quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O EXISTENCIALISMO È UM HUMANISMO - Frankin Leopoldo e Silva- 02

Franklin Leopoldo e Silva 
Curso na FFLCH-US -aula 02

[J.P. Sartre, 
O Existencialismo é um Humanismo (2)]

Ao esclarecer noções importantes para o existencialismo, como desamparo e angústia, Sartre nos alerta para que não nos deixemos impressionar pela grandiloquëncia retórica habitualmente associada a essas palavras. Devemos atentar para o conteúdo descritivo. Assim, no caso do desamparo, trata-se do traço ontológico distintivo do existente, ou da realidade humana: estar lançado no mundo sem razão ou essência que justifique a sua existência, e portanto sem uma definição prévia que oriente o uso que deveria fazer de sua liberdade. 

A angústia é outro traço ontológico: como nada orienta previamente o exercício da liberdade, cada ato livre comporta a responsabilidade pela invenção do valor que lhe corresponde, e a cada vez que exerço minha subjetividade livre defino ou invento o homem, não como forma universal de humanidade, mas como imagem que se projeta universal e imperativamente a partir de minha escolha, que tem o valor absoluto, já que não depende de nada mais a não ser de minha liberdade. A angústia decorre da opacidade do mundo e de si mesmo, inerente ao ser finito.

Na mesma direção deve ser entendida a outra característica mencionada por Sartre: o desespero. Significa que, na ausência de rotas previamente traçadas no caminho da subjetividade, não há certeza e segurança quanto a qualquer projeto humano, individual ou coletivo. Assim, se escolho o que entendo que deverei ser, e portanto as ações que estariam incluídas nesse projeto, essa projeção de vida se faz no contexto de uma existência inteiramente contingente. Pois se não há qualquer determinação prévia em relação aos acontecimentos nos quais minhas ações se inscrevem, não posso contar antecipadamente nem comigo mesmo nem com os outros. E isso simplesmente porque, sendo livres tanto as minhas ações quanto as dos outros, uma margem de imprevisibilidade as afeta, e não tenho qualquer garantia da permanência do teor implicado nas minhas opões, nem nas escolhas alheias.

Isso significa que o objetivo da ação não está nunca prefigurado nela mesma, e o acontecimento não se segue necessariamente nem de meu projeto nem de minhas intenções. Nesse sentido, é de forma inteiramente relativa que devo esperar as conseqüências que julgo decorrerem das ações, sejam as minhas, de outros, individuais ou coletivas. Não é porque certas possibilidades são antecipadas por mim nas decisões que venho a tomar que elas se tornarão realidades. Daí decorrem os enunciados de Sartre que estabelecem a relação entre possibilidade e realidade no plano da ação: “agir sem esperança” (pg. 12); ou “não é preciso ter esperança para empreender” (pg. 13).

Desse significado decorrem duas considerações. Primeiramente, a resposta à acusação de quietismo, feita ao existencialismo: o desespero não é inibidor das iniciativas humanas (dos empreendimentos) porque a desesperança que caracteriza originalmente toda ação decorre da contingência como marca fundamental da realidade. Não se trata de ter ou não ter esperança, mas sim de que a contingência absoluta impede que o resultado de qualquer ação possa ser antecipado determinadamente. Assim não ajo exclusivamente baseado em algum grau de certeza, ou mesmo de crença, quanto aos acontecimentos, nem mesmo probabilisticamente, porque estas ações inserem-se num mundo contingente que me escapa completamente. 

Mas não posso deixar de agir porque a simples existência já é liberdade e até mesmo o quietismo seria um ato escolhido livremente. Em segundo lugar, é necessário agir porque, não sendo o homem pré-definido por qualquer essência, ele é o que fizer de si. Esse fazer e fazer-se contínuos implicam um paradoxo: é necessário agir e nenhuma ação é necessária. Porque ninguém pode definir-se fora do processo de existência que é sempre curso de ações. Cada um é o que faz de si e nada mais do que isso. 

Ninguém pode ser julgado pelo que permaneceu virtualmente capaz de fazer, pela carga de irrealização com que deseje caracterizar sua vida. Desse modo, o desespero consiste em que, não tendo domínio antecipado sobre o curso dos meus projetos, defino-me entretanto pelas ações efetivas, sendo inteiramente responsável pelos resultados, ainda quando contrariam as minhas intenções. Não havendo moral formal, também não se pode aceitar uma moral de intenções. Qualquer apelo a disposições, inclinações e possibilidades não realizadas configura má-fé ou fuga da responsabilidade pelo processo de existir.

