quarta-feira, 30 de março de 2011

O BELO COMO DETERMINAÇÃO OBJETIVA DAS COISAS



Evaldo Pauli

TRATADO DO BELO.

 CAP. 5-o
O BELO COMO
DETERMINAÇÃO OBJETIVA REAL DAS COISAS.
0764y300. 

    301. "Entre as maiores antíteses existentes na filosofia se encontra ainda hoje a antítese baseada nos opostos pontos de vista, que se designa como idealismo e realismo" (Max Scheler). Eis uma questão gnosiológica, a qual em seus últimos detalhes se vai refletir na questão do belo.
    
    Ordenando didaticamente a questão, importa seguir sequencialmente. Então teremos:
    
    - introdução à questão do belo como determinação das coisas;
    
    - a estética subjetivista, em especial a idealista;
    
    - a estética realista.

ART. 1-o. INTRODUÇÃO À QUESTÃO DO BELO COMO DETERMINAÇÃO DAS COISAS.

    
    303. A pergunta geral é, - se as coisas existem só na mente cognoscente, ou se existem também independente dela.
    
    Quando chegada aos detalhes, a pergunta passa a ser, - se o belo, uma vez estabelecido como uma determinação realçante dos objetos, se efetiva apenas como atribuição subjetiva que se aplicaria aos objetos, ou se também como independente.
    
    O clima desta questão é bem sugerido pela advertência que, de gostos e cores não se discute, - de gustibus et coloribus non est discutendum.
    
    Já estabelecidos, pois, na definição de que o belo se constitui como determinação qualificadora dos objetos, prossegue a investigação indagando, se esta determinação realmente está mesmo nas coisas, como realidade independente da consciência pensante, ou se nasce de uma nossa maneira de pensar e de construir os objetos.
    
    Talvez fossem reais as pétalas das flores, mas não aquilo que as faz serem coloridas; também seria possível que as mesmas pétalas não fossem reais, então nada mais sobraria de real. Discutindo as cores, como determinações sensíveis, não importa levantar a questão mesma da realidade do sujeito portador , porquanto poderia ser real, e contudo as cores subjetivas, como modos de se manifestar o objeto às faculdades perceptivas.
    
    O belo, como qualidade a determinar os objetos na ordem da perfeição realçante, admite um posicionamento intermediário: ainda que as coisas sejam reais, contudo o belo que se lhes atribui poderia ser apenas uma atribuição subjetiva. Talvez as coisas sejam reais, sem que o belo exista pelo lado de fora da consciência pensante.
    
    Colocada uma vez distinção entre essência e existência, esta divisão admite as distintas perguntas sucessivas, pela realidade da essência (ou onticidade da essência) e pela realidade da existência.
    
    Para a filosofia aristotélica e tomista ocorrem ambas as realidades, a da essência e a da existência. No caso de haver ambas as realidades, o ser estaria realmente dividido em dois princípios reais, a essência real e a existência real. Situado o belo num e noutro plano, poderá ser considerado uma determinação real.
    
    Mui diversamente algumas filosofias destacam de tal modo a existência, que a essência resta apenas como forma da mente ou qualquer coisa parecida.
    
    Para o existencialismo, o ser é somente o existir; o ser se define portanto como "posição pura" de existência. A essência não passa de uma captação em separado de perspectivas da existência. Não tem, pois, a essência uma verdadeira onticidade; não passa de uma instrumentalização para tornar possível pensar as coisas que existem; a essência seria algo de posterior à existência, um como que "mundo" criado pelo ser pensante. Como real ou ideal.
    
    A coisa é neutra quanto à essência; é neutra quanto à logicidade; é, de certo modo, absurda.
    
    
    304. A acepção exata de quem diz "realidade", requer ser definida. Como entendemos agora o termo, algo é real quando o ocorre pelo lado exterior do círculo da consciência. Aqui a palavra consciência coincide como o próprio exercício do conhecimento; a realidade está para além do conhecimento, não se confundindo, nem com a sensação, nem com a idéia.
    
    Admite-se distinguir entre objeto enquanto conteúdo pensado (dentro do círculo da consciência) e objeto em si ( a realidade pelo lado exterior da consciência).
    
    
    305. Idealistas (fenomenistas, imanentistas de toda a espécie) e realistas (imediatos e mediatos) lutam e disputam já séculos sem resultados mui nítidos.
    
    Estamos aqui em uma área na qual a perspiciência mental pouco consegue, pois os elementos para decidir não se mostram com insistência. Se defendemos uma posição realista, fazemo-lo com humildade, sabedores de que muito pouco vamos decidir. Aristóteles sempre tão cauteloso, se vivesse em nossos dias, escutando prós e contras, certamente vacilaria muito, antes de voltar a optar por sua posição realista.
    
    A questão "idealismo o realismo" não pode neste instante ser tratada substancialmente, mas apenas recordada como um pressuposto (vd 61) que afeta o conceito definitivo do belo.
    
    Do ponto de vista sistemático, já foi tratado pela Metafísica do conhecimento, onde é discutida com aparato próprio.
    
    Kant, em sua crítica do juízo, onde expõe um sistema estético, se ocupa diretamente do aspecto gnosiológico oferecido pela questão da realidade da coisa em si; esta atitude explica-se porque seu objetivo era em primeiro lugar o problema crítico do conhecimento, de sorte a examinar os juízos estéticos do ponto de vista gnosiológico. Schiller, ao retomar o sistema estético de Kant, em suas Cartas para a educação estética da humanidade, encarou apenas o aspecto ontológico de conteúdo, não cuidando do problema gnosiológico em si mesmo.
    

    O objetivo do Tratado do Belo, ao levantar o problema da realidade das determinações qualificadoras do belo, se limita a conceituar a situação decorrente do idealismo e do realismo sobre o belo.
    
    Entretanto, aquilo que faz o belo não está no termo de referência arquétipa; encontra-se na coisa mesma que se ergue, realizando-se a si mesma, de acordo com dito termo de comparação. Haveria tal determinação nas coisas? Ou seria apenas uma projeção mental?
    
    
    306. Três posições marcam as convicções a propósito dos arquétipos. Aliás, de maneira geral, três são as teses defensáveis a respeito dos universais, todas com efeito sobre a objetividade do belo:
    
    - nominalismo;
    
    - realismo ontológico;
    
    - conceptualismo.
    
    
    O nominalismo nega simplesmente o universal; não haveria arquétipos universalmente válidos, servindo de modelos para a estrutura das coisas. Aquilo que parece universal e sempre válido, outra coisa não seria que uma generalização.
    
    Nesta posição situou-se claramente Hume, para quem só há fenômenos individuais; até mesmo o princípio de causalidade não seria outra coisa que o hábito de atribuir a relação de causa e efeito aos fenômenos postos em sucessão.
    
    No extremo oposto do nominalismo está o realismo ontológico, - radical em Platão, moderado em Aristóteles, - atribuindo validade ontológica às noções universais.
    
    Ainda que só os indivíduos sejam reais, eles se regem por princípios válidos no mesmo plano em que se situam, independentemente de nós que os conhecemos. Não seríamos nós que os enquadraríamos dentro de esquemas de essência e os manipularíamos mediante leis de comportamento.
    
    As validades ontológicas sobrepondo-se aos mesmo indivíduos, valem pelo lado de fora do círculo da consciência.
    
