem possuísse uma natureza própria, ele deveria ser concebido como um ser dotado de uma essência, isto é, uma realidade com conteúdo previamente definido e acerca da qual poderíamos distinguir uma propriedade substancial (o homem propriamente homem) e propriedades acidentais, mutáveis. A substancialidade é aquilo que define algo como uma realidade considerada plenamente si mesma ou idêntica a si. No homem a ausência de natureza é que nos faz definir o seu ser como o existir, isto é, em vez da plenitude identitária, o constante processo de vir-a-ser que nunca se consolida como ser. Do ponto de vista do conhecimento isso significa que não há, acerca do homem, uma inteligibilidade a priori que condicione universalmente tudo que pudemos vir a saber sobre ele.

Assim, tanto no que se refere ao ser quanto no que concerne ao conhecer, o existir como processo configura o que Sartre chamará de condição. O homem não é universalmente condicionado a priori porque ele é a própria condição imanente do que possa vir a ser.

É essa precedência da existência que nos faz entender a radicalidade com que o homem deve ser considerado sujeito. O ponto de partida na subjetividade não é apenas uma exigência metódica, como em Descartes, mas é conseqüência da prioridade da existência como consciência ou para-si. Isso significa que o homem não deve a qualquer outra instância a sua condição de sujeito. E, na medida em que essa condição não lhe foi outorgada, ele tem que constantemente repô-la: a condição de sujeito tem de ser sempre reiterada no seu exercício efetivo, precisamente por não ser essência, isto é, por não ser a subjetividade o sinônimo ou a prerrogativa essencial da alma. Assim o fato de não haver nada anterior ao sujeito que o condicione, não faz da subjetividade o fundamento ou a condição incondicionada: a subjetividade é a realidade humana tomada na sua inteira contingência.

Ora, o exercício da subjetividade na contingência é a liberdade: o homem reitera sua condição subjetiva optando continuamente por aquilo que há de ser, e que deverá fazer-se de si. Nesse sentido o exercício da subjetividade é anterior ao exercício da vontade, porque o projeto de ser tem prioridade sobre as manifestações da vontade, que dele, aliás, decorrem. Dessa forma a liberdade, não sendo liberdade da vontade, deixa de estar subordinada a uma psicologia, ou mesmo a uma teoria das faculdades. É a descrição ontológica que acede à liberdade ao elucidar a consciência. Dessa forma, é preciso compreender todo o peso do caráter originário da liberdade. Se recusarmos o Deus criador, a origem do homem é o próprio homem, isto é, a liberdade. Assim, origem aqui não deve ser entendida como designação de causa, mas como a indeterminação originária que é a única descrição que convém á liberdade. A identificação entre subjetividade e liberdade é, pois, completa.

É dessa identificação que decorre outra característica do existente ou realidade humana: o desamparo (délaissement). Não dependendo de um ser que o tenha criado nem de uma inteligibilidade que o defina, o homem está lançado no mundo e abandonado a si, isto é, à sua liberdade. O desamparo é condição originária constitutiva da existência, pois jamais houve uma outra condição, ou seja, jamais o homem teve em que se amparar. Ele não foi,portanto abandonado: é a sua condição que assim se define, razão pela qual o desamparo não se define negativamente pelo seu contrário, mas unicamente pela falta daquilo que seria a contrapartida positiva do abandono. Nada havendo que possa amparar a si ou à sua liberdade, o homem está inteiramente entregue a si, à sua liberdade e á sua responsabilidade. 

Uma das características que opõe a filosofia de Sartre á metafísica tradicional e também ao existencialismo cristão, já o dissemos, é o sentido da transcendência. Não há transcendência no sentido de algo que transcenda o homem, isto é, exista antes de lê ou acima dele. A transcendência ocorre também como uma ação humana: é o homem que se transcende quando projeta no futuro aquilo que tem de ser, ou o que há de fazer de si mesmo. Se a transcendência pode ser representada como o além do homem, é no entanto o próprio homem que se lança para além de si, por via do que projeta ser. 

O caráter originário da liberdade e o caráter não outorgado da subjetividade fazem com que não haja propriamente nem limites nem transgressão. Essa ausência de valores pré-estabelecidos é vivida como o estado de desamparo da realidade humana. Não havendo coisa alguma que preceda a existência, todas as possibilidades são instituídas no âmbito da realidade humana pelo sujeito. Não há possibilidades anteriores a mim que eu deve tentar realizar; só posso contar com o que eu mesmo projetar como possível. Assim não há nada fora da realidade humana à cuja altura ela se possa elevar para enaltecer-se atingindo um objetivo maior do que ela mesma, ou pelo menos orgulhar-se de tentá-lo. O homem será sempre unicamente o que tiver feito de si.

