quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O EXISTENCIALISMO È UM HUMANISMO - Frankin Leopoldo e Silva- 04

Anotações de aula do curso sobre Sartre ministrado pelo 
professor dr. Franklin Leopoldo e Silva 
na FFLCH-USP



J.P SARTRE
. Questão de Método 
– primeiro capítulo (2)]

A diferença entre idealismo e materialismo não pode ser reconhecida apenas em termos de opção metafísico-doutrinária se o que estiver em questão for a efetividade concreta da realidade. Assim, não se trata somente de abandonar o idealismo, uma vez constatado que a totalização abstrata a partir de uma subjetividade formal serve ao interesse de classe burguês concernente à universalização de uma determinada concepção de homem. O que se deve conseguir, a partir dessa relativização do idealismo, é o reconhecimento concreto do homem em meio às práticas efetivas pelas quais ele realiza a sua humanidade. 

O que está em jogo, portanto, é, em última análise, a substituição de uma natureza simples por uma pluralidade complexa, ou a diferença entre conhecer o homem pela unidade de essência ou pela apreensão do sentido de um processo concreto. Daí a inutilidade de uma discussão que se paute unicamente pela oposição entre idealismo e materialismo, tentando avaliar qual dessas orientações conceituais deveria constituir o quadro teórico exclusivo do conhecimento. Em princípio, essa polarização não deveria existir, uma vez que a própria orientação histórica do Materialismo em Marx nos dispensaria da opção metafísica, já que o teor indissoluvelmente histórico e material do processo de construção do humano torna desnecessário conceber um quadro metafísico ou formal a partir do qual a totalidade se defina a priori. Pois o que se trata de elucidar é justamente a relação entre condições materiais e criação histórica; e a revolução metodológica proposta por Marx consiste em que se deve passar a ver nessa relação, assim constituída, a verdade do que até então se tentava compreender como a questão da correspondência entre objetividade e subjetividade. 

A novidade consiste precisamente em que devemos abandonar tanto a visão conceitual de cada uma dessas instâncias quanto a construção conceitual da relação. Essa postura metodológica implica tanto a recusa do paradigma de uma inteligibilidade puramente ideal quanto a recusa do materialismo naturalista que consideraria o agir humano nos mesmos moldes da fabricação de uma coisa. 

Toda a questão estaria pois em compreender a significação complexa presente tanto na necessidade que pesa sobre os homens quanto no trabalho pelo qual ele responde a essa necessidade. Entre as condições materiais da ação e os resultados materiais dessa ação situa-se a mediação do agente que em si mesma não pode ser sublimada numa subjetividade ideal ou reduzida à pura materialidade da coisa. É neste sentido que se pode dizer que o aporte da intencionalidade para a elucidação da prática humana é importante, desde que sigamos a recomendação que Sartre faz na Transcendência do Ego: não supor uma entidade transcendental no interior da consciência, mas vê-la projetando-se no mundo e nele construindo a subjetividade, ao vivê-la.

Sartre expressa a expectativa da compreensão dessa relação ao relatar aquilo que a sua geração buscava ao abandonar o idealismo espiritualista: “estávamos convencidos ao mesmo tempo de que o materialismo histórico fornecia a única interpretação válida da história e de que o existencialismo permanecia a única abordagem concreta da realidade. Não pretendo negar as contradições desta atitude.”[1] Ora, se uma tal contradição resultou do abandono do idealismo, a razão pode estar vinculada ao que dissemos antes acerca do materialismo como opção metafísico-doutrinária e, dessa forma, se não abstrata, pelo menos insuficientemente concreta para abarcar a sinuosidade efetiva da realidade. 

Isto significa que não basta uma interpretação materialista da história na sua generalidade; é preciso que uma tal interpretação se organize, se construa ou se explicite por via de elucidações das mediações situadas entre a generalidade da história e as ações dos sujeitos considerados a partir da existência concreta. Há portanto duas questões a responder. Primeiramente: é possível conciliar teoricamente a exigência de interpretação materialista da história com a exigência da compreensão do caráter existencialmente singular da ação individual? Em segundo lugar: essa contradição, aparente ou real, em todo caso esta dificuldade, não deve ser entendida como a condição para que a interpretação materialista da história não recaia numa opção metafísica pelo materialismo como pressuposto ontológico e como critério geral de inteligibilidade?