    À meio caminho se situam os conceptualistas que não negando os universais, não lhes dão todavia validade ontológica. Em não os negando, os libertam da arbitrariedade da consciência. Para o conceptualismo os universais são formas pertencentes à estrutura do exercício de pensar; estas estruturas são todavia inalteráveis e por isso sempre com o mesmo modo de se impor.
    
    Em sendo da construção do conhecimento, não podem, de outra parte, possuir validade ontológica. A eternidade das essências foi negada por Duns Scotus a pretexto de que limitaria a liberdade divina.
    
    Através do tempo se destacaram diferentes espécies de conceptualismo.
    
    O primeiro conceptualismo claro é o de Guilherme de Ockam (1295-1349), para quem os universais seriam uma eflorescência mental, sem qualquer validade efetiva senão a de serem nomes mentais como as palavras eram nomes materiais. Apenas os conceitos singulares valiam efetivamente no mundo ontológico. Quase tão radical quanto o de Ockam, aparece depois o conceptualismo de Descartes (1596-1650).
    
    Kant (1724-1804) conduz ao máximo o conceptualismo, com os apriorismos das formas. Não seríamos capazes de pensar os fenômenos sensíveis senão mediante formas a priori, que já eram estruturas prévias havidas no espírito. Na faculdade do entendimento encontram-se os a priori que pensam as partes de que se compõem os objetos intrinsecamente. Na faculdade do Juízo (Urtheilskraft) encontram-se os a priori chamados arquétipos, termos ideais, que servem de modelo, em função dos quais as coisas se dizem perfeitas e imperfeitas, belas e feias.
    
    Enfim aparece a chamada filosofia dos valores de Scheler, N. Hartmann e outros, que estabelecem os ditos valores como algo absolutamente, isto é, inarredavelmente válido. Porém, esta validade depende da estrutura do sujeito, não chegando a ser uma validade inteiramente objetiva. Em última instância, reduz-se esta posição ao gênero das que denominamos conceptualistas.
    
    Nominalismo, realismo ontológico, conceptualismo, eis em síntese as posições possíveis para a interpretação dos arquétipos, quanto ao que seriam no mundo exterior ao círculo da consciência.
    
    
    307. Se tentássemos reduzir as três em duas, deveríamos dizer que o nominalismo e o conceptualismo juntam-se no mesmo plano subjetivo, interior à consciência, para estas duas modalidades de pensar, nada haveria de ontologicamente válido, com referência aos arquétipos, para além do círculo da consciência pensante.
    
    Uma vez que indagamos pelo válido no mundo exterior ao processo cognoscitivo, esta redução importa muito.
    
    
    ART. 2-o. ESTÉTICAS IDEALISTAS E SUBJETIVISTAS EM GERAL.
    
    
    309. A questão da realidade ou não realidade oferece particularidades mui intrincadas, de que algumas vão dizer diretamente respeito à doutrina do belo.
    
    Ocupando-nos com algumas, principiamos pelas mais construtivistas.
    
    De maneira geral, as filosofias modernas têm-se orientado na direção do subjetivismo, quer nominalista, quer apriorista. Na mesma proporção que se dissolve a objetividade exterior, se subjetiviza o belo.
    
    Didaticamente, as estéticas idealistas e subjetivistas em geral se podem estudar em função a nomes de filósofos que mais determinaram as doutrinas neste particular, como Kant, Hegel, Croce.
    
    
    § 1-o. O construtivismo estético de Kant. 0764y310.
    
    
    311. Para Kant o belo é sensível. Mas, não diz respeito ao sensível constitutivamente, porém enquanto o objeto sensível obedece ao esquema arquétipo, em função do qual poderá dizer-se perfeito. Neste sentido, para Kant o belo é o perfeito.
    
    Preocupa-se Kant com o aspecto gnosiológico dos arquétipos. Da validade destes depende o valor dos juízos estéticos e teleológicos em geral.
    
    Ao estabelecer que os arquétipos têm valor universal, porém a priori, abriu duas fronteiras de luta: contra o nominalismo, como o de Hume, e contra o realismo das validades ontológicas.
    
    Na ponderação do apriorismo formalista de Kant não há validade ontológica, porque os fenômenos são apenas fenômenos. Enquanto se mostram, não revelam senão a fenomenalidade. Deles nada consegue extrair a análise; tudo o mais que se afirmar, deve portanto ser por nova verificação empírica (juízos sintéticos a posteriori) ou afirmação absoluta (juízos sintéticos a priori).
    
    Admitindo o caráter vazio dos fenômenos, era o caso de apenas ficar nisto, como o fez Hume e como o farão ainda positivistas e relativistas. Entretanto, pretendeu Kant que as formas absolutas se impõem como um fato; no espírito mostram-se como estrutura incontornável da faculdade de conhecimento. Esta imposição no vazio, num céu voltigeante da consciência, sem contato com a terra, semelhante às idéias de Platão, é o que admite Kant como um fato a se impor.
    
    Não seria nada mais que uma ilusão? Nesta hipótese, o sistema de Kant não passaria de um castelo de marfim, a viajar como linda nave cósmica. Ocupou-se Kant mais em traçar o seu castelo, em desenhos em geral difíceis e complexos, do que em provar o a priori que o sustenta.
    
    
    312. Para compreender em detalhes a estética apriorista de Kant e as que lhe sucederam, é necessário termos em conta o sistema filosófico integral em que se desenvolveu. Depois de reduzido tudo à mera formalidade apriorística, principiou a construção a partir dos fenômenos, mas não de elementos extraídos ao mesmo fenômeno.
    
    O encadeamento progressivo da construção do objeto, principia, pois, num instante zero, onde se situa o dado primitivo. Esta primeira manifestação, exatamente porque apenas se mostra, se denomina fenômeno, do étimo grego N " \ < T (faíno = mostrar). Trata-se de algo que se apresenta diretamente; por isso, é uma intuição.
    
    O racionalismo cartesiano, promovido na Alemanha por Leibniz e Wolff, manipulava com idéias surgidas espontaneamente no intelecto sem dependência em relação aos sentidos; Kant abandona este ponto de vista e adere ao empirismo inglês, recolocando a dependência em relação aos sentidos, mas não quanto ao conteúdo.
    
    "Não se pode duvidar de que todo o nosso conhecimento começa com a experiência;
    
    com efeito, como haveria de excitar-se a faculdade do conhecimento, se não fosse pelos objetos que, excitando os nossos sentidos, de uma parte, produzem por si mesmos representações sensíveis e de outra parte, impulsionam a nossa inteligência a compará-las entre si, a reuni-las ou separá-las, e deste modo à elaboração da matéria informe das impressões sensíveis formar esse conhecimento das coisas que se denomina experiência?
    
    No tempo, pois, nenhum conhecimento precede à experiência, todos começam por ela" (Crítica da razão pura, intr. I)
    
    
    313. Dá-se, pois, a construção do objeto, a partir do fenômeno mas sem nada extrair do mesmo. Exatamente porque nada extrai do fenômeno, principia a divergência com a velha filosofia aristotélica. Além de haver reduzido o fenômeno a uma inconsistência fenomenal, sem qualquer conteúdo real, não encontra mais nada nele, com que prosseguir uma construção.
    
    Tem certa razão, o opinar de Kant. Um vez que esvaziou o fenômeno, nada contém para retirar; se o converteu em fenomenalidade, não pode conter estruturas ontológicas. Recaiu Kant nos defeitos capciosos da dúvida metódica de Descartes.
    