A perspectiva do “agir sem esperança” não é pessimismo, mas a consciência do caráter histórico da existência e do exercício da liberdade. Pois é no mundo histórico que as nossas ações tomarão os rumos que o próprio contexto lhes prescrever, estando assim, além da minha vontade. É claro que conto com alguns possíveis implicados em minhas expectativas, e o exemplo dado por Sartre elucida o teor dessa imbricação: quando espero pela chegada de meu amigo, alimento expectativas quanto aos acontecimentos aí envolvidos, como por ex., o trem em que virá não sofrerá acidente, chegará no horário, etc.

O fato de que conto com essas possibilidades significa apenas que elas fazem parte da expectativa que tenho quanto à chegada de meu amigo, mas é claro que tais expectativas em nada interferem no rumo dos eventos. Assim também, quando ajo, faço-o de acordo com os possíveis implicados em minha ação, conto com uma série de eventos que deverão tornar minha ação efetiva, mas não posso ir além de expectativas porque não domino a contingência. E isso é ainda mais verdadeiro quando se trata do contexto das ações históricas. Minha ação depende de outros que também agem livremente, mesmo quando concordam comigo ou pertencem ao mesmo grupo.

A minha expectativa de uma eventual unidade de ação que concorra para a consecução de certos objetivos situa-se no plano das possibilidades, e só posso contar com ela na mesma medida em que conto com a chegada do trem que traz o meu amigo. Ou seja, a minha ação é limitada não apenas no horizonte de sua efetividade, porque não domino as circunstâncias, mas também porque outras ações a limitam, participando do jogo de possibilidades. A liberdade de eleger a cada momento a ação impede que se estabeleça qualquer representação inteiramente clara quanto à efetivação de qualquer projeto.

Ora, isso repercute diretamente em outra característica da liberdade existencial e histórica: o compromisso ou engajamento. A questão é difícil e motivou também uma grave objeção ao existencialismo: como posso me comprometer com determinados objetivos históricos se não tenho condições de prever onde conduzirá minha própria ação assim como as dos outros? Se não posso esperar alguma convergência e unidade efetiva das minhas ações e, ao menos, daqueles com quem compartilho certas expectativas, qual o sentido do compromisso? De fato, só poderia alimentar esperanças reais quanto a resultados da ação se pudesse contar com uma natureza humana em que apoiar minhas expectativas; se me fosse permitido subordina-las a atributos e interesses humanos essenciais e universalmente válidos, porque nesse caso teria algo como uma base objetiva para projetar o papel que eu mesmo e os outros indivíduos desempenhariam na história. Mas não posso afirmar nada a esse respeito porque antecipar o futuro seria como antecipar a realidade antes que ela se faça, isto é, antes que os homens se façam e façam a história. 

O compromisso está nesse sentido relacionado com o desespero, porque nenhum engajamento pode ocorrer a partir de uma garantia do futuro. Acreditar que há uma continuidade de ações que tende a superar a limitação dos projetos individuais é, além de um falso otimismo, uma crença no determinismo e assim uma negação da liberdade. 

Comprometo-me hoje com um certo trabalho político, por ex., contra o fascismo. Minhas ações são limitadas, e antes de tudo pela minha morte. Os que vierem depois de mim se conduzirão de acordo com minhas convicções e expectativas? Não necessariamente, e podem escolher o fascismo como verdade e o mundo histórico será então configurado a partir dessa decisão. Meus projetos, minhas idéias e minhas expectativas não imprimem qualquer teleologia ao curso da história, e portanto nenhuma ação histórica pode inscrever-se num plano de verdade definitiva e de universalidade, porque nenhuma ação histórica se define de maneira irrevogável. Para afirma-lo, teria que supor o determinismo histórico.