Quanto à primeira pergunta, é necessário postergar a resposta porque ela talvez dependa de um exame da segunda questão, já que nesta aparece de modo mais nítido a tensão entre as duas exigências. O abandono do idealismo não foi a adesão plena ao marxismo porque este se havia cristalizado numa doutrina rígida, que no limite não aceitava perguntas para as quais não tivesse respostas prontas. 

As circunstâncias teriam gerado um paradoxo: o marxismo, em determinado período de recolhimento e refluxo, teve que proteger a doutrina da experiência histórica na qual ela deveria viver e da qual deveria alimentar-se, para que o devir da verdade, ao qual é inerente o risco, não viesse quebrar a unidade doutrinária e política. Teve de cristalizar-se para não correr o risco de enfraquecer-se. A dogmatização e a rigidez institucional, em suma, a paralisação do movimento das idéias, teria sido necessária para preservar a unidade, concentrar as forças e assim sobreviver. Disso teria resultado a separação entre teoria e prática, precisamente (e paradoxalmente) no caso em que a nova teoria se diferenciava das tradicionais por ter de realimentar-se constantemente da práxis. Tal divórcio gera necessariamente um certo idealismo, que o contexto político logo transformou num autoritarismo idealista e, no limite, em violência decorrente de uma posição idealista.

O diagnóstico de Sartre, no qual reconhecemos o estalinismo, deve ser visto sob dois aspectos. O primeiro diz respeito ao prejuízo que a separação entre teoria e prática acarreta a um movimento de idéias cuja peculiaridade é exatamente não poder transformar-se em doutrina sem perder o seu perfil e a sua eficácia. O caráter heurístico do marxismo, ao qual já nos referimos, só se pode manter, com efeito, por via de um permanente intercâmbio entre as idéias e a experiência histórica, já que o sentido da teoria está justamente na incorporação dessa experiência ao pensamento. É nesse sentido que Sartre fala da verdade em devir, isto é, nunca entendida como aquisição definitiva, jamais fixada em doutrina. 

Todas as idéias devem ser consideradas reguladoras porque o alcance objetivo de cada uma delas é medido pelo poder de incorporar o movimento real da história, gerando uma compreensão que venha obrigatoriamente a acompanhar este processo. Se as idéias fixam-se num corpo doutrinário estabelecido, não temos mais a relação dinâmica possibilitada pela heurística, mas sim uma representação definida pelo viés idealista.

Num segundo aspecto devemos considerar o fator circunstancial, ou a necessidade política de fixar uma verdade teórica para preservar a unidade considerada ao mesmo tempo como diretriz de ação histórica voltada para a consolidação de transformações sociais. Desta perspectiva, a cristalização do marxismo em doutrina serve a um objetivo prático. Trata-se de uma relação entre teoria e prática que ocorre num contexto histórico-político no qual ela se manifesta realmente como separação.

Este tipo de divórcio faz da teoria um conjunto de princípios independentes e, por isso mesmo, faz da prática um empirismo sem princípios. Deixa de haver a relação dialética entre os princípios da prática e a prática dos princípios numa totalidade em devir que seria a experiência histórica, orientada por princípios e orientando a formulação deles. “O pensamento concreto deve nascer da praxis e voltar-se sobre ela para iluminá-la: não ao acaso e sem regras, mas – como em todas as ciências e todas as técnicas – em conformidade com princípios.”[2] Princípios e regras esclarecem a praxis na medida em que esta os põe em questão: assim não existem condições de elucidação da realidade histórica que não surjam das próprias condições históricas, o que provoca uma relação entre método e realidade que está sempre em devir ou em vias de se constituir, característica que deveria ser portanto a do conhecimento.

A explicação das circunstâncias em que teria ocorrido a cristalização do marxismo não se constitui numa justificativa do procedimento, até porque a universalização da doutrina e do método, tal como de fato se realizou, coloca-nos diante da ambigüidade que se desenha no fato de que o dogmatismo e o idealismo tornados violência poderem ser considerados tanto uma resposta à conjuntura adversa de hostilidade ao socialismo quanto um meio de controle político-burocrático da sociedade. Isso pelo menos nos mostra que mesmo uma recusa radical da possível equivocidade da experiência não anula de todo a reciprocidade entre teoria e prática.