    Não errou Kant ao duvidar metodicamente. Mas poderá ter errado ao ter conduzido a dúvida a separar e distinguir entre a realidade e a fenomenalidade, entre o lógico e o ontológico. Esta divisão poderá ser meramente de razão. E então, poderá a divisão inexistir como efetiva. Neste caso a solução do problema crítico seria mesmo o do realismo, afastado qualquer fenomenalismo.
    
    Mas, uma vez usado o expediente, e postado o duvidante num plano meramente fenomenal, ou, lógico, não tem como sair deste vazio, para um plano real; seria marchar do menos para o mais, como aconteceu no realismo mediato de Descartes.
    
    Mais coerente, Kant, depois de estabelecer que o fenômeno é apenas fenômeno, fechou-se nele. Nada poderia extrair para construir um objeto real; foi coerente na continuação, pelo menos na Crítica da razão pura.
    
    Somente é possível combater a Kant, postando-se no plano inicial da própria dúvida metódica. Importa, então, saber se ele podia ter posto em dúvida a realidade do fenômeno, ou seja, se podia ter reduzido o fenômeno sensível a sua mera mostração.
    
    Se, entretanto, por cálculo raciocinativo, me cogito que algo exista atrás do fenômeno, isto que ali me imagino, somente o posso admitir por mérito e risco da razão.
    
    Mas, tudo que a razão se calcula, não tem qualquer base ontológica; não passa de uma teia imaginosa. Sem intuição inicial da realidade exterior, apresenta-se impossível qualquer metafísica do ser, ou ontologia. Parece-nos que Kant tem razão. O mesmo princípio vale em Aristóteles; este não faz metafísica só com as idéias, mas a partir de realidades sensíveis. Como o papagaio de papel, preso ao cordel, por mais que suba não se desprende a metafísica aristotélica da realidade intuída no exterior da mente; rejeita tudo quanto Platão afirma por conta da simples análise e raciocínio no plano das idéias captadas apenas no mundo da razão.
    
    A diferença de Aristóteles para Kant é apenas a de que o macedônio acreditava no conteúdo real do fenômeno intuído, e o professor de Koenigsberg não admitia esta realidade, reduzindo a intuição sensível a uma pura mostração.
    
    Contudo a inteligência humana constrói, diz Kant, porém com simples soma de elementos apriorísticos, portanto não extraídos do fenômeno. Eis o construtivismo kantiano em marcha.
    
    "Mas se é verdade que todos os conhecimentos derivam da experiência, alguns há no entanto, que não têm essa origem exclusiva; poderemos admitir que o nosso conhecimento empírico seja um composto daquilo que recebemos das impressões e daquilo que a nossa faculdade cognoscitiva lhe adiciona ( estimulada somente pelas impressões dos sentidos ); aditamento que propriamente não distinguimos senão mediante uma longa prática que nos habilite a separar esses dois elementos" (Crítica da razão pura, Intr. I).
    
    A edificação do objeto progride em vários tempos, a que precisamos atender, visto que um dos deles vai ser o do belo.
    
    
    314. A construção propriamente dita processa-se com os "sentidos" e o "entendimento".
    
    Por obra dos sentidos impõe-se a forma apriorística sensível do espaço, que é como que um estofo sobre o qual recebem-se os fenômenos, que são as cores, o olfato, enfim todos os sensíveis externos, e a forma apriorística sensível do tempo, que é própria do sentido interno, ou seja da imaginação.
    
    Por obra do entendimento colocam-se na constituição do objeto todos os elementos estruturais, que se dizem "conceitos", ou "categorias", em número de doze.
    
    Não coincidem com as categorias aristotélicas, - substância, quantidade, qualidade, relação, tempo, lugar, situação, ação, paixão, hábito; mas, fundamentalmente a intenção de Kant é a mesma, ou seja, a de aludir a noções constitutivas e que se predicam de modo unívoco e não à maneira dos transcendentais do ser.
    
    As doze categorias do entendimento foram arroladas, por Kant, a partir das diferentes espécies de juízos em que comparecem.
    
    Ora, os juízos agrupam-se, classificando-se pelos seguintes pontos de vista:
    
    - segundo a quantidade, medida pelo sujeito;
    
    - segundo a qualidade, pelo modo de compor e dividir da cópula, que junta ou separa sujeito e predicado;
    
    - segundo a relação, pela forma da cópula;
    
    - a modalidade pela maneira de como o predicado convém ao sujeito.
    
    
    Dali resultam:
    
    - Categorias da qualidade: Unidade, Pluralidade, totalidade. Ocorrem nos juízos: afirmativos, negativos, indefinidos, assim especificados, segundo o modo de compor e dividir operado pela cópula.
    
    - Categorias de relação: Substância e acidente, causalidade de dependência ( causa e efeito), comunidade (reciprocidade entre agente e paciente, ou substância e acidente). Ocorrem nos juízos categóricos, hipotéticos, disjuntivos, assim especificados pela forma da cópula.
    
    - Categorias da modalidade: Possibilidade-impossibilidade, existência-não existência, necessidade-contingência. Ocorrem nos juízos problemáticos, assertórios, disjuntivos, assim classificados pela maneira como o predicado convém ao sujeito.
    
    Com estas noções construía Kant o objeto. Embora secundariamente, a questão da classificação mereceu, contudo, reservas entre os próprios kantianos.
    
    Pareceu a muitos que não poderia adotar um critério de classificação lógica dos juízos, para organizar categorias de conteúdo.
    
    Além disto, dever-se-ia examinar com subtileza se entre as categorias de Kant, algumas deveriam ser removidas para o plano dos modos transcendentais (no sentido escolástico).
    
    
    
    315. O construtivismo de Kant segue para novos empreendimentos, desta vez para a criação de "idéias" (no sentido de idealismo). A faculdade do entendimento produziria "conceitos", que são parte do juízo. Entra agora em ação a faculdade da razão, primeiramente como pura, depois como prática. Ordenando os juízos em argumentos, obtém conclusões, cuja denominação técnica, que os distingue dos conceitos, é o de idéias.
    
    Sob os fenômenos sensíveis, calcula a razão existir uma realidade; mas esta realidade é apenas uma idealidade. A idéia mais geral, neste plano é a do mundo.
    
    Sob os fenômenos da consciência, sob o eu lógico, calcula ocorrer um eu psicológico, que também não passa de uma idealidade. A idéia mais geral neste plano subjetivo é a de alma.
    
    Como causa total imagina-se a razão, que exista um Deus. É este, alcançado por esta via, também só uma idéia geral.
    
    Em resumo, as idéias, mesmo as do mundo, alma e Deus, caem no vazio, adverte o mesmo Kant. Elas foram obtidas por meio de juízos igualmente formais, aprioristicos, como valor meramente "transcendental" e imanente.
    
    Para Kant o termo "Transcendental", leva aqui o significado muito específico de "forma apriorística", de consistência meramente subjetiva.
    
    Ora, se as peças do raciocínio são apenas de papel, não podem produzir outro material de maior consistência. O transcendental somente poderia resultar em conclusões meramente ideais; por isso, o mundo, a alma, Deus, não passam de idéias, quando resultam de um raciocínio que opera com juízos meramente formais.
    
    Semelhantemente, as ponderações em ordem à ação prática, constroem-se sobre a esteira de apriorismos desligados da consistência real.
    