Sartre responde então à objeção marxista acerca do sentido do compromisso mostrando que o engajamento livre não precisa e mesmo não pode fundar-se no determinismo histórico. O caráter cientificista que está na base desse determinismo, a concepção naturalista do homem e da ação que sustenta a determinabilidade completa excluem a subjetividade e a liberdade, sob pretexto de que seria a continuidade teleológica das ações humanas (alguma espécie de progresso) que daria sentido ao compromisso. Quando associamos o compromisso à liberdade de todos os homens temos de excluir do engajamento histórico a certeza e a determinação. Dessa maneira, o compromisso não pode ser logicamente universalizado pela continuidade determinada das ações, mas deve ser assumido historicamente, de acordo com os limites impostos pelo presente que constitui o quadro de possibilidades imediatas. 

A conseqüência da liberdade histórica é que somente há saber histórico na medida em que a história se faz por via das subjetividades agentes. Não há como antecipar um conhecimento, a menos que se projete formal e logicamente a história totalizada, isto é, as expectativas realizadas, numa espécie de sobrevôo que ignoraria a temporalidade e a contingência da efetuação histórica. Agir sem esperança significa, pois, comprometer-se sem qualquer certeza. Essa é, aliás a única perspectiva coerente a partir da definição de opção histórica fundada na liberdade radical.

Assim, compreender o homem, a ação e a história, é antes de tudo compreender os limites do processo de existir como o desenrolar da ação histórica. Ainda assim, compreendemos que há limites sem conhecê-los objetivamente, porque, como os limites são existenciais e históricos, só os conhecemos na medida em que se constituem, e eles se constituem na medida em que tentamos superá-los. Aí já está implicado o significado que a práxis assumirá para Sartre. Ela é vivida na forma dos projetos e dos limites que enfrentamos na sua realização. Aqui também aparece de maneira nítida o papel da negação na auto-constituição do sujeito e no seu processo de historicização. 

Pois o que podemos notar é que a condição humana se define principalmente pelos seus limites. Na medida em que cada homem não é uma realização parcial de uma essência universal, ou uma determinada participação numa Idéia da Humanidade, o indivíduo se define pela condição, isto é, pelo “conjunto de limites a priori que esboçam a sua situação fundamental no universo.” Todos os projetos humanos, pois, “não passam de tentativas para transpor esses limites, ou para afastá-los, ou para negá-los, ou para se adaptar a eles.

Conseqüentemente, qualquer projeto, por mais individual que seja, tem um valor universal” (pg.16). É nesse sentido que Sartre pode considerar “que exista uma universalidade humana de condição”, pois “é sempre necessário estar no mundo, trabalhar, conviver com os outros e ser mortal.” É preciso entender o sentido em que aqui se aplica o termo universal. Não se trata de uma essência metafisicamente anterior à existência concreta; trata-se de traços ontológicos comuns a uma condição compartilhada. Esses traços configuram limites, que são objetivos porque inerentes à condição humana, e subjetivos, porque cada sujeito os vive singularmente.

Ao que tudo indica, Sartre afirma essa universalidade de condição não apenas para fixar traços ontológicos comuns a todos os homens, na forma de limites definidores da existência histórica, como também para colocar, segundo o critério da condição existencial, o problema da alteridade ou da intersubjetividade, e responder, também assim, a uma objeção concernente ao possível subjetivismo da filosofia da existência. 

Repita-se: o ponto de partida só pode ser a subjetividade porque é a única verdade apreendida diretamente. Essa apreensão, no entanto, não significa conhecimento claro e distinto, como para Descartes, mas um modo de inteligibilidade processual, o único compatível com o processo existencial e o processo histórico. É uma inteligibilidade dos limites e de como o sujeito se constrói tentando ultrapassá-los. O que os projetos humanos têm em comum, como já vimos, são esses limites, quer dizer, essa construção, que é uma auto-constituição da subjetividade. Se pretendermos conhecer o outro de forma clara e definitiva, é a sua própria realidade em processo de auto-constituição que impede tal conhecimento.

Mas essa é também a razão pela qual não podemos conhecer-nos a nós mesmos. Nesse sentido, não há subjetivismo ou solipsismo se por essas expressões entendo que posso me conhecer completamente e que o outro me é completamente inacessível. Conheço-me experimentando os meus limites e conheço o outro por via de seus limites, na partilha de uma finitude comum. É o caráter limitado e provisório do projeto que o outro desenvolve na temporalidade contingente que me permite conhecê-lo – e precisamente a partir dessa incompletude que o constitui e que nos constitui. De modo que a alteridade não é um obstáculo intransponível para a intersubjetividade, desde que não se pretenda conhecer o que o outro é, mas sim o a construção sempre inacabada que ele faz de si mesmo. Pois, lembremos, a universalidade está em cada escolha, não como critério dado, mas como invenção de si mesmo. 