O que nos interessa no entanto é o significado e o alcance da totalização que, repita-se, tem que (se) objetivar a (em) totalidade concreta. A função heurística e reguladora do conceito provém da dinâmica histórica que ele deve permitir conhecer. Ao contrário do que poderia parecer, não há circularidade entre conceito e realidade porque não se trata da relação entre categoria e fatos empíricos. Kant mostrou que a generalidade conceitual nunca poderia nascer da observação empírica porque não se pode passar da ampliação das constatações de fato ao conhecimento que se pretende logicamente universal.

Mas, precisamente, estamos aqui diante de uma perspectiva exclusivamente determinante e não heurística ou reguladora. Exatamente porque a ação histórica não é susceptível de uma determinação exata, estamos num plano em que a regularidade possível convive com a contingência. Neste sentido o conceito nunca opera exclusivamente a partir de uma instância formal produtora de determinação real, mas de modo imanente à configuração concreta da realidade histórica a ser elucidada. Sendo assim, necessita-se de uma mediação entre as possibilidades cognitivas do conceito e a realidade histórica considerada nos limites que configuram a sua singularidade. 

Essa mediação aparece no procedimento essencial do conhecimento histórico concreto: a análise de situação. Nela, o alcance da compreensão conceitual é medido pelos limites de uma situação histórica concretamente definida – uma realidade dada, da qual se trata de apreender o sentido, de tal modo que o conceito esclareça o conteúdo de realidade histórica daquela situação e ao mesmo tempo a situação real rebata no alcance cognitivo do instrumento. Pois seria idealismo pensar que a realidade reflete o conceito assim como seria mecanicismo pensar que o conceito reflete a situação.

É portanto a análise de situação que impede dois tipos de enrijecimento dos conceitos: a logicização da realidade a partir da matriz idealista do instrumental cognitivo; e mecanização do conhecimento a partir de uma visão diretamente reflexa do campo nocional. Mas é necessário notar que há um sentido de idealismo que recobre as duas possibilidades, pois em ambas o conceito está separado da realidade histórica: numa, porque já proveio da rigidez lógica do formalismo e do apriorismo; noutra, porque ganhou, a posteriori, uma rigidez que imobiliza a realidade que originalmente o inspirou. 

É dessa maneira que o marxismo pode fetichizar suas próprias noções, transformando-as “para falar como Kant” em “conceitos constitutivos da experiência.”[3] A historicidade do conhecimento deveria alertar contra a eternização do “saber passado”, mas a preservação do teor constitutivo do conceito estabelece a continuidade intemporal do “saber objetivo”. Ora, será que o drama humano que motivou o repúdio do espiritualismo idealista não terá sido suficiente para mostrar que a experiência histórica não cabe nos limites de qualquer saber constituído?

Elementos para uma compreensão mais ampla da questão talvez possam ser encontrados na problematização da relação materialismo/idealismo, feita por Marx na Tese 1 das Teses sobre Feuerbach. “A falha principal, até aqui, de todos os materialismos (incluindo o de Feuerbach) é que o objeto (Gegenstand), a realidade efetiva, a sensibilidade, só é percebido sob a forma do objeto (Objekt) ou da intuição; mas não como atividade sensivelmente humana, como prática, e não de maneira subjetiva.”[4] Não se trata apenas de opor a percepção do objeto entendido como realidade efetiva à forma do objeto apreendida na intuição.

Mais relevante seria talvez entender o que está implicado em cada uma das posições, ou o que significa abordar o objeto como realidade efetiva ou como forma pensada. Partimos, é claro, do princípio de que só o materialismo pode fornecer uma visão adequada do objeto: e Marx está criticando diretamente o materialismo de Feuerbach, a sua “falha principal”. 

Ora, se o materialismo é a posição correta, por que ele não consegue atingir o objeto? Por duas razões que no fundo são uma só: esse materialismo falhado não vê o objeto como “atividade sensivelmente humana” e não entende o processo de sua apreensão como essa mesma atividade. A diferença entre as palavras alemãs nos ajuda a compreender a falha: Gegenstand significa o objeto para o sujeito, e assim o termo aparece em Kant para denotar o objeto definido dentro dos limites do entendimento a partir das formas transcendentais. Objekt significa o objeto pensado em toda a sua generalidade, o que em Kant refere-se a um objeto fora dos limites da estrutura transcendental do entendimento, e que por isso não pode ser conhecido. Não é o caso de transplantar pura e simplesmente essa diferença para o contexto de Marx, mas podemos no entanto nos valer dela para entender o enunciado da diferença que Marx quer propriamente ressaltar.