    Observa-se, em Kant, um espírito refinadamente crítico, depois que reduziu o fenômeno à sua pura fenomenalidade. Nada extrai do fenômeno. Nada de enxergar essências e outros bichos metafísicos nas cores, nos sons, no tato, no gosto e nos perfumes. Nada de perspiciências a descobrir coisas no fundo daquilo que se apresenta.
    
    Diante de tamanho construtivismo, a inteligência se nos afigura como fada de muitas varinhas mágicas, ora a surgirem pelos sentidos. Ora pelo entendimento, ora pela razão pura, ora razão prática.
    
    E ainda poderá haver mais surpresas com muitas varinhas, pois nos falta ver o vai acontecer nas faculdades do juízo e do sentimento, que Kant foi descobrir em época tardia na florestas mágica do idealismo.
    
    
    316. Qual seria o valor, na ordem real, daquelas noções que os escolásticos denominam transcendentais, como o verum, bonum, o belo e outras?  Kant situou o belo como uma noção somente alcançável por uma faculdade de ordem muito especial, que designou Faculdade do juízo.
    
    Alcançaria a faculdade do juízo ao objeto apenas como um todo, julgando-o em função de um arquétipo, ou finalidade formal.
    
    Esta determinação que o objeto adquire, segundo a qual se diz belo, que valor teria sob o ponto de vista de seu conteúdo na ordem real?
    
    Eis onde novamente Kant atribui mais esta noção à atividade construtivista da mente. Nada busca no fenômeno sensível, nos sons, no tato. Ainda nada contém os objetos do entendimento nem as idéias da razão; agora, nem sequer valor concede às afirmações da faculdade do juízo.
    
    O belo cai no vazio, como afirmação pura, porque os arquétipos, em função do qual um objeto se diz ajustado, não se configura senão como outras tantas construções apriorísticas. A faculdade do juízo lança por sobre a variedade dos objetos as finalidades formais, como os gêneros e as espécies. Organizando tudo, de sorte a termos a impressão que ditas coisas são belas, porque se ajustam às finalidades formais, não o são contudo na ordem efetiva; é que os próprios arquétipos não se constituem em módulos de valor ontológico.
    
    Muito variada é a sorte da metafísica e do belo nas variadas doutrinas.
    
    Em Platão os moldes eram absolutos e até idealidades reais em um mundo além.
    
    Moderado, Aristóteles situou as essências na intimidade da coisa singular, atribuindo-lhe todavia uma validade ontológica absoluta, igualmente válida para todos os indivíduos.
    
    O neoplatônico Plotino põe as idéias de Platão, agora convertidas apenas em imagens, na inteligência do Logos, que por sua vez derivava do Uno.
    
    Tomás de Aquino aprofunda a essência absoluta de Aristóteles, combinando-a com o exemplarismo de Platão, repondo a eternidade das essências absolutas na natureza divina.
    
    Principiou a quebra do absoluto como o voluntarismo divino de Duns Scotus, que sujeitou a índole das essências à vontade divina.
    
    Descartes retomou o voluntarismo divino.
    
    Chegamos enfim a Kant, que converteu o belo a priori da faculdade do juízo.
    
    Conservando embora a conceituação clássica da metafísica na parte que diz respeito à essência, Kant contrariou-a integralmente no setor referente ao conteúdo da realidade.
    
    E assim o belo, que chegara a constituir-se na beleza por um ajuste com uma forma arquétipa de consistência apriorística, tombou no interior vazio de um mundo irreal.
    
    No racionalismo de Kant, o homem tornou-se "a medida de todas as coisas" até no campo da metafísica.
    
    As coisas se dizem belas enquanto se ajustam nas medidas dentro das quais as podemos receber.
    
    O belo adquire feições antropológicas, com outros olhos e com outros ouvidos e particularmente com outra faculdade do juízo, seriam também outras as belezas que haveríamos de apreciar.
    
    Escreveu Kant a propósito do apriorismo das faculdades:
    
    "Na família das faculdades de conhecer superiores há um termo médio entre o entendimento e a razão. Este é o juízo, do qual há motivo para supor, por analogia, que encerra em si igualmente, se não uma legislação própria, ao menos seu próprio princípio, um subjetivo a priori" (Crítica do juízo, intr. I).
    
    Pormenorizando, prossegue mostrando que o juízo, enquanto julga os dados em função a um arquétipo geral atua dando-se a si mesmo esta lei: "O juízo reflexionante, que tem a tarefa de ascender do particular na natureza ao geral, necessita, pois, um princípio que não pode tomar da experiência, porque este princípio justamente deve fundar a unidade de todos os princípios, igualmente empíricos, porém mais altos, e assim a possibilidade da subordinação sistemática de uns aos outros. O juízo reflexionante pode pois somente dar-se a si mesmo, como lei, um princípio semelhante transcendental, e não tomá-la de outra parte (pois então seria juízo determinante) nem prescrevê-lo à natureza, porque a reflexão sobre as leis da natureza rege-se segundo a natureza, e esta não se rege segundo as condições pelas quais nós tratamos de adquirir dela um conceito que, em relação a essas, é totalmente contingente".
    
    
    317. Que faz uma indução, senão revelar uma forma absoluta? Mas, os dados empíricos que uma indução arrola, para inferir uma conclusão absoluta, não contém esta afirmação. É que os dados não encerram senão sua fenomenalidade; mostram-se simplesmente e não contém a forma que devam ser, não se encontra neles o fim a que devam subordinar-se como idéia exemplar. Eis porque, para Kant, embora admita o absoluto, este não se impõe senão como uma forma a priori.
    
    Os gêneros e as espécies, que a indução empírica, por arrolamento vai inferindo, não encontram por conseguinte fundamento nos próprios fenômenos; resultam como dispositivos a priori.
    
    Consequência final: a consistência das coisas reduz-se à mera cristalização de formas subjetivas, cujo brilho é uma beleza no vazio. Não obstante no vazio, ela move a consciência, que vive a esteticidade do mesmo modo que aquele que supõe ser o belo uma realidade na coisa em si.
    
    
    § 2. O idealismo estético de Hegel. 0764y318.
    
    
    319. A compreensão plena da teoria estética de Hegel requer atenção ao sistema filosófico em que se entrosa. Fundamentalmente o metafísico alemão pressupõe, à maneira de Plotino, que o ser Absoluto, Deus, isoladamente não opera de maneira a exercer conhecimento.
    
    Para Plotino, o uno supremo, concebido como o maximamente simples, não poderia por definição admitir uma dualidade como pareceria ocorrer no processo cognoscitivo; este se mostra essencialmente discursivo, opondo-se nele sujeito e objeto.
    
    Deus, - ainda segundo Plotino, - apesar de maximamente Uno é o sumo Bem, cujo caráter é o de expandir sua bondade; cria, portanto, necessariamente. Dali vem que de Deus procede o Logos, deste a Alma do Mundo, ainda por meio deste as almas individuais, enfim a matéria.
    
    Em Hegel ocorre algo de semelhante: Deus, num primeiro instante, isoladamente em sua noção, não seria pensamento.
    
    Mas, ao principiar o exercício de pensar, antepõe-se a si mesmo como objeto.
    
    Depois, numa perspisciência mais profunda, vê que o anteposto não é apenas uma natureza ( ou mundo) mas ele mesmo, que assim se projetara diante de si. Assim sendo, tudo é senão a idéia, - o idealismo e o panteísmo.
    
    Ocorre um contraste entre Plotino e Hegel.
    