Observe-se que não há razões para enaltecer o Eu porque não sou apenas o depositário de minha subjetividade, pela qual Deus seria o verdadeiro responsável: estou de posse de mim e sou inteira e unicamente o responsável por mim mesmo. Nesse sentido, a célebre frase de Dostoiewski citada por Sartre – se Deus não existe então tudo é permitido – é menos uma proclamação do gozo da liberdade do que uma atestação de que a liberdade é um fardo. Tudo é permitido significa que cada um escolhe o que lhe é permitido fazer, sem critérios previamente definidos, e assume a responsabilidade pela escolha. Tudo é permitido porque não existe um ser superior a mim em discernimento e junto ao qual poderia colher os critérios do que me seria permitido fazer. 

A condição humana é portanto a condição de total responsabilidade por ser a condição de liberdade total. Uma das maiores dificuldades que o existencialismo sartriano enfrentou de início foi essa espécie de reversão do valor da subjetividade. Diante de séculos em que a subjetividade foi enaltecida como emancipação, liberação, maioridade, como fazer compreender que a subjetividade só pode atingir a realidade e a radicalidade de seu significado se associada ao peso da liberdade ilimitada e da responsabilidade absoluta que o sujeito finito deve carregar? A própria noção de absoluto perde a positividade da sua grandiloqüência se entendemos que a liberdade absoluta significa que o homem livre está absolutamente abandonado à sua liberdade e à responsabilidade que daí decorre.

E o alcance dessa responsabilidade subjetiva se mede pelo alcance universalmente humano de que ela reveste os atos individuais. Pois não havendo critérios superiores aos que o homem puder criar, que estejam antes, depois ou acima dele, o homem cria o valor e sua universalidade. Nunca será uma universalidade logicamente a priori, e nenhum valor adotado possuirá uma universalidade formal e abstrata. Na esfera da existência não se pode contar com a generalidade neutra e vazia das formas porque só temos as opções limitadas e concretas das opções da subjetividade finita. E é por isso que, não dispondo de universais a priori, tornamos universais as nossas opções, e assim cada um escolhe por todos a cada vez que escolhe para si mesmo. Não se trata de elevar o particular ao universal porque não se trata de transmutar categorias. A essência não precede a existência significa que a humanidade não precede o homem. 

É por isso que cada homem, encarnação concreta e singular da humanidade, necessariamente confere às suas opções o estatuto de universalidade: “escolhendo-me, escolho o homem”. (Pensadores, p.7). Assim como instituo o valor correspondente à minha escolha, instituo a universalidade desse valor.

É o alcance dessa responsabilidade, exercida no desamparo, que acarreta a angústia como o pathos da liberdade. A angústia deriva de que cada uma das minhas escolhas representa também uma legislação de teor universal. Como posso estar certo de minha opção e de que ao faze-la é como se legislasse para todos? Se obedecesse a um ser sapientíssimo ou a uma tábua de valores eternos, estaria ausente da responsabilidade da criação. 

Não é fácil compreender, na filosofia sartreana, essa relação complexa entre subjetividade e universalidade. 

Na tradição, a subjetividade podia participar de uma universalidade transcendente, que a superava e a fundava, e a subjetividade, quando entregue a si mesma, só poderia tombar na relatividade. Em Sartre, é o contrário. Se contássemos com uma escala transcendente de valores, nossas escolhas se dariam sempre relativamente a essa escala, e a universalidade do valor seria relativa a essa outra dimensão na qual alienaríamos a nossa liberdade. Quando escolhemos a partir de nossa subjetividade, escolhemos absolutamente porque de acordo com a liberdade absoluta à qual estamos condenados. “(…) o homem, sem apoio e sem ajuda, está condenado a inventar o homem a cada instante.” (Pensadores, p.7).

Isso significa que o homem não pode transpor os limites da subjetividade humana, e o caráter dramático da nossa condição está em que, de dentro dessa limitação, exercemos a liberdade ilimitada e de nossas escolhas finitas brota o universal. A relação, assim estabelecida entre subjetividade, liberdade, responsabilidade e angústia, mostra que o ponto de partida na subjetividade não é mero subjetivismo no sentido de uma escolha de si mesmo no plano da particularidade psicológica. A escolha subjetiva significa que, escolhendo-me e escolhendo para mim, escolho uma certa imagem do homem. O profundo sentido ético da escolha existencial consiste em que ela é um juízo: a cada vez que escolho, julgo e, de acordo com a responsabilidade inerente a esse julgamento, enuncio um juízo universal.