Esta aparece na maneira pela qual o autor define objeto na sua primeira menção, como Gegenstand: “realidade efetiva, sensibilidade”. A primeira expressão traduz o termo Wirklichkeit utilizado por Hegel para se referir à realidade como processo, e assim escapar da significação platonizante, que privilegia o ser e não o vir-a-ser. O objeto é, pois, a realidade na sua efetivação, que, acrescenta Marx, se dá no contexto da “sensibilidade”. Este termo está oposto à “intuição”, como para indicar que a relação entre realidade efetiva e sensibilidade não é a mesma que se dá entre realidade e intuição no contexto da tradição, principalmente pré-hegeliana. Percebemos isto ao observar a maneira pela qual Marx reitera a expressão “atividade sensivelmente humana” explicitando-lhe o significado: “prática”.

A efetividade da realidade no seu processo de ser, ou de vir-a-ser, só pode ser apreendida pela atividade humana, já que o próprio processo, a própria efetivação, é em si mesmo uma atividade. Esta “atividade sensivelmente humana” define-se como “prática” primeiramente num sentido muito específico: ela não pode ser considerada subjetiva num sentido que atribuiria à subjetividade uma autonomia total em relação ao objeto. 

A desvinculação das duas instâncias faz perder o sentido tanto de sujeito quanto de objeto; por isso, quando falamos em atividade não podemos entende-la como simples prerrogativa de um sujeito isolado, mas como algo que só acontece numa relação. A expressão “sensivelmente humana”, aposta a “atividade”, configura este significado. E é por isso que também não se pode falar em atividade sem falar em subjetividade. Assim, o emprego de Gegenstand por Marx seria indicador dessa relação mediada pela atividade: o objeto, na sua realidade material efetiva só pode ser apreendido por uma atividade sensível efetiva – “humana” na acepção total, e não uma intuição determinada por alguma distinção de faculdades, como no caso da intuição sensível em sentido kantiano. É essa efetividade presente tanto na realidade quanto na sua apreensão que define o domínio da prática.

Sendo assim, não se pode desvincular essa dupla efetividade da subjetividade. É por isso que Marx aponta que Feuerbach não teria definido a apreensão do objeto como prática, ou “de maneira subjetiva”.

Esta “maneira” decorre da concepção da realidade como efetiva, e da concepção da percepção da realidade como ativa. Não significa de forma alguma que se deva conhecer o objeto apenas a partir do sujeito, no sentido de torná-lo constituinte da realidade, encerrando-a em si mesmo, de acordo com um sentido subjetivista de representação. O que transparece do texto é, pelo contrário, que tanto sujeito quanto objeto devem ser apreciados pelo viés da atividade que a ambos caracteriza. 

Atividade concreta de um sujeito histórico que se exerce em relação à efetividade concreta da realidade sensível e material. A realidade objetiva, muito simplesmente, não faz sentido fora da relação sujeito/objeto. E Marx considera a apreensão subjetiva como “prática” exatamente para mostrar que o sujeito, nessa relação, é ativo e não contemplativo. A relação é dialética porque supõe o “trabalho” nas duas instâncias: a realidade, por ser efetiva, age sobre o sujeito; este por ser atividade, age sobre a realidade e a transforma. Isto significa que não pode haver uma percepção objetiva do mundo que não implique a “maneira subjetiva” pela qual ela se dá.

A crítica de Marx a Feuerbach está bem expressa no comentário de Labica: “O subjetivo é o corolário do objetivo; ele leva diretamente à consideração do ‘aspecto ativo’. Sua desconsideração deixa qualquer materialismo desarmado diante do idealismo.”[5] A insuficiência do materialismo de Feuerbach mostra-se diante do recurso idealista de invocar uma atividade abstrata que distinguiria o sujeito do objeto. Quando o materialista ignora a atividade do sujeito na percepção do objeto, ele permite ao idealista argumentar com uma oposição simples: o objeto se define pela passividade e o sujeito pela atividade. A apreensão do mundo se constitui quando o sujeito ativo defronta-se com a realidade inerte. 

Ora, se a realidade não é efetiva, posso supor que ela está diante do sujeito simplesmente como objeto de intuição; para conhecê-la não é preciso interferir nela, não é preciso acompanhá-la no seu processo. Desaparece a necessidade da contraposição dialética de duas forças ativas. Daí o predomínio da postura teórica e a definição do conhecimento como atividade teórica, atividade do espírito, ou, finalmente, subjetividade abstrata.