    Em Plotino Deus está no início como o maximamente perfeito, pelo menos em tese; o restante é criação por superabundância, sem ter uma distinção do mesmo Deus, à maneira do panteísmo.
    
    Em Hegel Deus é o início de uma linha evolutiva. Na dinâmica dialética do ente, - o início do movimento começa num instante zero, tal como o ponto, praticamente nada, como um momento negativo. A totalidade é Deus, ou o Espírito Absoluto. Mas este Deus principia num instante em que ele é um quase nada, a união do ser e do não ser.
    
    Depois se constrói a si mesmo como uma expansão atômica universal (comparação que todavia não é de Hegel), produzindo-se como espaço imenso.
    
    Em Plotino encontra-se como equívoco não ter conseguido ver que o intelecto poderia estar em Deus; e ainda não compreende que a criação necessitante não se coordenaria com a liberdade divina.
    
    Hegel introduz a inteligência na divindade, porém como discursividade, o que exatamente não quisera Plotino, porque a discursividade implicaria em limitação; esta consistiria em pressupor um instante menor e outro mais; um momento em que a inteligência não conhece e outro em que passa a conhecer; além disto, a discursividade resulta em divisão, o que também é inadmissível em um ser absoluto.
    
    Num visão aristotélica do assunto, Deus é ele mesmo o pensamento: "pensamento de pensamento" (Arist., Met. 1074b 34); "forma sem matéria", continua o mestre do Liceu; "ato puro", virá esclarecer Tomás de Aquino. Em sendo infinito, sem matéria, plenamente realizado na ordem do ser, nada encontra-se fora dele, que já não se encontre dentro dele.
    
    
    320. Para Hegel, todo ideal é real, porque somente existe o ideal. E assim se encaminha também a idealidade do belo.
    
    Imagina Hegel a totalidade das coisas como uma alma imensa, que passa a ter consciência a começar de um núcleo central e inicial. Dali vai progredindo, por oposições dialéticas e respectivas sínteses, avançando sempre na direção exterior, até completar a geral conscientização.
    
    Cada momento desta marcha assume nome diferente e exprime uma parte do todo. O primeiro instante é a noção abstrata e quase vazia do ser; a totalidade , depois de completado o movimento de tomada de consciência, é o espírito Absoluto.
    
    Há, entretanto, muitas maneiras de progredir de um ponto inicial até a totalidade. Poderíamos marchar em círculos concêntricos, saltando de esfera em esfera, tal como os antigos se imaginavam o sistema do mundo.
    
    Também se pode progredir do centro para fora, seguindo a marcha de uma espiral que, a medida que vai dando volta, segue sempre mais para a face exterior. Na espiral ocorre a importante característica de que é uma única peça a progredir; ao passo que nos círculos concêntricos são diferentes camadas simplesmente sobrepostas. Para Hegel, o espírito Absoluto que é a totalidade, não se distingue do primeiro instante; é a mesma grande realidade, que em diferentes posições, exerce graus de consciência limitada.
    
    O sistema de Hegel também se pode comparar como o novelo de linha, que vem de um eixo inicial, enrolando sempre até completar-se na última volta exterior. As muitas coisas, que se nos oferecem dentro da consciência e fora dela no mundo concreto da natureza, não passam de chispas da mesma luz que é o espírito absoluto, a afirmação sintética total.
    
    
    321. Dali resulta que a lógica do pensamento, a filosofia da natureza, a arte, a religião, a filosofia se constituem como momentos abstratos de um mesmo pensar. Isolamos momentos que não se constituem como partes individuais; todos os momentos, o são de uma só grande idéia, o espírito absoluto. Portanto, nada é real mas tudo ideal como o espírito absoluto. O belo, em qualquer concepção que se o conceba, é sempre ideal, nunca real e concreto.
    
    Na espiral evolutiva, que vai do núcleo inicial, à plenitude do espírito absoluto, a evolução se faz ainda de maneira mui original, porque em forma dialética, unindo contrários em novas sínteses. Estas, como novos todos, voltam a ter seus contrários e então surge pela nova união dos contrários, nova síntese.
    
    A famosa dialética de Hegel empresta uma característica muito especial ao seu sistema. Não visamos entretanto isto em primeiro lugar aqui. Mas seu idealismo evolutivo, que vai de um momento inicial até um último, em que cada idéia é apenas um momento abstrato do todo ideal. Por isso também o belo e a arte se reduzem apenas a momentos da idéia.
    
    
    322. A marcha dialética principia com a noção a mais geral de ser como tal; neste plano se exercem todos os passos dialéticos da lógica. Como um todo, a lógica é uma tese.
    
    Do outro lado, como antítese e oposta à tese, surge a natureza, o mundo exterior. Também aqui se exerce todo um complexo interno de teses e antíteses, com as respectivas sínteses.
    
    A síntese, reúne ambas os contrários, no espírito absoluto. Também este se desenrola internamente
    
    Cada instância admite a subdivisão em termos de dialética interna. Em virtude da localização do artístico apenas na afirmação dialética do Espírito absoluto, ocupar-nos-emos tão só da movimentação interna deste.
    
    A noção do espírito começa a se formar no instante em que surge a consciência de que a natureza, enquanto oposta ao conceito, o nega. Assim surge o consciência do espírito como síntese de conceito na natureza, ou sujeito-objeto. Portanto, a tese e a antítese fizeram a síntese.
    
    O espírito passa a progredir. Primeiramente afirma-se como espírito subjetivo (consideração subjetiva do indivíduo). Como antítese surge logo o espírito objetivo ( a espécie humana , de onde surge o direito, a moralidade, a eticidade).
    
    Sobressaindo sobre o espírito subjetivo e objetivo, forma-se a síntese suprema, o espírito absoluto; vê-se, o espírito, como manifestação que ocorria tanto no subjetivo como no objetivo, em forma de oposições, mas que se unem em um só espírito absoluto.
    
    Tudo se dá, pois, em cerrada progressão dialética, em que cada momento é seguido de outro, ora negando (por antítese), ora afirmando (por síntese).
    
    Restritos agora ao espírito absoluto, onde se situa o artístico, passamos a dizer que este espírito absoluto, se manifesta primeiramente nas obras de arte, como mensagens que são de um pensamento do artista. A conscientização é evidente, embora limitada pela matéria.
    
    A manifestação da idéia não se procede por igual nas diferentes artes; estas princípio é aproveitado por Hegel para uma classificação, no tope da qual situa a poesia.
    
    O belo é o sensível naquele instante em que é visto como etapa dialética do espírito absoluto.
    
    Na religião, antítese da arte, a idéia se interioriza. Não alcança, ainda a religião plena luz, ofuscada que se conserva em símbolos e sentimentos cegos. Num salto imenso e final, ocorre a afirmação sintética total, com a filosofia. Eis, então, chegada a conscientização do espírito absoluto. Diante do exposto, o pensamento é história; toda a marcha da consciência é a "história da filosofia", em que cada momento era uma verdade parcial; a filosofia é o termo final da história.
    
    
    323. Definida a arte como "expressão do pensamento", que faz da obra um instrumento de mensagem, a definição de Hegel, nos parece efetivamente certa.
    
    Além de interpretar a obra de arte como manifestação teorética do pensamento, via nesta expressão a primeira manifestação do espírito absoluto. Este aspecto novo, em que a arte exerce uma posição sistemática de ordem metafísica, não altera o conceito que Hegel exercia a propósito da arte como expressão sensível de uma idéia.
    