Assim, o desamparo e a angústia que se associam à liberdade subjetiva, justificam-se filosoficamente pelo necessário ponto de partida na subjetividade. “Como ponto de partida, não pode existir outra verdade que não esta: penso, logo existo; é a verdade absoluta da consciência que apreende a si mesma.(…) Portanto, para que haja uma verdade qualquer, é necessário que haja uma verdade absoluta; e esta é simples e fácil de entender; está ao alcance de todo mundo; consiste no fato de eu me apreender a mim mesmo,sem intermediário.” (Pensadores, p.7)

Observe-se que o sujeito não se compraz na sua subjetividade, porque a liberdade subjetiva não é um atributo, é a própria condição humana. É preciso compreender bem isso para diferenciar a subjetividade sartreana da subjetividade clássica. Neste caso, há uma substância dotada de atributos, entre os quais uma vontade livre, que pode associar-se, ou submeter-se a outros atributos, como por ex., o intelecto, configurando assim uma articulação ou uma hierarquia. A liberdade aparece então como algo que o sujeito tem. A identificação entre subjetividade e liberdade faz com que o sujeito não tenha a liberdade, não desfrute dela, nem mesmo seja livre: faz com que o sujeito seja a liberdade. Ao mesmo tempo, a liberdade é sempre subjetiva, o que evita que a interpretemos como um absoluto de que o sujeito participaria.

Se voltarmos agora às críticas mencionadas no início, podemos tentar uma primeira aproximação do que Sartre estaria propondo como humanismo existencialista. “Na perspectiva cristã, somos acusados de negar a realidade e a seriedade dos empreendimentos humanos já que, suprimindo os mandamentos de Deus e os valores inscritos na eternidade, resta apenas a pura gratuidade.” A crítica dos marxistas: “(…) acusaram-nos de incitar as pessoas a permanecerem no imobilismo do desespero; todos os caminhos estando vedados, seria necessário concluir que a ação é totalmente impossível neste mundo; tal consideração desembocaria, portanto, numa filosofia contemplativa – o que, aliás, nos reconduz a uma filosofia burguesa, visto que a contemplação é um luxo.” (Pensadores, p.3) 

Poderíamos talvez fazer convergir de forma geral essas críticas, associando as noções de gratuidade e contemplação. A gratuidade significa o caráter igualmente vão de todos os empreendimentos humanos, uma vez que se nega a fonte do sentido que poderiam ter: Deus ou os valores transcendentes. A contemplação seria a conseqüência da inanidade de toda e qualquer ação, já que no fundo todas se equivalem. Restaria portanto p individualismo solitário e paralisante, talvez desesperador, mas sobretudo niilista num caso e conformista no outro.

Depois do que expusemos acerca de algumas noções gerais do existencialismo, talvez não seja difícil perceber que ambas as críticas não apenas convergem mas partem de pelo menos um pressuposto comum: para que vida e ações humanas façam sentido, é preciso que sejam relacionadas a possibilidades exteriores à mera subjetividade. É assim que o cristão vê tais possibilidades em mandamentos e valores transcendentes, e o marxista em diretrizes de ação que configurem a via adequada à tarefa de transformação histórica. De fato, o existencialismo recusa qualquer parâmetro extrínseco à existência efetiva ou, se se quiser, à subjetividade. A raiz dessa recusa, mais do que uma opção ética, está antes na descrição ontológica da consciência como liberdade, corolário da precedência da existência. 

Dito de outra forma, a vida humana tem de ser possível a partir dela mesma: “toda verdade e toda ação implicam um meio e uma subjetividade humana.” 

Assim, o que se procura superar é a dicotomia de alguma maneira presente nas duas críticas: de um lado um certo espiritualismo (metafísica cristã) que privilegia a interioridade, ou a visão da transcendência a partir da interioridade; de outro lado, o privilégio da exterioridade como natureza e história exercendo função condicionante sobre a subjetividade. Assim, recusa-se tanto uma interioridade subjetiva que se defina como dependente de Deus que a determinaria, quanto uma subjetividade exteriorizada no reflexo da história que também a determinaria.

O que o existencialismo recusa, como risco de alienação, é a identificação extrínseca do existente, seja numa metafísica do absoluto, seja numa metafísica da história.



 Fonte:
CONSCIENCIA:ORG
http://www.consciencia.org/cursosartrefranklin1.shtml 
Material Enviado por José de Medeiros Machado Jr.
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