É nesse sentido que cada um constrói o universal, escolhendo, sob a égide da universalidade, o que fará de si. O universal não é algo que paira no céu das idéias, algo de que desfrutamos apenas a sombra ou a aparência. É algo presente na condição humana na medida em que faz parte de cada opção. Não posso não escolher, e é impossível que, escolhendo, não escolha para todos, porque invento em cada escolha o valor que a reveste, e então invento o universal a partir de minha singularidade. Por isso Sartre pode dizer que “cada um de nós é absoluto respirando, comendo, dormindo ou agindo de um modo qualquer.” (pg. 17)

“Sem dúvida, a liberdade enquanto definição do homem, não depende de outrem mas, logo que existe um engajamento, sou forçado a querer, simultaneamente, a minha liberdade e a dos outros; não posso ter como objetivo a minha liberdade a não ser que meu objetivo seja também a liberdade dos outros.” (pg. 19) Cada consciência se define como liberdade; mas a consciência encarnada na história vive o confronto das liberdades. 

Nesse sentido o desejo de liberdade não é, para mim e para os outros, a vontade de estabelecer relação com algo que está fora de mim, mas a tentativa de exercitar a minha condição, cujo conhecimento implica a universalidade da condição, isto é, a liberdade também como definição do outro. Pode ser, entretanto, que essa liberdade do outro se torne abstrata no contexto do exercício concreto da minha liberdade. Há uma influência significativa em Sartre da idéia hegeliana de conflito das consciências, ou a dialética do senhor e do escravo. Para Hegel, a minha subjetivação como ser livre se dá como objetivação do outro e negação da sua liberdade. O senhor se impõe como tal por via da submissão do escravo. Mas a relação que assim se estabelece não é uma via de mão única. Precisamente porque a sua condição de senhor advém da submissão do escravo, o senhor precisa do escravo para afirmar-se como tal, e nesse sentido ele também se submete ao outro. O que constitui a dificuldade com que Sartre sempre se defrontará é aquela que já aparece em Hegel como a questão do reconhecimento. 

A condição de senhor não impede que o senhor se reconheça como senhor graças ao escravo e por meio dele. Ele o objetiva para afirmar a sua subjetividade. E essa relação só poderá ser conflituosa na medida em que a afirmação de si exigir a objetivação do outro. O que Sartre ensaia como uma possível saída do impasse, na conferência, é a incompletude do reconhecimento como limite comum, presente tanto no reconhecimento de mim mesmo quanto no reconhecimento do outro. Assim fica suspensa a possibilidade de conhecer o outro na medida em que também não existe a possibilidade de que venha a conhecer-me a mim mesmo completamente. 

Pode-se dizer portanto que o sujeito não está fechado em sua subjetividade porque a subjetividade não é fechada: seu caráter processual e sua incompletude – a falta que a constitui – abrem-na indefinidamente, fazendo com que o conhecimento que posso ter de mim mesmo e do outro nunca se consolide numa definição. Isso não exclui a objetivação que posso vir a fazer do outro como efeito cristalizador do meu olhar; mas essa objetivação será sempre um conhecimento do outro para mim, e nunca uma definição em si mesma. Consciente dessa incompletude inerente ao processo aberto da existência, cada um poderá entender que a intersubjetividade não é intercognoscente, mas algo como a interconsciência da falta constitutiva do sujeito na condição humana.

Essa impossibilidade de conhecimento e de reconhecimento de mim e do outro não constitui ainda um isolamento de cada um na sua liberdade? Ou seja, na medida em que cada um é inteiramente livre para exercer suas escolhas, “cada um de nós pode fazer o que bem entender” e, não sendo qualquer opção em si mesma preferível a outra, não haveria como julgar qualquer escolha ou qualquer pessoa. Afinal, uma escolha é tão gratuita quanto outra. Tudo se passaria como no ato gratuito de Gide, em que a liberdade não se distingue do capricho. Capricho e fantasia implicam exercício ilimitado e abstrato da liberdade.