    Mas que era a referida manifestação do espírito absoluto? Para Hegel, como vimos, a realidade total não é senão um só grande Espírito, cujo momento inicial é de um mínimo de consciência e que passa a uma evolução constante.
    
    Depois de conhecer a natureza exterior como parte do seu próprio espírito, subitamente passa a perceber esta peculiaridade; a obra de arte, embora sensível, começa a falar, transmite mensagem, diz algo, eis que isto representa um primeiro instante da manifestação do espírito absoluto.
    
    A arquitetura não é apenas natureza; fala como um símbolo; assim também fala a música; principalmente transmite mensagem a poesia que se configura portanto como a mais elevada manifestação do espírito no plano sensível das artes.
    
    O que, por conseguinte, Hegel acrescentava à natureza da arte era uma interpretação metafísica, que não alterava ao conceito em si mesmo da arte. Esta, sob o ponto de vista metafísico, seria a conscientização do espírito absoluto em plena marcha, superando a matéria no instante em que impunha à matéria a expressão de cada idéia.
    
    Nada perdeu a conceito de arte de Hegel, ao asseverar que a religião, em seu momento dialético, fala de modo mais desenvolvido e amplo que a arte.
    
    Nem fica prejudicado seu conceito de arte, quando ao final diz que a filosofia constitui a conscientização máxima do espírito.
    
    Na verdade a expressão artística não passa de uma sensível maneira de manifestar a idéia, que na religião e na filosofia se alçam à plenitude.
    
    
    § 3. O idealismo estético de Croce. 0764y325.
    
    
    326. Por algum tempo foi notória a publicidade e influência de Benedetto Croce (1866-1952) em assuntos atinentes à filosofia da arte, especialmente à estética literária. O que, entretanto, nos faz aludir agora ao mentor do hegelianismo italiano é sua nova modalidade de idealismo dialético, na qual também ocupa seu espaço o belo.
    
    Ao escrever seu famoso tratado O vivo e o morto na filosofia de Hegel (1909), podou, porque os julgava inaceitáveis, alguns aspectos do hegelianismo.
    
    De maneira geral Croce abrandou o idealismo dialético de Hegel, ao qual atribuiu um leque maior de variação. A realidade não evoluiu dialeticamente para uma só direção final suprema, que fosse o espiritual racional, porém para diversas direções, cada uma com personalidade própria. Assim alcançou a dialética idealista de Croce, com seus graus distintos do espírito, um lugar mais ao sol para a arte.
    
    Se em Hegel os novos graus iam depreciando os anteriores, em Croce eles como que se justapõem. Enquanto o dialeticismo hegeliano transitava da arte para a religião, desta para a filosofia, a nova concepção dos graus distintos desenvolve-se à maneira de leque. Se em Hegel os graus anteriores são como que momentos abstratos, em que se movimenta o pensar, até alcançar o todo concreto do Espírito Absoluto, em Croce os diversos graus se constituem como situações efetivas, e não como simples abstrações.
    
    
    Mas, para Croce, como em Hegel, tudo é espírito, tudo idealidade. Apenas alterou detalhes do idealismo, cujo fundamento epistemológico continua o mesmo. Antes de tudo importa decidir, se o idealismo se pode manter como verdade.
    
    Retendo Croce todavia os fundamentos do hegelianismo, comprometeu-se com as dificuldades destes mesmos fundamentos. Como conseguiria explicar o monismo em que o absoluto é concebido em evolução do menos para o mais? Como justificaria a própria dialética, quer a de Hegel, quer a sua? Importa decidir se também isto está morto para uma filosofia levada à sério.
    
    
    327. Organizou Croce os conceitos em distintos e em contrários. Como distintos se apresentam os conceitos de coisas, que não se opõem, mas também não se confundem e nem se identificam. Os contrários são os que se opõem.
    
    "Na investigação da realidade nosso pensamento se exerce em presença não só de conceitos distintos, mas também de conceitos contrários, os que não podem ser identificados com os primeiros, e nem sequer considerados casos especiais daqueles, i. é, como uma classe de conceitos distintos. Uma coisa é a categoria lógica da distinção, e muito outra a categoria da oposição. Dois conceitos distintos, como já se tem dito, se unem entre si, ainda que em sua própria distinção; dois conceitos contrários parecem excluir-se: onde aparece um, o outro desaparece totalmente...
    
    Exemplo de conceitos distintos são os já mencionados de imaginação e inteleto e muitos outros que poderiam agregar-se, como ser, direito, moralidade e infinidade de conceitos similares.
    
    No que diz respeito ao exemplo de conceitos contrários, pode-se extraí-los de numerosas associações de palavras que tanto abundam em nossa linguagem e que não constituem, por certo, associações pacíficas e amistosas. São, por exemplo, os termos antitéticos de verdadeiro e falso, de bem e mal; de belo e feio; de valor e desvalor; de prazer e dor; de atividade e passividade; de positivo e negativo; de vida e morte; de ser e nada, etc.
    
    Não se pode, pois, confundir a série dos distintos, com os contrários" (Croce, O vivo e o morto em Hegel, item 1, p. 16-17).
    
    
    Cedeu Croce ao fato, ainda que isto fosse uma diminuição do logicismo da unicidade. Efetivamente há manifestações que não se apresentam como contrárias, mas são apenas distintas. Foi um recuar em relação a Hegel e um aproximar-se a Aristóteles.
    
    Em Croce o belo se mantém como o contrário do feio. Mas, nem tudo se opõe ao belo como seu contrário. Por isso, ao lado do belo ocorrem elementos que dele se distinguem e que por isso não se eliminam com a afirmação do belo. Já ocorreria em Hegel esta possibilidade, visto que fazia oporem-se entre si os conceitos; a arte era superada pelo religião, esta pela filosofia.
    
    
    Os graus distintos supremos, da dialética dos distintos de Croce, se esquematizam em número de quatro, estes em grupos de dois, em que um destes grupos é teorético e outro prático. Eis o quadro:
    
    Grupo de sínteses teoréticas:
    
    - primeiro grau, a síntese imaginativa (ou intuição artística);
    
    - segundo grau do espírito, a síntese lógica (ou filosofia);
    
    
    Grupo de sínteses práticas:
    
    - terceiro grau, economia;
    
    - quarto grau, moral.
    
    
    Pelo visto, o grau distinto inicial se refere à intuição artística.
    
    Tudo isto, apesar de se constituir como grau distinto (e não como contrário) é idealidade, simples elemento composto do Espírito Absoluto.
    
    A diferença gnosiológica entre Hegel e Croce apenas ocorre, no que concerne ao idealismo, em que para o filósofo alemão o Espírito se manifesta só com oposições; para o italiano, também em graus distintos sem oposição. Quanto ao belo, também é inteiramente ideal, não importando em qual dos distintos ou graus contrários seja posto.
    
    Para Croce, conforme se viu, o belo surge como contrário do feio; neste ponto ocorre ainda a manutenção de Hegel.
    
    Contudo, o belo não se pode definir em função ao contrário, apesar de possuir um seu contrário. O possuir um contrário é propriedade do belo, nunca, porém, essência constitutiva de algo.
    
    329. Avaliação. De maneira geral, toda a questiúncula de Hegel e Croce referente aos contrários e aos graus distintos é de ordem superficial, porque divide o ser em função às propriedades. Ora, em sendo propriedades, estas não derivam de todos os seres. Têm os diversos seres propriedades. Uma destas propriedades é a de terem graus; outra é a de terem contrário; outra ainda é a de terem semelhantes.
    