Se o materialista não define a subjetividade como atividade prática, ele permanece prisioneiro da separação entre teoria e prática, como acontece com Feuerbach. “A visão prática é uma visão suja maculada de egoísmo, pois nela só me refiro a uma coisa em vista de mim mesmo.(…) A visão teórica, ao contrário, é alegre, feliz, satisfeita em si mesma, pois para ela seu objeto é objeto de amor e de admiração (…) a visão teórica é estética, a visão prática é inestética.”[6] Observe-se que, embora Feuerbach procure sair do idealismo, colocando-se diante da realidade sensível dos objetos, ele não a atinge concretamente por lhe faltar a visão concreta da relação sujeito/objeto pautada na efetividade do real e na atividade do objeto. “Feuerbach procurou objetos sensíveis – realmente distintos dos objetos pensados: porém não captou a própria atividade humana como atividade objetiva.”[7] 

A falha do materialismo de Feuerbach consistiu em não compreender todo o alcance do objeto na sua significação de Gegenstand, e de manter ainda a forma objetiva geral do Objekt e assim, mesmo entendendo-o como sensível e não apenas pensado, não logrou compreendê-lo como efetivamente sensível e sua percepção como também dotada da mesma efetividade. Neste sentido o materialismo feuerbachiano ainda padece de abstração, como será mostrado na Ideologia Alemã. O mundo não é constituído por coisas definitivamente estabelecidas: enquanto pensarmos assim, mesmo a certeza sensível terá algo de intemporal, ou pelo menos aparecerá como dependente de um conhecimento que só se completaria no plano da essência. 

O homem só conhece aquilo com que ele entra em relação, e esta supõe um trabalho, uma atividade que é inseparável do conhecimento. Feuerbach compreendeu que tudo está na realidade sensível, mas não entendeu a relação que a partir daí se estabelece entre sujeito e objeto, a dupla transformação inerente ao processo de realidade e ao processo de conhecimento. Como a compreensão desse duplo processo depende da aceitação do caráter prático da atividade subjetiva, coisa que não acontece em Feuerbach, ele manteve a separação e a hierarquia entre a teoria e a prática.

Existe portanto uma “chave” para perseguir a totalização e aproximar-se do sentido da atividade humana: é a própria atividade compreendida como correspondência entre efetividade do processo real e conduta ativa do sujeito. Não se trata de uma correspondência pré-estabelecida ou de uma harmonia a priori. É necessário construí-la em cada passo do duplo processo: nisto mesmo consiste a atividade de conhecer, nisto consiste a imanência do conhecimento à prática que se trata de elucidar. 

Assim, quando Marx afirma que Feuerbach “não captou a própria atividade humana como atividade objetiva”, devemos entender que esta atividade não teria sido concretamente considerada como relação em que tanto o objeto quanto o sujeito têm de ser vistos no interior da práxis, contexto em que as duas instâncias aparecem como diferenciadas e interdependentes, ou se quisermos, como diferenciação e interdependências contínuas. Podemos então, neste sentido, entender a afirmação de Sartre acerca da verdade devinda: “Para nós, a verdade torna-se, ela é e será devinda. É uma totalização que se totaliza sem cessar.”[8] Tornar-se, devir, são expressões nas quais se deve observar a inseparabilidade entre efetividade, atividade e verdade.

O conhecimento consiste em relacioná-las por via da inteligibilidade dialética, motivo pelo qual os meios de conhecimento de que o marxismo dispõe nunca poderão fixar-se num conjunto de padrões rígidos. Para conhecer a totalidade histórica,o conhecimento tem que “viver com ela”.[9]

Assim Sartre pode reivindicar para a sua perspectiva a célebre frase de Engels: “Não é, pois (a história), – como querem acreditar alguns por mera comodidade – um efeito automático da situação econômica, são ao contrário, os homens, eles próprios, que fazem a história; mas o fazem em um meio dado que os condiciona, sobre a base de condições reais anteriores, entre as quais as econômicas (…)”[10] Neste fazer a partir de condições anteriores, nesta relação, é que se deve procurar a atividade e a efetividade tais como aparecem no mundo histórico – e, segundo Sartre, a compreensão dialética, da realidade dessa relação supõe a articulação mediatizada dos seus termos.


 Fonte:
CONSCIENCIA:ORG
http://www.consciencia.org/cursosartrefranklin4.shtml
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