Ora, já vimos que a condição humana se define em Sartre como os limites a serem transpostos pela liberdade. Esses limites estão sempre dados numa situação concreta, entendida como o contexto existencial e histórico em que é exercida a liberdade e no qual se constroem os compromissos que dão sentido às opções. Assim, a liberdade, sempre situada, não consiste em agir por agir, mas sim em agir no contexto de uma situação específica. Há toda uma configuração de fatos, desde os biológicos e psíquicos, até os sociais e históricos, que desenham a situação em que me encontro. Nessa situação e diante desses elementos, exercerei a minha liberdade, elegendo uma conduta e ao mesmo tempo o seu valor, bem como assumindo a responsabilidade pela atribuição de universalidade a essa escolha. 

Minha escolha não é, pois, gratuita no sentido de que qualquer outra seria equivalente; ela é gratuita no sentido em que nada a prescrevia antes de eu a escolher, nenhum valor pré-estabelecido me inclinava mais para ela do que para qualquer outra. Mas permanece o fato de que eu a escolhi, atribui-lhe um valor universal e tornei-me responsável, como se tivesse escolhido em nome de todos os homens. Então, é verdade que “posso fazer o que bem entender”, mas se entendo que devo fazer isso em vez daquilo, é porque não vejo equivalência abstrata entre todas as opções possíveis. Escolher é instituir valor, dotá-lo de universalidade e assumir a responsabilidade.

A liberdade assim exercida, sob o peso de uma responsabilidade derivada da universalidade do valor instituído, permite julgar a escolha. Não, evidentemente, julgá-la enquanto esta ou aquela escolha, porque não há valores que me permitam efetuar este tipo de juízo. O que podemos julgar é se a escolha foi feita com autenticidade, isto é, por via de um efetivo exercício da liberdade radical. Porque muitas vezes não escolhemos, deixamo-nos escolher, deixamo-nos levar pelas razões consolidadas que se expressam numa hierarquia de valores já cristalizados. Essa renúncia à liberdade é o contrário da autenticidade e Sartre a designa como má-fé. Uma tal renúncia, fuga da responsabilidade pelo processo do existir, assume duas formas. A primeira é a dissimulação da liberdade, ocultada sob determinações de vários tipos, sob o pretexto da recusa da gratuidade.

A segunda forma consiste na assunção da necessidade da existência, atitude que me leva a me atribuir a estabilidade do ser, a negar o processo de existir e as possibilidades de me tornar diferente do que sou. Observe-se que a recusa de optar é uma opção, porque se pode escolher qualquer coisa exceto não escolher. Dito de outra forma: a má-fé é o ocultamento da contingência e a tentativa de demonstrar que uma existência, sendo regida pela necessidade, não comporta liberdade ou escolha. Sendo a existência “a própria contingência do aparecimento do homem sobre a terra” (pg. 20) a conduta livre não pode submeter-se a princípios formais e abstratos. Assim, a crença na necessidade é a alienação, ou a delegação da própria subjetividade a instâncias ou princípios estranhos e contrários à liberdade.

O humanismo existencialista, ao admitir a contingência tem de privilegiar o concreto. Não se trata, portanto, de emitir julgamentos morais acerca da Humanidade: o Homem é admirável; ou o Homem é desprezível, porque não existe humanidade realizada. Assim não há porque odiar a Humanidade nem porque idolatrá-la. 

O Homem não está feito e jamais estará. 

Por isso diz Sartre que “o homem está constantemente fora de si mesmo; é projetando-se e perdendo-se fora de si que ele faz com que o homem exista.” (pg.21) Procurar-se fora de si é o mesmo que se superar ou transcender-se na direção de si mesmo, pois por mais que se transcenda e vá além de si, o homem somente encontrará a si mesmo, como se o ato de transcender-se constituísse o próprio centro do homem.

Desse modo, contrariando o humanismo tradicional, o existencialismo não considera que o centro do homem esteja nele mesmo: o universo humano é aberto e descentrado: “recordamos ao homem que não existe outro legislador a não ser ele próprio e que é no desamparo que ele decidirá sobre si mesmo; e porque mostramos que não é voltando-se para si mesmo mas procurando sempre uma meta fora de si – determinada libertação, determinada realização particular – que o homem se realizará precisamente como ser humano.” (pg.22)



 Fonte:
CONSCIENCIA:ORG
http://www.consciencia.org/cursosartrefranklin2.shtml
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