    Frisou Aristóteles que somente a categoria da qualidade possui a propriedade de ter semelhante. A propriedade de o ser possuir graus e contrários ocorre também na categoria de qualidade, mas não em todas as qualidades individualmente.
    
    Observam também subtilmente os aristotélicos, que algumas propriedades se dizem de várias categorias de ser, outras não. Estas propriedades que alcançam várias, foram denominadas pós-predicamentos. De maneira geral não podem constituir questão decisiva na organização dos seres.
    
    

    § 4. A estética na filosofia dos valores. 0764y330.
    
    
    331 Determinados como absolutos, na ordem da essência, os valores não se configuram como realidade ontológica no plano do objeto.
    
    Como aliquid, como contrário portanto do nada, como ex-sistência, os objetos atingidos pela intencionalidade emotiva, se constituem apenas como o a priori do emocional.
    
    Combatendo embora toda a espécie de nominalismo, Max Scheler (1874-1928) não se opõe todavia integralmente ao kantismo.
    
    É também possível defender a realidade das coisas e contudo manter a índole irreal e imanente dos valores. Esta filosofia sempre a distinguiu entre coisa e valor; em assim o fazendo, abre a possibilidade de um realismo no plano da coisa e o de um imanentismo transcendental meramente lógico no dos valores.
    
    Por vezes não sabemos ao certo o que os filósofos dos valores efetivamente pretendem afirmar.
    
    Teria Max Scheler defendido uma tese transcendentalista para ambos os elementos, para a coisa e para o valor? Como tudo apresentou, pode-se acreditar que sim.
    
    Diferenciando-se, teria Nicolai Hartmann (1882-1950) estabelecido um realismo para as coisas e um transcendentalismo para o valor?
    
    Além de ocorrerem mudanças de posição ao longo da vida de um filósofo inovador, ainda poderá não ter utilizado os termos em acepção idêntica e óbvia.
    
    
    333. A fenomenologia de Edmund Husserl (1859-1938), na qual se inspiraram Max Scheler e Nicolai Hartmann, insiste no caráter inteiramente intencional do conhecimento a marchar para um objeto. Mas este objeto se reduz enfim em pura imanência no recinto interno do sujeito.
    
    Max Scheler enveredou pela mesma trilha.
    
    Nikolai Hartmann se retém com moderações.
    
    Distinguindo entre coisa e valor, para Scheler estes valores não se encontram nas coisas, mas na pessoa que as realiza. A coisa, aliás, é um objeto sem conteúdo real. Não se poderia esperar conteúdo ontológico para valores que vão morar em um objeto imanente.
    
    Localizando o valor na pessoa, a respeito desta desenvolveu uma teoria muito peculiar. Interpretando-a embora de maneira imanente e sem conteúdo real, no sentido aristotélico, não tomou contudo a direção do panteísmo generalizado, nem do associacionismo empírico.
    
    O belo, situado entre os valores, tem a sorte destes.
    

    ART. 3-o. ESTÉTICA REALISTA. 0764y335.

    
    
    336. O realismo e as validades ontológicas em geral vêm sendo mantidas por uma pertinaz corrente de pensadores aristotélicos, sob as mais diversas tintas, geralmente escolásticas.
    
    Também realistas, certas filosofias positivistas e materialistas contudo não mantêm as validades ontológicas. Semelhante é o realismo de Sartre.
    
    
    337. Para a estética realista, as coisas belas são reais. A determinação que as faz serem belas, outra vez é real; desta vez é uma qualidade, porém real. Enfim, os arquétipos, em função dos quais uma coisa se diz perfeita, são de validade ontológica, independente da estrutura do conhecimento.
    
    Eis o espírito da metafísica do belo, em termos realistas, como poderiam caber no sistema de Aristóteles e Tomás de Aquino.
    
    Até certo ponto este também é o espírito de Platão; mas geralmente o platonismo tende, nos seus sucessores, para o racionalismo dos arquétipos, até que na filosofia moderna vai ao conceptualismo puro.
    
    Também o positivismo e o existencialismo propendem para admissão da realidade exterior. Mas, no que diz respeito à validade dos universais, são nominalistas. Não há arquétipos, em função dos quais os indivíduos se modelam. Somente há posição pura, sem essências a obedecer.
    
    
    338. Como se prova o realismo, e com isso criando as bases do belo como determinação de algo real? Admitem uns a realidade como apreensão imediata, bastando portanto a fenomenologia. Outros querem estabelecer a realidade como de evidência mediata, importando por conseguinte uma prova cursiva.
    
    A apreensão imediata do mundo exterior, sem o recurso a processos raciocinativos, leva o nome de realismo imediato. Tem os realistas imediatos a convicção de que somente a visão explícita imediata pode oferecer a realidade: as outras vias não seriam legítimas.
    
    Os antigos em geral, como Platão e Aristóteles, e depois também os medievais, trataram da realidade como sendo de evidência imediata, ainda que não a examinem com exaustão. Só nos tempos modernos a questão do realismo se tornou um questionamento exaustivo, mesmo entre os realistas imediatos.
    
    Existencialistas, como Sartre, insistem que não se pode fazer legitimamente a distinção entre fenômeno e realidade; o fenômeno seria a mesma realidade.
    
    "L’être d’un existant, c’est précisément ce qu’il parait. Ainsi parvenon-nous à l’idée de phénomène, telle qu’on peut la rencontrer par exemple, dans la "phénomélogie" de Husserl ou de Heidegger, le phénomène ou le relatif-absolu. Relatif, le phénomène le demeure car le "paraitre" suppose par esence quelqu’un à qui paraitre. Mais il n’a pas la double relativité de l’Erscheinung kantienne. Il n’indique pas, par-dessus son épaule, un être veritable qui serait, lui, l’absolu. Ce quíl est, il l’est absolument, car il se devoile comme il est. Le phénomène peut être êtudié et décrit en tant que tel, car il est absolument indicatif de lui-même" (Sartre, L’être et le neant, Intr. 1, p., 12).
    
    Já outros acham apenas possível a marcha discursiva, de sorte a se estabelecer um realismo mediato. Assim operaram os racionalistas cartesianos. Mais recentemente, o realismo mediato foi tentado por alguns neo-escolásticos, como Cardeal Mercier, Donat S. J. , De Vries, S. J.
    
    339. E os universais? Estes funcionariam como arquétipos, no que diz respeito ao belo. Pretendem os aristotélicos, contra Platão, que tudo inicie na apreensão do ser sensível particular; por abstrações sucessivas chegar-se-ia às noções gerais.
    
    Há duas modalidades fundamentais de abstração, a total e a formal.
    
    Pela abstração total dispensam-se os sujeitos, para se reter a forma; seria como quando abstraímos a forma planta, de seus sujeitos portadores, de sorte a ficar apenas a planta em geral. Nestas mesmas condições nasce a noção de ser em geral.
    
    Prosseguindo, a abstração formal fica trabalhando somente na forma, dissolvendo a mesma forma em novas formas abstratas; destes muitos estratos resulta haver as noções que chamamos categorias ou modos especiais do ser (substância, qualidade, quantidade, relação, tempo, lugar, posição, ação, paixão, posse) e modos transcendentais, ou modos gerais do ser (ens ut sic, res, unum, verum, bonum, aliquid).
    
    Que valor teriam tais noções no plano ontológico? Uma vez admitida a realidade dos dados singulares sensíveis de que foram abstraídas as noções, dependem radicalmente dos referidos dados singulares sensíveis. Se os dados fossem fenomenais (imanentes) não poderiam os subprodutos abstrativos ser menos imanentes. Mas, se forem reais, resta apenas apurar se, com a abstração, conservaram a característica real, isto é, ôntica.
    
    Suponhamos que os dados contenham confusamente os elementos ontológicos universais absolutos. Então basta abstrair, separando entre si os aspectos singulares individuantes, e a seguir redividir a forma universal em suas categorias e modos transcendentais.
    
    Efetivamente, é o que se há de fazer, e não há outro caminho. O que confusamente os dados concretos e singulares oferecem de absoluto, já existe desde o primeiro instante do dado. A abstração apenas afasta o aspecto singular da forma, e a esta redivide em seus muitos modos. Não acontece, então, neste procedimento uma caminhada ilógica do menos para o mais, porém, só uma explicitação mais incisiva.
    
    Destas maneira salvam-se, como ontologicamente válidos, pelo lado exterior do processo cognoscitivo, os gêneros supremos dos seres e que funcionam como arquétipos, em função dos quais as coisas podem ser ditas belas.
    
 

    Índole inabalável dos arquétipos. 0764y340.
    
    
    341. Haveria conceitos absolutos, essências eternas, modelos imutáveis que uma vez realizados pelos seres individuais, faria haver coisas perfeitas? Sem um termo absoluto de referência, - e que já encaminhamos antes (vd 238), - não poderia haver situações que se pudessem dizer mais perfeitas e menos perfeitas com validade também absoluta.
    
    Sem o referido termo absoluto de referência, todas as situações seriam metafisicamente indiferentes ao que eventualmente fossem. Eis um problema de ordem eminentemente metafísica. Somente poderíamos , sem modelos absolutos, cogitar de perfeições relativas e precárias. Escolhido um modelo hipotético, em função a este as coisas se dirão perfeitas. Não haveria falsas filosofias, mas um sistema seria falso em função a uma outra eventual filosofia . Para Aristóteles seria falso o platonismo, porque não coincide com seu sistema pessoal. De novo seria falso o aristotelismo para um kantiano.
    
    Numa ordem inteiramente universal, a indagação, - se o absoluto de fato ocorre, se apresenta de resposta mais difícil. Não se discute a possibilidade dos modelos relativos e hipotéticos, não se trata de valores eventualmente válidos em uma civilização determinada. Nem se discute a relatividade da inspiração artística, variável de acordo com os ideais do artista; o belo em sua apreciação subjetiva não se confunde com o que ele poderia ser na ordem inteiramente objetiva. O belo, neste plano objetivo e totalmente metafísico, seria também ele absoluto.?
    
    
    342. A eternidade das essências é negada por aqueles que entendem que tal circunstância limitaria a liberdade divina; Deus seria o autor da própria formulação das essências, de onde resultaria que por sua determinação tais são as atuais noções de ser, de bem, de verdade, de beleza, de numeração como dois mais dois são quatro.
    
    Este voluntarismo foi defendido por Duns Scotus (1266-1308). Foi também o pensamento de René Descartes (1596-1650) e Leibniz (1646-1716), os dois principais representantes da primeira fase do racionalismo moderno.
    
    Emanuel Kant (1724-1804), inaugurando a segunda fase do racionalismo moderno, ainda retém o caráter absoluto da essência, mas desta vez como simples forma apriorística do entendimento e da faculdade do juízo.
    
    Quebrada embora a eternidade integral no sentido platônico e aristotélico, as essências contudo firmavam-se na decisão estável de Deus, ou de uma situação apriorística das faculdades do homem. E por isso era possível ainda enunciar o conceito de perfeição de maneira mais ou menos absoluta e metafísica.
    
    Mas, no campo da filosofia de natureza empirista e positivista mostrou-se logo impossível manter qualquer essência absoluta; o relativismo ganhou corpo. O historicismo de Guilherme Dilthey (1833-1911) representa um esforço notável de estabilização dos valores movediços do relativismo firmando-os em um certa continuidade histórica.
    
    De acordo com uma concepção platônica, aristotélica e tomista, a possibilidade interna dos possíveis dependeria do ser e não da inteligência
    
    
    343. A última razão das essências repousa na natureza divina e não em sua vontade onipotente.
    
    A mutabilidade ou imutabilidade, é um conceito que indica propriedade; esta decorre da essência. Ora, a essência é anterior à vontade. Logo, qualquer seja a propriedade de uma de uma essência ela não muda por obra da vontade. Se uma essência fosse mutável, ela continuaria mutável, ainda que posteriormente a vontade quisesse interferir. E assim também a imutabilidade não sofre possível transitar de uma essência a outra, mas não mudar uma em outra. Ocorre citar aqui o exemplo feliz de Aristóteles: "tal como se uma das partes de que o número é constituído fosse um outro número, por menor que fosse o acréscimo, ou a diminuição, assim nem a definição, nem a quididade permanecem as mesmas, se delas se apara ou se acrescenta qualquer elemento" (Metafísica 1043 b. 37 ss).
    
    A essência absoluta é Deus; por isso, em última instância, a imutabilidade das essências repousa na concreta imutabilidade da essência divina. Como a montanha assenta inabalável sobre seus fundamentos, a totalidade indefinida das essências, as mais diversas, assenta na imutável essência divina. Deus não age contra as essências, porque seria uma ação contra si mesmo. Sua vontade em última instância, também se identifica com a natureza eterna. Deus quer livremente existir necessariamente... Ocorre um círculo, mas semelhante àquele que define a linha reata como aquela sequencia de ponto cujo raio se situa infinitamente distante, no infinito, a reta e o círculo conferem.
    
    A localização das essências no recinto da natureza divina e não em sua inteligência, resulta em que as coisas do mundo não representam antes de tudo as idéias de um Deus Artista, mas as natureza divina. Certamente que Deus criador, opera com a vontade e a inteligência, mas as essências arquétipas constituem primeiramente de sua própria essência, dela tomando a firmeza do seu caráter absoluto.
    
    Neste particular, Deus é apenas o Demiurgo de Platão. O defeito da concepção platônica não se encontra no caráter "eterno" das "idéias reais" segundo as quais o Demiurgo organizava o mundo, mas em não ter unido as partes num único ser supremo.
    
    O demiurgo, como que postado comodamente de um lado dos céus, via de outro as idéias reais, brilhantes, perfeitas e belas. Como essências intocáveis. Fazia jorrar a luz destas mesmas idéias sobre o caos imenso do mundo ascendendo as formas sublimes das montanhas, despertando o colorido das pétalas das flores, dando brilho ao mar em jogando a luz sobre as ondas. Reduzindo, entretanto, tudo isto a uma formulação poética, filósofos posteriores fundiram no mesmo ser absoluto, as essências eternas e o Demiurgo.
    
    344. Concluindo mais um capítulo, este foi o que conduziu ao detalhe a questão penosa e fundamental do belo como um aliquid, portando do belo enquanto surge como objeto e se nos antepõe.
    
    Para uns se antepõe apenas como coisa ideal, não existindo para além do espaço mental. Para outros, existe também como coisa em si, não dependendo só da consciência.

 Fonte:
ENCICLOPÉDIA SIMPOZIO
 
  (Versão em Português do original em Esperanto)
© Copyright 1997 
http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/megaestetica/TratBelo/0764y300.html#Top_of_page 

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